Textos
de
George Campbell
Morgan (1863-1945)
Os Anos Ocultos Em Nazaré
Os anos ocultos em Nazaré
O batismo de Jesus marcou uma separação entre a Sua
vida privada e a Sua vida pública. Nesse batismo, os Céus abertos, o Espírito
que desceu e a voz do Pai, igualmente deram testemunho da perfeição do Filho.
A voz divina tinha um significado especial como
declaração concernente ao caráter de Cristo ao sair da reclusão dos anos
ocultos. Três vezes durante o período do Seu ministério público esta voz divina
rompeu o silêncio dos Céus, e anunciou da parte do Pai a Sua aprovação do Filho
do Seu amor. Em cada ocasião, interrompeu-se o silêncio para dar testemunho da
perfeição de Jesus.
A
primeira ocasião foi quando a voz declarou: “Este é o Meu Filho amado, em Quem
Me comprazo” (Mt 3:17 ARC1995).
A segunda foi quando sobre o monte da transfiguração Se
ouviu a mesma voz dizer: “Este é o Meu Filho amado, em Quem Me comprazo;
escutai-O” (Mt 17:5 ARC1995).
A terceira foi quando Jesus, ao aproximar-Se da Sua
cruz, cuja sombra e tristeza caíam já sobre a Sua vida, orou: «Pai, glorifica o
Teu nome», e veio a resposta: «Já O tenho glorificado e outra vez O
glorificarei » (Jo 12:28 ARC1995).
Em cada caso, a interrupção do silêncio dos Céus anunciou
a aprovação que Deus deu de Cristo, quando nalguma nova crise Ele afirmou o Seu
rosto para a morte que culminaria na obra da redenção, de acordo com os
propósitos de Deus. Foi às águas do Jordão e foi contado com os transgressores
no batismo do arrependimento. Desta forma, tomou o Seu lugar com eles nessa
figura da morte, assim como finalmente Se associou com eles na própria morte. No
que se referia à pessoa e ao caráter de Cristo, Ele não tinha necessidade do
batismo de João. O profeta teve razão quando disse: “Eu careço de ser batizado
por Ti, e vens Tu a mim?” (Mt 3:14 ARC1995). Pela Sua ação fez saber que
consentia em ser identificado com os pecadores, mesmo até à morte. Aqui, pois,
em seguida torna-se evidente o valor da manifestação divina. Era uma declaração
da perfeição de Jesus, e do consecutivo valor desse sacrifício que no final Ele
ofereceria.
Este era, na verdade, o significado em cada um dos
três casos citados. No monte da transfiguração Ele falou com as visitas
celestiais a respeito do Seu próximo êxodo; desta forma, enfrentou, na luz
dessa maravilhosa glória, a Sua morte pelos homens. Na terceira ocasião quando,
turbado em espírito perante a perspectiva da morte, deliberadamente Ele
declarou que tinha chegado a hora da Sua morte, e somente pediu a glorificação
do nome divino. Nas três crises fez frente e consentiu na morte, e em cada
oportunidade o Céu selou o sacrifício como perfeito, e, portanto, de valor
infinito.
Esta declaração da perfeição de Jesus feita no Seu
batismo é uma janela pela qual se lança luz sobre a Sua pessoa e caráter nos
anos que viveu em Nazaré.
No relato da criação em Génesis declara-se que o homem,
feito à imagem de Deus, foi designado como senhor de toda a criação: os peixes
do mar, as aves do ar e as bestas do campo. Além disso, foi posto no Jardim do
Éden para cuidar dele e para o manter, esse facto indicava que todas as
maravilhosas possibilidades existentes na nova criação deviam ser realizadas
pela atenção e pelo trabalho do homem. O salmista, vencido pela majestade dos
Céus, pergunta assombrado:
“Que
é o homem mortal para que Te lembres dele?”
E depois respondeu à Sua pergunta com palavras que
recordam a divina intenção tal como se revela em Génesis:
“Contudo, pouco menor o fizeste do que os anjos e de
glória e de honra o coroaste. Fazes com que ele tenha domínio sobre as obras
das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés: todas as ovelhas e bois, assim
como os animais do campo; as aves dos céus, e os peixes do mar, e tudo o que
passa pelas veredas dos mares” (Sl 8:4-8 ARC1995)
O homem, no primeiro intento divino, é o chefe da
criação. Nasceu para ter domínio. O escritor da carta aos Hebreus cita este
Salmo:
«Mas, em certo lugar, testificou alguém, dizendo: Que
é o homem, para que dele te lembres? Ou o filho do homem, para que o visites?
