Agostinho de Hipona
COMO POR UM NOS VEIO A MORTE E POR UM A VIDA
16.
Logo depois de Adão, em quem todos pecamos, contraímos, não todos os pecados,
mas só o original; por outro lado, Cristo, por quem todos somos justificados,
obteve-nos a remissão do pecado original e de todos quantos havemos
acrescentamos nós. Eis aqui por que o mal
que nos fez aquele pecador único não iguala ao bem que nos tem feito o dom de
Deus. O seu justo juízo pode condenar porque somente o delito de origem, se
não se perdoa; mas a Sua graça salva, perdoando muitos delitos, ou seja o
original e outros pessoais.
17.
Pois se pelo delito de um sozinho, por
obra de um só reinou a morte, muito mais os que recebem a superabundância da
graça e da justiça reinarão na vida por um sozinho, Jesus Cristo. Por que
reinou a morte por culpa de um, mas porque estavam vinculados à morte nEle, em
quem todos pecaram, até os que não cometeram pecados pessoais? De outra maneira
não seria verdade que pelo delito de um só a morte estendeu o seu império por
meio de um, mas reinou com muitos delitos pessoais de muitos pecadores.
Pois
se atribuímos à culpa de um homem a morte de outros, porque a ele, como a
precursor, o seguiram imitando no mal, muito mais Aquele que morreu por delito
de outro, pois o diabo o havia precedido com o mau exemplo, sendo além do mais
seu instigador para a rebelião; Por outro lado, Adão não persuadiu a pecar a
nenhum dos seus imitadores, e muitos dos que são chamados assim, ou talvez não
tenham ouvido, ou de nenhum modo creram que ele tenha existido e cometido
semelhante pecado.
Com
quanta maior razão, pois, São Paulo teria dado o primeiro lugar ao diabo,
atribuindo-lhe o delito e a herança universal da morte, se tivesse tratado
aqui, não de um pecado de propagação, mas sim de imitação? Se se pode ser
imitador de alguém, sem receber dele nenhum estímulo para o mal e até
desconhecendo-o totalmente, muito mais justo é chamar a Adão imitador do diabo,
porque este foi o seu tentador.
E
o que significam as palavras: Os que
recebem a abundância da graça e da justiça, senão que se lhes perdoam com a
graça tanto o pecado original, comum a todos, como os pecados que cometeram
depois, dando-se-lhes uma justiça tão poderosa, que, havendo Adão consentido a
simples sugestão do demónio, eles não se rendem, nem quando com violência os
querem arrastar ao pecado? E em que sentido diz: Muito mais reinarão em vida, sendo assim que a tirania da morte
arroja a muitos mais na condenação eterna, mas para que entendamos que em ambas
as passagens se fala dos que passaram de Adão para Cristo, da morte para a
vida, pois na vida eterna reinarão sem fim com uma glória superior ao estrago
que a morte temporária e transitiva causou neles?
18.
Assim, pois, como pelo pecado de um homem
todos incorreram em condenação, assim por a santificação de um receberam os
homens a justificação da vida. Este delito único, se atendermos à imitação,
não é mais que o do demónio. Mas sendo coisa evidente que se fala de Adão, não
do demónio, só pode entender-se como um pecado de propagação, não de imitação.
In
“Tratados sobre a Graça”, Capítulo
XIII, Agostinho de Hipona (354-430)
Tradução de Carlos António da Rocha
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