… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

terça-feira, 14 de março de 2017

A glória do Filho


Alexander Maclaren
A glória do Filho

“[Cristo], o qual é imagem do Deus invisível, o primogénito de toda a criação; porque nele foram criadas todas as coisas que há nos Céus e na Terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele. E ele é a cabeça do corpo da Igreja; é o princípio e o primogénito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência.” (Cl 1:15-18 ARC, Pt)

A Igreja dos Colossenses foi importunada pelos mestres que tinham enxertado muitas especulações estranhas sobre a matéria e a criação. Para nós, elas podem parecer sonhos vazios, mas tinham força suficiente para abalar a Igreja Primitiva, e, em alguma forma, elas ainda existem.

Esses mestres em Colossos pareciam defender que toda matéria era má e a base do pecado; que, portanto, a criação material não poderia ter vindo diretamente de um Deus bom, mas era, em certo sentido, oposta a Ele, ou era, em todo caso, separada dEle por um grande abismo. O espaço era transposto por uma cadeia de seres, meio abstratos e meio pessoais, tornando-se gradualmente cada vez mais e mais materiais. O mais baixo dEles tinha criado o Universo material e agora governava-o e tinha de ser adorado por todos.

Nesses importantes versículos Paulo opõe-se com a verdade sólida a esses sonhos, e, em vez de uma multidão de potestades e de seres angelicais, ele eleva alta e claramente a figura singular do único Cristo. Jesus preenche todo o espaço entre Deus e a humanidade. Não há necessidade de uma multidão de seres sombrios para ligar o Céu com a Terra.

Jesus Cristo alcança com as mãos ambos. Ele é a cabeça e a fonte da criação; Ele é a cabeça e a fonte da vida para a Sua Igreja. Portanto, Ele é primeiro em todas as coisas, para ser ouvido, amado e adorado. Nós superamos o erro que afligia a Igreja em Colossos, mas as verdades que estão aqui colocadas contra eles são eternas e são necessárias hoje no nosso conflito de opiniões muito mais do que então, a proclamação triunfante de Sua supremacia sobre tudo, em todos os aspectos.

Temos a relação de Cristo e Deus colocada em importantes palavras: “Imagem do Deus invisível.” Sabemos que o judaísmo alexandrino tinha muito a dizer sobre a “Palavra” e falou dela como a imagem de Deus, e, provavelmente, esse tipo de ensinamento tenha encontrado caminho em Colossos. Uma imagem é uma semelhança ou representação, como a da efígie do rei sobre uma moeda, mas aqui é aquela que torna o Invisível visível. O Deus que habita na espessa escuridão, afastado da compreensão e acima do pensamento, veio e fez-Se conhecido, e de uma forma muito real veio para o alcance da nossa compreensão na forma humana de Jesus Cristo. O primeiro pensamento envolvido nessa declaração é que o Ser Divino em Si mesmo é incompreensível e inacessível. “Ninguém jamais viu a Deus, nem pode vê-Lo.” Ele não somente está além da compreensão, mas acima da percepção do entendimento. O conhecimento direto e imediato dEle é impossível. As nossas limitações e os nossos pecados impedem-no. Ele é “o Rei invisível”, o “Pai das luzes” que habita na gloriosa privacidade da luz, na qual não há trevas de modo algum.

Então, a próxima verdade é que Cristo é a manifestação perfeita de Deus. NEle temos o invisível tornado visível. Por meio Dele conhecemos tudo o que sabemos de Deus, como algo distinto daquilo que supomos ou imaginamos ou suspeitamos dEle. Sobre esse elevado tema, não é sábio usar muito a linguagem escolástica dos sistemas e dos credos. Poucas palavras, e essas essencialmente as do próprio Senhor, são melhores, e o que provavelmente falará menos de modo errado é o que se confinar mais à Escritura na sua apresentação da verdade. Todas as grandes correntes de ensinamentos no Novo Testamento concorrem para a verdade que Paulo proclama aqui. A concepção encontrada no Evangelho de João sobre a Palavra, que é a expressão vocal e torna audível a mente divina, e as concepções na Epístola aos Hebreus sobre o brilho da glória de Deus e a verdadeira imagem, ou selo impresso de Sua substância, são ambas outro modo de representação dos mesmos fatos da plena semelhança e a completa manifestação que Paulo aqui afirma ao chamar ao homem Cristo Jesus de “a imagem do Deus invisível.” Os mesmos pensamentos estão envolvidos nas palavras de nosso Senhor: “Aquele que Me vê a Mim vê o Pai.” NEle a natureza divina aproximou-Se numa forma que pudesse ser compreendida em parte pelos sentidos, pois era “a Palavra da Vida” que eles viram com os olhos e as mãos tocaram, e que é hoje e para sempre uma forma que pode ser compreendida pela mente, pelo coração e pela vontade. Em Cristo temos a revelação de um Deus que pode ser conhecido com um conhecimento que, embora não sendo completo, é real e válido, pode ser amado com um amor que é sólido o suficiente para ser o fundamento de uma vida, e em quem se pode confiar com uma confiança que tem consciência de que tocou a rocha e está firmemente edificada. Não é pelo fato de Ele ser o revelador de Deus, o que começou com Sua encarnação e terminou ao fim de Sua vida terrena, mas desde o princípio, antes do começo da criação, a Palavra era o agente de toda a atividade divina e a fonte de toda a divina iluminação. Creio que depois de os véus da carne e dos sentidos serem retirados e olharmos face a face, a face que devemos ver será a de Jesus Cristo, no qual a luz da glória de Deus deve brilhar para os redimidos e perfeitos filhos de Deus.

