… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Desejos Profundamente Sinceros de que as Verdadeiras Igrejas Evangélicas Realizem uma Reforma Agradável a Deus



Desejos Profundamente Sinceros de que as Verdadeiras Igrejas Evangélicas Realizem uma Reforma Agradável a Deus
Ou
Pia Desideria, (em português: Desejos piedosos)

PROPOSTAS PARA MELHORAR A SITUAÇÃO DA IGREJA

por

Philipp Jacob Spener, Th. D.

1. Uso mais extensivo das Escrituras



É necessário pensar como a Palavra de Deus deve ser usada mais extensivamente no nosso meio. Sabemos que, por natureza, não somos bons. Se algum bem existe em nós, vem de Deus. E o meio poderoso para isso acontecer é a Palavra de Deus, uma vez que a fé se desperta pelos Evangelhos, a lei regulamenta as boas obras e freia os nossos impulsos mundanos. Quanto mais perto estamos da Palavra de Deus, mais fé e mais frutos teremos.



Pode parecer que estamos familiarizados com a Palavra de Deus, pois em muitos lugares existem pregações diárias ou muito frequentes. Não desaprovo a pregação na qual é lido e explicado um texto bíblico, pois eu mesmo faço isso. Mas não é o suficiente. Em primeiro lugar, sabemos que “Toda a Escritura, divinamente inspirada, é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça” (2Tm 3:16, ARC, Pt). Toda a Escritura, sem exceção, deve ser conhecida pela comunidade, se quisermos ter todos os benefícios necessários. Se colocarmos juntos todos os textos bíblicos lidos e explicados a uma comunidade, ao longo de muitos anos, apenas uma pequena parte da Escritura será compreendida. O restante não é ouvido pela comunidade, ou é ouvido apenas um ou outro versículo citado isoladamente, no decorrer de uma prédica, sem a indispensável explicação do contexto. Em segundo lugar, o povo tem pouca aptidão para compreender o significado das Escrituras, exceto naqueles textos a ele expostos. Menos capacidade ainda tem para praticá-las, como a edificação espiritual de cada um requer. Apesar de a leitura bíblica, a sós, em casa, ser uma prática altamente recomendável, não é praticada pelo povo.



Deve-se pensar que se não é chegada a hora de a Igreja ser alertada a apresentar ao povo novas maneiras de ler as Escrituras, que não seja os costumeiros sermões baseados em textos do calendário litúrgico anual.



Isso deve ser feito, em primeiro lugar, pela leitura sistemática das Sagradas Escrituras, especialmente o Novo Testamento. Não será difícil para um chefe de família ter uma Bíblia, ou pelo menos um Novo Testamento, e lê-lo diariamente para sua família. Se ele não puder ler, qualquer outro membro da família pode fazê-lo [...].



Uma segunda sugestão a ser feita para encorajar o povo a ler privativamente a Bíblia: nos cultos públicos, os livros seriam lidos, um após o outro sem maiores comentários (a menos que alguém queira apresentar um breve resumo). Isso seria feito para a edificação de todos, em especial para aqueles que definitivamente não podem ler ou não têm o seu próprio exemplar das Escrituras.



A terceira sugestão é a reintrodução do antigo e apostólico modelo de assembléia da Igreja. Além dos nossos costumeiros cultos, outras reuniões seriam realizadas, como o apóstolo Paulo as descreve em I Coríntios 14.26-40. Ninguém se levantaria para pregar, mas aqueles abençoados com dádivas e conhecimentos podem falar e apresentar opiniões piedosas, fazendo sugestões a serem eventualmente discutidas por todos. Contudo, isso deve ser feito em ordem, para evitar tumulto e confusão. Os diversículos pastores do local têm a obrigação de estar presentes à reunião, ou, pelo menos, alguns irmãos mais instruídos nas letras sagradas, reunidos sob a liderança de um pastor piedoso, a fim de aumentarem os seus conhecimentos das Escrituras. Lendo-as juntos e discutindo fraternalmente o sentido de cada versículo, serão capazes de nele discernir o seu significado e a sua utilidade para a edificação de todos. Aqueles que não estiverem satisfeitos com a compreensão da matéria, poderiam expressar as suas dúvidas e pedir mais explicações. Por outro lado, os que tivessem feito mais progresso (incluindo os pastores) teriam o direito de expor ao povo a sua compreensão do texto bíblico em apreço. Então, tudo o que for exposto, na medida em que acordam com o Espírito Santo, nas Escrituras, deve ser examinado pelos outros irmãos (especialmente os pastores) e aplicado para a edificação de todos os que frequentam a reunião. Tudo deve ser preparado, levando-se em conta a glória de Deus, o crescimento espiritual dos participantes e também as suas limitações. Qualquer sinal de discórdia, polémica, autoprojeção, deve ser evitado ou eliminado, especialmente pelo pastor que dirige a reunião.



