C.
H. Spurgeon
Sermão n.º 542
Sermão n.º 542
“Paulo, a sua capa e os seus livros”
(Paul—his cloak and his books), pregado na manhã de domingo, de 29 de novembro
de 1863, por Charles Haddon Spurgeon, no Tabernáculo Metropolitano, Newington,
Londres.
“Quando
vieres, traze a capa que deixei em Troade, em casa de Carpo, e os livros,
principalmente os pergaminhos.” (2Tm 4:13, ARC, Pt)
OS NÉSCIOS TÊM FEITO COMENTÁRIOS sobre os pequenos
pormenores da Escritura. Tem-se surpreendido de que um assunto tão
insignificante como uma capa deva ser mencionado num livro inspirado; mas
deveriam saber que esta é uma das múltiplos indicações de que o livro foi
escrito pelo mesmo autor que escreveu o livro da natureza. Acaso não há coisas
no volume da criação que nos circundam, que a nossa curta vista chamaria de
insignificâncias? Qual é o valor peculiar das margaridas na floresta, ou dos
botões de ouro nos prados? Se os compararmos com o mar agitado, ou com as
eternas colinas, quão insignificantes nos parecem! Por que tem o colibri uma
plumagem tão maravilhosamente adornada e por que é esbanjada tanta destreza
maravilhosa na asa de uma mariposa? Por que há tal maquinaria curiosa na pata
de uma mosca, ou tal incomparável complexidade óptica no olho de uma aranha?
Posto que para a maioria destes homens são insignificâncias, teriam de ficar de
fora dos planos da natureza? Não; porque a grandeza da destreza divina é tão
visível no diminuto como no grandioso: e de igual maneira acontece na Santa
Escritura: as coisas pequenitas conservadas no âmbar da inspiração, estão muito
longe de ser inapropriadas ou desnecessárias. Além disso, não há
insignificâncias na providência? Não acontece a cada dia que uma nação seja
rasgada por uma revolução, ou que um trono seja sacudido por uma rebelião: com
maior frequência o ninho de um pássaro é destruído por um menino, ou um
formigueiro é tombado por um enxadão. Não acontece a cada hora que uma torrente
alague uma província, mas, com quanta frequência humedecem as gotas do orvalho,
as folhas verdes? Não lemos, frequentemente, a respeito de furacões, tornados,
e terramotos, mas os anais da providência poderiam revelar a história de muitos
grãos de pó transportados pelo vento forte do verão, muitas folhas murchas
arrancadas aos álamos, e muitos juncos balançando-se à beira do rio. Portanto,
aprendam a ver nas pequenezes da Bíblia, o Deus da providência e da natureza.
Observem dois quadros, e detectarão, se tiverem qualidades artísticas, certos pormenores
minúsculos que revelam a própria autoria, se provêm da mesma mão; frequentemente
a própria pequenez, para o olho artístico, delatará o pintor mais provavelmente
do que as pinceladas mais proeminentes, que pudessem ser falsificados com muita
maior facilidade. Os peritos detetam a caligrafia da escrita duma pessoa por um
ligeiro tremor nos traços ascendentes, o giro da impressão final, um ponto, o
traço da letra t, ou assuntos mais pormenorizados. Não podemos ver a escrita
legível do Deus da natureza e da providência no próprio facto de que as
sublimidades da revelação estão misturadas com comentários caseiros e
quotidianos? Mas, finalmente, não são trivialidades. Atrevo-me a dizer que o
meu texto contém muita instrução espiritual. Estou confiante de que esta capa
aqueça os vossos corações esta manhã, que estes livros vos instruam, e que o
próprio apóstolo seja para vós um exemplo de heroísmo, apropriado para motivar
as vossas mentes para que o imitem.
I.
Primeiro, VEJAMOS ESTA MEMORÁVEL CAPA que Paulo deixou com Carpo em Troade.
Troade era uma cidade portuária muito importante da Ásia Menor. Muito
provavelmente, Paulo estava detido em Troade, na segunda ocasião, em que foi
levado ante o imperador romano. Habitualmente os soldados apropriavam-se do
vestuário sobrante que possuía a pessoa que era presa, e tais objetos eram
considerados como uma gratificação para os que efetuavam a detenção. O apóstolo
pôde haver sido prevenido da sua detenção, e por isso, prudentemente,
encarregou os seus poucos livros e a sua capa, que constituíam todos os seus
móveis de casa, aos cuidados de um certo homem honesto chamado Carpo. Ainda que
Troade estivesse distante seiscentas milhas de caminho de Roma, o apóstolo
Paulo era muito pobre para comprar uma peça de roupa e assim solicita a
Timóteo, que vinha nessa direção, que lhe trouxesse a sua capa. Necessita muito
dela, pois o inclemente inverno aproxima-se, e o calabouço é muito, muito frio.
Este é um breve sumário das circunstâncias. Certos comentadores estudiosos
encheram páginas inteiras tratando de descobrir que tipo de capa era; mas como
nós não sabemos absolutamente nada a esse respeito, deixar-lhes-emos este
assunto, crendo que sabem o mesmo que nós, mas não mais.