Nestas breves palavras sobre um assunto tão imenso, devo correr o risco de dar a impressão de tratar com declarações sem o respectivo embasamento. A minha tarefa não é tanto tentar provar as palavras de Paulo, mas explicá-las. No entanto, desejaria que dependêssemos de Cristo para todo o verdadeiro conhecimento de Deus. Suposições não são conhecimento. Especulações não são conhecimento. O que nós, pobres homens, precisamos é a certeza de um Deus que nos ama e tem cuidado por nós, tem um braço que nos pode ajudar e um coração que o deseja.

O inacessível. “Ninguém jamais viu a Deus, nem pode vê-Lo.” Ele não somente está além da compreensão, mas acima da percepção do entendimento. O conhecimento direto e imediato dEle é impossível. As nossas limitações e os nossos pecados o impedem. Ele é “o Rei invisível”, o “Pai das luzes” que habita na gloriosa privacidade da luz, na qual não há trevas de modo algum. Então, a próxima verdade é que Cristo é a manifestação perfeita de Deus. Nele temos o invisível tornado visível. Por meio dEle conhecemos tudo o que sabemos de Deus, como algo distinto daquilo que supomos ou imaginamos ou suspeitamos dEle. Sobre esse elevado tema, não é sábio usar muito a linguagem escolástica dos sistemas e credos. Poucas palavras, e essas essencialmente as do próprio Senhor, são melhores, e o que provavelmente falará menos de modo errado é o que se confinar mais à Escritura em sua apresentação da verdade. Todas as grandes correntes de ensinamentos no Novo Testamento concorrem para a verdade que Paulo proclama aqui. A concepção encontrada no Evangelho de João sobre a Palavra, que é a expressão vocal e torna audível a mente divina, e as concepções na Epístola aos Hebreus sobre o brilho da glória de Deus e a verdadeira imagem, ou selo impresso de Sua substância, são ambas outro modo de representação dos mesmos fatos da plena semelhança e completa manifestação que Paulo aqui afirma ao chamar o homem Cristo Jesus de “a imagem do Deus invisível”. Os mesmos pensamentos estão envolvidos nas palavras de nosso Senhor: “Aquele que vê a mim vê o Pai”. Nele a natureza divina se aproximou em uma Deus do teísmo puro é pouco melhor do que um fantasma. A única certeza firme o suficiente para encontrarmos poder sustentador contra as tentações da vida está em Cristo. Não há calor suficiente de amor para nós a fim de descongelar nossos congelados lábios à parte de Cristo. Nele e somente Nele, o distante e tremendo Deus se torna um Deus muito próximo, de quem podemos estar seguros de que nos ama e está pronto para ajudar, purificar e salvar. A grande palavra com que Paulo se opôs à teia da especulação dos gnósticos é a palavra para nosso próprio tempo com todas as suas perplexidades: “Cristo é a imagem do Deus invisível”.

Temos o relacionamento de Cristo com a criação publicada neste grande título: “O primogénito da criação.” À primeira vista, isso parece incluí-Lo na grande família de criaturas como a mais antiga e tratá-Lo como uma delas. Esse significado foi atribuído às palavras, mas não é o que podemos depreender da linguagem do próximo verso, que foi adicionado para provar e explicar o título. O título encerra a prioridade em existência e em supremacia. Ele substancialmente significa o mesmo que a outra proclamação do “Filho primogénito”, com a diferença de que a posterior destaca a relação do Filho com o Pai, enquanto a primeira enfatiza Seu relacionamento com a criação. Mais adiante deve ser notado que essa menção se aplica à Palavra eterna e não à encarnação da Palavra, ou, para colocar de outra forma, a divindade e não a humanidade do Senhor Jesus é que o apóstolo tem em vista. De modo que este é o esboço mais breve dessa grande menção.

