Leituras Cristãs
“Eu sei que Deus responde às orações”, por
Rosalind Goforth (6 de Maio de 1864 - 31 de Maio de 1942)
REBELIÃO BOXER
Nota
histórica: Os fatos do último capítulo e deste capítulo atual ocorreram durante
um período muito trágico na China, de 1898 a 1901. Em reação ao domínio de
várias potências ocidentais sobre o comércio e até sobre a soberania da China,
uma espécie de sociedade secreta, chamada I Ho Ch’uan (“punhos justos” em
chinês, ou Boxers, em inglês), começou a crescer rapidamente. Com apoio
implícito da imperatriz da China, atacavam estrangeiros, missionários e
cristãos chineses, especialmente católicos, por acharem que estes eram
partidários dos estrangeiros. Chegaram a ocupar a capital, Pequim, e a sitiar o
setor das embaixadas. Milhares de pessoas foram mortas em várias regiões da
China, incluindo aproximadamente 200 missionários com as suas famílias, a
maioria ingleses. O levante foi finalmente suprimido através da invasão de
forças militares do Ocidente.
RECUPERAÇÃO MILAGROSA
Estávamos
numa vila muçulmana, onde providencialmente havíamos encontrado refúgio depois
dos ataques que, por pouco, tiraram a vida do meu marido, Jonathan. Durante
todo aquele dia, ele ficou deitado, imóvel, tão pálido que parecia já nem estar
com vida. Temendo o pior, acho que não cessei um instante de clamar a Deus no
meu espírito por ele.
Por
volta das quatro horas da tarde, um dos integrantes do nosso grupo apareceu,
procurando-nos. Jonathan levantou-se como se estivesse perfeitamente normal,
insistindo em andar sem auxílio para a carroça. Para mim, que o havia
acompanhado e visto o seu estado anterior, só podia ser um milagre. Quando
protestei que ele não estava muito bem, a sua única resposta foi: “Ore somente;
o Senhor dar-me-á forças enquanto Ele quiser que eu continue trabalhando”.
Enquanto
estávamos saindo, os bondosos amigos da vila vieram e insistiram que eu levasse
algumas roupas usadas para cobrir as crianças, que estavam quase nuas, dizendo:
“Vai fazer frio à noite”.
Ao
encontrarmos os outros membros do grupo, cada um contou como conseguira
escapar. O médico era o único, além do meu marido, que tinha ferimentos mais
graves; estava com uma rótula separada e os tendões do pulso direito cortados
seriamente, além de várias outras feridas.
Durante
aquele dia, enquanto estávamos na vila muçulmana, os nossos companheiros tinham
ficado à beira da estrada, sem poder continuar a viagem por causa da condição
do médico que não conseguia andar. Todos estavam unidos numa petição a Deus:
que ele trouxesse de volta os carroceiros. Quem conhecia a China daquela época
e os carroceiros pagãos sabia que só um milagre os traria de volta, depois de
tudo que haviam passado connosco. Pois o milagre aconteceu: cinco carroceiros
voltaram, com toda a nossa bagagem e com os nossos bens que haviam sido levados.
Descobrimos
que a nossa fiel criada chinesa havia tomado conta da pequenina Ruth (menos de
três anos), arriscando a sua própria vida. Tivera de se deitar em cima dela, recebendo
muitos golpes cruéis, até que a ganância de saquear os bens nas carroças
afastasse os agressores.
O DEUS DOS LIVRAMENTOS
Depois
que nos reintegramos no grupo e os carroceiros voltaram, prosseguimos a nossa
viagem. Perto das seis horas da tarde, chegamos a uma cidade maior, Nang Yang
Fu. As muralhas da cidade estavam às escuras, abarrotadas de gente, e, ao
entrarmos pelos portões, as turbas violentas empurravam-se contra as carroças.
Às vezes, os cavalos tropeçavam e parecia que nada poderia impedir as carroças
de tombarem. A cada um ou dois minutos, um tijolo ou uma pedra era arremessada
contra as carroças. O brado da turba: “Matem-nos! Mate-nos!”, gritado por
centenas de vozes, nunca mais seria apagado das nossas memórias. Contudo, o
Senhor fez-nos passar e “nenhuma arma prevaleceu” contra nós.