1. Mas, o que nos ensina a capa? Há cinco ou seis lições
incluídas ali. A primeira é: temos de perceber aqui com admiração, a completa
abnegação do apóstolo Paulo por amor ao Senhor. Recordem, meus queridos amigos,
o que o apóstolo tinha sido. Paulo era eminente, famoso e rico. Havia sido
instruído aos pés de Gamaliel. Era tão zeloso entre os seus irmãos que não
podia senão inspirar o seu sincero respeito. Ia acompanhado por um grupo de
soldados quando foi de Jerusalém a Damasco. Eu não sei se o cavalo que montava
era dele, mas deve ter sido um homem de importância posto que se destinava a um
lugar muito importante em assuntos religiosos. Paulo era um homem de boa
posição na sociedade, e sem dúvida, qualquer pessoa que tivesse visto o jovem
Saulo de Tarso haveria dito: “Converter-se-á num homem eminente; conta com
todas as oportunidades na vida; tem uma educação liberal, um temperamento
zeloso, abundantes dons e a estima geral dos governantes judeus; será um homem
grandioso.” Mas, quando o Senhor se encontrou com ele naquele dia no caminho
para Damasco, como tudo mudou para Paulo! Então, pôde dizer na verdade: “Mas
quantas coisas eram para mim ganho, estimei-as como perda por amor de Cristo. E
certamente, até estimo todas as coisas como perda pela excelência do
conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por amor do qual tenho perdido tudo,
e o tenho por lixo, para ganhar a Cristo, e ser achado nEle.” Começa a pregar e
o seu carácter é mudado. Agora, nada é demasiado mau para Paulo entre os seus
associados judeus. “Tira da terra a tal homem, porque não convém que viva,” foi
a expressão exata do sentimento judeu para com ele. Paulo continua os seus trabalhos,
e perde a sua riqueza: espalhou-a entre os pobres, ou foi sequestrada pelos
seus amigos. Viaja de um lugar para outro sacrificando não poucas comodidades.
A esposa a que provavelmente esteve unido —pois nenhum homem solteiro podia
votar no Sinédrio como o fez Paulo contra Estêvão— caiu doente e morreu, e o
apóstolo preferia agora uma vida de solteiro, para poder entregar-se
inteiramente à sua obra. Se tivesse tido esperança somente neste mundo, haveria
sido o mais miserável de todos os homens. Com o passar do tempo foi encanecendo
e agora os próprios homens que lhe deviam a sua conversão o abandonaram. Quando
chegou pela primeira vez a Roma estiveram a seu lado, mas agora todos se foram
como as folhas no inverno, e o pobre ancião, “sendo como sou, Paulo já ancião,”
está sem nada no mundo a que possa chamar propriedade sua, salvo uma velha capa
e uns quantos livros, e tudo isso está a seiscentas milhas de distância. Ah,
como se esvaziou a si mesmo e a que extremo de pobreza estava disposto a cair
pelo amor ao nome de Cristo! Não se queixem porque Paulo mencione as suas
roupas: um maior que ele o fez, e fê-lo numa hora mais solene do que a hora em
que Paulo escreveu a Epístola. Recordem Quem foi o que disse: “Dividiram entre
si os meus vestidos, e sobre a minha roupa lançaram sortes.” O Salvador tinha
de morrer em absoluta nudez, e o apóstolo é reduzido a algo semelhante a Ele
quando se encontra tremendo de frio. Irmãos, estava Paulo correto em tudo isto?
Foram razoáveis os seus sacrifícios? O propósito que Paulo perseguia, era digno
de todo este sofrimento e abnegação? Foi arrastado por um excessivo impulso de
fanatismo para investir num objetivo inferior, o qual não se requeria dele?
Nenhum crente aqui presente considera que assim fosse. Vocês todos crêem que se
pudessem renunciar às riquezas, e ao talento, e à estima, sim, e também à vossa
própria vida por Cristo, seria uma excelente decisão. Eu digo que vós assim o
credes, mas, mas quantos de nós o temos posto em prática alguma vez? Não teria
sido melhor que dissesse, quão poucos de nós? Há algumas pessoas que raramente
têm uma oportunidade de sacrificar tudo por Cristo. O que dão, é tomado do seu
excedente; nunca se ressentem. É um luxo refinado quando um homem sente tal
amor por Jesus, que é capaz de dar até ficar na penúria. Se Paulo fosse
razoável, o que somos tu e eu? Se Paulo dá como um Cristão deve dar, quão
envergonhados de nós mesmos deveríamos estar? Se ele se reduz à pobreza por
Cristo, o que diremos desses professantes bastardos que não estão dispostos a
perder nenhuma nimiedade no seu negócio por causa da honestidade? O que diremos
daqueles que afirmam: “Eu sei como fazer dinheiro, e sei como guardá-lo,” e
olham com desprezo para aqueles que são mais generosos do que eles. Se vos
sentis contentes por condenar a Paulo, e acusá-lo de loucura fazei-o, mas se
não, se este não fosse senão um serviço razoável, e o serviço que a graça
infinita de Deus —que Paulo experimentou— requeria dele, então façamos algo
parecido. Se tiverem experimentado um amor semelhante, amem assim ao Senhor, e
gastem e sejam consumidos totalmente para o Senhor Jesus.
2.
Em segundo lugar, queridos amigos, damo-nos conta de como os seus amigos
abandonaram o apóstolo. Se não ele tinha uma capa dele próprio, não teriam
podido emprestar-lhe uma, alguns dos seus amigos? Dez anos antes, o apóstolo
foi conduzido encadeado ao longo da via Ápia rumo a Roma; e cinquenta milhas
antes de chegar a Roma, um pequeno grupo de membros da Igreja veio para
reunir-se com ele; e quando chegou a uma distância de vinte milhas da cidade,
nas “Três Tabernas” chegou um grupo ainda maior de discípulos para escoltá-lo,
de tal forma que Paulo, o prisioneiro encadeado, chegou a Roma acompanhado por
todos os crentes dessa cidade. Paulo era então um homem mais jovem; mas agora,
por uma razão ou outra, dez anos depois, não chega ninguém para visitá-lo. Está
confinado numa prisão, e nem sequer sabem onde está, de tal forma que
Onesíforo, quando chega a Roma, tem de procurá-lo com muita diligência. Paulo é
tão obscuro como se nunca tivesse tido um nome, e, embora, seja ainda um
apóstolo tão grande e glorioso como sempre o foi, os homens esqueceram-no de
tal maneira, e a Igreja desprezou-o de tal maneira, que se encontra sem amigos.
