C. H. Spurgeon
Sermão n.º 2708
“O velho evangelho para o novo século” (The old gospel for the new
century) pregado no domingo, 5 de dezembro de 1880, por Charles Haddon
Spurgeon, no Tabernáculo Metropolitano, Newington.
“Vinde a Mim,
todos os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei.” (Mt 11:28,
ARC, Pt)
Sem dúvida, vós já escutastes muitos sermões que tiveram como base este
versículo. Eu mesmo o utilizei, não sei quantas vezes—não as vezes suficientes,
contudo, como queria fazê-lo, se Deus me desse vida! Este versículo é uma
daquelas grandes e inesgotáveis fontes de salvação das quais podemos extrair
sempre um conteúdo, porquanto jamais a podemos extinguir. Um nosso provérbio
diz: “As fontes mais tiradas são as mais doces.” E, quanto mais tiramos dum
versículo como este, mais doce e cheio de significado ele se torna para nós.
Nesta ocasião, vou utilizar este versículo de uma
maneira especial, para extrair apenas um único ponto do seu ensino. Poderia
falar, se assim o quisesse, do repouso que Jesus Cristo dá ao coração, à mente
e à consciência daqueles que acreditam nEle. Este é o repouso, este é o
refrigério que encontram aqueles que vêm a Ele, já que podemos ler no
versículo: “Eu vos refrescarei” ou “Eu vos aliviarei”. E eu teria um tema muito
doce se falasse sobre o maravilhoso alívio, do Divino refrigério, do bendito
repouso que vem ao coração quando há fé em Jesus Cristo. Que todos vós possais
experimentar essa bênção, queridos amigos! Que o vosso repouso e a vossa paz
sejam muito profundas! Que não seja um descanso fingido, mas seja um descanso
que resista ao exame e à verificação! Que o vosso repouso seja duradouro! Que a
vossa paz seja como um rio que nunca deixa de correr! Que a vossa paz seja
sempre uma paz segura, não uma paz falsa, cujo fim é a destruição! Mas uma paz
verdadeira, sólida, justificável, que resista durante todo o tempo da vossa
vida, e, que por fim, se dissipe no repouso de Deus, à Sua mão direita, por
toda a eternidade! Bem-aventuradas são as pessoas que assim descansam em
Cristo—que possamos nós estar entre esse número—e se assim é connosco, que
possamos entrar já, ainda mais profundamente no Seu glorioso descanso.
Eu também poderia falar, queridos Amigos, acerca
das diversas maneiras nas quais o Senhor dá descanso aos Crentes. E eu poderia
dirigir-me, especialmente, a alguns de vós que são Crentes, mas que não
pareceis entrar no descanso como tendes a obrigação moral de o fazer. Há alguns
de nós que trabalhamos em excesso com as coisas deste mundo, ou somos
atribulados pelos nossos próprios sentimentos. Estamos perplexos e somos
sacudidos daqui para acolá por dúvidas e temores. Deveríamos estar descansando,
já que “nós que temos crido, entramos no repouso”. O repouso é o nosso dote legal—“Sendo
justificados pela fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus
Cristo.” Mas, de uma maneira ou de outra,
alguns dos que são assim justificados não parecem alcançar esta paz, ou gozar
deste repouso como deveriam, e talvez, enquanto eu falo, que eles possam
encontrar a razão pela qual não obtêm o repouso e a paz que deveriam ter.
Certamente, o nosso Senhor Jesus Cristo, quando pronunciou as palavras do nosso
versículo, não falou apenas para um grupo em particular. Para todos os que
estão cansados e oprimidos—quer sejam Cristãos amadurecidos ou gente não
convertida—Ele diz: “Vinde a Mim, e Eu vos aliviarei.” Eu certamente me
regozijarei se, como resultado do meu sermão, alguns dos que aqui vieram
aflitos e queixosos, talvez com um espírito decaído e um coração oprimido,
venham novamente a Cristo, aproximando-se dEle uma vez mais, entrando em
contacto novamente com Ele, e assim encontrarão descanso para as suas almas.
Então, será duplamente doce vir e estar sentado à Mesa da Comunhão, descansando
durante todo esse tempo—repousando e festejando—não de pé, com os lombos
cingidos e com o bastão na mão, como fizeram aqueles que participaram da Páscoa
no Egito—mas repousando, como fizeram aqueles que participaram da Último Ceia,
quando o Senhor estava reclinado no meio dos Seus apóstolos. Portanto, que as
vossas cabeças repousem espiritualmente sobre o Seu peito e que os vossos
corações encontrem refúgio nas Suas feridas, enquanto O ouvis dizer-vos outra
vez: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos
aliviarei.”
