… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Textos 
de 
George Campbell Morgan (1863-1945)




Os Anos Ocultos Em Nazaré

Como foi a vida de Jesus antes de iniciar o Seu ministério? O Seu batismo declara-nos muito da Sua perfeição espiritual e corporal. Além disso, é como uma janela aberta que nos permite apreciar a Sua pessoa e caráter nos anos que viveu em Nazaré. G. Campell Morgan ajuda-nos a submergir-nos nos anos ocultos de Jesus em Nazaré para descobrirmos as formosas verdades expressas nas Suas características espirituais e corporais.



Os anos ocultos em Nazaré



O batismo de Jesus marcou uma separação entre a Sua vida privada e a Sua vida pública. Nesse batismo, os Céus abertos, o Espírito que desceu e a voz do Pai, igualmente deram testemunho da perfeição do Filho.



A voz divina tinha um significado especial como declaração concernente ao caráter de Cristo ao sair da reclusão dos anos ocultos. Três vezes durante o período do Seu ministério público esta voz divina rompeu o silêncio dos Céus, e anunciou da parte do Pai a Sua aprovação do Filho do Seu amor. Em cada ocasião, interrompeu-se o silêncio para dar testemunho da perfeição de Jesus.



A primeira ocasião foi quando a voz declarou: “Este é o Meu Filho amado, em Quem Me comprazo” (Mt 3:17 ARC1995).



A segunda foi quando sobre o monte da transfiguração Se ouviu a mesma voz dizer: “Este é o Meu Filho amado, em Quem Me comprazo; escutai-O” (Mt 17:5 ARC1995).



A terceira foi quando Jesus, ao aproximar-Se da Sua cruz, cuja sombra e tristeza caíam já sobre a Sua vida, orou: «Pai, glorifica o Teu nome», e veio a resposta: «Já O tenho glorificado e outra vez O glorificarei » (Jo 12:28 ARC1995).



Em cada caso, a interrupção do silêncio dos Céus anunciou a aprovação que Deus deu de Cristo, quando nalguma nova crise Ele afirmou o Seu rosto para a morte que culminaria na obra da redenção, de acordo com os propósitos de Deus. Foi às águas do Jordão e foi contado com os transgressores no batismo do arrependimento. Desta forma, tomou o Seu lugar com eles nessa figura da morte, assim como finalmente Se associou com eles na própria morte. No que se referia à pessoa e ao caráter de Cristo, Ele não tinha necessidade do batismo de João. O profeta teve razão quando disse: “Eu careço de ser batizado por Ti, e vens Tu a mim?” (Mt 3:14 ARC1995). Pela Sua ação fez saber que consentia em ser identificado com os pecadores, mesmo até à morte. Aqui, pois, em seguida torna-se evidente o valor da manifestação divina. Era uma declaração da perfeição de Jesus, e do consecutivo valor desse sacrifício que no final Ele ofereceria.



Este era, na verdade, o significado em cada um dos três casos citados. No monte da transfiguração Ele falou com as visitas celestiais a respeito do Seu próximo êxodo; desta forma, enfrentou, na luz dessa maravilhosa glória, a Sua morte pelos homens. Na terceira ocasião quando, turbado em espírito perante a perspectiva da morte, deliberadamente Ele declarou que tinha chegado a hora da Sua morte, e somente pediu a glorificação do nome divino. Nas três crises fez frente e consentiu na morte, e em cada oportunidade o Céu selou o sacrifício como perfeito, e, portanto, de valor infinito.



Esta declaração da perfeição de Jesus feita no Seu batismo é uma janela pela qual se lança luz sobre a Sua pessoa e caráter nos anos que viveu em Nazaré.



No relato da criação em Génesis declara-se que o homem, feito à imagem de Deus, foi designado como senhor de toda a criação: os peixes do mar, as aves do ar e as bestas do campo. Além disso, foi posto no Jardim do Éden para cuidar dele e para o manter, esse facto indicava que todas as maravilhosas possibilidades existentes na nova criação deviam ser realizadas pela atenção e pelo trabalho do homem. O salmista, vencido pela majestade dos Céus, pergunta assombrado:



“Que é o homem mortal para que Te lembres dele?”



