… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

16 - A suficiência e a autoridade das Escrituras (Resposta a uma carta)


C. H. Mackintosh

Breves Meditações
16 - A suficiência e a autoridade das Escrituras (Resposta a uma carta)


Estamos totalmente de acordo consigo quando diz: «Reconheço a voz de Jesus somente na Sua Palavra». Em que outro lugar poderíamos ouví-la? A essa bendita Rocha acudimos(1)  para tudo. Ela constitui-se o sólido fundamento sobre o qual repousa a nossa fé. Não necessitamos que nenhuma outra coisa nos brinde com plena segurança, salvo a Sua fiel Palavra. Nenhuma prova exterior, nem nenhum sentimento interior podem agregar algo à verdade e à estabilidade da Palavra. Como sei que sou um pecador? Pela Palavra. Como sei que Jesus Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores? Pela Palavra. Como sei que os meus pecados foram perdoados? Talvez pelos meus sentimentos? De nenhuma outra maneira que pela Palavra. Esta Palavra diz-me que “Cristo padeceu uma só vez pelos pecados.” Mas, como sei que padeceu pelos meus pecados? Porque a Palavra diz: “o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus” (1Pe 3:18). pois bem; sei que sou “injusto” porque a Palavra mo diz; e por isso Cristo padeceu pelos meus pecados, e sou perdoado, conforme a eficácia dos sofrimentos expiatórios de Cristo. Sou conduzido a Deus, agora, conforme à virtude e ao valor da Pessoa e da obra de Cristo, “O qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação.” (Rm 4:25). Assim, “Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5:1).

Para concluir, querido amigo, deve apoiar-se na Palavra, como um menino. É verdade que pelo poder do Espírito Santo cremos na Palavra e nos alimentamos dela; mas a Palavra é o sólido fundamento sobre o qual sempre deve descansar a sua preciosa alma. Oxalá que todas as suas dúvidas e temores se desvaneçam à luz pura e preciosa dessa Palavra que “permanece nos céus para sempre” (Sl 119:89).

Você não pode ter a menor dúvida quanto a saber donde procede tal pensamento infiel. Provem do “pai de mentira” (Jo 8:44). Considere-o como tal. Julgue-o e negue-o (2)  por completo. Parece estranho que, depois de conhecer o Senhor durante quarenta anos, como você diz, se veja perturbado, ainda que seja um momento, pela sugestão de alguém de quem sabemos que é “mentiroso” (Jo 8:44). Pergunte-se a um camponês ignorante que viva para lá das montanhas como sabe que o Sol brilha. Pergunte-se a um simples crente como sabe que a Bíblia é a Palavra de Deus. Ele dir-lhe-á que tem sentido o poder dela. O Espírito Santo não o tem feito experimentar a si o poder da Palavra de Deus? Se o próprio Deus não me pode fazer saber que é Ele quem me fala na sua Palavra, quem mais o poderá fazer? Se fossemos só a crer na divina inspiração das Escrituras pelo testemunho humano — por poderoso que fosse esse testemunho — , então isso não seria fé de certeza absoluta. Eu creio no que Deus diz, por quanto é Ele quem O disse, não porque o diga uma autoridade humana. Se todos os Padres da Igreja (3)  que outrora escreveram, se todos os professores que alguma vez ensinaram, se todos os concílios (4)  que se reuniram, se todos os anjos do Céu e todos os santos da Terra se pusessem de acordo em declarar que a Bíblia é a Palavra de Deus, e fôssemos crer no seu testemunho, isso não seria a fé dada por Deus. Por outro lado, se todos se pusessem de acordo em declarar que a Bíblia não é a Palavra de Deus, isso não poderia fazer fraquejar, nem por um instante, a nossa confiança nessa incomparável revelação. Deite para trás das suas costas, de imediato, querido amigo, na própria cara do inimigo, todas as suas insensatas e blasfemas sugestões, e repouse, como uma criança, no amor e na verdade desse Bendito a quem tem conhecido desde à tantos anos.