Tu o fizeste um pouco menor do que os anjos, de glória e de honra o coroaste e
o constituíste sobre as obras de tuas mãos. Todas as coisas lhe sujeitaste
debaixo dos pés.».
“Ora, visto que lhe sujeitou todas as coisas, nada
deixou que lhe não esteja sujeito.”
Esta é uma declaração do
propósito original de Deus. O escritor continua dizendo: «Mas, agora, ainda não
vemos que todas as coisas lhe estejam sujeitas; vemos, porém, coroado de glória
e de honra aquele Jesus” (Hb 2:6-9 ARC1995). Sem entrar em pormenores a
respeito do pleno propósito do argumento do autor, evidentemente declara que,
se bem que o homem caído tenha fracassado na realização do intento divino, este
Homem foi a exceção do fracasso geral porque Ele realizou-o perfeitamente. Todo
a criação estava sujeito a Ele. Teve domínio sobre os peixes do mar, e sabia
onde encontrá-los quando os discípulos tinham trabalhado em vão durante uma
noite toda de pesca. Ele conhecia os hábitos das aves dos céus, e delas tirou
algumas das Suas mais doces lições. Até as bestas do campo reconheciam o Seu
senhorio. Marcos faz uma rápida referência a este fato quando no relato da
tentação afirma: «E vivia entre as feras» (Mc 1:13 ARC1995). A preposição
empregada indica um contacto estreito e sugere também que elas não Lhe causaram
nenhum dano. Era, de verdade, o perfeito Homem de Deus que tinha domínio sobre
toda a criação do Seu Pai.
Para facilitar a meditação sobre as perfeições de
Jesus como Homem, deve-se recorrer à análise mais singela da personalidade
humana: o espírito e o corpo. Por inferência o Novo Testamento diz muito quanto
à perfeição de Jesus em espírito e no corpo durante esses anos de reclusão em
Nazaré.
O Seu espírito
O espírito é o facto essencial no homem e para
compreender melhor o Espírito de Cristo é necessário recordar que Ele combinou
perfeitamente a inteligência, a emoção e a vontade. Por outras palavras, Jesus
de Nazaré realizou o pensamento divino e, portanto, foi absolutamente perfeito.
Nele a inteligência era clara e limpa. Na economia
divina há três modos como os homens podem conhecer Deus: pela criação, pela
revelação e pela comunicação direta.
Todas estas vias estavam abertas para Jesus e através
delas viu tudo o que Lhe havia de vir. Para Ele a criação era um livro aberto,
a revelação era radiante e a comunicação com Deus era imediata e ininterrupta.
Não se pode dizer que alguma pessoa haja experimentado isto. A criação não é um
livro aberto para o homem. Deus tem-Lhe permitido aprender a ler os Seus
segredos através dos lentos e tediosos processos dos séculos. Sem embargo,
Jesus conhecia todos estes segredos.
A revelação das Escrituras, se bem que estas são
perfeitas em si mesmas, não são entendidas perfeitamente devido ao
obscurecimento da inteligência do homem. Por essa razão, as más interpretações
e concepções falsas são o resultado da limitação humana. Para Jesus todas as palavras
da revelação se referiam aos significados de Deus, e conhecia e entendia a Sua
mensagem nos escritos santos.
A comunicação dos homens com Deus, até dos santos, é
intermitente e parcial, e muitas vezes estorvada por disposições de ânimo
variáveis. A comunicação de Jesus era perpétua, a voz divina ressoava no mais
profundo estado consciente da Sua alma; e respondia com a naturalidade de um
menino, na imediata presença do Pai.