No entanto, não é a respeito dessa Verdade de Deus
em particular sobre a qual vos falarei hoje. Quero tomar somente este
pensamento—a Glória de Cristo, de maneira que Ele nos possa dizer algo assim—o
esplendor de Cristo, para que seja possível que Ele diga: “Vinde a Mim, todos
os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei.” Estas palavras,
provenientes da boca de qualquer outro ser humano, seriam ridículas e até
blasfemas. Pensemos no poeta mais inspirado, no maior filósofo, ou no rei mais
poderoso, mas quem, até com a alma muitíssimo maior, se atreveria a dizer a
todos os que estão cansados e oprimidos em toda a raça humana: “Vinde a Mim, e
Eu vos aliviarei”? Onde há asas tão largas que possam cobrir a cada alma entristecida,
excepto as asas de Cristo? Onde há um porto de abrigo com a capacidade
suficiente para albergar a todos os navios do mundo, para refugiar a cada navio
sacudido pela tempestade que alguma vez tenha sulcado o mar? Onde, a não ser no
refúgio da alma de Cristo, em Quem habita toda a plenitude da Deidade! E,
portanto, em Quem há espaço e misericórdia suficientes para todos os afligitos
filhos dos homens!
Então, esse será, o sentido da minha mensagem. Que
o Espírito de Deus, pela Sua graça me ajude a apresentá-lo!
I. E, primeiramente, chamo a vossa atenção para as
PERSONALIDADES DESTA CHAMADA: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e
oprimidos, e Eu vos aliviarei.”
Se esquadrinhardes o versículo cuidadosamente,
notareis que há uma dupla personalidade nesta chamada. É: “Vem tu—vem tu—a Mim,
e Eu vos aliviarei.” Trata-se de duas pessoas que se aproximam entre si, uma
outorgando e a outra recebendo o descanso. Mas não é, em qualquer caso, uma
ficção, uma imaginação, um fantasma, um mito. És tu, tu, TU-TU, que estais
realmente cansados e oprimidos, e que, portanto, sois seres reais,
dolorosamente conscientes da vossa existência—sois vós que deveis vir a outro
Ser, que é tão real como vós sois—Alguém, que é realmente, uma Pessoa tão viva,
como vós sois pessoas vivas. Ele é Aquele que vos diz a vós: “Vinde a Mim, e Eu
vos aliviarei.”
Queridos amigos, quero que tenhais
uma convicção muito clara da vossa própria personalidade; porque, às vezes, dá
a impressão de que as pessoas se esquecem-de que são indivíduos distintos de toda a gente. Se eu desse de presente uma
moeda de ouro[1], e
se o seu som se escutasse à distância, a maioria dos homens estariam
conscientes da sua própria personalidade, e cada qual olharia por si mesmo, e
tentaria obter o prémio. Porém, eu encontro com muita frequência, em relação
com as coisas eternas, que os homens parecem perder-se na multidão e pensam nas
bênçãos da Graça como uma espécie de chuva geral que pode cair nos campos de
todos de maneira igual—mas, eles não esperam, particularmente, a chuva na sua
própria parcela, nem desejam obter uma bênção específica para si mesmos. Agora,
pois, vós, vós, VÓS, que estais cansados e oprimidos, despertai! Onde estais? A
chamada do versículo não é para a vossa irmã, a vossa mãe, o vosso marido, o
vosso irmão ou o vosso amigo, mas para vós: “Vinde a Mim, todos os que estais
cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei.”
Bem, agora que haveis despertado e senteis que sois
uma personalidade distinta de todos os outros no mundo, vem o ponto de maior
importância de todos—vós tendes de ir a outra Personalidade. “Vinde a Mim”, diz
Cristo, “e Eu vos aliviarei.” Aqui peço-vos que admireis a maravilhosa Graça e
a misericórdia desta providência. De acordo com as palavras de Cristo, vós
obtereis a paz de coração, não por virdes a uma cerimónia ou a uma ordenança,
mas por virdes a Cristo, a Ele mesmo! :“Vinde a mim.” Ele nem sequer diz:
“Vinde ao Meu ensino, ao Meu exemplo, ao Meu sacrifício”, mas “Vinde a Mim.” É
a uma Pessoa a quem deveis ir, a essa mesma Pessoa que, sendo Deus e igual ao
Pai, Se despojou das Suas glórias e assumiu corpo humano—
“Primeiro,
para na nossa carne mortal, servir.