A igreja dos Filipenses, dez anos antes, tinha realizado uma coleta para ele
quando ele esteve na prisão; e, embora, tenha aprendido a contentar-se em
qualquer situação em que se encontrasse, ele agradeceu-lhe a sua contribuição
como uma oferenda de grato aroma de Deus. Agora está velho, e nenhuma igreja o
recorda. É levado a juízo, e ali estão Eubulo, e Pudens e Lino. Não poderia
algum deles estar a seu lado quando ele fosse conduzido perante o imperador? “Na
minha primeira defesa ninguém esteve a meu lado.” Coitado, pobrezinho!, serviu
ao seu Deus, e trabalhou até ficar sumido na pobreza por causa da Igreja, mas a
Igreja esqueceu-o! Oh, quão grande deve ter sido a angústia do amoroso coração
de Paulo ante tal ingratidão! Por que razão as poucas pessoas que estavam em
Roma, —mesmo se elas nunca haviam sido tão pobres— não deram uma contribuição
para a sua ajuda? Aqueles que eram da casa de César, não teriam podido
encontrar uma capa para o apóstolo? Não. Foi tão completamente abandonado, que,
embora, esteja a ponto de morrer de febre intermitente no calabouço, nem uma
alma quer emprestar-lhe ou dar-lhe uma capa. Que paciência ensina isto a quem
se encontra numa condição similar! Tem sido a tua porção, meu irmão, ser
abandonado pelos amigos? Houve outros tempos quando o teu nome era o símbolo da
popularidade, quando muitos viviam do teu favor como insetos sob o teu raio de
luz, e tens chegado ao ponto em que tens sido esquecido como um morto apagado
da mente? Encontras os teus amigos mais chegados nas tuas maiores tribulações?
Já dormem em Jesus aqueles que te amaram e respeitaram alguma vez? E acaso
outros se tornaram hipócritas e falsos? Que farás agora? Deves recordar este
caso do apóstolo; está posto aqui para o teu consolo. Ele teve de atravessar
águas tão profundas como as piores que estejas chamado a vadear, mas recorda o
que Paulo diz: “Mas o Senhor esteve a meu lado, e me deu forças.” Então, quando
o homem te abandone, Deus será o teu amigo. Este Deus, é o nosso Deus sempre e
para sempre: não unicamente nos climas ensolarados, mas sempre e para sempre.
Este Deus, é o nosso Deus nas noites escuras assim como nos dias brilhantes.
Vai a Ele e expõe-Lhe a tua queixa diante dEle. Não murmures. Se Paulo teve de
sofrer o abandono, tu não deves esperar um trato melhor. Que não te falte a tua
fé, como se algo novo te tivesse sucedido. Isto é comum a todos os santos.
David teve o seu Aitofel, Cristo o Seu Judas, Paulo o seu Demas, e, esperas tu
que te aconteça melhor? Conforme olhes a essa vetusta capa, que fala da
ingratidão humana, tem ânimo, e confia no Senhor, pois Ele fortalecerá o teu
coração. “Sim, espera em Deus.”
3.
Há uma terceira lição. O nosso texto revela a independência mental do apóstolo.
Por que é que o apóstolo não pediu emprestado uma capa? Por que não solicitou
que lhe dessem uma de presente? Não, não, não. Esse não é, em absoluto, o
estilo do apóstolo. Ele tem uma capa, e embora ela esteja a seiscentas milhas
de distância, esperará até que lha levem. Embora houvesse umas pessoas que
poder-lhe-iam emprestar uma, ele sabe que aquele que começa endividando-se
termina doendo-se, e que aqueles que mendigam são raramente bem-vindos. Eu não
creio que um Cristão deva envergonhar-se de pedir emprestado ou de mendigar se
for absolutamente compelido a isso, mas nunca me tenho agradado dessa espécie
de pessoas que praticam qualquer dessas duas coisas sistematicamente. Eu
quereria que muitos pobres não arruinassem a caridade dos outros ao estar
prontos a pedir com base em cada pretendida necessidade. Um Cristão faria bem
em recordar que não é nunca para sua honra —embora nem sempre seja para sua
desonra— pedir. “Cavar, não posso; mendigar, dá-me vergonha,” disse o mordomo
infiel, e se tivesse sido fiel, teria estado muito mais envergonhado. Repito-o:
quando se chega ao ponto de uma extrema necessidade, e um homem tem de pedir ao
seu semelhante, que o faça valorosamente; mas que não o faça muito
apressadamente, senão que, como o apóstolo, enquanto que possa passar sem isso,
diga: “Nem comemos debalde o pão de ninguém, mas sim trabalhamos com afã e
fadiga dia e noite.” Paulo ensinava que o ministro de Deus tem o direito de ser
sustentado pelo povo. “Se nós semearmos entre vós o espiritual, é grande coisa
se segarmos de vós o material?”, pergunta o apóstolo. Insiste em que não se
ponha cabresto ao boi que debulha; não obstante, embora sustente isto como um
grande princípio geral, Paulo não toma nada para si; ele continua no seu ofício
de fazer tendas; costura as lonas e ganha o seu sustento; assim não se torna
numa carga para ninguém. Que nobre exemplo! Quão ansiosos deveriam ter estado
todos os Cristãos de ver que ele não sofresse nenhuma necessidade na sua
ancianidade! Entretanto, chega a ser pobre; mas o seu espírito independente não
se quebranta em nenhum momento, pois ele decide esperar até que a sua capa seja
trazida desde uma distância de seiscentas milhas, em vez de pedir a alguém que
lhe dê ou lhe empreste uma. Que o Cristão seja assim independente, pois embora
a independência não seja uma graça cristã, é todavia uma graça comum, que
quando é entrelaçada com o cristianismo, é muito formosa, e vai bem com o
carácter de um filho de Deus.
