… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

sábado, 7 de maio de 2011

Leituras Cristãs

 “Eu sei que Deus responde às orações”, por Rosalind Goforth (6 de Maio de 1864 - 31 de Maio de 1942)
REBELIÃO BOXER


Nota histórica: Os fatos do último capítulo e deste capítulo atual ocorreram durante um período muito trágico na China, de 1898 a 1901. Em reação ao domínio de várias potências ocidentais sobre o comércio e até sobre a soberania da China, uma espécie de sociedade secreta, chamada I Ho Ch’uan (“punhos justos” em chinês, ou Boxers, em inglês), começou a crescer rapidamente. Com apoio implícito da imperatriz da China, atacavam estrangeiros, missionários e cristãos chineses, especialmente católicos, por acharem que estes eram partidários dos estrangeiros. Chegaram a ocupar a capital, Pequim, e a sitiar o setor das embaixadas. Milhares de pessoas foram mortas em várias regiões da China, incluindo aproximadamente 200 missionários com as suas famílias, a maioria ingleses. O levante foi finalmente suprimido através da invasão de forças militares do Ocidente.

RECUPERAÇÃO MILAGROSA

Estávamos numa vila muçulmana, onde providencialmente havíamos encontrado refúgio depois dos ataques que, por pouco, tiraram a vida do meu marido, Jonathan. Durante todo aquele dia, ele ficou deitado, imóvel, tão pálido que parecia já nem estar com vida. Temendo o pior, acho que não cessei um instante de clamar a Deus no meu espírito por ele.

Por volta das quatro horas da tarde, um dos integrantes do nosso grupo apareceu, procurando-nos. Jonathan levantou-se como se estivesse perfeitamente normal, insistindo em andar sem auxílio para a carroça. Para mim, que o havia acompanhado e visto o seu estado anterior, só podia ser um milagre. Quando protestei que ele não estava muito bem, a sua única resposta foi: “Ore somente; o Senhor dar-me-á forças enquanto Ele quiser que eu continue trabalhando”.

Enquanto estávamos saindo, os bondosos amigos da vila vieram e insistiram que eu levasse algumas roupas usadas para cobrir as crianças, que estavam quase nuas, dizendo: “Vai fazer frio à noite”.

Ao encontrarmos os outros membros do grupo, cada um contou como conseguira escapar. O médico era o único, além do meu marido, que tinha ferimentos mais graves; estava com uma rótula separada e os tendões do pulso direito cortados seriamente, além de várias outras feridas.

Durante aquele dia, enquanto estávamos na vila muçulmana, os nossos companheiros tinham ficado à beira da estrada, sem poder continuar a viagem por causa da condição do médico que não conseguia andar. Todos estavam unidos numa petição a Deus: que ele trouxesse de volta os carroceiros. Quem conhecia a China daquela época e os carroceiros pagãos sabia que só um milagre os traria de volta, depois de tudo que haviam passado connosco. Pois o milagre aconteceu: cinco carroceiros voltaram, com toda a nossa bagagem e com os nossos bens que haviam sido levados.

Descobrimos que a nossa fiel criada chinesa havia tomado conta da pequenina Ruth (menos de três anos), arriscando a sua própria vida. Tivera de se deitar em cima dela, recebendo muitos golpes cruéis, até que a ganância de saquear os bens nas carroças afastasse os agressores.

O DEUS DOS LIVRAMENTOS

Depois que nos reintegramos no grupo e os carroceiros voltaram, prosseguimos a nossa viagem. Perto das seis horas da tarde, chegamos a uma cidade maior, Nang Yang Fu. As muralhas da cidade estavam às escuras, abarrotadas de gente, e, ao entrarmos pelos portões, as turbas violentas empurravam-se contra as carroças. Às vezes, os cavalos tropeçavam e parecia que nada poderia impedir as carroças de tombarem. A cada um ou dois minutos, um tijolo ou uma pedra era arremessada contra as carroças. O brado da turba: “Matem-nos! Mate-nos!”, gritado por centenas de vozes, nunca mais seria apagado das nossas memórias. Contudo, o Senhor fez-nos passar e “nenhuma arma prevaleceu” contra nós.