E
depois, para nessa mesma carne, morrer.”
E vós deveis ir a essa Pessoa. Deve haver uma certa
ação da vossa parte, o movimento de vós para Aquele que vos diz, “Vinde a Mim”—um
movimento que se afasta de toda a outra base de confiança ou de porta de
esperança, para Ele, como a Pessoa que Deus designou e ungiu para que seja o
único Salvador, o grande depósito de graça eterna, em Quem o Pai Se agradou que
habitasse toda a plenitude! Oh glorioso Homem, oh glorioso Deus, que assim podes
falar com autoridade, e dizer: “Vinde a Mim, e Eu vos aliviarei!” Suplico-vos
que ponhais de lado qualquer outro pensamento, excepto o de Cristo vivendo,
morrendo, ressuscitando e subindo à Glória, já que Ele vos assinala, não a Casa
de Oração, nem o Trono de Glória, nem o batistério, nem a Mesa da Comunhão; nem
sequer as coisas mais santas e sagradas que Ele ordenou para outros
propósitos—nem sequer ao próprio Pai, nem ao Espírito Santo—mas Ele diz: “Vinde
a Mim.” Aqui deve começar a vossa vida espiritual, a Seus pés. E aqui deve ser
aperfeiçoada a vossa vida espiritual—no Seu peito—já que Ele é igualmente o
Autor e o Consumador da fé! Que adoremos a Cristo, em Cuja boca estas palavras
são tão adequadas e cheias de significado! Ele não pode ser menos que Divino,
Aquele que assim nos fala a nós: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e
oprimidos, e Eu vos aliviarei.”
II. Agora, em segundo lugar, quero que vos deis
conta da MAGNANIMIDADE DO CORAÇÃO DE CRISTO, como se manifesta no versículo:
“Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei.”
Dai-vos conta, primeiramente, da magnanimidade do
Seu coração ao destacar aqueles que são verdadeiramente necessitados e para os
fazer os objetos da Sua chamada amorosa. Alguma vez vos haveis dado conta do
quadro que o Senhor desenhou nestas palavras? “Todos os que estais cansados.”
Essa é a descrição de uma besta que tem um jugo sobre o seu pescoço. Os homens
pretendem encontrar prazer ao serviço de Satã, e eles permitem-lhe que ele
junja o seu jugo, sobre os seus pescoços. Seguidamente eles têm se trabalhar e
batalhar e suar no que eles denominam prazer, mas sem encontrarem descanso nem
contentamento nisso! E, quanto mais trabalham ao serviço de Satanás, mais se
incrementa o seu trabalho, já que ele utiliza a aguilhada e o látego, e sempre
os está impulsionando para esforços renovados. Agora, Cristo diz a essas pessoas
que são como bestas de carga: “Vinde a Mim, e Eu vos aliviarei.”
Mas, eles encontram-se numa condição pior do que a
descrita, porquanto não só trabalham, como o boi no arado, mas também levam uma
carga muito pesada. Agora, raramente acontece que os homens convertem um cavalo
ou um boi numa besta de tiro e de carga simultaneamente, pois assim é como o
diabo trata o homem que se converte em seu servo. Satanás junge-o na sua
carroça e obriga-o a arrastá-la, e logo salta sobre as suas costas e cavalga como
um postilhão. Assim o homem trabalha e está severamente carregado, já que tem
de arrastar o carro e levar o cocheiro! Tal homem fatiga-se atrás do que ele
chama prazer, e, ao fazê-lo, o pecado salta sobre as suas costas, e logo se lhe
segue outro pecado, e logo outro, até que pecados sobre pecados o esmagam
contra o chão, e novamente ele tem de continuar arrastando e rebocando com toda
a sua força ao mesmo
tempo! Este duplo duro trabalho é suficiente para o matar. Porém, Jesus olha-o
com piedade, vendo-o fatigado, sob a carga do pecado, e ainda trabalhando para
obter prazer no pecado, e diz-lhe: “Vem a Mim, e Eu te aliviarei.”