E depois respondeu à Sua pergunta com palavras que recordam a divina intenção tal como se revela em Génesis:



“Contudo, pouco menor o fizeste do que os anjos e de glória e de honra o coroaste. Fazes com que ele tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés: todas as ovelhas e bois, assim como os animais do campo; as aves dos céus, e os peixes do mar, e tudo o que passa pelas veredas dos mares” (Sl 8:4-8 ARC1995)



O homem, no primeiro intento divino, é o chefe da criação. Nasceu para ter domínio. O escritor da carta aos Hebreus cita este Salmo:



«Mas, em certo lugar, testificou alguém, dizendo: Que é o homem, para que dele te lembres? Ou o filho do homem, para que o visites? Tu o fizeste um pouco menor do que os anjos, de glória e de honra o coroaste e o constituíste sobre as obras de tuas mãos. Todas as coisas lhe sujeitaste debaixo dos pés.».



“Ora, visto que lhe sujeitou todas as coisas, nada deixou que lhe não esteja sujeito.”

Esta é uma declaração do propósito original de Deus. O escritor continua dizendo: «Mas, agora, ainda não vemos que todas as coisas lhe estejam sujeitas; vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus” (Hb 2:6-9 ARC1995). Sem entrar em pormenores a respeito do pleno propósito do argumento do autor, evidentemente declara que, se bem que o homem caído tenha fracassado na realização do intento divino, este Homem foi a exceção do fracasso geral porque Ele realizou-o perfeitamente. Todo a criação estava sujeito a Ele. Teve domínio sobre os peixes do mar, e sabia onde encontrá-los quando os discípulos tinham trabalhado em vão durante uma noite toda de pesca. Ele conhecia os hábitos das aves dos céus, e delas tirou algumas das Suas mais doces lições. Até as bestas do campo reconheciam o Seu senhorio. Marcos faz uma rápida referência a este fato quando no relato da tentação afirma: «E vivia entre as feras» (Mc 1:13 ARC1995). A preposição empregada indica um contacto estreito e sugere também que elas não Lhe causaram nenhum dano. Era, de verdade, o perfeito Homem de Deus que tinha domínio sobre toda a criação do Seu Pai.



Para facilitar a meditação sobre as perfeições de Jesus como Homem, deve-se recorrer à análise mais singela da personalidade humana: o espírito e o corpo. Por inferência o Novo Testamento diz muito quanto à perfeição de Jesus em espírito e no corpo durante esses anos de reclusão em Nazaré.



O Seu espírito



O espírito é o facto essencial no homem e para compreender melhor o Espírito de Cristo é necessário recordar que Ele combinou perfeitamente a inteligência, a emoção e a vontade. Por outras palavras, Jesus de Nazaré realizou o pensamento divino e, portanto, foi absolutamente perfeito.



Nele a inteligência era clara e limpa. Na economia divina há três modos como os homens podem conhecer Deus: pela criação, pela revelação e pela comunicação direta.



Todas estas vias estavam abertas para Jesus e através delas viu tudo o que Lhe havia de vir. Para Ele a criação era um livro aberto, a revelação era radiante e a comunicação com Deus era imediata e ininterrupta. Não se pode dizer que alguma pessoa haja experimentado isto. A criação não é um livro aberto para o homem. Deus tem-Lhe permitido aprender a ler os Seus segredos através dos lentos e tediosos processos dos séculos. Sem embargo, Jesus conhecia todos estes segredos.



A revelação das Escrituras, se bem que estas são perfeitas em si mesmas, não são entendidas perfeitamente devido ao obscurecimento da inteligência do homem. Por essa razão, as más interpretações e concepções falsas são o resultado da limitação humana. Para Jesus todas as palavras da revelação se referiam aos significados de Deus, e conhecia e entendia a Sua mensagem nos escritos santos.



A comunicação dos homens com Deus, até dos santos, é intermitente e parcial, e muitas vezes estorvada por disposições de ânimo variáveis. A comunicação de Jesus era perpétua, a voz divina ressoava no mais profundo estado consciente da Sua alma; e respondia com a naturalidade de um menino, na imediata presença do Pai.



