Tradução da obra "Meditations on the Glory of
Crist" de John Owen, numa versão abreviada intitulada "The Glory of
Crist".
CAPÍTULO 3
A glória de Cristo
manifestada pelo mistério das Suas duas naturezas
A glória da dupla natureza de
Cristo numa só pessoa é tão grande que o mundo incrédulo não pode ver a luz e a
formosura que dela brilham. Hoje em dia, muitos negam a verdade de que Jesus
Cristo é tanto Filho de Deus como Filho de homem. Mas esta é a glória, a qual
os anjos “desejam olhar” (1Pe 1:12). Satanás no seu orgulho levantou-se contra
o Deus do Céu e então, tratou de destruir os seres humanos na Terra que foram
criados à imagem de Deus. Na Sua grande sabedoria, Deus uniu ambas as naturezas
(a humana e a divina) contra as quais Satanás tinha pecado. Cristo, o Deus
homem, triunfou sobre Satanás mediante a Sua morte na cruz. Aqui está o
fundamento da Igreja. Na criação, Deus “suspende a Terra sobre o nada.” (Job
26:7). Mas, Ele fundou a Sua Igreja sobre a rocha imóvel: “Tu és o Cristo, o
Filho do Deus vivo.” (Mt 16:16) Este glorioso acto é referido por Isaías:
“Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado está sobre os
seus ombros; e o seu nome será Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da
Eternidade, Príncipe da Paz.” (Is 9:6)
Como o fogo ardia na sarça
que Moisés viu, assim a plenitude da divindade morava no corpo de Cristo o qual
foi feito carne e habitou entre nós. (Veja-se Ex.3:2, Cl 2:9 e Jo 1:14) O fogo
eterno da natureza divina estava na sarça da frágil natureza humana; não
obstante, a natureza humana não foi consumida. Então, podemos ver “a graça
daquele que habitou no arbusto” para connosco, os pecadores (Dt 33:16). Como
foi dito a Moisés que tirasse os seus pés, assim também nós devemos pôr de lado
todas as imaginações e desejos que provêm da nossa natureza caída a fim de que
por meio da fé cheguemos a ver a glória de Cristo Jesus.
Não é meu propósito dar uma
explicação ou confirmação da verdade gloriosa das duas naturezas (divina e
humana) unidas na pessoa de Cristo. O meu desejo agora é o de estimular as
mentes dos crentes a uma contemplação da glória de Cristo no santo mistério da
constituição da Sua pessoa, quer dizer, como Deus e homem num. Espero que o que
é dito a seguir nos anime a procurar de Deus, o espírito de sabedoria e de
revelação para abrir os olhos do nosso entendimento.
1. Devemos estar
absolutamente seguros de que esta glória de Cristo na Sua natureza humana e
divina é o melhor, o mais nobre e o mais útil dos temas em que podemos pensar.
O Apóstolo Paulo diz que todas as demais coisas são como perda, e em comparação
com esta verdade, como o esterco (Veja-se Fl 3:8-10). As Escrituras falam da
necedade das pessoas que gastam “o dinheiro naquilo que não é pão; e o produto
do vosso trabalho naquilo que não pode satisfazer” (Is 55:2). Eles fixam os
seus pensamentos nos seus prazeres pecaminosos e recusam ver a glória de
Cristo. Algumas pessoas são capazes de alcançar pensamentos muito elevados acerca
da criação e da providência divinas. Mas não há nenhuma glória nestas coisas
comparadas com a glória da dupla natureza de Cristo. No Salmo 8 David está
meditando na grandeza das obras de Deus. Isto fá-lo pensar na pobre e débil
natureza humana, a qual parece como nada em comparação com a obra de Deus. Mas
então, David começa a admirar a sabedoria, a bondade e o amor divino por
exaltar a nossa natureza humana (na pessoa de Cristo) muito por cima das obras
da criação. O Apóstolo explica isto em Hb 2:5-6; veja também o Salmo 8. Quão
prazenteiras e desejáveis são as coisas deste mundo: esposa, filhos, amigos,
posses, poder e honra, etc,... Mas a pessoa que tem todas estas coisas e também
um conhecimento da glória de Cristo dirá: “A quem tenho eu no Céu senão a Ti? E
na Terra não há quem eu deseje além de Ti.” (Sl 73:25) Porque “Pois quem no Céu
se pode igualar ao SENHOR? Quem é semelhante ao SENHOR entre os filhos dos
poderosos?” (Sl 89:6)
Apenas um olhar à
formosura gloriosa de Cristo é suficiente para conquistar e capturar os nossos
corações. Se não estamos olhando para Ele frequentemente e pensando na Sua
glória é porque as nossas mentes estão muito ocupadas nas coisas terrestres.
Então, não estamos aferrando-nos à promessa de que os nossos olhos verão o Rei
na Sua formosura.
