BLAISE PASCAL
O Deus dos Cristãos
O Deus dos Cristãos não consiste num Deus simplesmente
autor das verdades geométricas e da ordem dos elementos; é a parte dos pagãos e
dos epicuristas. Não consiste simplesmente num Deus que exerce a sua
providência sobre a vida e sobre os bens dos homens, para dar uma feliz sequência
de anos aos que o adoram; é a porção dos judeus. Mas, o Deus de Abraão e de Jacob,
o Deus dos Cristãos, é um Deus de amor e de consolação: é um Deus que enche a
alma e o coração que ele possui; é um Deus que lhes faz sentir interiormente a
sua miséria e a sua misericórdia infinita, que se une ao fundo da sua alma; que
a enche de humildade, de alegria, de confiança, de amor; que os torna incapazes
de outro fim que não seja ele mesmo.
O Deus dos Cristãos é um Deus que faz sentir à alma
que ele é o seu único bem; que todo o seu repouso está nele; que não terá
alegria senão em amá-lo; e que lhe faz ao mesmo tempo abominar os obstáculos
que a retêm e a impedem de o amar com todas as suas forças. O amor-próprio e a
concupiscência que a detêm lhe são insuportáveis. Esse Deus lhe faz sentir que
ela tem esse fundo de amor-próprio e que só ele pode curá-la.
(Eis o que é conhecer Deus como cristão. Mas, para
conhecê-lo dessa maneira, é preciso conhecer ao mesmo tempo a sua miséria, a
sua indignidade, e a necessidade que se tem de um mediador para se aproximar de
Deus e para se unir a ele. É preciso não separar esses conhecimentos porque,
uma vez separados, são não só inúteis, mas nocivos.)
O conhecimento de Deus sem o da nossa miséria faz o
orgulho. O conhecimento da nossa miséria sem o de Jesus Cristo faz o desespero.
Mas, o conhecimento de Jesus Cristo nos isenta não só do orgulho como do
desespero, porque encontramos nele Deus, a nossa miséria e a via única de a
reparar.
Podemos conhecer Deus sem conhecer as nossas misérias,
ou as nossas misérias sem conhecer Deus; ou mesmo Deus e as nossas misérias,
sem conhecer o meio de nos livrarmos das misérias que nos afligem. Mas, não
podemos conhecer Jesus Cristo sem conhecer ao mesmo tempo Deus e as nossas
misérias, assim como o remédio das nossas misérias; porque Jesus Cristo não é
simplesmente Deus, mas um Deus reparador das nossas misérias.
Assim, todos os que procuram Deus fora de Jesus Cristo
e que se detêm na natureza, ou não acham nenhuma luz que os satisfaça, ou
chegam a formar para si um meio de conhecer Deus e de o servir sem mediador, e
por isso caem ou no ateísmo ou no deísmo, que são duas coisas que a religião
cristã detesta quase que igualmente.
É preciso, pois, tender unicamente a conhecer Jesus
Cristo, uma vez que é só por ele que podemos pretender conhecer Deus de maneira
que nos seja útil.
Ele é que é o verdadeiro Deus dos homens, isto é, dos
miseráveis e dos pecadores. É o centro de tudo e o objeto de tudo: e quem não o
conhece não conhece nada na ordem do mundo, nem em si mesmo. Com efeito, além
de só conhecermos Deus por Jesus Cristo, só nos conhecemos a nós mesmos por Jesus
Cristo.
Sem Jesus Cristo, é preciso que o homem esteja no
vício e na miséria; com Jesus Cristo, o homem fica isento de vício e de
miséria. Nele estão toda a nossa virtude e toda a nossa felicidade; fora dele,
só há vício, miséria, erros, trevas, desespero, e só vemos obscuridade e
confusão na natureza de Deus e em nossa própria natureza.
In “Pensamentos” de Blaise Pascal
Blaise Pascal nasceu em Clermont, no dia 19 de junho
de 1623. Filho de Etienne Pascal e Antoinette Begon, ficou órfão de mãe aos
três anos de idade. Suas extraordinárias qualidades de inteligência, reveladas
desde os primeiros anos da infância, tornaram-se todo o orgulho do pai de
Pascal, que quis encarregar-se pessoalmente de sua educação. O jovem Pascal
manifestou, desde logo, um pendor excepcional pelas matemáticas, a tal ponto
que, segundo sua irmã Gilberte, chegou a descobrir os fundamentos da geometria
euclidiana. Aos dezasseis anos de idade, escreveu um tratado de tal profundeza
que se dizia não ter sido escrito outro, depois de Arquimedes, que se lhe
pudesse comparar. Esse tratado despertou o entusiasmo de Descartes. Enquanto
isso, continuava Pascal os seus estudos do latim e do grego, nos quais seu pai
o havia iniciado, e, nos intervalos, dedicava-se também à lógica, à física, à
filosofia. Aos dezoito anos de idade, inventou uma máquina de calcular. Aos
vinte e três, já era senhor de imenso cabedal científico, tendo descoberto
várias leis sobre a densidade do ar, o equilíbrio dos líquidos, o triângulo
aritmético, o cálculo das probabilidades, a prensa hidráulica, etc. No dia 23
de novembro de 1654, porém, na ponte de Neuilly, foi vítima de um acidente e
começou a sofrer de alucinações, vendo aparecer sempre diante de si um abismo
aberto para tragá-lo. Desde então, tornou-se profundamente religioso, renunciou
a todos os seus conhecimentos e, passando a viver solitariamente, internado na
abadia de Port-Royal, dedicou-se exclusivamente à defesa do cristianismo.
Dá-se, hoje, o nome de abismo de Pascal à dificuldade que certos problemas
sociais ou morais oferecem na sua elucidação.
A expressão grão de areia de Pascal encontra
explicação na seguinte passagem desta obra: "Cromwell teria destruído toda
a cristandade, a família real se teria perdido e a sua se tornado poderosa como
nunca, se não fosse um pequeno grão de areia que se introduzira em sua uretra.
E até Roma teria tremido sob o seu domínio, se essa areiazinha, que não valia
nada em outro lugar, introduzindo-se ali, não o tivesse morto, derrubando sua
família e restabelecendo o rei." Assim, Com aquela locução, se exprime a ideia
de que pequenas causas podem acarretar grandes efeitos.
Toda a vida de Pascal é tida como um grande exemplo de
sofrimento resignado e de piedade. Morreu com trinta e nove anos, no dia 19 de
agosto de 1662.
1 comentário:
Que texto lindo! !
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