4.
O quarto comentário é: vejam nisto quão pouca importância davam os apóstolos à
forma como se vestiam. Paulo necessita do mínimo para se manter quente; não solicita
nada mais. Não há nenhuma dúvida de qualquer tipo de que as outras partes das
suas vestes se estavam tornando muito surradas; que se encontrava na verdade
vestido de farrapos, e por isso necessitava da capa para se cobrir. Lemos que
nos tempos antigos, muitos dos mais eminentes servos de Deus se vestiam da
maneira mais pobre. Quando o bom Bispo Hooper foi conduzido à fogueira, já
tinha estado muito tempo na prisão, e estava tão desprovido de vestes, que
tomou emprestada uma toga de um velho académico, cheia de farrapos e buracos,
para poder vesti-la e caminhou para a fogueira coxeando pelas dores produzidos
pelo nervo ciático e pelo reumatismo. Lemos de Jerónimo da Praga que esteve
encerrado num calabouço húmido e frio, e que lhe se denegou algo que o cobrisse
na sua nudez e o protegesse do frio. Alguns ministros são muito cuidadosos de
vestir-se invariavelmente de uma maneira canónica e fidalga. Agrada-me aquele
comentário que fez Whitfield, quando alguém de má índole lhe perguntou como
podia pregar sem uma batina. “Ah” —respondeu ele— “posso pregar sem uma
sotaina, mas não posso pregar sem um carácter.” O que importa o vestido
exterior com quanto que o carácter seja reto? Esta é também uma lição para os
nossos membros particulares. Algumas vezes ouvimo-los dizer: “Não pude sair no
domingo: não tinha o traje apropriado para entrar.” Qualquer traje é adequado
para vir à casa de Deus, se tiver sido comprado, sem importar quão grosseiro
possa ser. Se forem as melhores roupas que Deus te tem dado, não murmures.
Considerando que a prova do traje é muito dolorosa para alguns dos mais pobres
do povo de Deus, este texto foi posto na Bíblia para seu consolo. O vosso
Senhor não usou nenhuma roupa suave nem vestidos delicados. A Sua veste
consistia numa túnica, a qual era sem costura, de um só tecido de cima abaixo,
e contudo, nunca se envergonhou de usá-la na presença de reis e sacerdotes.
Sempre achei que o Cristão deve cultivar uma nobre indiferença destas coisas
externas; mas quando se chega à extrema necessidade de uma absoluta falta de
vestes, então pode consolar-se neste pensamento: “Agora sou um companheiro do
Senhor; agora caminho na mesma prova que experimentaram os apóstolos; agora
sofro da mesma maneira como eles sofreram.” Todo santo é uma imagem de Cristo,
mas um santo pobre é a Sua imagem expressa, pois Cristo foi pobre. De tal
maneira que, se és conduzido da necessidade extrema referida à pobreza, de tal
forma que não tenhas nada com que te vestires que seja decente, não te
desalentes, antes pelo contrário, diz: “O meu Senhor sofreu o mesmo, e também o
apóstolo Paulo”; e, portanto, cobra coragem e tem bom ânimo.
5.
A capa de Paulo em Troade mostra-nos quão forte era o apóstolo para resistir à
tentação “Eu não o vejo,” dizes-me. O apóstolo tinha o dom de fazer milagres. O
nosso Salvador, embora fosse capaz de fazer milagres, nunca fez nada semelhante
a um milagre para Seu próprio benefício; tampouco o fizeram os Seus apóstolos.
Os dons milagrosos tinham-lhes sido confiados com propósitos e fins evangélicos,
para o bem de outros e para a promoção da verdade; mas nunca para benefício
deles. O nosso Salvador foi tentado pelo diabo —vós recordar-vos-eis— quando
tinha fome, para que convertesse as pedras em pão. Era uma forte tentação para
que aplicasse poderes milagrosos que tinham por objectivo outros fins, para a
Sua própria comodidade. Mas Ele repreendeu a Satanás e disse-lhe: “Não só de
pão viverá o homem.” Paulo também tinha poder para produzir uma capa se o
tivesse querido. Por que não teria podido? A sua simples sombra sarava o
doente; se tivesse querido, teria podido impedir que o frio e a humidade
tivessem algum efeito sobre ele. Paulo, que tinha levantado com vida ao morto
Eutico, quando caiu do alto, e que lhe tinha produzido o seu calor vital, poderia
certamente ter mantido o calor do seu próprio corpo se assim o tivesse
decidido. E atrevo-me a dizer que o diabo o visitava frequentemente e lhe
dizia: “Se és um apóstolo de Deus, se podes obrar milagres, manda que esta
atmosfera suba de temperatura, que estes farrapos se juntem, e formem para ti
um vestido confortável.” Vós não sabeis —não poderíeis dizer, pois não fostes
nunca expostos a isso, que severas pugnas deve ter tido o apóstolo para
resistir à diabólica tentação de usar os seus dons milagrosos em seu benefício.
Oh, irmãos, temo-me que vós e eu somos muito mais propensos a ceder ao ego do
que era o apóstolo. Nós pregamos o Evangelho, e se Deus nos ajuda, oh!, o diabo
diretamente quererá que participemos do louvor. “Pregaste um bom sermão esta manhã,”
disse alguém a John Bunyan, quando ele descia as escadas. “Chegas muito tarde”,
respondeu-lhe o honesto John, “o diabo já me havia dito isso quando estava
pregando. “Sim, nós obramos os milagres, mas nós tomamos a honra disso, para
nós mesmos. Aí radica a tentação para qualquer homem que possui dons: usá-los
para os seus próprios propósitos, e se o fizesse, seria um mordomo infiel ao
seu Senhor. Eu suplico-vos, na verdade, quer seja na escola dominical ou quer
seja na igreja, não permitam nunca que o poder de obrar milagres que Deus vos
tem dado seja usado para vós próprios. Vós podeis fazer por Cristo coisas
poderosas, através da fé e da oração, mas não permitam nunca que a oração e a
fé sejam prostituídas para um propósito tão rasteiro como ministrar para a
carne. Eu sei que as mentes carnais não entenderiam isto, mas as mentes
espirituais, que conhecem as tentações do diabo, sabem quão dura será uma
batalha vitalícia para reprimir-nos de fazer isso que aparentemente nos fará
felizes, mas que ao mesmo tempo nos tornaria profanos.