Em relação a isto, escutemos o testemunho dos homens
de Nazaré. Jesus, ainda um menino, retornou a esta aldeia nas montanhas depois
de ter vivido no Egito. Ali passou a maior parte da Sua vida durante os vinte e
oito anos que seguiram. Na idade de doze anos os Seus pais o levaram a
Jerusalém, e é muito provável que visitasse a cidade santa em cada ano
subsequente. Sem embargo, é muito fácil supor que Ele viveu todos os meses
restantes daqueles anos em Nazaré. A gente de Nazaré, sem dúvida, conhecia-O
perfeitamente. Era uma pequena povoação que se achava fora do percurso do
tráfico ordinário do país. Tão afastado estava do curso usual dos
acontecimentos que, ao que parece, nenhum exército invasor jamais o tinha
atacado. Além disso, é muito provável que a sinagoga que existe atualmente seja
a mesma aonde o Senhor lia as palavras da Lei. Era um lugar pequeno e sem
importância. Todos, provavelmente, se conheciam e estavam acostumados a ver o
jovem que tinha crescido na casa do carpinteiro da povoação, já que ele mesmo
havia sucedido ao Seu pai no trabalho de carpinteiro.
Quando tinha uns trinta anos de idade partiu da
aldeia. Depois de uma ausência de uns poucos de meses, voltou, e, conforme ao
Seu costume, visitou a sinagoga no dia sábado. Mas, agora Ele fez algo
extraordinário e inesperado: abriu a Sua boca e começou a falar-lhes, e ao
escutá-Lo maravilhavam-se, e, logo, alguém Lhe fez a pergunta: « De onde lhe
vêm essas coisas? E que sabedoria é esta que lhe foi dada?» (Mar 6:2 ARC1995).
Para captar toda a força da pergunta é necessário
entender o que eles queriam dizer por sabedoria. Segundo Trench, a palavra
«sofia» significa claridade de entendimento, e é um termo usado somente «para
expressar o mais elevado e nobre». Estes homens de Nazaré assombraram-se ao
ouvir no Seu ensino uma sabedoria que era, ao mesmo tempo, prova de grande intelecto
e de grande bondade.
No Evangelho de João encontra-se uma declaração ainda mais
notável a respeito da Sua pessoa. Ele viajou desde a Galileia até Jerusalém e
ensinou no templo. Falar aqui era totalmente diferente de falar na sinagoga de
Nazaré. Aqui se reuniam e concentravam os mais notáveis eruditos da época. Aqui
se teria descoberto imediatamente qualquer falso acento ou citação errada como
resultado de ignorância. Quando Savonarola chegou a Florência, pela primeira
vez, a Sua magnífica eloquência de convicção não captou a atenção das pessoas
devido ao seu inaceitável sotaque lombardo. Quando Jesus passou das aldeias à
metrópole e começou a ensinar rodeado pelos ouvidos mais críticos dos Seus
dias, «Como sabe este letras, não as tendo aprendido?» (Jo 7:15 ARC1995). Pois
bem, esta palavra grammata, traduzida como «letras», é muito significativa.
Aparece somente uma vez mais no Novo Testamento. «E, dizendo ele isto em sua
defesa, disse Festo em alta voz: Estás louco, Paulo! As muitas letras te fazem
delirar!» (At 26:24 ARC1995). Festo usou para o saber do apóstolo exatamente a
mesma palavra que empregaram estes judeus. Festo descobriu na fala do Paulo
tudo o que ele tinha obtido pela sua cuidadosa preparação. Possivelmente
detectava-se a influência da escola de Gamaliel, e era este sinal de erudição o
que, quando o ouviram emanar de Jesus, surpreendeu os judeus quando diziam que
Ele não conhecia letras. «Quando perguntaram: "Como sabe este letras, não
as tendo aprendido?", queriam dizer que nunca tinha estudado nas escolas,
e, entretanto, possuía tudo o que as escolas Lhe podiam dar» (Bispo Westcott).
O notável é que Jesus demonstrou estar instruído nos métodos literários do Seu
tempo, e que estavam limitados aos discípulos dos instrutores populares. Não
falou entre eles como um homem sério mas ignorante; mas o Seu uso da linguagem
e o Seu evidente conhecimento das filosofias das escolas, impressionou as
multidões de Jerusalém, e no Seu assombro exclamaram: «Como sabe este letras,
sem as ter estudado?»