Cristo quer as pilecas do diabo, ainda quando elas
já se desgastaram ao serviço de Satanás? Quer Ele persuadi-las a abandonar o
seu velho amo para que venham a Ele? O quê? A estes pecadores que apenas estão
cansados do pecado porque já não podem encontrar forças para seguir pecando, ou
que não se sentem cómodos, porque já não desfrutam do prazer que antes
encontravam na maldade, chama-os Cristo para virem a Ele? Sim! E isto mostra a
magnanimidade do Seu coração, de que é Seu desejo dar alívio àqueles que estão
muitíssimo fatigados e cansados.
Mas, a magnanimidade do Seu coração comprova-se no
facto de que Ele convida todos esses pecadores a virem a Ele—a todos esses
pecadores, repito! Que grande significado inclui essa pequena palavra: “todos”!
Creio que, geralmente, quando um homem usa grandes palavras diz pequenas
coisas; e quando usa palavras pequenas, diz grandes coisas. E, certamente, as
pequenas palavras do nosso idioma são usualmente as que têm maior significado.
Qual é o significado desta pequena palavra, “todos”, ou, melhor, o que é que
ela exclui? E Jesus, sem limitar o seu significado, diz: “Vinde a Mim, todos os
que estais cansados e oprimidos.” Oh, a magnificência do amor e da Graça de
Cristo, que convida a todos a virem a Ele! Sim, Ele convida a todos a virem
imediatamente. “Vinde todos a Mim”, diz Ele, “todos os que estais cansados e
oprimidos; vinde numa multidão, vinde em grandes massas! Voem para Mim como uma
nuvem, como pombas para os seus postigos.” Nunca serão demasiados os que vierem
a Ele e O façam sentir-Se satisfeito. Ele diz: “Quantos mais vierem, mais
contente fico.” O coração de Cristo regozija-Se por todas as multidões que vêm
a Ele, porque Ele tem feito uma grande festa, e Ele tem convidado muitos, e Ele
ainda continua enviando os Seus servos a dizer: “Ainda há espaço; portanto,
vinde para Mim, todos os que estais cansados e oprimidos.”
Recordemos, também, que a promessa de Cristo está
dirigida pessoalmente a cada um destes pecadores. Se cada um deles vier a Ele,
Ele dará o alívio a cada um. A cada um que está fatigado e carregado, Jesus
diz-lhe: “Se tu vieres a Mim, Eu, Eu mesmo te darei alívio; não te enviarei aos
cuidados do Meu servo, o ministro, para que ele cuide de ti, mas, Eu mesmo
farei todo o trabalho e te darei alívio.” Cristo não diz: “Levar-te-ei à Minha
palavra, e ali encontrarás alívio para ti.” Não. Ele diz “Eu, uma Pessoa,
dar-te-ei alívio a ti, uma pessoa, por meio de um claro acto Meu, se tu apenas
vieres a Mim.”
Esse comportamento pessoal de Cristo com as pessoas
é, de facto, bendito. Tennyson[2]
é autor de um poema que é, para mim, o mais doce de todos os que ele escreveu.
Ele é relativo a uma menina que foi hospitalizada e que ela sabia que devia ser
operada, com grande risco da sua vida. Assim, ela perguntou à sua nova
companheira da cama contígua o que devia fazer. A sua companheira respondeu-lhe
que contasse tudo a Jesus e Lhe pedisse para que Ele cuidasse dela. E então a
menina perguntou: “Mas, como me poderá conhecer Jesus?” As duas meninas estavam
bastante confundidas porque havia muitíssimas fileiras de camas no hospital
infantil, e além disso, elas pensavam que Jesus estava tão ocupado, que não
saberia qual menina Lhe tinha pedido que cuidasse dela. Então, acordaram que a
menina pusesse as suas mãos fora da cama, para que quando Jesus as visse,
soubesse que ela era a menina que necessitava dEle. A cena, tal como o poeta a
descreve, é comovedora. Ao relatá-la tiro-lhe algo do seu encanto, pois, pela
manhã, quando os médicos e as enfermeiras passavam através de pavilhão,
deram-se conta de que Jesus tinha estado ali e que a menina tinha ido para Ele
sem necessidade da operação. Ele tinha cuidado dela da melhor maneira possível;
e ali estavam as suas mãozinhas estendidas fora da cama.
