… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

"O Peregrino" João Bunyan, Capítulo 1



JOÃO BUNYAN

O Peregrino

Capítulo 1
Caminhando pelo deserto deste mundo, parei em um lugar onde havia uma caverna. Ali deitei-me para descansar. Logo adormeci e tive um sonho[1].

Vi um homem de pé diante da casa onde morava. Tinha sobre as costas um fardo pesado e nas mãos um livro (Is 64:6; Hc 2:2; Lc 14:33). Olhei para ele com atenção e vi que abria o livro e o lia. À medida que ia lendo chorava, e finalmente perguntou em alta voz: "Que devo fazer para ser salvo?" (Hc 1:2,3; At 2:37 e 16:30,31).

Visivelmente abalado voltou para casa, esforçando-se para controlar-se, pois não queria que sua mulher e seus filhos percebessem sua aflição. Porém, como a certeza de que era um pecador e que necessitava de perdão aumentava, ele não pôde mais disfarçar seus sentimentos diante da família. Chamou a todos e disse-lhes:

— Querida esposa e filhos amados do meu coração, não posso mais aguentar o peso deste fardo de pecados que está esmagando os meus ombros. Tenho certeza que esta cidade em que moramos vai ser destruída em pelo fogo do castigo de Deus, e que todos morreremos nesta terrível catástrofe se não encontrarmos um meio de escapar. O meu medo aumenta quando penso na possibilidade de não encontrarmos esse meio de salvação.

Ao ouvir estas palavras, a família de Cristão ficou cheia de medo e espanto. Não de a cidade vir a ser destruída, e sim de Cristão ter enlouquecido.

Estava anoitecendo. Certamente uma boa noite de sono faria com que ele esquecesse tudo aquilo. Foi o que sua esposa e filhos pensaram. Levaram Cristão para seu quarto, mas ele passou a noite em claro, chorando e lamentando-se pelo seu estado espiritual e de sua família.

Pela manhã, quando lhe perguntaram se estava melhor, Cristão disse que a certeza de que todos corriam perigo de morrer, se continuassem naquela cidade, o afligia cada vez mais. Continuou a falar sobre isso, mas sua família, em lugar de ouví-lo, passou a tratá-lo com dureza. Esperavam conseguir pela força o que não conseguiram pela doçura. Alguns zombavam dele; outros o repreendiam. E todos o desprezavam. Cristão trancou-se de vez no seu quarto para orar e chorar. Algum tempo depois saiu para o campo, procurando encontrar na leitura e meditação na Bíblia algum alívio para seus sofrimentos.

Certo dia em que estava no campo lendo a Palavra de Deus e meditando, parou e perguntou outra vez: "O que devo fazer para ser salvo?". Olhava de um lado para outro, procurando um caminho por onde pudesse fugir. Porém, não o encontrando, continuou parado, sem saber que direção tomar.

Vi, então, aproximar-se dele um homem chamado Evangelista (Jb 33:23). Houve entre os dois o seguinte diálogo:
— Por que está chorando?

— Porque este livro me diz que estou condenado à morte, e que depois serei julgado (Hb 9:27), e não quero morrer nem estou preparado para comparecer em juízo (Ez 22:14).

— E por que você não quer morrer se sua vida é cheia de tanta coisa ruim?

— Porque tenho medo de que este fardo que carrego nas costas me sepulte de maneira mais profunda do que o próprio sepulcro, e eu venha a cair na fogueira, no inferno, que a Bíblia também chama de Tofet (Is 30:33). Não quero ir para essa prisão horrível da condenação eterna, nem muito menos estou preparado para comparecer perante o Juiz dos juízes. Eis a razão do meu pranto.

— Então o que você pretende fazer, agora que está consciente da sua situação?

— Não sei o que fazer nem para onde ir.

— Tome e leia (deu-lhe um cartaz escrito "Fuja da ira futura", Mt 3:7).

— E para onde devo fugir (após ter lido)?

— Você está vendo aquela Porta Estreita (Mt 7:13,14?, disse o Evangelista apontando para um campo muito largo e longo.

— Não, não estou vendo.

— Não está vendo uma luz brilhando ao longe (Sl 119:105, 2Pe 1:19)?

— Sim, eu acho que estou vendo.

— Pois não a perca de vista. Vá direto a ela, e encontrará uma porta. Bata, e lá lhe dirão o que fazer.

[1] O autor refere-se poeticamente à sua prisão, enquanto escreve o livro,

Tradução anónima, publicada em Lisboa, em 1897

O Peregrino, por John Bunyan
 http://pt.wikisource.org/wiki/O_Peregrino/I?match=en

John Bunyan (28 de novembro de 1628 – 31 de agosto de 1688, Londres), escritor cristão e  pregador nascido em Harrowden, Elstow, Inglaterra, foi o autor de The Pilgrim's Progress (O Peregrino), provavelmente a alegoria cristã mais conhecida em todos os tempos.

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