2. Uma das atividades da
fé consiste em esquadrinhar as Escrituras porque elas declaram a verdade acerca
de Cristo. Ele mesmo nos exortou a fazê-lo: “Examinais as Escrituras... e são
elas que de Mim testificam” (Jo 5:39). Vemos a glória de Cristo nas Escrituras
de três maneiras:
a) Pelas descrições
diretas da Sua encarnação e do Seu caráter como o Deus homem. Veja-se Gn 3:15;
Sl 2:7-9; 45:2-6; 78:17-18; 110; Is 6: 1-4, 9:6; Zc 3:8; Jo 1: 1-3; Fl 2:6-8;
Hb 1: 1-3, 2:4-16 e Ap 1:7 e 18.
b) Por incontáveis
profecias, promessas e outras expressões que nos conduzem a considerar a Sua
glória.
c) Pelas instituições
sagradas de adoração divina que Deus estabeleceu sob o Antigo Testamento, e
pelo testemunho direto dado acerca dEle no Novo Testamento. Isaías disse: “Eu
vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono; e o seu séquito enchia o
templo.” (Is 6:1) Esta visão do Cristo divino foi tão gloriosa que os serafins
cobriam os seus rostos (Veja-se Is 6:1-3 e Jo 12:41). Quanto maior foi a glória
revelada abertamente nos dias dos Evangelhos! Pedro diz-nos que ele e os outros
Apóstolos foram testemunhas da majestade de nosso Senhor Jesus Cristo: “Porque
não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo,
seguindo fábulas artificialmente compostas, mas nós mesmos vimos a Sua
majestade, porquanto Ele recebeu de Deus Pai honra e glória, quando da
magnífica glória Lhe foi dirigida a seguinte voz: Este é o Meu Filho amado, em
quem Me tenho comprazido.” (2Pe 1:16-17) Deveríamos ser como aquele mercador
que buscava toda a espécie de pérolas. Quando encontrou aquela pérola de grande
preço vendeu tudo o que tinha e comprou-a (Mt 13:45-46). Cada verdade sagrada
da Escritura é uma pérola que nos enriquece espiritualmente. Mas quando nos
encontramos frente à glória de Cristo, encontramos tanto gozo que jamais nos
separaremos desta pérola preciosa. A glória da Bíblia é que ela agora é o único
meio que nos ensina a glória de Cristo.
3. Devemos meditar
frequentemente no conhecimento da glória de Cristo que recebemos da Bíblia. As
nossas mentes deveriam ser espirituais e santas, livres das preocupações e dos
afetos terrestres. A pessoa que não medita agora com deleite sobre a glória de
Cristo nas Escrituras, não terá nenhum desejo real de ver essa glória no Céu.
Que espécie de fé e de amor têm as pessoas que têm tempo para meditar em muitas
coisas, mas não têm tempo para meditar sobre este assunto glorioso?
4. Os nossos pensamentos
deveriam voltar-se para Cristo cada vez que tenhamos oportunidade em qualquer
momento do dia. Se formos crentes verdadeiros e se a Palavra de Deus mora em
nossos pensamentos, então Cristo sempre estará perto de nós (Veja-se Rm 10:8).
Descobriremos que Ele está disposto a falar connosco e a ter comunhão connosco.
Cristo diz: “Eis que estou à porta e bato.” (Ap 3:20) É certo, que algumas
ocasiões parece que Cristo Se afasta de nós e não podemos escutar a Sua voz.
Mas quando isto ocorre, não devemos contentar-nos, antes devemos atuar como a
noiva nos Cantares de Salomão e buscá-lO com diligência: “De noite busquei em
minha cama aquele a quem ama a minha alma; busquei-o e não o achei.
Levantar-me-ei, pois, e rodearei a cidade; pelas ruas e pelas praças buscarei
aquele a quem ama a minha alma; busquei-o e não o achei. Acharam-me os guardas,
que rondavam pela cidade; eu perguntei-lhes: Vistes aquele a quem ama a minha
alma? Apartando-me eu um pouco deles, logo achei aquele a quem ama a minha
alma; detive-o...” (Ct 3:1-4). A experiência da vida espiritual num Cristão
será forte em proporção com os seus pensamentos e o seu deleite em Cristo o
Qual vive nele. (Veja-se Gl 2:20) Às vezes diz-se acerca de duas pessoas que
uma vive na outra. Mas isto só pode acontecer quando os seus corações estão tão
unidos que ambos de dia e de noite vivem nos pensamentos um do outro. Assim
deveria ser entre Cristo e os crentes. Cristo mora neles pela fé, mas os
crentes experimentam o poder da Sua presença somente quando os seus pensamentos
estão cheios dEle. Portanto, se queremos ver a glória de Cristo devemos
encher-nos de pensamentos acerca dEle e da Sua glória em todo tempo. E quando
Cristo estiver ausente dos nossos pensamentos por um tempo, então devemos
repreender-nos e pôr-nos a buscá-lO na oração, na meditação, na leitura da Palavra,
etc.