Bem, nós nem sequer temos de fazer isso, porque o
Senhor Jesus nos conhece a cada um de nós, e Ele virá pessoalmente a cada um de
nós, e nos dará alívio. Embora seja muito certo que Ele tem muito para fazer,
Ele ainda pode dizer: “Meu Pai até agora trabalha; também Eu trabalho”, já que
o universo inteiro se mantém em funcionamento pela Sua força omnipotente, e Ele
não esquecerá a qualquer pessoa indiscriminadamente que venha a Ele. De igual
maneira como uma pessoa com abundantes mantimentos pode dizer a uma grande
multidão de famintos: “Vinde comigo, e eu darei alimento a todos”, da mesma
maneira Cristo sabe que em Si mesmo tem o poder para dar alívio a cada alma
fatigada que venha a Ele. Ele tem a absoluta certeza disso, por isso não diz:
“Vem a Mim, e farei o melhor que que possa contigo” ou “se Me esforço, talvez
te possa dar alívio”. Oh, não! Ele diz: “Vem a mim, e Eu te aliviarei”! É algo
que se dá por verdadeiro nEle, já que, deixai-me que vos diga que Ele exercitou
a Sua mão em milhões de pessoas, e Ele nunca falhou uma vez! Por isso Ele fala
com um ar de sólida confiança. Estou certo, tal como o meu Senhor estava certo,
de que se houver alguém aqui, entre vós, que queira vir a Ele, Ele pode dar, e
dará alívio à sua alma. Ele fala com a consciência de possuir todo o poder que
é necessário, e com a absoluta certeza de que pode realizar o acto requerido.
Porque, reparai, Jesus dá esta promessa sabendo
tudo de antemão a respeito dos casos Ele que descreve. Ele sabe que os homens
estão cansados e oprimidos. Não há uma dor no coração de alguém aqui presente,
que Jesus não conheça, porque Ele sabe tudo. Os vossos pensamentos podem estar
retorcidos de muitas maneiras, e todos os vossos métodos de julgamento podem
parecer um labirinto, um quebra-cabeças que, conforme vós credes, ninguém pode
decifrar. Podeis estar sentados aqui, falando convosco mesmos: “Ninguém me
entende, nem sequer eu mesmo. Encontro-me apanhado nas redes do pecado, e não
vejo nenhuma forma de escapar. Estou perplexo além de toda a possibilidade de
libertação.” Digo-te, meu Amigo, que Cristo não fala sem sentido, quando Ele
diz: “Vem a Mim, e Eu te aliviarei.” Ele pode seguir o fio através da meada
emaranhada e pode extrai-lo em linha reta! Ele pode seguir todos os meandros do
labirinto até chegar ao seu próprio centro! Ele pode tirar a causa do teu
problema, embora, tu mesmo não saibas do que se trata! E o que para ti se encontra
envolto em mistério, uma dor impalpável que não podes manipular, o meu Senhor e
Salvador sim, pode eliminá-la. Ele fala a respeito do que pode fazer quando dá
esta promessa, já que a Sua sabedoria é tal, que pode perceber as necessidades
de cada alma individual, e o Seu poder é suficientemente vasto para aliviar
todas as necessidades! E assim Ele diz a cada espírito cansado e oprimido no
dia de hoje: “Vem a Mim, e Eu vos aliviarei.”
Recordemos,
também que, quando Cristo deu esta promessa, Ele sabia o número dos que tinham
de ser incluídos na palavra “todos”. Ainda que para nós esse “todos” inclui uma
multidão que nenhum homem pode contar, todavia “o Senhor conhece os que são
Seus” e quando Ele disse: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos,
e Eu vos aliviarei”, Ele não falava desconhecendo que há milhares e milhões e
centenas de milhões que estão cansados e oprimidos, e Ele dirigia-Se
concretamente a essa vasta multidão, quando disse: “Vinde a Mim, e Eu vos
aliviarei.”
Queridos amigos, consegui fazer-vos pensar a
respeito da grandeza do poder e da graça do Senhor? Motivei-vos para que O
adoreis? Espero que assim seja. A minha própria alma deseja prostrar-se aos
Seus pés, absorta na doce consideração da grandeza dessa Graça, que de tal
maneira se expressa e que fala com a verdade, quando ela diz a toda a raça
humana arruinada: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e
Eu”—com uma certeza absoluta “vos aliviarei.”
Não devemos esquecer tampouco que o que Cristo prometeu
tem vigência para todos os tempos. Aqui temos um homem falando, o qual era “desprezado e o mais indigno entre os homens.” Vejamo-Lo claramente perante os
nossos olhos, o filho do carpinteiro, o filho de Maria, “Homem de Dores, experimentado nos trabalhos” de novo Ele disse àqueles que se congregavam ao Seu redor:
“Vinde a Mim, e Eu vos aliviarei”; mas Ele olhava através de todos os séculos
que haveriam de vir, e Ele falou-nos, também a nós agora, aqui congregados, e
logo Ele olhou para todas as multidões desta grande cidade, e deste país, e de
todas as nações da Terra, e disse: “Vinde a Mim, e Eu vos aliviarei.” Com
efeito, Ele disse: “Até que Eu venha de novo à Terra, sentado sobre o Trono do
Julgamento, Eu prometo que cada alma muito oprimida que venha a Mim encontrará alívio.”