Ao chegarmos à pensão, uma turba indomável com mais de mil homens encheu o pátio. Assim que descemos da carroça, eles literalmente nos empurraram à sua frente para uma sala da pensão, que dentro de instantes ficou apinhada a ponto de quase sufocarmos. Durante quase uma hora, a turba continuou a espremer-nos num canto; depois os que estavam de fora ficaram impacientes e exigiram que fôssemos levados para lá. Conseguimos preservar algumas senhoras, mas os demais – homens, mulheres e crianças – tiveram de ficar diante dessa multidão em ebulição, até que o alívio chegasse no meio da escuridão da noite.

Por que não nos mataram? Por quê, mesmo? Somente um Deus Todo-Poderoso poderia ter segurado uma turba como aquela.

O que acontecera foi o seguinte. Assim que entramos na cidade, havíamos despachado um servo ao oficial da cidade, exigindo proteção. Enquanto aguardavamos uma resposta, ele ouviu uma conversa de dois soldados e descobriu que estavam armando um plano para que fôssemos mortos na estrada e não dentro da cidade, o que poderia causar problemas futuros para o oficial. Se fosse na estrada, ninguém saberia quem nos tinha matado e ninguém seria responsabilizado. O plano era mandar alguns soldados para guiar-nos a uma emboscada. O servo estava tão convicto que seríamos mortos que se recusou a ficar connosco e voltou para sua cidade.

Depois de nos consultarmo-nos entre nós sobre o que devíamos fazer, resolvemos seguir o nosso caminho, confiando que Deus nos daria uma saída. Tivemos outro problema com os carroceiros que não queriam continuar levando-nos, mas depois que oramos, finalmente concordaram e, às duas horas da manhã, estávamos prontos para partir.

A noite estava muito escura e fomos acompanhados pelos soldados do oficial, que tinham o encargo de nos guiar ao lugar onde outros soldados nos esperavam para nos matarem. Na saída da cidade, víamos algumas luzes que pareciam ser sinais e que provavelmente eram mensagens entre os dois grupos de soldados.

Assim que saímos da cidade, alguém avisou Jonathan que o nosso filho Paul e um outro homem tinham desaparecido. Paramos as carroças e fizemos uma busca, mas não foram encontrados. Esperamos ali por algum tempo e, novamente, a minha fé parecia fraquejar. Na minha agonia, eu só conseguia clamar: “Se Paul não for encontrado, como posso voltar a confiar em Deus?” Mas, depois, lembrei-me de como Deus milagrosamente me havia devolvido o meu querido marido e pude confiar Paul em Suas mãos e esperar nEle.

Quando não dava mais para procurar as pessoas perdidas, deixamos uma carroça para trás com um servo de confiança, e seguimos viagem. Foi ali que Deus operou o nosso livramento. Durante essa espera, os soldados que nos “guiavam” adormeceram nas carroças e não perceberam que os carroceiros estavam seguindo por uma outra estrada vicinal. Quando se deram conta, já estávamos a uma boa distância da cidade e fora do alcance dos que pretendiam assassinar-nos! Os soldados ficaram furiosos, mas depois de nos ameaçarem, acabaram por nos deixar e voltar para a cidade. Novamente, o nosso Deus fora para nós um Deus de livramentos.

Várias vezes, naquele dia, fomos cercados por turbas violentas. Várias vezes, mostrei as roupas sujas e surradas que os muçulmanos nos haviam doado, e ao contar como as recebemos, o povo parecia se acalmar mais do que com qualquer outra coisa. Uma vez, começaram a gritar para arrastar a criada do nosso filho para fora da carroça, mas clamamos a Deus por ela, e o povo deixou-nos em paz.

Estávamos nessas alturas em condições lamentáveis. Os homens tinham curativos nos braços ou na cabeça e o médico não podia sequer levantar a cabeça. O que sofremos naquelas carroças, em cima das tábuas duras, não dá para descrever. Nove pessoas estavam espremidas na nossa carroça, num espaço que em circunstâncias normais só caberiam quatro ou cinco.

Fonte: Arauto Ano 23 nº 4 - julho/agosto 2005

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