Não vimos o livro ao qual se refere; e, julgando pelo extracto (5)  que você nos enviou, não temos nenhum desejo de vê-lo. Cremos reverentemente e de o todo coração na inspiração plenária das santas Escrituras dadas por Deus no idioma hebraico e em grego (κοινη). De facto, acham-se erros nas diversas versões, cópias e traduções. Nós falamos somente das Escrituras como Deus no-las deu. Oh, querido amigo, que inefável consolo é ter uma revelação divina! Que deveríamos fazer, aonde haveríamos de ir se ficássemos abandonados à mercê dos pensamentos humanos sobre o assunto? Que pobre coisa seria para nós ter que recorrer aos homens para que acreditassem (6)  a Palavra de Deus! Privar-nos-iam sem dilação (7)  da autoridade e do valor dela. Que descarado atrevimento é que pobres vermes da Terra ousem pôr-se a julgar a Palavra de Deus! Opinar em que parte é digna de Deus e em que parte não! Se Deus não pode fazer-nos entender a sua Palavra, se não pode dar-nos a segurança de que é Ele mesmo quem nos fala na sagrada Escritura, que deveremos fazer? Poderá o homem manejar manipular, dirigir, conduzir(8)  melhor o assunto? Este parece pensar assim; mas a nós isso cria-nos terríveis dúvidas. Se o próprio Deus não nos pode fazer-nos entender a Sua Palavra, nenhum homem o pode fazer; se Deus O faz, nenhum homem necessita fazê-lo. Aconselhamo-lo encarecidamente, querido amigo, que se desfaça de todos esses livros, por muito recomendados que sejam. Ai, parece que a moda de hoje em dia é recomendar, nos mais ardentes termos e de donde menos o esperaríamos, toda a sorte de livros infiéis, infestados de blasfemos ataques contra a Palavra de Deus e a Pessoa de Cristo! Não podemos senão julgar como um grave erro (9)  o facto de que os cristãos leiam tais livros, a menos que sejam chamados e estejam capacitados por Deus para criticá-los. Leria um livro intitulado: «Ensaio no qual se trata de demonstrar que dois mais três não é igual a cinco»? Cremos que não. Se Deus lhe tem concedido na Sua graça que repouse pela fé na Sua eterna Palavra, quê mais quer? Provavelmente os livros infiéis não o poderão ajudar. Deus é o Seu próprio intérprete, tanto na Escritura como na Providência (10) . Pensaria em consultar algum livro céptico ou racionalista para que o ajudasse a resolver os mistérios do governo de Deus? Confiamos que não. Então, porque deveria consultá-los para ver qual é o seu parecer a respeito da Inspiração (11) ? Não podemos conter o nosso desejo de citar-lhe essa magnífica passagem de 2Tm 3:17 “E que desde a tua meninice sabes as sagradas Escrituras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus. Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito (12) , e perfeitamente instruído para toda a boa obra.”

Muito tememos, querido amigo, que não se encontre debaixo da protecção do escudo da fé ao examinar o livro de que fala; mas oramos fervorosamente para que a sua preciosa alma possa sair vitoriosa, com tranquila decisão, ante toda a sugestão obscura e céptica que o possa estar atribulando, e possa voltar ao seu sagrado repouso na eterna estabilidade da revelação divina. Oxalá que Deus lha conceda na sua infinita graça!

O inspirado Volume possuiu as suas próprias credenciais. Fala por si próprio. Chega-nos com um impressionante cúmulo(13)  de provas, tanto internas como externas. Os «Apócrifos (14) », pelo contrário, levam sobre si, a olho nu, a sua própria condenação. Contêm passagens que você não tem mais que as ler para convencer-se de que nunca foram escritas pelo Espírito de Deus. Repudiamo-las com base nas provas internas e externas.