Pela sua multidão, os sofrimentos dos homens são semelhantes às estrelas do
céu, e os próprios homens são inumeráveis. Contai, se puderdes, as gotas do
orvalho da manhã, ou as areias do mar e em seguida procurai contar os filhos de
Adão desde o começo do tempo! Outra vez, o nosso Senhor Jesus Cristo, falando
com a vasta multidão dos filhos dos homens que estão cansados e oprimidos,
diz-lhes: “Vinde a Mim; vinde a Mim; porque aquele que vem a Mim jamais o
lançarei fora. E seja quem for que vem a Mim, acha alívio para a sua alma.”
Mostra, também, a grandeza do poder e da graça de
Cristo quando recordamos aos muitos que têm comprovado que esta promessa é
verdadeira. Vós sabeis que através de todos estes séculos até agora, nem uma só
alma cansada e oprimida tem vindo a Cristo em vão. Até nos remotos limites da
Terra, não se tem encontrado um criminoso tão vil, ou uma alma totalmente
encerrada no calabouço do Gigante Desespero, que ao vir a Cristo não tenha
recebido o alívio prometido e, portanto, Cristo tem sido magnificado.
III. Agora, consideremos juntos, por uns minutos, a
SIMPLICIDADE DESTE EVANGELHO.
Jesus Cristo
diz a todos os que estão fatigados e cansados: “Vinde a Mim, e Eu vos
aliviarei.” Este convite implica um movimento, um movimento de alguém para
alguém. Vós sois convidados a afastar-vos de tudo aquilo em que tendes vindo a
pôr a vossa confiança, e a mudardes de posição para irdes a Cristo e a confiar
nEle; e assim que o façais, Ele vos aliviará. Quão diferente é esta
simplicidade, de todos os sistemas complexos que os homens têm estabelecido!
Porque, de acordo com os ensinos de certos homens, para se ser Cristão e para
se seguir todas as regulações do culto, precisais de ter uma pequena biblioteca
de consulta para saber a que hora devereis acender as vossas velas no velador,
e como misturar o incenso, ou a maneira adequada de usardes o vosso véu, e em
que direção deveis voltar-vos quando dizeis certa oração, e em que outra
direção deveis voltar-vos quando dizeis outra, e se a vossa entonação ou o
vosso canto ou se o vosso murmúrio será aceitável a Deus! Oh queridos,
queridos, queridos! Toda esta complexa maquinaria inventada pelo homem — o assim chamado “batismo” na vossa
infância, a confirmação na vossa juventude, —
“tomar o sacramento”, como alguns lhe chamam—
tudo isto é um maravilhoso embuste, cheio de mistério e falsidade e
engano! Porém, de acordo com o ensino de Cristo, o caminho para a salvação é
somente este: “Vinde a Mim, e Eu vos aliviarei.” E se tu, querido amigo, vens a
Cristo e confias nEle, encontrarás esse alívio e essa paz que Ele sente prazer
em outorgar; encontrarás o coração da noz, alcançarás a essência e a raiz de
todo o assunto! Se o teu coração abandonar todas as outras confianças e está
apenas dependendo[3] de
Jesus Cristo, encontrarás a vida eterna! E essa vida eterna nunca te será
tirada de ti. Portanto, regozija-te nisso!
E, além disso, este convite está no tempo presente:
“Vem agora.” Não esperes até chegares a casa, porém deixa que a tua alma se
mova para Cristo agora. Nunca estarás em melhor condição para ires a Ele do que
estás agora; nem estarás em piores condições para vires a Ele, a menos que, ao
pospores a chamada, estejas mais endurecido e menos inclinado a vires. Agora,
neste instante necessitas de Cristo; portanto, vai a Ele! Se estás faminto,
essa é certamente a melhor razão para comeres! Se estás sedento, essa é a
melhor razão para beberes! Ou talvez estejas tão doente que não tenhas fome.