Esperam-se grandes benefícios dessas reuniões. Os pastores conhecerão melhor os membros da sua comunidade, a suas fraquezas e o crescimento na doutrina e na piedade. Um elo de confiança entre pastor e comunidade pode ser estabelecido, o que será de interesse para ambos. O povo tem uma excelente oportunidade para exercitar seu amor pela Palavra de Deus, fazer perguntas (que na maioria das vezes não têm coragem de discutir com os seus pastores) e obter respostas. Em pouco tempo, hão de crescer nas suas experiências pessoais, tornando-se capazes de dar melhor instrução religiosa a seus filhos e empregados. Na ausência de tais reuniões, as prédicas não são compreendidas adequada e plenamente, pois não há tempo e oportunidade para a reflexão ou, quando o sermão termina, grande parte de seu conteúdo já foi esquecido (o que não acontece numa discussão). A leitura da Bíblia, pessoalmente ou em casa, onde quem pode ajudar na compreensão do significado e propósito de cada versículo, está ausente, o leitor não consegue a explicação que gostaria de ter. O que falta nesses momentos de pregação pública e de leitura pessoal pode ser encontrado nas reuniões propostas. Não será uma carga pesada para os pastores, nem para o povo, mas assim estará sendo cumprida a exortação do apóstolo Paulo (Cl 3.16, ARC, Pt): “A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda a sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando ao Senhor com graça em vosso coração”. De facto, sejam entoados cânticos nas reuniões, para o louvor de Deus e inspiração dos participantes.



O diligente uso da Palavra de Deus não consiste apenas em ouvir sermões, mas, também, na sua leitura, meditação e discussão (Sl 1:2), principais instrumentos da reforma dos costumes religiosos e sociais, que ocorram da forma proposta ou de qualquer outra. A Palavra de Deus é a semente da qual todo o bem cresce. Se conseguirmos que o povo busque, com diligência, no livro da vida, a sua alegria, a vida espiritual, será maravilhosamente fortalecida e transformada.



O que Lutero mais queria era conduzir o povo à diligente leitura da Bíblia. Hesitou muito em deixar que os seus escritos fossem publicados, com receio de que isso desviasse o povo da leitura da Bíblia.



Um dos principais erros que levou a política papal ao fracasso foi conservar o povo na ignorância e controlar as consciências, proibindo a leitura da Escritura (na medida em que ainda podem, essa proibição é mantida). Por outro lado, um dos principais propósitos da Reforma foi devolver ao povo a Palavra de Deus, escondida na sacristia (e a Palavra foi o meio mais poderoso pelo qual Deus abençoou a Reforma). Agora que a Igreja deve ser colocada em melhores condições, deve ser superada a aversão que muitos têm da Escritura e da negligência do seu estudo, estimulando-se a busca ardente e zelosa dos seus ensinamentos.



2. Exercitação do sacerdócio universal



Martinho Lutero sugere um outro meio, completamente compatível com o primeiro. A Segunda proposta é o estabelecimento e prática diligente do sacerdócio universal. Não se podem ler os escritos de Lutero, com certo cuidado, sem se observar que ele advoga o sacerdócio universal, segundo o qual todos os Cristãos (e não apenas pastores) foram feitos sacerdotes pelo Salvador, ungidos pelo Espírito Santo e dedicados para o exercício de atos espirituais e sacerdotais. O apóstolo Pedro não se estava dirigindo aos pastores quando escreveu (1Pe 2:9, Arc, Pt): “Vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz ...” Quem quiser saber com profundidade qual a opinião do nosso Reformador sobre as funções espirituais, precisa de ler seus tratados aos boémios (De instituendis ministris Ecclesiae ad Clarissimum Senatum Praggensem Bohemiae, W A 12,169-196) sobre como os pastores devem ser escolhidos e empossados nas suas funções. Ali se pode ver como ele demonstra, esplendidamente, que as funções espirituais estão abertas a todos os Cristãos, sem exceção. Apesar de as tarefas regulares e públicas serem atribuídas aos pastores escolhidos para isso, podem também ser desempenhadas por outros, em casos de emergência, especialmente aquelas exercitadas nos lares.