6.
A sexta lição extraída desta capa é: esta passagem ensina-nos com que precisão
um filho de Deus é similar a outro. Sei que consideramos a Abraão, e a Isaac, e
a Jacob como seres muito grandes e bem-aventurados; cremos que viveram numa
região mais elevada do que nós. Não podemos crer que se tivessem vivido nestes
tempos, teriam sido Abraão, Isaac e Jacob. Supomos que estes são dias muito
maus, e que qualquer grande eminência de graça, ou da abnegação, não é
facilmente acessível. Irmãos, a minha própria convicção é que se Abraão, Isaac
e Jacob tivessem vivido agora, em vez de serem santos menores, teriam sido
santos maiores, pois eles viveram unicamente na alvorada, e nós vivemos em
pleno meio-dia. Com que frequência escutamos que os apóstolos são chamados “São”
Pedro e “São” Paulo; e desta maneira são colocados no alto, como num elevado
nicho. Se nós tivéssemos visto a Pedro e a Paulo, tê-los-íamos considerado como
pertencentes a um tipo ordinário de pessoas: surpreendentemente semelhantes a
nós; e se nos tivéssemos adentrado na sua vida diária e nas suas provas,
haveríamos dito: “Bem, vós sois maravilhosamente superiores ao que eu sou na
graça; mas de alguma maneira ou outra, vós sois homens semelhantes a mim. Tenho
um temperamento irascível, e tu Pedro, também o tens. Tenho um aguilhão na
minha carne, e tu Paulo, também o tens. Tenho um enfermo em casa, e a sogra de
Pedro também jaz enferma de febre. Eu queixo-me de reumatismo, e o apóstolo
Paulo, na sua etapa de ancião, sente o frio, e necessita da sua capa.” Ah, não
devemos considerar a Bíblia como um livro propício para almas transcendentais e
extremamente elevadas. É um livro quotidiano; e estas pessoas boas eram pessoas
comuns, exceto que tinham maior graça, mas nós podemos alcançar mais graça da
mesma maneira como eles puderam; a fonte da qual se sortiam está tão cheia e
tão disponível para nós como esteve para eles. Só temos de crer da maneira como
eles o fizeram, e confiar em Jesus ao modo deles, e ainda que as nossas provas
sejam tão duras como as deles, venceremos por meio do sangue do Cordeiro. Na
verdade, eu gosto de ver que a religião extrai luz na nossa vida diária. Não me
falem a respeito da piedade no Tabernáculo, porém falem-me da piedade na vossa
oficina, e no vosso balcão, e na vossa cozinha. Deixem-me ver como a graça vos
capacita para serdes pacientes no frio, ou contentes na fome, ou diligentes no
trabalho. Ainda que a graça não é algo comum, brilha melhor nas coisas comuns.
Pregar um sermão, ou cantar um hino não é mais que algo insignificante
comparado com o poder de aguentar o frio, e a fome, e a nudez, por amor de
Cristo. Ânimo, então, valor então, companheiro peregrino, pois o caminho não
foi aplainado para Paulo mais do que é aplanado para nós. Não havia um caminho
real para o céu naqueles dias, diferente ao que há agora. Eles tinham de
atravessar brejos, e pântanos e lodaçais como temos de fazê-lo nós ainda.
“Eles
lutavam duramente como o fazemos nós agora
Com pecados, e dúvidas e temores,”
Mas
obtiveram a vitória finalmente, e nós também a obteremos. É suficiente, então,
quanto à capa que foi deixada em Troade com Carpo.
II.
Lancemos um OLHAR AOS SEUS LIVROS. Não sabemos que tipo de livros eram, e só
podemos elaborar conjeturas quanto a que espécie de pergaminhos eram. A Paulo
restaram uns quantos livros, talvez envoltos na capa, e Timóteo tinha de ter o
cuidado de lhos levar. Até um apóstolo deve ler. Alguns dos nossos irmãos ultra
calvinistas pensam que um ministro que lê livros e estuda o seu sermão tem de
ser um muito deplorável espécime de pregador. Um homem que sobe ao púlpito, e
professa que improvisa o seu texto, e fala uma qualquer quantidade de tolices,
é o ídolo de muitos. Se fala sem premeditação, ou pretende fazê-lo, e não
apresenta nunca o que chamam um prato de miolos de homens mortos— oh, esse é um
pregador! Quão censurados são pelo apóstolo! Ele é inspirado, e entretanto,
necessita de livros! Esteve pregando pelo menos durante trinta anos, e,
contudo, necessita de livros! Tinha uma experiência mais vasta que a maioria
dos homens, e, todavia, necessitava de livros! Tinha sido arrebatado ao
terceiro céu, e tinha ouvido palavras inefáveis que não é dado ao homem
expressá-las, e, contudo, necessitava de livros! Paulo tinha escrito a maior parte
do Novo Testamento, e, entretanto, necessitava de livros! O apóstolo diz a
Timóteo e assim diz a todo pregador: “Ocupa-te na leitura.” O homem que nunca
lê não será nunca lido; o que nunca cita não será citado nunca. O que não quer
usar os pensamentos dos cérebros de outros homens, demonstra que não tem um
cérebro próprio. O que é válido quanto aos ministros aplica-se a todo o nosso
povo. Vós precisais de ler. Renunciai a tudo o que queirais na literatura
ligeira, mas estudai tudo o que seja possível nas obras teológicas sãs,
especialmente os escritores puritanos, e as exposições da Bíblia. Estamos muito
persuadidos de que a melhor maneira de ocupar o vosso tempo livre, é em ler ou
em orar. Poderíeis obter muita instrução nos livros que depois poderíeis usar
como uma verdadeira arma no serviço do nosso Deus e Senhor. Paulo clama: “Traz
os livros.” Unam-se a esse clamor.