Em relação a isto, escutemos o testemunho dos homens de Nazaré. Jesus, ainda um menino, retornou a esta aldeia nas montanhas depois de ter vivido no Egito. Ali passou a maior parte da Sua vida durante os vinte e oito anos que seguiram. Na idade de doze anos os Seus pais o levaram a Jerusalém, e é muito provável que visitasse a cidade santa em cada ano subsequente. Sem embargo, é muito fácil supor que Ele viveu todos os meses restantes daqueles anos em Nazaré. A gente de Nazaré, sem dúvida, conhecia-O perfeitamente. Era uma pequena povoação que se achava fora do percurso do tráfico ordinário do país. Tão afastado estava do curso usual dos acontecimentos que, ao que parece, nenhum exército invasor jamais o tinha atacado. Além disso, é muito provável que a sinagoga que existe atualmente seja a mesma aonde o Senhor lia as palavras da Lei. Era um lugar pequeno e sem importância. Todos, provavelmente, se conheciam e estavam acostumados a ver o jovem que tinha crescido na casa do carpinteiro da povoação, já que ele mesmo havia sucedido ao Seu pai no trabalho de carpinteiro.



Quando tinha uns trinta anos de idade partiu da aldeia. Depois de uma ausência de uns poucos de meses, voltou, e, conforme ao Seu costume, visitou a sinagoga no dia sábado. Mas, agora Ele fez algo extraordinário e inesperado: abriu a Sua boca e começou a falar-lhes, e ao escutá-Lo maravilhavam-se, e, logo, alguém Lhe fez a pergunta: « De onde lhe vêm essas coisas? E que sabedoria é esta que lhe foi dada?» (Mar 6:2 ARC1995).



Para captar toda a força da pergunta é necessário entender o que eles queriam dizer por sabedoria. Segundo Trench, a palavra «sofia» significa claridade de entendimento, e é um termo usado somente «para expressar o mais elevado e nobre». Estes homens de Nazaré assombraram-se ao ouvir no Seu ensino uma sabedoria que era, ao mesmo tempo, prova de grande intelecto e de grande bondade.



No Evangelho de João encontra-se uma declaração ainda mais notável a respeito da Sua pessoa. Ele viajou desde a Galileia até Jerusalém e ensinou no templo. Falar aqui era totalmente diferente de falar na sinagoga de Nazaré. Aqui se reuniam e concentravam os mais notáveis eruditos da época. Aqui se teria descoberto imediatamente qualquer falso acento ou citação errada como resultado de ignorância. Quando Savonarola chegou a Florência, pela primeira vez, a Sua magnífica eloquência de convicção não captou a atenção das pessoas devido ao seu inaceitável sotaque lombardo. Quando Jesus passou das aldeias à metrópole e começou a ensinar rodeado pelos ouvidos mais críticos dos Seus dias, «Como sabe este letras, não as tendo aprendido?» (Jo 7:15 ARC1995). Pois bem, esta palavra grammata, traduzida como «letras», é muito significativa. Aparece somente uma vez mais no Novo Testamento. «E, dizendo ele isto em sua defesa, disse Festo em alta voz: Estás louco, Paulo! As muitas letras te fazem delirar!» (At 26:24 ARC1995). Festo usou para o saber do apóstolo exatamente a mesma palavra que empregaram estes judeus. Festo descobriu na fala do Paulo tudo o que ele tinha obtido pela sua cuidadosa preparação. Possivelmente detectava-se a influência da escola de Gamaliel, e era este sinal de erudição o que, quando o ouviram emanar de Jesus, surpreendeu os judeus quando diziam que Ele não conhecia letras. «Quando perguntaram: "Como sabe este letras, não as tendo aprendido?", queriam dizer que nunca tinha estudado nas escolas, e, entretanto, possuía tudo o que as escolas Lhe podiam dar» (Bispo Westcott). O notável é que Jesus demonstrou estar instruído nos métodos literários do Seu tempo, e que estavam limitados aos discípulos dos instrutores populares. Não falou entre eles como um homem sério mas ignorante; mas o Seu uso da linguagem e o Seu evidente conhecimento das filosofias das escolas, impressionou as multidões de Jerusalém, e no Seu assombro exclamaram: «Como sabe este letras, sem as ter estudado?»