Os homens têm de aprender, estudar, e passar por processos
de preparação para obter o que Ele possuía. De novo no Evangelho de João,
observa-se que Ele respondeu à pergunta dos judeus: «A minha doutrina não é
minha, mas daquele que me enviou. Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela
mesma doutrina, conhecerá se ela é de Deus ou se eu falo de mim mesmo.» (Jo
7:16-17 ARC1995). Geralmente, cita-se essa passagem como uma declaração de uma
filosofia do discipulado cristão. Ainda que tenha essa aplicação, nunca esqueça
que a primeira intenção é responder à pergunta dos judeus, e explicar como o
Senhor sabia as declarações que assombravam os Seus ouvintes. O Homem que faz a
vontade de Deus perfeitamente é Aquele que entende todos os mistérios e conhece
factos que os homens ordinários somente os entendem mediante um demorado
esforço e estudo. Para conhecer os segredos que existem escondidos na natureza,
o homem caído com a inteligência obscurecida tem de averiguar cuidadosamente.
Mas o Homem de Deus, aquele que não caiuo, lê-os na página aberta da natureza,
e descobre imediatamente as mais profundas filosofias da vida. Nunca permitamos
que a Cristo Se Lhe roube a realeza da majestade intelectual. Não era em nenhum
sentido ignorante ou falto de educação. Nunca aprendeu, porquanto não tinha
necessidade de o fazer. Aprender é um processo necessário devido à queda do
homem e ao pecado da raça. O Homem perfeito de Deus não necessitava de tal
processo já que era impecável, sabia letras sem as ter aprendido. Nele se cumpriram
do modo mais perfeito as maravilhosas palavras: «O segredo do SENHOR é para os
que o temem» (Sl 25:14 ARC1995).
Esta inteligência obrava não só na esfera da natureza,
mas também na profunda e maravilhosa exatidão de entendimento dos segredos
interiores de outras vistas humanas. Como declara João, «e não necessitava de
que alguém testificasse do homem, porque Ele bem sabia o que havia no homem.»
(Jo 2:25 ARC1995). Nessa esfera Jesus atuava comodamente. Conhecia o pensamento
do pecado, o desejo das paixões, a malícia escondida, e a débil aspiração para
Deus. Ao analisar ao Seus relaciomentos com os diversos homens e mulheres que
se cruzavam no Seu caminho, observa-se o método de uma inteligência cujo
calibre é incompreensível. Jesus lia o pensamento interior do coração de cada
pessoa como se esta fora um livro aberto.
Os servos de Deus sempre devem ter presente isto
quando falam com indivíduos. Cristo conhece o segredo do coração da pessoa com
quem fala o servo. Há ocasiões quando vem a tentação de imaginar que Jesus de
Nazaré não pôde satisfazer perfeitamente a capacidade intelectual de grandes
homens. Qualquer dúvida como essa, desonra o Senhor. Deve ser sempre recordado
que Jesus, o Filho de Maria, era o Príncipe dos eruditos, o Mestre do saber, o
Rei da sabedoria, e os Seus inimigos eram as Suas testemunhas. Ele tinha a
‘grammata’, a sabedoria das letras, que eles tanto cobiçavam, ainda que nunca
passou pelo processo humano para alcançar dito resultado.
Era perfeito, além disso, na Sua natureza emocional. A
Sua afecção era indivisível. A Sua clara inteligência resultou num perfeito
estado consciente de Deus. Jesus via Deus esplendidamente nos Seus caminhos e
obras, por isso, amava a Deus perfeitamente. Nisto se acha o significado mais
profundo das Suas próprias palavras: «Bem-aventurados os limpos de
coração, porque eles verão a Deus» (Mt 5:8 ARC1995).
Ele mesmo era de coração puro e por isso via Deus perfeitamente, o qual
revelava a unidade divina. Notemos, atentamente, esta sequencia. Primeiro, a
clara inteligência que produz um perfeito estado consciente de Deus; em segundo
lugar, um perfeito estado consciente que revela a unidade de Deus e de tudo o
que foi criado em Deus. Por último, o descobrimento que capta cada coração e necessita de amor perfeito.
Esta unidade de Deus era o facto central para o qual a
nação hebraica tinha sido criada . «Ouve, Israel, o SENHOR, nosso
Deus, é o único SENHOR.» (Dt 6:4 ARC1995).
Ver e conhecer Deus como Jesus O viu e conheceu é descobrir esta unidade, e
nela descobrir a unidade de todos os propósitos da deidade.
Esta visão da unidade de Deus captura ao coração do
homem. O conhecimento dAquele que cria e mantém a unidade é a perfeição do amor
na alma do homem. Deste modo, a passagem já citada em Deuteronómio acerca da
unidade de SENHOR precede ao mandamento: «Amarás, pois, o SENHOR, teu
Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu poder.».