A
nossa segunda observação é que o apóstolo não se envergonha de confessar que
ele na verdade lê. Está escrevendo ao seu jovem filho Timóteo. Agora, alguns
velhos pregadores não gostam de dizer algo que permita que os jovens conheçam
os seus segredos. Eles supõem que devem assumir um ar muito dignificado, e
fazer um mistério da sua pregação; mas tudo isto é alheio ao espírito da
veracidade. Paulo necessita de livros, e não se envergonha de o dizer a Timóteo
que necessita deles; e Timóteo pode ir e dizê-lo a Tíquico e a Tito se
quisesse; a Paulo não lhe importa. Paulo é aqui um retrato da diligência. Ele
encontra-se na prisão; não pode pregar: o que fará? Como não pode pregar, então
dedicar-se-á a ler. É o mesmo que lemos dos antigos pescadores e dos seus
botes. Os pescadores tinham abandonado os botes. O que estavam fazendo? Estavam
remendando as suas redes. Então, se a providência te pôs sobre um leito de
enfermo, e não podes dar a tua aula; se não poder estar trabalhando para Deus
no público, remenda as tuas redes por meio da leitura. Se uma ocupação te é
tirada, escolhe outra, e que os livros do apóstolo te dêem uma lição de
diligência. Paulo diz: “principalmente os pergaminhos.” Eu penso que os livros
eram especialmente obras latinas e gregas, mas que os pergaminhos eram
orientais; e, possivelmente, eram os pergaminhos da Santa Escritura; ou, com a
mesma probabilidade, eram os seus próprios pergaminhos, nos quais estavam
escritos os originais das suas cartas que estão na nossa Bíblia como as
Epístolas aos Efésios, aos Filipenses, aos Colossenses, et cetera[1].
Agora, devem ser “principalmente os pergaminhos” toda a nossa leitura; que seja
principalmente a Bíblia. Não dás nenhum peso a este conselho? Este conselho é
agora mais necessário na Inglaterra, que quase em qualquer outro tempo, pois o
número de pessoas que lê a Bíblia, eu creio, está-se reduzindo a cada dia. As
pessoas lêem os pontos de vista das suas denominações conforme são expressos
nas publicações periódicas; lêem os pontos de vista do seu líder conforme são
expressos nos seus sermões ou nas suas obras, mas o Livro, o velho e bom Livro,
o divino manancial de que brota toda a revelação, é muito frequentemente
abandonado. Vocês podem ir a charcos humanos, até abandonar o arroio claro como
o cristal que flui do trono de Deus. Leiam os livros, por todos os meios
possíveis, mas, principalmente, os pergaminhos. Esquadrinhem a literatura humana,
se quiserem, mas, principalmente, permaneçam firmes, guiados por esse Livro que
é infalível, a revelação de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
III.
Agora queremos ter UMA ENTREVISTA COM O APÓSTOLO PAULO MESMO, pois podemos
aprender muito com ele. Está quase muito obscuro para vê-lo. Encontrá-lo-emos
nesse terrível chiqueiro! O horrendo calabouço —a sujidade jaz sobre o piso,
até que chega a parecer um caminho, que é raramente limpo— a corrente de ar
sopra através da única fresta a que eles chamam uma janela. O pobre ancião, sem
a sua capa, envolve-se no seu puído vestido. Algumas vezes o vês ajoelhado para
orar, e logo molha a sua pluma na tinta, e escreve ao seu amado filho Timóteo.
Não tem nenhum companheiro, exceto Lucas, que entra ocasionalmente durante um
breve tempo. Agora, como encontraremos o ancião? Qual será seu estado de ânimo?
Encontramo-lo cheio de confiança na religião que lhe há custado tanto; pois, no
primeiro capítulo, no versículo doze, escutamo-lo dizer: “Pelo qual deste modo
padeço isto; mas não me envergonho, porque eu sei em quem tenho crido, e estou
seguro de que é poderoso para guardar o meu depósito para aquele dia.” Sem
dúvida, com frequência o tentador lhe dizia: “Paulo, que barbaridade, perdeste
tudo pela tua religião! Conduziu-te à mendicidade. Olha, pregaste-a, e, qual
foi a tua recompensa? Os próprios homens que converteste te abandonaram.
Renuncia a ela, renuncia a ela, não pode valer tudo isto. Vamos, nem sequer te
podem trazer uma capa para te envolver; deixam que te congeles, e, muito em
breve, a tua cabeça será cerceada do teu corpo. Retira a tua mão do estandarte
e retira-te.” “Não” - responde o apóstolo - “Eu sei a quem tenho crido.” Vamos,
escutei a professantes que dizem: “Desde que sou Cristão perdi o meu negócio,
e, portanto, vou renunciar a sê-lo.” Mas o nosso apóstolo aferra-se com um
apertão vital. E, oh, não há coração na nossa piedade se as nossas aflições nos
fazem duvidar da verdade da nossa religião, pois estas provas, visto que
produzem paciência, e a paciência experiência e a experiência esperança,
transformam-nos de tal maneira que não estamos envergonhados, mas mais
firmemente nos aferramos a Cristo. Pensai só que ouvis o apóstolo dizer: “Eu
sei a quem tenho crido.” É muito fácil para nós dizê-lo. Estamos muito cómodos,
sentados tranquilamente nas nossas bancas; regressaremos a casa e teremos uma
comida abundante; vestir-nos-emos confortavelmente; estamos rodeados de amigos
que nos sorrirão, e não é difícil dizer: “Eu sei a quem tenho crido”; mas, se
fosses vexado, por um lado, por Hermógenes e Fileto, e, por outro lado, por
Alexandre, o caldeireiro, e Demas, não te seria tão fácil dizer: “Fiel é o
Senhor.” Contemplai a este nobre paladino que é tão incomovível nos piores
momentos como foi nos melhores momentos. “Estou ensinado para estar saciado,”
disse ele uma vez, e agora pode dizer: “Estou ensinado para ter fome e padecer
necessidade.”