Por uma obra do amaldiçoado demónio, junto do papado, todas as funções foram atribuídas, com exclusividade, ao clero, excluindo-se delas o resto da cristandade, com se não fosse adequado aos leigos o estudo da Escritura, a instrução, a admoestação e conforto do próximo. Não se podia fazer em privado aquilo que os pastores realizavam em público, como se fosse exclusividade do clero. Como consequência, os leigos afastaram-se daquilo que, por direito, lhes pertencia, ocorrendo grandes ignorâncias e desordem na vida do laicato. Por outro lado, os membros do estabelecimento espiritual podiam fazer o que queriam, pois ninguém se importava, nem levantava objeção. Esse pressuposto monopólio do clero, juntamente com a proibição de ler a Bíblia, é um dos principais instrumentos pelos quais o papado estendeu o seu poder sobre os pobres Cristãos e, se as condições lhe forem favoráveis, ainda os oprime. O maior sofrimento que se pode causar ao papado é, como Lutero fez, proclamar que todos os Cristãos foram chamados para o exercício das funções espirituais (apesar de não chamados para o exercício público das funções, pois isso exigiria autorização prévia da comunidade). Isso não lhes é permitido, mas, se desejam ser verdadeiramente Cristãos, são obrigados a desempenhar tais funções.



Cada Cristão não é só compelido a oferecer-se a si mesmo e o que possui, as suas orações, ações de graças, boas obras, ofertas etc., como, também, a estudar com seriedade a Palavra do Senhor, a ensiná-la a outros, com o Dom que lhe foi dado, especialmente aos que habitam sob o seu teto, a orientá-los, a exortá-los, a convertê-los e a edificá-los; compeli-los a observar as suas vidas, a orar por todos e, na medida do possível, a preocupar-se com a salvação deles. Se isso é verdade no que se refere ao interesse do Cristão para com os outros, também é verdade no que se refere a si mesmo. Ele deve cuidar-se e dedicar-se ao que é importante para a sua própria edificação. Por outro lado, a complacência existente no momento decorre do facto de que esse ensinamento não é praticado.



As pessoas pensam que isso não lhes diz respeito. Imaginam que, como eles foram chamados para os seus trabalhos, no escritório, no negócio ou no comércio, e como o pastor não foi chamado para essas coisas, nada têm a ver com as coisas espirituais. O pastor, segundo eles imaginam, é chamado para o exercício dos atos dessa natureza, ocupando-se com a Palavra de Deus, orando, estudando, ensinando, admoestando, confortando, orientando, etc., enquanto eles não se envolvem com tais coisas. Imaginam que estariam envolvendo-se indevidamente nas tarefas exclusivas do pastor. Nem se menciona o facto de pensarem que não devem cuidar dos seus pastores, admoestando-os fraternalmente quando eles negligenciam algo, e apoiando-os em seus esforços.



Nenhum pastor será prejudicado se os membros de sua comunidade exercitarem esse sacerdócio universal. Uma das razões pelas quais o pastor não pode fazer tudo, é porque se sente muito fraco e sem apoio. É incapaz de fazer tudo o que deve ser feito para a edificação de muitas pessoas, confiadas ao seu cuidado pastoral. Todavia, se os sacerdotes leigos fazem a sua parte, o pastor, como dirigente e irmão mais velho, sente-se apoiado e fortalecido para realizar as suas obrigações e atos pastorais. Assim, o fardo não será tão pesado.