A palavra que aparece em 1Co 11:2 (15)  vertida como “preceitos”, pode traduzir-se também como «tradições», «instruções» ou “ordenanças”. O apóstolo não detalha quais eram; mas, graças a Deus, sabemos que todas as ordenanças, tradições ou instruções que são essenciais para a Igreja, até ao seu arrebatamento, se acham claramente registadas nas Escrituras do Novo Testamento. Isto é plenamente suficiente para nós. Os homens não têm nenhuma autoridade para instituir ritos e cerimónias na Igreja de Deus; o facto de que o façam só pode ser considerado, por todo o coração fiel a Cristo, como uma atrevida usurpação de Sua autoridade, acto que Ele haverá de julgar seguramente em breve. Sentimo-nos cada vez mais empapados, querido amigo, do sentido da urgente necessidade de provar tudo pela Palavra de Deus e de recusar tudo o que não seja capaz de resistir à prova. Observai a maneira como a autoridade de Cristo, tal como está estabelecida na Sua preciosa Palavra, é virtualmente posta de lado por aqueles que professam ser o Seu povo e os Seus servos, não só é algo profundamente penoso mas também tremendamente solene. Parece-nos, como se às pessoas jamais lhes viesse à mente que são realmente responsáveis ante Deus de julgar, à luz da Sua Palavra, as diversas coisas nas quais estão ocupadas. Por isso é que seguem, semana após semana, ano após ano, com um montão de coisas que não têm nem sombra de fundamento nas santas Escrituras. Que aterrador é pensar no fim de tudo isto! Podemos estar certos de que não será com um látego de pequenas correias que todas estas coisas serão arrojadas do templo. Queira Deus, o Espírito Santo, pelo Seu poderoso ministério, inculcar em toda a Igreja um mais profundo sentido da suprema autoridade e absoluta suficiência das santas Escrituras!

Tudo o que você disse, amado irmão, é solenemente certo. Oxalá que todo o querido povo do Senhor seja guardado do espírito do presente século! Necessitamos cultivar um espírito verdadeiramente humilde e contrito; um espírito de obediência; um espírito que nos leve a inclinarmo-nos, com submissão sem reservas, ante a autoridade das santas Escrituras. “Escrito está” é uma frase de tremendo poder, uma frase proferida por nosso bendito Mestre e Senhor no começo da Sua carreira pública, à qual aludia uma e outra vez durante o transcurso do Seu maravilhoso ministério, e que repetia, com solene ênfase, aos ouvidos dos Seus discípulos, quando estava para ascender ao Céu. Queira Deus que esta transcendente frase se grave nas tábuas do nosso coração! Se nos pedissem que declarássemos o que consideramos qual é a grande necessidade vital dos nossos dias, afirmaríamos, sem rodeios, que é a de dar-se só e absolutamente à Palavra de Deus o seu verdadeiro lugar como a base da nossa paz individual e como a suficiente autoridade para a nossa senda individual. Unamo-nos, amado amigo, em fervente oração ao nosso Deus a fim de que Ele nos dê a graça para fazê-lo, para louvor do Seu santo Nome.