Jesus, com a Sua clara inteligência, era perfeitamente consciente do caráter de
Deus e da unidade do Seu propósito, e amou-O com todo o Seu coração. O Homem da
clara inteligência era o Homem dos afetos sem divisão alguma.
Logo segue o fato da vontade sem oposição. A vontade é
como uma cidadela que recebe os ataques de todas as forças da tentação. Dentro
desta cidadela, Jesus rechaçou estas tentações à luz de uma inteligência clara
e do poder de afetos indivisíveis. Via Deus perfeitamente, e portanto amou a
Deus excelentemente, e assim Lhe obedeceu sem nenhuma falta, por isso pôde
dizer: «Eu faço sempre o que Lhe agrada.» (Jo
8:29 ARC1995).
Nesta análise da perfeição espiritual de Jesus sempre
vale a pena recordar a ação recíproca destes três fatos dentro da natureza
espiritual. O amor, através da luz, dirigia-se à vontade. A vontade, como
resultado, fortalecia o amor e aumentava a luz. Esse é o perpétuo processo na
vida humana. Ao render-se a Deus, a luz cai sobre a vereda, e cria amor. O amor
sugere obediência. A vontade, impulsionada pelo amor, rende-se à luz. A
experiência que se segue à obediência aumenta o amor e a luz. Desta forma, há
perpetuo progresso, crescimento, e desenvolvimento na graça que faz com que os
homens cresçam na aceitação para com Deus e o homem.
O Seu corpo
Quando nos dará algum artista inspirado um verdadeiro
quadro deste Homem glorioso? Quase sempre O pintam como fisicamente fraco e
falto de formosura corporal. Talvez o artista alemão Hoffman é aquele que mais
se aproximou do verdadeiro ideal. Poderá aduzir-se que o profeta Isaías
declarou: «Não tinha parecer nem formosura; e, olhando nós para
Ele, nenhuma beleza víamos, para que O desejássemos.» (Is
53:2 ARC1995). Sem embargo, com segurança o profeta não quis dizer
que Ele seria desprovido de formosura, mas,
antes, que os homens seriam cegos e não reconheceriam a verdadeira
formosura divina. Vigorosamente sustento que Ele era perfeito em forma e
proporção físicas. O corpo é o sinal exterior e visível do espírito interior e
invisível, e o espírito perfeito de Jesus formava um tabernáculo físico ideal
no qual Ele passou a vida probatória.
Na carta aos Romanos, o apóstolo Paulo insta com os
crentes para que apresentarem os seus corpos «em sacrifício vivo, santo e
agradável a Deus, que é o vosso culto racional.» (Rm 12:1 ARC1995). O
verdadeiro pensamento do escritor é, pois, o de um ato de adoração. O espírito
adora pela apresentação do corpo. O espírito expressa-se por meio do corpo. Os
rostos mais simples e ordinários enchem-se de luz quando o espírito está em
comunhão com Deus; e admitir a perfeição espiritual de Jesus necessariamente significa
aceitar também a Sua perfeição corporal. O Seu rosto sacro certamente ficou
desfigurado pelas marcas da aflição e da dor, mas, em forma, feição e figura
era o rosto mais formoso jamais visto num homem. Esse sagrado tabernáculo do
Seu espírito quiçás estava dobrado e no fim vacilante pelo cansaço. Sem
embargo, as perfeições dos deuses de que se alardeavam os gregos não eram mais
do que monstruosidades ao lado do perfeitamente equilibrado físico de Jesus.
NEle, o espírito era dominante, e todos os poderes corporais estavam
perfeitamente sob governo, dentro da esfera assinalada no sistema divino.
O resultado de tudo isto foi que cada tarefa que Jesus
realizava com força física sob o domínio da inteligência espiritual era uma
obra perfeita. Ele entendia perfeitamente o Seu trabalho e era capaz de
fazê-lo; além disso, realizava-o em perfeito amor a Deus. Quão formoso é
meditar nEle enquanto, inclinado sobre o Seu banco de carpinteiro, fazia jugos
e arados para cultivar os campos que Ele tanto amava e que se estendiam ao
redor da aldeia onde vivia! É digno de ser recordado que Ele usou o arado e o
jugo como ilustrações da Sua pregação. Pensa, por um momento, na maravilhosa
destreza com que levava a cabo o Seu trabalho. O Seu conhecimento da natureza
era tal que Ele sabia exatamente qual era a melhor madeira para cada trabalho.
