… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

terça-feira, 15 de novembro de 2016

"Há muito que desejo ardentemente meditar na tua Lei…", Agostinho de Hipona



Agostinho de Hipona

HÁ MUITO QUE DESEJO ARDENTEMENTE MEDITAR NA TUA LEI…

Há muito que desejo ardentemente meditar na tua Lei, e nela confessar-te a minha ciência e a minha ignorância, os primeiros vislumbres da tua iluminação e os vestígios das minhas trevas, até que a fraqueza seja devorada pela fortaleza. E não quero que se percam em outra coisa as horas que me ficam livres das necessidades do alimento do corpo, e da aplicação do espírito, e do serviço que devemos aos homens, e que não devemos, e todavia, lhes prestamos.

Senhor meu Deus, escuta a minha oração e que a tua misericórdia atenda o meu desejo, porque não é em meu benefício somente que ele se inflama, mas pretende ser útil ao amor fraterno: e tu vês no meu coração que assim é. Ofereça-te eu em sacrifício o serviço do meu pensamento e da minha língua, e dá-me tu aquilo que hei-de oferecer-te. Pois eu sou pobre e necessitado, tu rico para com todos os que te invocam e, embora isento de cuidados, tomas-nos a teu cuidado.

Suprime dos meus lábios, dentro e fora de mim, toda a temeridade e toda a mentira. Que as tuas Escrituras sejam para mim castas delícias, que eu não me engane nelas, nem com elas engane os outros.

Senhor, escuta-me, e tem compaixão de mim, Senhor meu Deus, luz dos cegos e força dos fracos e, ao mesmo tempo, luz dos que vêem e força dos fortes, escuta a minha alma, e ouve-a clamando do fundo do abismo. Pois se os teus ouvidos não estiverem também presentes no abismo, para onde iremos? Para onde dirigiremos o nosso clamor? Teu é o dia e tua é a noite: a um aceno teu, os instantes voam.

Concede-nos, então, tempo para meditarmos nos segredos da tua Lei e não a feches aos que batem à sua porta. Nem em vão quiseste que se escrevessem os mistérios obscuros de tantas páginas, ou esses bosques não têm os seus veados que neles se abrigam e recompõem, passeiam e se apascentam, se deitam e ruminam. Ó Senhor, aperfeiçoa-me e revela-me esses bosques. A tua voz é a minha alegria, a tua voz suplanta a afluência de prazeres. Dá-me o que amo: pois eu amo, e isso foste tu que mo deste. Não abandones os teus dons, nem desprezes esta tua erva sequiosa. Que eu te confesse tudo o que encontrar nos teus Livros, e ouça a voz do teu louvor, e possa inebriar-me de ti e sondar as maravilhas da tua Lei, desde o princípio, em que fizeste o céu e a terra, até ao reino, contigo perpétuo, da tua Cidade Santa.

Agostinho de Hipona

In “Confissões”

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