Então vai a Cristo, e come das provisões do Evangelho até que se abra o teu
apetite para essas provisões. Ao pecador que afirma: “eu não tenho sede de
Cristo”, eu gosto de lhe dizer: “Então vai e bebe até que tu tenhas sede”,
porque da mesma maneira como uma bomba de água não funciona se tu não lhe
deitas água primeiro dentro, assim acontece com certos homens. Quando eles
recebem algo da Verdade de Deus nas suas almas, embora pudesse parecer ao
princípio apenas uma recepção muito imperfeita do Evangelho, isso ajudá-los-á
mais tarde a ansiar mais profundamente a Cristo e a sentir um gozo mais intenso
das bênçãos da salvação.
Em todo o caso, Cristo diz: “Vem agora”, e Ele diz
de maneira implícita: “Vem, tal como estás”. Tal como estais, vinde a Mim,
todos os que estais cansados e
oprimidos, e Eu vos aliviarei. Se trabalhais, então, antes de lavardes as
vossas mãos engorduradas, vinde a Mim, e eu vos aliviarei. Se vós estiverdes
débeis e cansados, e prestes a morrer, morrei no meu peito; porque para isso
tendes vindo a Mim. Não vamos a Cristo quando exercitamos o nosso próprio poder
para virmos, senão quando nos esquecemos do nosso desejo de permanecer
afastados dEle. Quando o vosso coração se rende, solta tudo aquilo em que se
está sustentando, e se lança nas mãos de Cristo; é nesse momento que se realiza
o acto de fé, e é a esse acto a que Cristo vos convida quando diz: “Vinde a
Mim, e Eu vos aliviarei.”
“Bem”, diz alguém, “Eu nunca entendi o Evangelho; sempre me intrigou e
me deixou perplexo.” Nesse caso, vou tentar apresentar-to de maneira muito
clara: Jesus Cristo, o Filho de Deus, viveu e morreu pelos pecadores, e tu
estás convidado a vir e confiar nEle. Confia nEle! Depende dEle! Pendura todo o
teu peso sobre Ele! Vai para Ele e Ele dar-te-á alívio. Oh, que pela Sua
infinita misericórdia Ele revele esta simples Verdade de Deus ao teu coração, e
que tu estejas disposto a aceitá-la agora mesmo! Eu quero glorificar o meu
bendito Senhor, que trouxe para o mundo um plano de salvação tão simples como
este. Há alguns homens que parecem Pastores quebra-cabeças, já que gostam de
perder-se em dificuldades e mistérios, e exibir perante os seus ouvintes os
frutos da sua grande cultura e do seu maravilhoso saber. Se o seu Evangelho é
verdadeiro, é uma mensagem exclusivamente para a elite; e muitos teriam de ir
para o Inferno se esses fossem os únicos pregadores! Porém, o nosso Senhor
Jesus Cristo glorificava-Se em pregar o Evangelho aos pobres, e é para a Sua
honra que pode dizer-se, até este dia, “não são muitos os sábios segundo a
carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados. Mas Deus
escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu
as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes. E Deus escolheu as
coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são para aniquilar as
que são; para que nenhuma carne se glorie perante Ele.”
É uma bênção que haja um Evangelho que se adequa ao
homem que não sabe ler, e que também se adapta ao homem que não pode alinhavar
dois pensamentos consecutivos, e que é bom para o homem cujo cérebro quase
falhou completamente na hora da morte; um Evangelho que se adequa ao ladrão
morrendo na Cruz; um Evangelho tão simples que, se apenas houvesse Graça para o
receber, que não precisa de grandes poderes mentais para ser entendido. Bendito
seja o meu Senhor por nos dar um Evangelho tão simples e claro como este!
IV. Quero que presteis atenção a um ponto mais, e
logo concluo a minha mensagem. E é este: A GENEROSIDADE DO PROPÓSITO DE CRISTO.
Vinde, amados
que amais ao Senhor, escutai enquanto vos repito estas Suas doces palavras: “Vinde a Mim, todos os que estais
cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei.” “Eu vos aliviarei…” Ele não diz:
“Vinde a Mim e tragam-Me algo”, porém “Vinde a Mim, e Eu vos aliviarei.” Não
diz: “Vinde e fazei algo para Mim”, mas “Eu farei algo por vós.” Talvez, este
tenha sido o vosso problema, queridos Irmãos e Irmãs, que hoje haveis desejado trazer
a Cristo um sacrifício aceitável; e na escola dominical, ou em alguma outra
forma de serviço, estiveram tentando honrá-Lo. Alegro-me que façais isso, e
espero que continueis tentando-o, mas cuidai-vos de não cair no erro de Marta,
e “afanar-se com muito serviço.” Por um instante, esquecei-vos da ideia de vir
a Cristo para Lhe trazer algo; vinde agora, vós que estais cansados e
oprimidos, e recebei uma bênção dEle, pois Ele tem dito “Eu vos aliviarei.”