Ao
chegarmos à pensão, uma turba indomável com mais de mil homens encheu o pátio.
Assim que descemos da carroça, eles literalmente nos empurraram à sua frente
para uma sala da pensão, que dentro de instantes ficou apinhada a ponto de
quase sufocarmos. Durante quase uma hora, a turba continuou a espremer-nos num
canto; depois os que estavam de fora ficaram impacientes e exigiram que
fôssemos levados para lá. Conseguimos preservar algumas senhoras, mas os demais
– homens, mulheres e crianças – tiveram de ficar diante dessa multidão em
ebulição, até que o alívio chegasse no meio da escuridão da noite.
Por
que não nos mataram? Por quê, mesmo? Somente um Deus Todo-Poderoso poderia ter
segurado uma turba como aquela.
O
que acontecera foi o seguinte. Assim que entramos na cidade, havíamos
despachado um servo ao oficial da cidade, exigindo proteção. Enquanto aguardavamos
uma resposta, ele ouviu uma conversa de dois soldados e descobriu que estavam
armando um plano para que fôssemos mortos na estrada e não dentro da cidade, o
que poderia causar problemas futuros para o oficial. Se fosse na estrada,
ninguém saberia quem nos tinha matado e ninguém seria responsabilizado. O plano
era mandar alguns soldados para guiar-nos a uma emboscada. O servo estava tão
convicto que seríamos mortos que se recusou a ficar connosco e voltou para sua
cidade.
Depois
de nos consultarmo-nos entre nós sobre o que devíamos fazer, resolvemos seguir
o nosso caminho, confiando que Deus nos daria uma saída. Tivemos outro problema
com os carroceiros que não queriam continuar levando-nos, mas depois que
oramos, finalmente concordaram e, às duas horas da manhã, estávamos prontos
para partir.
A
noite estava muito escura e fomos acompanhados pelos soldados do oficial, que
tinham o encargo de nos guiar ao lugar onde outros soldados nos esperavam para
nos matarem. Na saída da cidade, víamos algumas luzes que pareciam ser sinais e
que provavelmente eram mensagens entre os dois grupos de soldados.
Assim
que saímos da cidade, alguém avisou Jonathan que o nosso filho Paul e um outro
homem tinham desaparecido. Paramos as carroças e fizemos uma busca, mas não
foram encontrados. Esperamos ali por algum tempo e, novamente, a minha fé
parecia fraquejar. Na minha agonia, eu só conseguia clamar: “Se Paul não for
encontrado, como posso voltar a confiar em Deus?” Mas, depois, lembrei-me de
como Deus milagrosamente me havia devolvido o meu querido marido e pude confiar
Paul em Suas mãos e esperar nEle.
Quando
não dava mais para procurar as pessoas perdidas, deixamos uma carroça para trás
com um servo de confiança, e seguimos viagem. Foi ali que Deus operou o nosso
livramento. Durante essa espera, os soldados que nos “guiavam” adormeceram nas
carroças e não perceberam que os carroceiros estavam seguindo por uma outra
estrada vicinal. Quando se deram conta, já estávamos a uma boa distância da
cidade e fora do alcance dos que pretendiam assassinar-nos! Os soldados ficaram
furiosos, mas depois de nos ameaçarem, acabaram por nos deixar e voltar para a
cidade. Novamente, o nosso Deus fora para nós um Deus de livramentos.
Várias
vezes, naquele dia, fomos cercados por turbas violentas. Várias vezes, mostrei
as roupas sujas e surradas que os muçulmanos nos haviam doado, e ao contar como
as recebemos, o povo parecia se acalmar mais do que com qualquer outra coisa.
Uma vez, começaram a gritar para arrastar a criada do nosso filho para fora da
carroça, mas clamamos a Deus por ela, e o povo deixou-nos em paz.
Estávamos
nessas alturas em condições lamentáveis. Os homens tinham curativos nos braços
ou na cabeça e o médico não podia sequer levantar a cabeça. O que sofremos
naquelas carroças, em cima das tábuas duras, não dá para descrever. Nove
pessoas estavam espremidas na nossa carroça, num espaço que em circunstâncias
normais só caberiam quatro ou cinco.


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