Os homens têm de aprender, estudar, e passar por processos de preparação para obter o que Ele possuía. De novo no Evangelho de João, observa-se que Ele respondeu à pergunta dos judeus: «A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou. Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina, conhecerá se ela é de Deus ou se eu falo de mim mesmo.» (Jo 7:16-17 ARC1995). Geralmente, cita-se essa passagem como uma declaração de uma filosofia do discipulado cristão. Ainda que tenha essa aplicação, nunca esqueça que a primeira intenção é responder à pergunta dos judeus, e explicar como o Senhor sabia as declarações que assombravam os Seus ouvintes. O Homem que faz a vontade de Deus perfeitamente é Aquele que entende todos os mistérios e conhece factos que os homens ordinários somente os entendem mediante um demorado esforço e estudo. Para conhecer os segredos que existem escondidos na natureza, o homem caído com a inteligência obscurecida tem de averiguar cuidadosamente. Mas o Homem de Deus, aquele que não caiuo, lê-os na página aberta da natureza, e descobre imediatamente as mais profundas filosofias da vida. Nunca permitamos que a Cristo Se Lhe roube a realeza da majestade intelectual. Não era em nenhum sentido ignorante ou falto de educação. Nunca aprendeu, porquanto não tinha necessidade de o fazer. Aprender é um processo necessário devido à queda do homem e ao pecado da raça. O Homem perfeito de Deus não necessitava de tal processo já que era impecável, sabia letras sem as ter aprendido. Nele se cumpriram do modo mais perfeito as maravilhosas palavras: «O segredo do SENHOR é para os que o temem» (Sl 25:14 ARC1995).



Esta inteligência obrava não só na esfera da natureza, mas também na profunda e maravilhosa exatidão de entendimento dos segredos interiores de outras vistas humanas. Como declara João, «e não necessitava de que alguém testificasse do homem, porque Ele bem sabia o que havia no homem.» (Jo 2:25 ARC1995). Nessa esfera Jesus atuava comodamente. Conhecia o pensamento do pecado, o desejo das paixões, a malícia escondida, e a débil aspiração para Deus. Ao analisar ao Seus relaciomentos com os diversos homens e mulheres que se cruzavam no Seu caminho, observa-se o método de uma inteligência cujo calibre é incompreensível. Jesus lia o pensamento interior do coração de cada pessoa como se esta fora um livro aberto.



Os servos de Deus sempre devem ter presente isto quando falam com indivíduos. Cristo conhece o segredo do coração da pessoa com quem fala o servo. Há ocasiões quando vem a tentação de imaginar que Jesus de Nazaré não pôde satisfazer perfeitamente a capacidade intelectual de grandes homens. Qualquer dúvida como essa, desonra o Senhor. Deve ser sempre recordado que Jesus, o Filho de Maria, era o Príncipe dos eruditos, o Mestre do saber, o Rei da sabedoria, e os Seus inimigos eram as Suas testemunhas. Ele tinha a ‘grammata’, a sabedoria das letras, que eles tanto cobiçavam, ainda que nunca passou pelo processo humano para alcançar dito resultado.



Era perfeito, além disso, na Sua natureza emocional. A Sua afecção era indivisível. A Sua clara inteligência resultou num perfeito estado consciente de Deus. Jesus via Deus esplendidamente nos Seus caminhos e obras, por isso, amava a Deus perfeitamente. Nisto se acha o significado mais profundo das Suas próprias palavras: «Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus» (Mt 5:8 ARC1995). Ele mesmo era de coração puro e por isso via Deus perfeitamente, o qual revelava a unidade divina. Notemos, atentamente, esta sequencia. Primeiro, a clara inteligência que produz um perfeito estado consciente de Deus; em segundo lugar, um perfeito estado consciente que revela a unidade de Deus e de tudo o que foi criado em Deus. Por último, o descobrimento que capta cada  coração e necessita de amor perfeito.



Esta unidade de Deus era o facto central para o qual a nação hebraica tinha sido criada . «Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR.» (Dt 6:4 ARC1995). Ver e conhecer Deus como Jesus O viu e conheceu é descobrir esta unidade, e nela descobrir a unidade de todos os propósitos da deidade.