Além disso, na árvore lia toda a história do seu crescimento, e conhecia a
precisão do Seu método e assim sabia exatamente como cortá-la para não deitá-la
a perder no procedimento. Sabia, além disso, como unir a madeira de modo que na
juntura a força de cada parte contribuísse para a nova força da união. Era um
Obreiro perfeito que fazia trabalhos sem defeitos.
Além do Mestre, quiçá uma das mais notáveis
ilustrações da perfeição espiritual que produz perfeição laboral, é a de
Stradivarius, o grande artífice do violino. Poder-se-ia assegurar que nunca se
superaram os seus instrumentos. Quando trabalhava nestes instrumentos, ia aos
bosques e punha a suas mãos sobre as árvores, e com só tocar nelas sabia que
madeira era a melhor para cada parte do mecanismo musical. Descobriu os tons
musicais na fibra da madeira; como resultado, produzia um instrumento perfeito.
Nele havia desenvolvimento do espírito quanto à música.
Agora recorda que Jesus de Nazaré não teve um
desenvolvimento unilateral, mas uma perfeita compreensão de todos os métodos de
Deus na criação. É evidente que o Seu trabalho devia ser perfeito em todo o
sentido. Cada parte da obra que saía da sua oficina, se a tivesse podido apreciar,
dava uma sensação da energia da perfeita natureza humana.
Nele havia uma total ausência de enfermidade. Possuía
força suficiente para completar o trabalho diário divinamente ordenado, mas Ele
nunca deixou de ser homem. No final do dia, ficava fatigado porque tinha
empregado a Sua força para o trabalho diário encomendado. O cansaço é o
chamamento de Deus ao sonho, o qual é o doce restaurador da natureza. Oh Homem
perfeito em espírito e em saber, que amava constantemente, e obedecia sempre!
Perfeito no corpo, com um rosto da mais singular formosura e forma, que
expressava nas comuns tarefas diárias os pensamentos de Deus e as perfeições da
eternidade!
Logo, finalmente, e numa palavra, Jesus passou em
perfeição esses trinta anos de vida privada apesar da tentação. A Sua vida não
foi uma vida livre de tentação. A antiga pergunta feita no Jardim do Éden com
segurança foi apresentada a Jesus: «impôs Deus limitações?» E as insinuações,
que ao serem escutadas produziram a ruína do primeiro homem, foram feitas
também ao Senhor: «Esta limitação do banco do carpinteiro é uma cruel
servidão». Mas ali ficou enquanto os dias se multiplicavam em semanas, e as
semanas aumentavam até meses, e os meses corriam até que os anos chegaram a
trinta. Talvez Lhe sobreveio a tentação mais subtil: a de apressar a Sua
própria e maior obra. Tentação que dominou a Moisés e demorou por tanto tempo a
libertação de Israel. Mas, apesar disso, Jesus manteve-Se, aprendeu ali também
a obediência pelo que padeceu, e cresceu em graça para com Deus e os homens.
Quando chegou o momento, respondeu à chamada interior, abandonou a reclusão e a
vida privada. Passou ao umbral da vida pública pelas águas de um batismo de
morte, nEle que tinha participado da graça do Seu coração para com os homens.
Os Céus silenciosos clamaram na linguagem de uma grande música, enquanto o Omnipotente
Pai declarava: «Este é o meu
Filho amado, em quem me comprazo».
Tomado e adaptado do livro “Las
crisis de Cristo”, “The Crises of the Christ” (‘As crises de Cristo’) G.
Campbell Morgan, Ediciones Hebrón - Desarrollo Cristiano
http://www.desarrollocristiano.com/articulo.php?id=1540George Campbell Morgan (9 de dezembro de 1863 - 16 de maio de 1945) foi um evangelista, pregador, líder e professor ‘ = doutor’ da Bíblia. Contemporâneo de Rodney "Gipsy" Smith, Morgan foi o pastor da Capela de Westminster em Londres de 1904 a 1919, e de 1933 a 1943.
de Carlos António da Rocha
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