Uma série de cláusulas se seguem colocando mais plenamente a relação do Filho primogénito com a criação, assim confirmando e explicando o título. Todo o Universo está colocado numa classe e somente Cristo à sua frente. Nenhuma linguagem poderia ser mais abrangente. Quatro vezes numa frase temos “todas as coisas”: todo o Universo, mencionado várias vezes e direcionado para Ele como Criador e Senhor; onde quer que essas criaturas estejam e o que quer que sejam, Ele fê-las. Paulo agrupa todo o universo dos seres criados, reais ou imaginários, e, então, acima e separado dEle, o seu Senhor e Criador, o seu princípio e fim. Paulo aponta para a pessoa majestosa do único Filho primogénito de Deus, o Seu primogénito, mais alto do que todos os governantes da Terra, quer sejam humanos ou sobre-humanos.

A linguagem empregada dá um forte destaque aos muitos relacionamentos que o Filho sustenta com o Universo. A primeira dessas palavras, “nEle”, considera-O como o centro criativo, e pode ser comparada àquela no prefácio do Evangelho de João: “NEle estava a vida.” O erro dos gnósticos foi colocar o ato da criação e a coisa criada tanto quanto possível distantes de Deus, e elas são ajuntadas por essa notável expressão que conduz a criação e a criatura a um senso íntimo muito real do restringir da natureza divina, como manifestado na Palavra.

Os perigos possíveis dessa profunda verdade são prevenidos pela próxima proposição usada: “Todas as coisas foram criadas por Ele.” Ele é a imagem do Deus invisível e por meio dEle todas as coisas foram criadas. A mesma conexão de ideias é encontrada na passagem paralela na Epístola aos Hebreus, onde a expressão “pela qual Ele fez o universo” se coloca em conexão imediata com “o Filho é o resplendor da glória de Deus.”

Mas ali resta ainda outra relação entre Ele e o ato da criação. “Por Ele” todas as coisas foram feitas. Todas as coisas vêm dEle e tendem para Ele. Ele é o Alfa e o Ómega, o princípio e o fim. Todas as coisas emergem de Sua vontade, extraem a sua existência daquela fonte e retornam para Ele. Essas relações que são aqui declaradas em relação ao Filho são, em mais de um lugar, ditas em relação ao Pai. A Sua existência antes de toda a criação é repetida com uma força nas palavras “Ele é” que mal pode ser apresentada na nossa língua. A primeira é enfática, “Ele mesmo”, e a segunda enfatiza não somente a preexistência, mas a absoluta existência. “Ele era antes de todas as coisas” não diria tanto quanto: “Ele é antes de todas as coisas.” Somos informados pelas Suas próprias palavras: “Antes que Abraão existisse, Eu sou.”

“Nele subsistem todas as coisas” ou “são mantidas juntas.” Ele é o elemento no qual tem lugar e pelo qual é causada essa criação contínua que é a preservação do Universo, por ser Ele o elemento no qual o ato criativo original teve lugar no passado. Todas as coisas vieram a ser e formam uma unidade ordenada nEle. Ele é “o vínculo da perfeição”, a pedra fundamental da abóbada, o centro de rotação.

Tal então é o ensinamento do apóstolo sobre a Palavra eterna e o Universo. Que pensamento maravilhoso é que todo o curso dos acontecimentos humanos e os processos naturais é era é dirigido por Aquele que morreu na cruz! O leme do Universo é segurado pelas mãos que foram perfuradas por nós. O Senhor da natureza e motor de todas as coisas é aquele Salvador sobre cujo amor podemos repousar a nossa cabeça dorida. Em todos os lugares podemos ver o nosso Salvador, e do lado de fora de toda a tempestade podemos ouvir a Sua voz através da escuridão dizendo: “Sou Eu, não temas!”.

A última relação nessa importante porção é aquela entre Cristo e a Sua Igreja. “Ele é a cabeça do corpo, da Igreja; é o princípio, o primogénito dentre os mortos.”

Claramente é pretendido que um paralelo seja traçado entre a Sua relação com a criação material e com a Igreja, a criação espiritual. O que a Palavra de Deus antes da encarnação é para o Universo, assim é o Cristo encarnado para a Igreja. Como Ele é o primeiro no tempo e superior em dignidade na primeira ordem, assim Ele é na segunda ordem. Como no Universo Ele é a fonte e a origem de todo o ser, assim na Igreja Ele é o princípio, tanto como o primeiro quanto como à origem de toda vida espiritual. Como as palavras incandescentes que descreveram a Sua relação com a criação começam com o importante título “o Primogénito”, assim aquelas que descrevem a Sua relação com a Igreja encerram-se com o mesmo título numa diferente aplicação.