Esta visão da unidade de Deus captura ao coração do homem. O conhecimento dAquele que cria e mantém a unidade é a perfeição do amor na alma do homem. Deste modo, a passagem já citada em Deuteronómio acerca da unidade de SENHOR precede ao mandamento: «Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu poder.». Jesus, com a Sua clara inteligência, era perfeitamente consciente do caráter de Deus e da unidade do Seu propósito, e amou-O com todo o Seu coração. O Homem da clara inteligência era o Homem dos afetos sem divisão alguma.



Logo segue o fato da vontade sem oposição. A vontade é como uma cidadela que recebe os ataques de todas as forças da tentação. Dentro desta cidadela, Jesus rechaçou estas tentações à luz de uma inteligência clara e do poder de afetos indivisíveis. Via Deus perfeitamente, e portanto amou a Deus excelentemente, e assim Lhe obedeceu sem nenhuma falta, por isso pôde dizer: «Eu faço sempre o que Lhe agrada.» (Jo 8:29 ARC1995).



Nesta análise da perfeição espiritual de Jesus sempre vale a pena recordar a ação recíproca destes três fatos dentro da natureza espiritual. O amor, através da luz, dirigia-se à vontade. A vontade, como resultado, fortalecia o amor e aumentava a luz. Esse é o perpétuo processo na vida humana. Ao render-se a Deus, a luz cai sobre a vereda, e cria amor. O amor sugere obediência. A vontade, impulsionada pelo amor, rende-se à luz. A experiência que se segue à obediência aumenta o amor e a luz. Desta forma, há perpetuo progresso, crescimento, e desenvolvimento na graça que faz com que os homens cresçam na aceitação para com Deus e o homem.



O Seu corpo



Quando nos dará algum artista inspirado um verdadeiro quadro deste Homem glorioso? Quase sempre O pintam como fisicamente fraco e falto de formosura corporal. Talvez o artista alemão Hoffman é aquele que mais se aproximou do verdadeiro ideal. Poderá aduzir-se que o profeta Isaías declarou: «Não tinha parecer nem formosura; e, olhando nós para Ele, nenhuma beleza víamos, para que O desejássemos.» (Is 53:2 ARC1995). Sem embargo, com segurança o profeta não quis dizer que Ele seria desprovido de formosura, mas,  antes, que os homens seriam cegos e não reconheceriam a verdadeira formosura divina. Vigorosamente sustento que Ele era perfeito em forma e proporção físicas. O corpo é o sinal exterior e visível do espírito interior e invisível, e o espírito perfeito de Jesus formava um tabernáculo físico ideal no qual Ele passou a vida probatória.



Na carta aos Romanos, o apóstolo Paulo insta com os crentes para que apresentarem os seus corpos «em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.» (Rm 12:1 ARC1995). O verdadeiro pensamento do escritor é, pois, o de um ato de adoração. O espírito adora pela apresentação do corpo. O espírito expressa-se por meio do corpo. Os rostos mais simples e ordinários enchem-se de luz quando o espírito está em comunhão com Deus; e admitir a perfeição espiritual de Jesus necessariamente significa aceitar também a Sua perfeição corporal. O Seu rosto sacro certamente ficou desfigurado pelas marcas da aflição e da dor, mas, em forma, feição e figura era o rosto mais formoso jamais visto num homem. Esse sagrado tabernáculo do Seu espírito quiçás estava dobrado e no fim vacilante pelo cansaço. Sem embargo, as perfeições dos deuses de que se alardeavam os gregos não eram mais do que monstruosidades ao lado do perfeitamente equilibrado físico de Jesus. NEle, o espírito era dominante, e todos os poderes corporais estavam perfeitamente sob governo, dentro da esfera assinalada no sistema divino.