5. Todos os nossos
pensamentos acerca de Cristo e da glória deveriam ser acompanhados por
admiração, adoração e ação de graças. É nos mandado amar o Senhor com toda a
nossa alma, mente e forças (Veja-se Mc 12:30). Se somos crentes verdadeiros, a graça
de Deus obrará em nossas mentes e almas para nos ajudar a fazer isso. Na vinda
de Cristo como o Juiz no dia final, os crentes serão cheios de um sentido
angustiado de admiração perante a Sua aparência gloriosa, “Quando vier para ser
glorificado nos Seus santos e para Se fazer admirável, naquele Dia, em todos os
que crêem” (2Ts 1:10). Esta admiração se converterá em adoração e ação graças
como o exemplo que nos dá em Apocalipse 5:9-13 onde a Igreja dos redimidos
canta um novo cântico: “E cantavam um novo cântico, dizendo: Digno és de tomar
o livro e de abrir os seus selos, porque foste morto e com o teu sangue
compraste para Deus homens de toda tribo, e língua, e povo, e nação; e para o
nosso Deus os fizeste reis e sacerdotes; e eles reinarão sobre a Terra. E olhei
e ouvi a voz de muitos anjos ao redor do trono, e dos animais, e dos anciãos; e
era o número deles milhões de milhões e milhares de milhares, que com grande
voz diziam: Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riquezas,
e sabedoria, e força, e honra, e glória, e ações de graças. E ouvi a toda
criatura que está no Céu, e na Terra, e debaixo da Terra, e que está no mar, e
a todas as coisas que neles há, dizer: Ao que está assentado sobre o trono e ao
Cordeiro sejam dadas ações de graças, e honra, e glória, e poder para todo o
sempre.”
Há algumas pessoas que esperam
ser salvos por Cristo e ver a Sua glória no mundo próximo, mas não se preocupam
com meditar acerca desta glória neste mundo. São como Marta que se preocupava
de muitos quefazeres e não como Maria quem escolheu a boa parte, sentando-se
aos pés de Cristo (Veja-se Lc 10:38-42). Tais pessoas deveriam tomar cuidado
para não descuidar o dever de meditar na glória de Cristo e também de não
menosprezar este dever.
Alguns
dizem que têm o desejo de olhar a glória de Cristo pela fé mas quando começam a
fazê-lo, encontram que lhes é demasiado elevado e difícil. Sentem-se abrumados
como os discípulos no monte da transfiguração. Reconheço que a debilidade das
nossas mentes e a nossa incapacidade para entender muito acerca da glória
eterna de Cristo nos impede de mantermos os nossos pensamentos firmes e fixos
por muito tempo na meditação. Aqueles que não estão acostumados na arte da
meditação santa não estarão habilitados para meditar neste mistério em
particular. Mas ainda assim, quando a nossa fé já não pode concentrar os olhos
do nosso entendimento para pensar no Sol da justiça brilhando na Sua formosura,
pelo menos podemos, por meio da fé, descansar na santa admiração e no amor.
"Meditations on the Glory of Crist" de John
Owen numa versão abreviada intitulada "The Glory of Crist".
Tradução de Carlos António da Rocha
John
Owen (Stadhampton, 1616 - Ealing, 24 de agosto de 1683) é, por
consenso, o mais bem conceituado teólogo puritano, e muitos o
classificariam, ao lado de João Calvino e de Jonathan Edwards, como um
dos três maiores teólogos reformados de todos os tempos.
Nascido em 1616, entrou para o Queen's College, em Oxford, aos 12 anos de idade e completou seu mestrado em 1635 aos 19 anos de idade. Em 1637 tornou-se pastor.
Na década de 1640 foi capelão de Oliver Cromwell e, em 1651, veio a ser deão da Christ Church, a maior faculdade de Oxford. Em 1652, recebeu o cargo adicional de vice-reitor da universidade, a qual passou a reorganizar com sucesso notável.
Depois de 1660, foi líder dos Independentes (mais tarde chamados de congregacionais, até sua morte em 1683.
Nascido em 1616, entrou para o Queen's College, em Oxford, aos 12 anos de idade e completou seu mestrado em 1635 aos 19 anos de idade. Em 1637 tornou-se pastor.
Na década de 1640 foi capelão de Oliver Cromwell e, em 1651, veio a ser deão da Christ Church, a maior faculdade de Oxford. Em 1652, recebeu o cargo adicional de vice-reitor da universidade, a qual passou a reorganizar com sucesso notável.
Depois de 1660, foi líder dos Independentes (mais tarde chamados de congregacionais, até sua morte em 1683.
Carlos António da Rocha
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