3. Prática e conhecimento do Cristianismo



Juntamente com essas duas propostas, existe uma terceira: o povo deve ser levado e acostumado a crer que isso não são meios suficientes para o conhecimento da fé cristã, pois o Cristianismo consiste fundamentalmente em prática. O nosso Salvador repetidamente identificou o amor com a marca distintiva dos Cristãos (Jo 13:34-35; 15:12; 1Jo 3:10,18; 4:7-8, 11-13 e 21). Na sua velhice, João costumava dizer não mais do que isto: “Filhos, amai-vos uns aos outros” (Jerónimo, In “Comentário da Epístola aos Gálatas, III, 6”). Os seus discípulos e ouvintes queriam saber a razão dessa repetição interminável e perguntaram-lhe por que insistia sempre nessa exortação. Ele respondeu: “Porque é o mandamento do Senhor e é suficiente, se for cumprido”. Sem dúvida, o amor é tudo na vida do homem que tem fé e que é salvo pela sua fé. O cumprimento da lei de Deus é o amor.



Se pudermos despertar um ardente amor entre os Cristãos, primeiramente pelos irmãos, depois por todos os homens (pois os dois, o amor fraternal e o amor em geral, devem complementar-se segundo 2Pe 1:7) e colocando isto em funcionamento, praticamente tudo o que desejamos será realizado. Todos os mandamentos são resumidos no amor (Rm 13.9). O povo não pode apenas ser ensinado a amar ao próximo, nem só advertido sobre os perigos do amor-próprio, mas, sobretudo, exortado a praticar o amor. Os Cristãos devem acostumar-se a não perder a oportunidade de servir ao outro com atos de amor e a sondar os seus ptóprios corações para saber se o motivo que os impulsiona é o verdadeiro amor, ou qualquer outro. Se não agredidos, ofendidos, convém controlarem o seu sentimento de vingança, abrirem mão de seus direitos e temerem que seus corações possam traí-los com sentimentos de hostilidade. Devem buscar oportunidade de fazer o bem aod seus inimigos, a fim de que tal autocontrole possa ferir o velho Adão, sempre inclinado à vingança, e implantar no coração dos seus inimigos o mesmo amor que os move.



Para esse fim e para o crescimento do Cristianismo, seria bom que aqueles que resolverem seguir fielmente o caminho de Cristo, entrassem em contato confidencial com os seus confessores ou com outros Cristãos experientes e sábios, contando-lhes as suas novas maneiras de viver, as oportunidades que têm de praticar o amor Cristão e como foram aproveitadas ou negligenciadas. Isso é importante, pois oferece a possibilidade de avaliar a própria conduta e receber instruções sobre novas formas de procedimento. Decidam-se firmemente a obedecer aos conselhos dados durante todo o tempo, de acordo com a vontade de Deus.



Se alguém ficar em dúvida sobre fazer ou não para o próximo, é sempre melhor fazer do que deixar de fazê-lo.



[...]



6. Pregação e edificação



Além desses exercícios que pretendem desenvolver a vida cristã dos estudantes, é necessário que os professores se preocupem com aquilo que os seus alunos vão precisar quando se tornarem pastores. Por exemplo, treine-se o estudante a instruir os ignorantes, a consolar os enfermos e, especialmente, a preparar bons sermões. Seja-lhes mostrado que, no sermão, todas as coisas devem convergir para um propósito. Como sexta proposta, a fim de que se encoraje a Igreja Evangélica a buscar melhores condições, eu diria que o sermão deve estar voltado para esse propósito, e que alcance o coração do ouvinte da maneira mais eficaz possível.



Há provavelmente poucos lugares na nossa Igreja na qual não hajam muitos sermões sido pregados. Porém, as pessoas piedosas reconhecem que pouco se tem aproveitado de tais prédicas. Existem pregadores enchendo-se de tantas informações, que convencem os ouvintes de que são homens muito instruídos, contudo, os que os ouvem não conseguem entender o que dizem. Incluem nelas muitas palavras estrangeiras, embora, possivelmente, nenhum ouvinte conheça tais línguas. Muitos pregadores não se preocupam com o assunto escolhido e devem desenvolvê-lo de tal modo que, pela graça de Deus, a congregação possa dele aproveitar para a vida e a morte. Pelo contrário, preocupam-se com a introdução, com a sua boa forma e com um clímax de efeito, e que as partes sejam tratadas de acordo com as regras da oratória e cheias de beleza, etc. Isso não pode acontecer. O púlpito é um instrumento divino para a salvação das pessoas. Por isso, nele todas as coisas devem ser direcionadas para esse propósito. As pessoas comuns, das quais a comunidade é composta na sua grande maioria, não podem ser esquecidas pelo pregador preocupado em agradar os letrados que são poucos e, geralmente, não comparecem ao culto.