Temos aqui Cristo, a cabeça, e a Igreja, o Seu corpo. No reino mais baixo, a Palavra eterna era o poder que mantinha todas as coisas juntas, e similar, porém mais elevada em forma, é a relação entre Ele e toda a multidão de almas crentes. O Senhor é a fonte da vida espiritual misteriosa que flui dEle para todos os membros, Ele é a visão no olho, o fortalecimento no braço, a ligeireza nos pés, o rubor na face, sendo abundantemente variado em Suas manifestações, mas um em natureza e tudo dEle. A mesma misteriosa derivação da vida dEle é ensinada na Sua própria metáfora da vide, na qual cada ramo, mesmo que distante da raiz, vive pela vida comum circulante por todos, a qual se apega às gavinhas e se avermelha nos cachos, e não é delas embora esteja nelas.

O conceito de fonte da vida guia necessariamente para o outro: que Ele é o centro da unidade, por quem os “muitos membros” se tornam “um corpo”, e o emaranhado de ramos, uma vide. A cabeça naturalmente vem a ser o símbolo para autoridade, e essas três ideias de base da vida, de centro da unidade e de emblema do poder absoluto parecem ser essencialmente aquelas indicados aqui.

Cristo é o princípio para a Igreja. No mundo natural Ele era antes de tudo e fonte de tudo. A mesma ideia dupla está contida neste título: “o Princípio.” Isso não significa apenas o primeiro membro de uma série que a inicia, como a primeira ligação numa cadeia, mas significa o poder que causa o início da série.

Ele é a cabeça e o princípio para a Sua Igreja por meio da Sua ressurreição. Ele é o primogénito da morte, e a Sua comunicação de vida espiritual para a Sua Igreja requer o fato histórico da Sua ressurreição como base, pois um Cristo morto não poderia ser a fonte da vida, e que a ressurreição complete a manifestação da Palavra encarnada, pela nossa fé nela, para a Sua vida espiritual fluir para o nosso espírito. A menos que Ele ressuscitasse da morte, todas essas reivindicações seriam nada mais que um sábio ensinamento e um caráter integro desintegrado, e pensar nEle como uma fonte de vida seria impossível.

Ele é o princípio por meio da Sua ressurreição também com respeito a Ele levantar-nos da morte. Ele é as primícias daqueles que dormiram e levaram a promessa de uma poderosa colheita. Ele ressurgiu da morte e, dessa maneira, não temos apenas uma demonstração para o mundo de que há vida depois da morte, mas a certeza para a Igreja de que, porque Ele vive, nós também vivemos. Não pode haver um corpo morto e uma cabeça viva. Ele ressurgiu para que pudesse ser o primogénito entre muitos irmãos.

Assim o apóstolo conclui que em todas as coisas Ele é o primeiro, e todas as coisas são para que Ele seja o primeiro. Quer seja em natureza ou em graça, a Sua preeminência é absoluta e suprema. O fim de toda majestade da criação e de todas as maravilhas da graça é que Sua figura única esteja em pé claramente como centro e Senhor do Universo, e o Seu nome seja exaltado acima de todo o nome.

Assim a questão das questões para todos nós é: “O que pensas de Cristo?” Os nossos pensamentos têm de se voltar para o objeto que pode parecer abstrato e remoto, mas essas verdades que estivemos tentando tornar claras e apresentar nas suas conexões não são meros termos ou proposições de uma teologia meio mística distante de nossa vida diária, mas ostentam grave e diretamente a maioria dos nossos mais profundos interesses. “O que é Cristo para nós?” O nosso coração salta com um alegre ámen quando lemos as importantes palavras desse texto? Estamos prontos para coroá-Lo Senhor de tudo? É Ele a nossa cabeça, para nos encher com vitalidade, para nos inspirar e nos comandar? É Ele o alvo e o fim da nossa vida individual? Podemos cada um de nós dizer: “Vivo por Ele, nEle e para Ele”? Somos bem-aventurados se damos a Cristo a preeminência.

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Alexander MacLaren, ministro batista escocês, de orientação calvinista, foi um dos mais famosos expositores das Sagradas Escrituras no seu tempo. Se o seu colega de denominação, Charles Haddon Spurgeon era denominado o “Príncipe dos Pregadores”, ele, por sua vez era denominado o “Príncipe dos Pregadores Expositivos.” Isto era porque diziam que ele tinha um martelhinho dourado com o qual batia no texto da Bíblia até dele obter as divisões para os seus sermões.

Alexander MacLaren nasceu em Glasgow, neste dia, 11 de fevereiro de 1826, e morreu em Manchester, em 5 de maio de 1910. Convertido aos 14 anos, durante uma reunião de avivamento, foi batizado em 1840.

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