Cristo pode ser honrado quando vós Lhe dais, mas Ele deve ser honrado pelo que
Ele vos dá! Não há dúvida da bondade de que dEle recebereis, se vós vierdes a
Ele; então, agora mesmo, não penseis em trazer-Lhe nada a Ele, porém vinde a
Ele para que possais receber dEle!
“Quero amar a Cristo”, diz um. Bem, esquece-te
disso agora; pelo contrário, procura sentir quanto Ele te ama. “Oh, mas eu
quero consagrar-me a Ele!” Muito bem, meu querido Amigo; mas agora, pensa como
Ele Se consagrou por ti! “Oh, mas eu desejo não pecar mais!” Muito bem, querido
Amigo; mas, agora, pensa como Ele carregou com os teus pecados em Seu próprio
corpo, no madeiro. “Oh,” diz um, “quereria ter um frasco de alabastro com um
unguento muito precioso, para Lhe ungir a Sua cabeça e os Seus pés, e que toda
a casa se encha de um doce perfume!” Sim, tudo isso está muito bem, mas escuta:
o Seu nome é um unguento derramado; se tu não possuis algum unguento, Ele tem!
Se tu não tens nada para Lhe trazer a Ele, Ele tem abundância para te dar!
Quando o meu Prezado Senhor chama a alguém para que
venha a Ele, não é para o Seu próprio benefício que o chama. Quando Ele vos
outorga os Seus favores, quando Ele vem com grandes promessas de alívio, não é
um suborno para comprar os vossos serviços. Ele é muito rico para ter
necessidade dos melhores e dos mais fortes de entre nós! Ele somente nos pede,
na nossa grande caridade, que sejamos tão amáveis para receber tudo dEle! Esta
é a maior coisa que podemos fazer por Deus—estar totalmente vazios para que a
Sua plenitude possa superabundar em
nós. Isso é o que quero fazer quando me sentar à Mesa da Comunhão—quero estar
sentado ali, sem pensar em nada que possa oferecer ao meu Senhor—a não ser
abrir a minha alma, e tomar tudo o que Ele me queira dar! Há momentos em que os
comerciantes estão vendendo a sua mercadoria, mas também há momentos em que
recebem mercadoria, como sabeis. Portanto, agora, abri a porta do grande
armazém e deixai entrar todos os bens! Deixai que o Cristo inteiro entre na
vossa alma.
“Não sinto,” diz um “como se eu pudesse gozar a
Presença do meu Senhor.” Mas porque não? “Porque estive a trabalhar tão
intensamente para Ele todo o dia e agora estou tão cansado e oprimido.” Tu és
alguém a quem o Senhor chama especialmente a vir a Ele! Não tentes fazer nada,
excepto simplesmente abrires a tua boca completamente, e Ele a encherá. Vem
agora e simplesmente recebe dEle, e glorifica-O recebendo! Oh Sol, iluminas;
mas não até que Deus te faça brilhar! Oh Lua, tu alegras a noite; mas não com o
teu próprio brilho, porém só com luz emprestada! Oh campos, vós produzis
colheitas; mas o grande Agricultor cria o grão! Oh Terra, estás cheia; mas
apenas cheia da bondade do Senhor! Tudo recebe de Deus, e O louva quando
recebe. Assim deixai que o meu cansado coração permaneça quieto sob a chuva do
amor. Deixai que a minha alma carregada descanse em Cristo, e O alegre ao estar
alegre nEle.
Deus vos abençoe a todos, e que Cristo seja glorificado na vossa
salvação e na vossa santificação, por consideração pelo Seu querido nome! Ámen.
[1] guinéu (antiga moeda de ouro britânica, presentemente
com o valor de 21 xelins).
[2] Alfred Tennyson, 1º Barão de Tennyson (Somersby, 6
de agosto de 1809 – 6 de outubro de 1892), foi um poeta inglês.
[3] Depending - depender de; confiar em.
Notas e Tradução de Carlos António da Rocha
Notas e Tradução de Carlos António da Rocha
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Esta tradução é de
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já está traduzida no Português do Novo Acordo Ortográfico e que não seja nunca
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