JOÃO BUNYAN
O Peregrino
Capítulo 1
Caminhando pelo deserto deste mundo,
parei em um lugar onde havia uma caverna. Ali deitei-me para descansar. Logo
adormeci e tive um sonho[1].
Vi um homem de pé diante da casa onde
morava. Tinha sobre as costas um fardo pesado e nas mãos um livro (Is 64:6; Hc
2:2; Lc 14:33). Olhei para ele com atenção e vi que abria o livro e o lia. À
medida que ia lendo chorava, e finalmente perguntou em alta voz: "Que devo
fazer para ser salvo?" (Hc 1:2,3; At 2:37 e 16:30,31).
Visivelmente abalado voltou para casa,
esforçando-se para controlar-se, pois não queria que sua mulher e seus filhos
percebessem sua aflição. Porém, como a certeza de que era um pecador e que
necessitava de perdão aumentava, ele não pôde mais disfarçar seus sentimentos
diante da família. Chamou a todos e disse-lhes:
— Querida esposa e filhos amados do
meu coração, não posso mais aguentar o peso deste fardo de pecados que está
esmagando os meus ombros. Tenho certeza que esta cidade em que moramos vai ser
destruída em pelo fogo do castigo de Deus, e que todos morreremos nesta
terrível catástrofe se não encontrarmos um meio de escapar. O meu medo aumenta
quando penso na possibilidade de não encontrarmos esse meio de salvação.
Ao ouvir estas palavras, a família de
Cristão ficou cheia de medo e espanto. Não de a cidade vir a ser destruída, e
sim de Cristão ter enlouquecido.
Estava anoitecendo. Certamente uma boa
noite de sono faria com que ele esquecesse tudo aquilo. Foi o que sua esposa e
filhos pensaram. Levaram Cristão para seu quarto, mas ele passou a noite em
claro, chorando e lamentando-se pelo seu estado espiritual e de sua família.
Pela manhã, quando lhe perguntaram se
estava melhor, Cristão disse que a certeza de que todos corriam perigo de
morrer, se continuassem naquela cidade, o afligia cada vez mais. Continuou a
falar sobre isso, mas sua família, em lugar de ouví-lo, passou a tratá-lo com
dureza. Esperavam conseguir pela força o que não conseguiram pela doçura.
Alguns zombavam dele; outros o repreendiam. E todos o desprezavam. Cristão
trancou-se de vez no seu quarto para orar e chorar. Algum tempo depois saiu
para o campo, procurando encontrar na leitura e meditação na Bíblia algum
alívio para seus sofrimentos.
Certo dia em que estava no campo lendo
a Palavra de Deus e meditando, parou e perguntou outra vez: "O que devo
fazer para ser salvo?". Olhava de um lado para outro, procurando um
caminho por onde pudesse fugir. Porém, não o encontrando, continuou parado, sem
saber que direção tomar.
Vi, então, aproximar-se dele um homem
chamado Evangelista (Jb 33:23). Houve entre os dois o seguinte diálogo:
— Por que está chorando?
— Porque este livro me diz que estou
condenado à morte, e que depois serei julgado (Hb 9:27), e não quero morrer nem
estou preparado para comparecer em juízo (Ez 22:14).
— E por que você não quer morrer se
sua vida é cheia de tanta coisa ruim?
— Porque tenho medo de que este fardo
que carrego nas costas me sepulte de maneira mais profunda do que o próprio
sepulcro, e eu venha a cair na fogueira, no inferno, que a Bíblia também chama
de Tofet (Is 30:33). Não quero ir para essa prisão horrível da condenação
eterna, nem muito menos estou preparado para comparecer perante o Juiz dos
juízes. Eis a razão do meu pranto.
— Então o que você pretende fazer,
agora que está consciente da sua situação?
— Não sei o que fazer nem para onde
ir.
— Tome e leia (deu-lhe um cartaz
escrito "Fuja da ira futura", Mt 3:7).
— E para onde devo fugir (após ter
lido)?
— Você está vendo aquela Porta
Estreita (Mt 7:13,14?, disse o Evangelista apontando para um campo muito largo
e longo.
— Não, não estou vendo.
— Não está vendo uma luz brilhando ao
longe (Sl 119:105, 2Pe 1:19)?
— Sim, eu acho que estou vendo.
— Pois não a perca de vista. Vá direto
a ela, e encontrará uma porta. Bata, e lá lhe dirão o que fazer.
[1] O autor refere-se poeticamente à
sua prisão, enquanto escreve o livro,
Tradução anónima, publicada em Lisboa,
em 1897
O Peregrino, por John Bunyan
http://pt.wikisource.org/wiki/O_Peregrino/I?match=en
John Bunyan (28 de novembro de 1628 –
31 de agosto de 1688, Londres), escritor cristão e pregador nascido em Harrowden, Elstow,
Inglaterra, foi o autor de The Pilgrim's Progress (O Peregrino), provavelmente
a alegoria cristã mais conhecida em todos os tempos.
Sem comentários:
Enviar um comentário