Mas
não só está confiante. Observarão que este grande ancião está tendo comunhão
com Jesus Cristo nos seus sofrimentos. Vão ao segundo capítulo, ao versículo
dez. Houve alguém que pronunciasse alguma vez uma linguagem mais doce que esta?
“Portanto, tudo sofro por amor dos escolhidos, para que também eles alcancem a
salvação que está em Cristo Jesus com glória eterna. Palavra fiel é esta: que,
se morrermos com Ele, também com Ele viveremos; se sofrermos, também com Ele
reinaremos; se O negarmos, também Ele nos negará; Se formos infiéis, Ele
permanece fiel; não pode negar-Se a Si mesmo.” Ah, há dois no calabouço: não somente
o homem que está sofrendo tribulação como um malfeitor, até a sofrer cadeias,
mas está sentado com ele um semelhante ao Filho do Homem, compartilhando todas
as suas tribulações, e carregando com todos os seus desalentos, e portanto
alçando a sua cabeça. Bem pode o apóstolo regozijar-se de ter comunhão com
Cristo nos seus sofrimentos, chegando a ser semelhante a Ele na sua morte.
E
isto não é tudo. Não somente está confiante pelo passado, e na doce comunhão do
presente, mas está resignado pelo futuro. Olhai no capítulo quatro, e no
versículo seis. “ Eu já estou para ser sacrificado, e o tempo da minha partida
está próximo.” É um emblema formoso tirado do bezerro do sacrifício. Ali está,
atado aos chifres do altar, e preparado para ser oferecido. Assim o apóstolo
está como um sacrifício preparado para ser devotado sobre o altar. Temo-me que
não todos podemos dizer que estamos preparados para ser oferecidos. Paulo
estava preparado para ser um holocausto; se Deus o tivesse querido, seria
consumido até às cinzas na fogueira. Ou seria uma libação, como com efeito foi,
quando uma corrente de sangue fluiu sob a afiada espada. Estava preparado para
ser um sacrifício de paz, se Deus o tivesse querido, para morrer na sua cama.
Em todo caso, ele era uma oferenda voluntária para Deus; pois ele ofereceu-se
voluntariamente, como diz: “Eu já estou para ser sacrificado, e o tempo da
minha partida está próximo.” Glorioso ancião!
Muitos Cristãos professantes têm sido vestidos de
púrpura, e hão passado cada dia sumptuosamente, e, todavia, não poderiam dizer
nunca que estavam preparados para ser oferecidos, mas que viam o tempo da sua
partida com dor e aflição. Então, ao refletir no pobre, transido (de frio) e
esfarrapado Paulo, pensai na jóia que carregava no seu peito; e, oh, filhos da
pobreza, recordai que a magnificência de uma vida, santa e a grandeza e a
nobreza de um coração consagrado, podem libertá-los por completo de qualquer
vergonha que possa aderir-se aos vossos farrapos e à vossa pobreza; pois, como
o Sol ao pôr-se, pinta as nuvens com todas as cores do céu, assim os vossos
próprios farrapos, e pobreza, e vergonha, podem converter a vossa vida em algo
muito mais ilustre, conforme o esplendor da vossa piedade vos ilumine com um
resplendor celestial. Ainda não concluímos com o apóstolo; pois encontramo-lo
não só resignado, mas triunfante. “Pelejei a boa batalha, acabei a carreira,
guardei a fé.” Vede o guerreiro grego que acaba de retornar da batalha. Tem
muitas feridas, e há uma incisão na sua testa; o seu peito sangra aqui e ali
com cortes e feridas superficiais; um braço está deslocado; coxeia, como Jacob,
com o seu músculo desconjuntado; está coberto com o fumo e o pó da batalha;
está manchado de múltiplas salpicaduras de sangue; está desfalecido, e cansado,
e a ponto de morrer, mas, o que diz? Quando alça o seu braço direito, com o seu
escudo sujeito firmemente a ele, grita: “Pelejei a boa batalha, conservei o meu
escudo.” Esse era o objecto da ambição de todo o guerreiro grego. Se conservava
o seu escudo retornava a casa coberto de glória. Agora, a fé é o escudo do Cristão.