O resultado de tudo isto foi que cada tarefa que Jesus realizava com força física sob o domínio da inteligência espiritual era uma obra perfeita. Ele entendia perfeitamente o Seu trabalho e era capaz de fazê-lo; além disso, realizava-o em perfeito amor a Deus. Quão formoso é meditar nEle enquanto, inclinado sobre o Seu banco de carpinteiro, fazia jugos e arados para cultivar os campos que Ele tanto amava e que se estendiam ao redor da aldeia onde vivia! É digno de ser recordado que Ele usou o arado e o jugo como ilustrações da Sua pregação. Pensa, por um momento, na maravilhosa destreza com que levava a cabo o Seu trabalho. O Seu conhecimento da natureza era tal que Ele sabia exatamente qual era a melhor madeira para cada trabalho. Além disso, na árvore lia toda a história do seu crescimento, e conhecia a precisão do Seu método e assim sabia exatamente como cortá-la para não deitá-la a perder no procedimento. Sabia, além disso, como unir a madeira de modo que na juntura a força de cada parte contribuísse para a nova força da união. Era um Obreiro perfeito que fazia trabalhos sem defeitos.



Além do Mestre, quiçá uma das mais notáveis ilustrações da perfeição espiritual que produz perfeição laboral, é a de Stradivarius, o grande artífice do violino. Poder-se-ia assegurar que nunca se superaram os seus instrumentos. Quando trabalhava nestes instrumentos, ia aos bosques e punha a suas mãos sobre as árvores, e com só tocar nelas sabia que madeira era a melhor para cada parte do mecanismo musical. Descobriu os tons musicais na fibra da madeira; como resultado, produzia um instrumento perfeito. Nele havia desenvolvimento do espírito quanto à música.



Agora recorda que Jesus de Nazaré não teve um desenvolvimento unilateral, mas uma perfeita compreensão de todos os métodos de Deus na criação. É evidente que o Seu trabalho devia ser perfeito em todo o sentido. Cada parte da obra que saía da sua oficina, se a tivesse podido apreciar, dava uma sensação da energia da perfeita natureza humana.



Nele havia uma total ausência de enfermidade. Possuía força suficiente para completar o trabalho diário divinamente ordenado, mas Ele nunca deixou de ser homem. No final do dia, ficava fatigado porque tinha empregado a Sua força para o trabalho diário encomendado. O cansaço é o chamamento de Deus ao sonho, o qual é o doce restaurador da natureza. Oh Homem perfeito em espírito e em saber, que amava constantemente, e obedecia sempre! Perfeito no corpo, com um rosto da mais singular formosura e forma, que expressava nas comuns tarefas diárias os pensamentos de Deus e as perfeições da eternidade!



Logo, finalmente, e numa palavra, Jesus passou em perfeição esses trinta anos de vida privada apesar da tentação. A Sua vida não foi uma vida livre de tentação. A antiga pergunta feita no Jardim do Éden com segurança foi apresentada a Jesus: «impôs Deus limitações?» E as insinuações, que ao serem escutadas produziram a ruína do primeiro homem, foram feitas também ao Senhor: «Esta limitação do banco do carpinteiro é uma cruel servidão». Mas ali ficou enquanto os dias se multiplicavam em semanas, e as semanas aumentavam até meses, e os meses corriam até que os anos chegaram a trinta. Talvez Lhe sobreveio a tentação mais subtil: a de apressar a Sua própria e maior obra. Tentação que dominou a Moisés e demorou por tanto tempo a libertação de Israel. Mas, apesar disso, Jesus manteve-Se, aprendeu ali também a obediência pelo que padeceu, e cresceu em graça para com Deus e os homens. Quando chegou o momento, respondeu à chamada interior, abandonou a reclusão e a vida privada. Passou ao umbral da vida pública pelas águas de um batismo de morte, nEle que tinha participado da graça do Seu coração para com os homens. Os Céus silenciosos clamaram na linguagem de uma grande música, enquanto o Omnipotente Pai declarava: «Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo».

Tradução de Carlos António da Rocha  
 

Tomado e adaptado do livro “Las crisis de Cristo”, “The Crises of the Christ” (‘As crises de Cristo’) G. Campbell Morgan, Ediciones Hebrón - Desarrollo Cristiano
http://www.desarrollocristiano.com/articulo.php?id=1540


George Campbell Morgan (9 de dezembro de 1863 - 16 de maio de 1945) foi um evangelista, pregador, líder e professor ‘ = doutor’ da Bíblia. Contemporâneo de Rodney "Gipsy" Smith, Morgan foi o pastor da Capela de Westminster em Londres de 1904 a 1919, e de 1933 a 1943.

 
de Carlos António da Rocha


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