O Pequeno Catecismo, de Lutero (1529), que contém os primeiros rudimentos do Cristianismo e do qual as pessoas aprenderam a fé, deve continuar a ser usado, só que mais diligentemente na instrução das crianças e também dos adultos (a kinderlehre era a reunião para estudos do catecismo, dirigido especialmente para as crianças, feita no domingo, à tarde). O pregador não pode abandonar essa prática. Pelo contrário, deve lembrar às pessoas, nos seus sermões, aquilo que aprenderam no catecismo. Não precisa envergonhar-se de fazer isso.



Deixo de lado alguns comentários adicionais a respeito dos sermões. Considero isso como fundamental: a nossa religião cristã é composta de homens regenerados, cujas almas estão repletas de fé e que se expressam em frutos da vida. Assim, o sermão não pode ter outro objetivo a não ser cultivar a fé e os seus frutos. Por outro lado, os preciosos benefícios de Deus, dirigidos ao homem interior, devem estar presentes de forma que a fé se fortaleça cada vez mais. Por outro lado, não podemos contentar-nos em afastar as pessoas dos vícios exteriores e levá-los à prática de virtudes exteriores, coisa que a ética dos pagãos também pode fazer. O nosso objetivo é despertar e cultivar a fé e os seus frutos. Tudo aquilo que não proceder desse fundamento é mera hipocrisia. Devemos, pois, acostumar as pessoas a voltarem-se para as coisas interiores (o amor a Deus e ao próximo) e depois procurarem agir corretamente.



Enfatize-se que o significado divino da Palavra e dos sacramentos se relaciona no homem interior. Então, não é suficiente ouvir a Palavra com o ouvido exterior. Ela deve penetrar em nosso coração para que possamos escutar o Espírito de Deus. Por outras palavras, o Espírito fala ao nosso coração na medida em que nele faz morada. O homem sente vibrante emoção e conforto no selo do Espírito (Ef 1:14; 4:30) e no poder da Palavra. Igualmente, não é suficiente ser batizado, pois o homem interior (onde Cristo é colocado no ato do batismo – Gl 3:27) deve conservar e testemunhar Cristo na vida exterior. Tampouco, não é suficiente receber a Santa Ceia exteriormente, mas o homem interior deve ser, em verdade, nutrido com aquele alimento abençoado. Da mesma maneira, não é suficiente orar de modo superficial, só com a boca, pois a melhor e verdadeira oração vem do homem interior; ela tanto pode expressar-se com palavras, como pode permanecer muda no fundo da alma. No último caso, Deus encarregar-se-á de achá-la e levá-la ao seu trono. Finalmente, não é suficiente adorar a Deus num templo exterior, pois o homem interior adora melhor a Deus na sua alma, aconteça isso num templo exterior ou não (1Co 3:16).



Concluindo, convoco insistentemente o gracioso Deus e doador de todas as boas coisas, que no passado permitiu que a boa semente da Sua Palavra fosse semeada pelos Seus fiéis servos, e que poderosamente abençoou muitas daquelas sementes, caídas em corações piedosos, para que dessem muitos frutos; [...] que muitos, com corações piedosos, busquem a sua edificação, nos domingos, nesses sermões e nas Escrituras Sagradas; possam, finalmente, entregar a Deus os frutos produzidos, com ação de graças. Oro, também, para que os pastores sejam reavivados nas suas pregações e se voltem para o coração do Cristianismo [...] com simplicidade e poder. Tudo seja para a glória de Deus e para o progresso do Seu Reino, por amor de Jesus Cristo. Ámen.



Frankfurt do Main, 24 de março de 1675.



In SPENER, Philipp Jacob. Pia Desideria: um clássico do pensamento protestante. São Bernardo do Campo: Imp. Metodista: Programa Ecumênico de Pós Graduação em Ciências da Religião, 1985.


http://www.monergismo.com/textos/igreja/propostas_igreja.htm

Carlos António da Rocha

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