E aqui vejo o apóstolo que, embora mostre todos os sinais do conflito, triunfa
nestes sinais do Senhor Jesus, dizendo: “Pelejei a boa batalha; as minhas
próprias cicatrizes e feridas o demonstram; guardei a fé.” Olhe essa adarga de
ouro da fé sujeita ao seu braço, e regozije-te por isso. O tirano Nero não teve
nunca um triunfo como o do apóstolo Paulo, nem tampouco todos os guerreiros de
Roma, quando as multidões escalavam pelos tetos das chaminés, e olhavam lá para
baixo, à procissão. Nenhum deles tinha recebido uma glória tão verdadeira como
este homem solitário, que pisou ele sozinho o lagar, e dentre os povos ninguém
havia com ele; ele enfrentou o leão, como um paladino solitário, sem que nenhum
olho tivesse compaixão, nem braço que o salvasse, mas mesmo assim, foi
triunfante até ao fim. Espírito valoroso! Não te preocupes com a velha capa em
Troade, enquanto que a tua fé esteja segura. Além disso, ele não só triunfa no
presente, mas também está à espera de uma coroa. Quando o lutador grego tinha
pelejado a boa batalha, era-lhe apresentada uma coroa; e assim Paulo, que
escreve sobre a velha capa, escreve também: “Por fim, está-me guardada a coroa
de justiça, a qual me dará o Senhor, juiz justo, naquele dia; e não só a mim,
mas também a todos os que amam a Sua vinda.” Quando Paulo estava descrevendo, e
falando da pobreza de muitos crentes: “Ah”, disse o pecador, “quem quereria ser
Cristão? Quem quereria sofrer tanto por Cristo? Quem quereria perder tudo como
Paulo?” As mentes mundanas aqui presentes estão pensando: “Que parvoíce é ser
arrastado por uma excitação semelhante!” Ah, mas olhai como cambiou a
perspectiva! “Por fim, está-me guardada uma coroa!” O que teria acontecido se
tivesse estado vestido de púrpura, e tivesse nadado na abundância, e tivesse
sido grande, e não houvesse uma coroa para ele no céu, nenhum gozo no porvir,
senão uma temerosa espera do juízo? Vejam-no, salta do seu calabouço para o seu
trono. Nero pode cortar-lhe a cabeça, mas essa cabeça levará uma coroa
estrelada. Ânimo, então, vocês que são pisoteados, afligidos, e que estão
desesperados, tenham bom ânimo, pois o fim compensará o caminho, e todas as
asperezas da peregrinação serão recompensadas pela glória que espera a todos
aqueles que estão confiados em Cristo Jesus.
Concluímos,
tendo terminado com esta velha capa, quando perguntamos, não é formoso ver, ao
ler esta epístola, e certamente todas as cartas do apóstolo, como tudo o que
pensava o apóstolo estava conetado com Cristo; como tinha concentrado cada
paixão, cada poder, cada pensamento, cada ato, cada palavra, e tinha colocado
tudo em Cristo. Eu creio que há muitos que amam a Cristo de uma maneira
semelhante à forma como o sol brilha hoje; mas vocês sabem que se concentrarem
os raios desse sol com um espelho de queimar, e se fixam todos esses raios
sobre qualquer objecto, então, que calor se gera, que incêndio, que chama, que
fogo! Muitíssimos homens esparzem o seu amor e admiração sobre quase toda a
criatura, e Cristo recebe muito pouco, assim como todos recebemos alguns raios
do sol; mas este é o homem, o qual, à semelhança de Paulo, orienta todos os
seus pensamentos e palavras para um foco. Então arde o seu caminho ao longo da
vida; o seu coração está ardendo; como carvões de junípero são as suas
palavras; é um homem de força e energia; talvez não tenha uma capa, mas, apesar
disso, é um grande homem, e o czar no seu manto imperial não é mais do que um
anão baboso ao lado deste gigante do exército de Deus. Oh, eu quereria que
fixássemos os nossos pensamentos em Cristo, nesta manhã. Estamos confiando
nEle, nesta manhã? É Ele toda a nossa salvação e todo o nosso desejo? Se assim
é, então vivamos para Ele. Aqueles que são inteiramente de Cristo não são
muitos. Oh, que fôssemos desposados como castas virgens por Cristo, para que
não tivéssemos outro amante, e não conhecêssemos outro objeto de deleite. Que
estes olhos fossem cegos para tudo exceto para Cristo; e que estes ouvidos fossem
surdos para toda música exceto para a voz de Cristo; e que estes pés fossem
coxos para qualquer caminho exceto para o caminho da obediência a Ele; que
estas mãos estivessem paralisadas para tudo exceto para trabalhar para Ele; e
que este coração estivesse morto para o todo gozo que não provenha de Jesus.
Assim como a palha flutua sobre o rio, e é arrastada para o oceano, assim
quisesse eu ser despojado de todo o poder e vontade para fazer algo exceto aquilo
que o meu Senhor quer que eu faça, e ser arrastado pela corrente da Sua graça diretamente
para diante, preparado para ser oferendado, ou preparado para viver, preparado
para sofrer, ou preparado para reinar tal como Ele o queira, desejando
unicamente que Ele seja servido no meu viver e no meu morrer. Pouco importa que
capa uses, ou se não tens nenhuma; bastaria unicamente que concentrasses todos
os teus poderes mentais e corporais, e as energias espirituais em Cristo Jesus,
e unicamente nEle. Que aqueles de vós que não confiaram nunca em Jesus estejam
prontos a confiar nEle agora. Ele não abandonou Paulo, nem mesmo na necessidade
dele, e não te abandonará a ti.
“Confia
nEle, nunca te enganará,
Ainda
que O tenhas em pouca estima;
Ele
não te deixará nunca, nunca,
Nem
permitirá que O deixes por completo.”
Portanto, confiem nEle agora e para sempre, por meio de
Jesus. Ámen.
[1] Et cetera (também et cætera - et
cetera plural neutro), de forma reduzida etc., é a expressão de origem latina
que significa "e os restantes" ou "e outras coisas mais". É
normalmente utilizada no fim de uma frase para representar a continuação lógica
de uma série ou enumeração.
Notas e Tradução de Carlos António da Rocha
Notas e Tradução de Carlos António da Rocha
****
Esta tradução é de
livre utilização, desde que a sua ortografia seja respeitada na íntegra porque
já está traduzida no Português do Novo Acordo Ortográfico e que não seja nunca
publicada nem utilizada para fins comerciais; seja utilizada exclusivamente
para uso e desfruto pessoal.
Sem comentários:
Enviar um comentário