João Crisóstomo
Luta Interior
1. Mal somos atingidos por uma doença corporal, não
deixamos de nada tentar, até nos vermos livres da moléstia; estando, no
entanto, a nossa alma doente, às vezes, tudo são vacilações e atrasos [...]:
fazemos do necessário acessório, e do acessório necessário. Deixamos aberta a
fonte dos males e desejamos secar os arroios. (Homilias sobre São Mateus, 14,
3)
2. O que quero é pedir-vos e suplicar-vos novamente
que imiteis pelo menos as crianças pequenas na escola. Estas, antes de mais
nada, aprendem a forma das letras; depois começam a distinguir as cursivas, e
assim, passo a passo, chegam a aprender a ler. Façamos nós o mesmo: dividindo
em partes a virtude, aprendamos primeiro a não imprecar, a não perjurar, a não
maldizer; a seguir, passando à letra seguinte, a não invejar ninguém, a não
amar os corpos, a não nos entregarmos à gula e à embriaguez, a não ser cruéis,
a não ser indolentes. Depois, passando às letras espirituais, estudemos a
continência, a mortificação do ventre, a castidade, a justiça, o desprezo da
glória; sejamos modestos, contritos de coração, e, ligando essas virtudes umas
às outras, escrevamo-las na nossa alma. Podemos exercitar todas essas coisas na
nossa própria casa, com os amigos, com a mulher e com os filhos. Para já,
comecemos com o mais simples, como, por exemplo, não deprecar. Estudemos
constantemente esta letra na nossa própria casa. Sem dúvida, não nos faltarão
em casa pessoas que venham perturbar este estudo: é o escravo que vos irrita; a
mulher que, com o seu mau humor, vos tira do sério; e o menino que, com as suas
travessuras e rebeldias, vos faz prorromper em ameaças e imprecações. Pois bem,
se em casa, aguilhoados constantemente por todos estes, conseguirdes não ser
arrastados a dizer imprecações, facilmente saireis indemnes, também, na praça
pública. Mais ainda: se em casa não insultares a tua mulher nem o teu escravo,
nem outro qualquer, conseguirás não insultar absolutamente ninguém. É verdade
que a tua mulher muitas vezes se põe a louvar fulano e a chorar como uma desgraçada,
e te dá assim razões suficientes para prorromperes em maldições contra o outro.
Mas tu não te irrites nem maldigas o louvado, antes suporta tudo generosamente.
Se ouvires os teus escravos louvarem igualmente outros senhores, também não te
perturbes, mas permanece sempre sereno. Seja a tua casa um lugar de combate e
adestramento na virtude. Bem exercitado em casa, sustentarás com muita destreza
os combates na praça pública. (Homilias sobre São Mateus, 11, 8)
3. Não há nada, por fácil que seja, que a nossa
tibieza não apresente como difícil e pesado; como nada há tampouco tão difícil
e penoso que o nosso fervor e determinação não o torne fácil e leve. (Tratado
sobre a compunção, 1, 5)4. [As tentações] servem em primeiro lugar para que
percebas que agora és mais forte. Depois, para que tenhas moderação e
humildade, e não te empertigues pela grandeza dos dons recebidos, porque as
tentações podem muito bem reprimir o teu orgulho. Além disso, a malícia do
demónio, que talvez duvide de que realmente o abandonaste, pode pela prova das
tentações ter plena certeza de que te afastaste dele definitivamente. Quarto
motivo: as tentações tornam-te mais forte do que o ferro mais bem temperado.
Quinto: dão-te a melhor prova de como são preciosos os tesouros que te foram
confiados, porque, se o diabo não tivesse visto que agora estás constituído na
mais alta honra, não te atacaria. (Homilias sobre São Mateus, 13, I)
5. O grave não é que aquele que luta, caia, mas que
permaneça caído. O grave não é ser ferido na guerra, mas desesperar-se depois
de receber o golpe e não cuidar da ferida.
6. Um mercador não deixa de navegar por ter sofrido
naufrágio certa vez e perdido a carga. Retorna ao mar e desafia as ondas e
atravessa os oceanos, e acaba por recuperar a sua riqueza. E assim vemos também
muitos atletas que, depois de grandes quedas, conseguiram ser coroados; e
muitas vezes aconteceu que um soldado, que primeiro havia dado as costas ao
inimigo, depois voltou atrás e lutou como um valente e venceu o inimigo.
Muitos, por fim, que negaram a Cristo forçados pela violência dos tormentos
tornaram depois ao combate e saíram deste mundo cingindo a coroa do martírio.
Se cada um destes se tivesse deixado tomar pelo desalento ao primeiro golpe,
não teria alcançado os bens que alcançou mais tarde. Assim também tu, querido
Teodoro, não deves precipitar-te a ti mesmo no abismo só porque te afastaste um
pouco do teu estado. Não. Resiste valorosamente e retorna depois ao lugar de
onde saíste, e não tenhas por desonra teres um dia recebido esse golpe. Se
visses um soldado que retorna ferido da guerra não o considerarias desonrado;
desonra é lançar fora as armas e deixar o campo de batalha. Mas enquanto a
pessoa se mantiver firme no seu posto e se empenhar em combater, mesmo que seja
ferida, mesmo que tenha de retroceder alguns passos, ninguém será tão insensato
nem tão inexperiente nas coisas da guerra que se atreva a lançar-lho em rosto.
Não ser ferido é próprio somente daqueles que não lutam; mas aqueles que se
lançam com grande ímpeto contra o inimigo, é natural que uma vez por outra
sejam atingidos por um golpe e caiam. Isto é o que te aconteceu agora: quiseste
matar a serpente de um só golpe e foste mordido por ela. Mas, anima-te; com um
pouco de vigilância, não ficará o menor rasto dessa ferida e até, com a graça
de Deus, conseguirás esmagar a cabeça da serpente. (Exortação 2 a Teodoro, 1)
7. Quando falta a nossa cooperação, cessa também a
ajuda divina. (Homilias sobre São Mateus, 50, 2) 8. Um chefe no campo de
batalha estima mais o soldado que, depois de ter fugido, volta e ataca com
ardor o inimigo, que o que nunca voltou as costas, mas também nunca realizou
uma acção valorosa. (Comentário à primeira Carta aos Coríntios, 3)
9. Para que servem umas plantas que depressa
florescem e pouco depois murcham? Não, o Senhor exige dos Seus uma resistência
constante. (Homilias sobre São Mateus, 33, 5)
10. As árvores que crescem em lugares sombreados e
livres de ventos, enquanto externamente se desenvolvem com aspecto viçoso,
tornam-se moles e quebradiças, e qualquer coisa as fere facilmente; ao
contrário, as que vivem nos cumes dos montes mais altos, agitadas por muitos e
fortes ventos, sempre expostas à intempérie e às inclemências, batidas por
fortes tempestades e cobertas de neves constantes, tornam-se mais robustas que
o ferro. (Homilia sobre a glória na tribulação)
João Crisóstomo (349 - 407), bispo
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