Notas do Tradutor:
(1) compareceremos
(2) repudie-o; repele-o.
(3) Os Padres da Igreja, também chamados Pais da Igreja, foram teólogos e mestres doutrinários dos primeiros séculos do cristianismo, eles foram responsáveis em grande parte pela definição das doutrinas cristãs como os conhecemos hoje. Para a Igreja Católica a lista dos que merecem o título de Padre da Igreja ainda não está oficialmente encerrada. Vários Padres da Igreja, designadamente os Orientais, são também doutores da Igreja Católica Romana.
(4) Um concílio é uma reunião de autoridades eclesiásticas com o objectivo de discutir e deliberar sobre questões pastorais, de doutrina, fé, e costumes. Os concílios podem ser ecuménicos, plenários, nacionais, provinciais ou diocesanos, consoante o âmbito que abarquem. O primeiro concílio ocorreu em Jerusalém, conforme pode ser lido no livro dos Actos, quando os Apóstolos reuniram-se para tratar sobre os temas que estavam dividindo os primeiros cristãos: de um lado os judaizantes (judeus convertidos) e do outro os gentios (os convertidos não-judeus)Sendo o primeiro dos mesmos ter sido presidido pelo o Apostolo Tiago (O irmão de Jesus.)
(5) trecho tirado de um livro, resumo
(6) creditassem, abonassem, certificassem
(7) sem demora
(8) manipular, dirigir, conduzir
(9) engano
(10) Divina Providência, ou simplesmente Providência, é um termo teológico que se refere ao poder supremo, superintendência, ou agência de Deus sobre eventos na vidas das pessoas por toda a história.
(11) Inspiração é o conceito teológico segundo o qual as Escrituras do Antigo e do Novo Testamentos receberam uma supervisão especial do Espírito Santo, de tal sorte que as palavras ali registadas expressam, de alguma maneira, a revelação de Deus.
(12) grego: αρτιος
(13) acerbo
(14) Os Livros apócrifos (Apokruphoi, secreto) são os livros escritos por comunidades cristãs e pré-cristãs (ou seja, há livros apócrifos do Antigo Testamento) nos quais os pastores e a primeira comunidade cristã não reconheceram a Pessoa e os ensinamentos de Jesus Cristo e, portanto, não foram incluídos no cânon bíblico. Na doutrina evangélica/protestante são chamados por apócrifos os livros que fazem parte da lista do Antigo Testamento, normalmente encontrado na Bíblia utilizada pela Igreja Católica Romana. A terminologia teológica católica/ortodoxa para os mesmos é deuterocanónicos, isto é, os livros que foram reconhecidos como canónicos em um segundo (do grego, deutero significa segundo) momento. O número dos livros apócrifos é maior que o da Bíblia canónica. É possível contabilizar 112 deles, 52 em relação ao Antigo Testamento e 60 em relação ao Novo. A tradição conservou outras listas dos livros apócrifos, nas quais constam um número maior ou menor de livros. Destaca-se, a seguir, alguns desses escritos segundo suas categorias. 1. Evangelhos: de Maria Madalena, de Tomé, Filipe, Árabe da Infância de Jesus, do Pseudo-Tomé, de Tiago, Morte e Assunção de Maria, Judas Iscariotes; 2 Actos: de Pedro, Tecla e Paulo, Dos doze apóstolos, de Pilatos; 3 Epístolas: de Pilatos a Herodes, de Pilatos a Tibério, dos apóstolos, de Pedro a Filipe, Paulo aos Laodicenses, Terceira epístola aos Coríntios, de Aristeu; 4 Apocalipses: de Tiago; de João, de Estevão, de Pedro, de Elias, de Esdras, de Baruc; de Sofonias; 5 Testamentos: de Abraão, de Isaac, de Jacob, dos 12 Patriarcas, de Moisés, de Salomão, de Job; 6 Outros: A filha de Pedro, Descida de Cristo aos Infernos, Declaração de José de Arimateia, Vida de Adão e Eva, Jubileus, 1,2 e 3 Henoch, Salmos de Salomão; Oráculos Sibilinos.
(15) “E louvo-vos, irmãos, porque em tudo vos lembrais de mim, e retendes os preceitos como vo-los entreguei.”
(16) Artigo N.º 32

http://www.verdadespreciosas.com.ar/index.html

Tradução de Carlos António da Rocha

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Esta tradução é de livre utilização, desde que a sua ortografia seja respeitada na íntegra porque já está traduzida no Português do Novo Acordo Ortográfico e que não seja nunca publicada nem utilizada para fins comerciais; seja utilizada exclusivamente para uso e desfruto pessoal.

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