… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Sermão n.º 15



C. H. Spurgeon
 Sermão n.º 15
“A Bíblia” (The Bible), pregado na manhã de domingo, 18 de março de 1855, por C. H. Spurgeon, no púlpito da capela de New Park Street em Exeter Hall, Strand, Londres.



Escrevi para eles as grandezas da minha lei; mas isso é para ele como coisa estranha.” (Os 8:12, ARC, Pt)

Esta é a queixa de Deus contra Efraim. Não é uma prova insignificante da Sua bondade, que Ele Se incline para repreender as Suas criaturas extraviadas; é uma grandiosa evidência da Sua disposição cheia de graça, que Ele incline a Sua cabeça para observar os assuntos da Terra. Se Ele quisesse, poderia envolver-Se com a noite, como se esta fosse um vestido; poderia colocar as estrelas ao redor da Sua mão, como se elas fossem uma pulseira e cingir os sóis ao redor da Sua testa, como se eles fossem um diadema; poderia morar só, longe, muito acima deste mundo, acima, no sétimo céu, e contemplar, com calma e silenciosa indiferença, todas as actividades das criaturas humanas. Poderia fazer como Júpiter que, segundo criam os pagãos, se assentava em perpétuo silêncio, fazendo cenas, às vezes, com a sua terrível cabeça, para fazer com que as Parcas fizessem segundo lhe agradasse, porém, ignorando as coisas pequenas da Terra, e considerando-as indignas de chamar a sua atenção; absorto no seu próprio ser, absorto em si mesmo, vivendo só e afastado. E eu, como uma das suas criaturas, poderia subir ao cume duma montanha e olhar para as estrelas silenciosas e dizer-lhes: “Vós sois os olhos de Deus, porém, não olhais para mim; a vossa luz é um dom da Sua omnipotência, porém, esses raios não são sorrisos de amor para mim. Deus, o poderoso Criador, esqueceu-me; sou uma gota desprezível no oceano da criação, uma folha seca no bosque dos seres viventes, um átomo na montanha da existência. Ele não me conhece, estou só, só, só.” Porém, não é assim, amados. O nosso Deus é de uma ordem diferente. Ele observa a cada um de nós. Não existe, nem mesmo um pardal ou um verme que não se encontre nos Seus decretos. Não existe uma só pessoa sobre a qual não estejam pousados os Seus olhos. Os nossos atos mais secretos são por Ele conhecidos. Qualquer coisa que façamos, que suportemos ou soframos, sempre o olho de Deus descansa sob nós e o Seu sorriso nos cobre —pois somos Seu povo; ou a Sua ira nos envolve— pois temo-nos apartado dEle.



Oh! Deus é dez mil vezes misericordioso, pois que contemplando a raça humana, não a arranca da existência, com um sorriso. Vemos pelo nosso versículo que Deus Se interessa pelo Homem, porquanto disse a Efraim: “Escrevi para eles as grandezas da minha lei; mas isso é para ele como coisa estranha.” Porém, vede, como, quando Ele observa o pecado do Homem, não o destrói ou o despreza a pontapés, nem tampouco o sacode pelo pescoço sobre o abismo do Inferno até fazer tremelicar a sua mente pelo terror, para, finalmente, o lançar nele, para sempre. Pelo contrário, Deus desce do Céu para argumentar com as Suas criaturas, discute com elas, rebaixa-Se, por assim dizer, ao mesmo nível do pecador, expõe-lhe as Suas queixas e alega-Lhe os Seus direitos. Oh! Efraim, escrevi-te as grandezas da Minha lei, porém elas foram tidas como coisa estranha. Venho esta noite, como enviado de Deus, meus amigos, para tratar convosco como embaixador de Deus, para vos acusar de pecado a muitos de vós; para vos fazer ver a vossa condição espiritual, pelo poder do Espírito; para vos convencer do pecado, da justiça e do juízo vindouro. O crime do qual vos acuso é o pecado que lemos neste versículo. Deus escreveu-vos as grandezas da Sua lei, e elas foram tidas como coisa estranha por vós. É precisamente sobre este bendito livro, a Bíblia, que pretendo falar no dia de hoje. Aqui está o meu versículo: esta é a Palavra de Deus. Aqui está o tema do meu sermão, um tema que demanda mais eloquência do que a que eu possuo; um assunto sobre o qual poderiam falar milhares de oradores ao mesmo tempo; um tema poderoso, amplo e um assunto inesgotável que, ainda que consumindo toda a eloquência que houvesse até à eternidade, não permaneceria esgotado.



Esta noite tenho três coisas para vos dizer acerca da Bíblia, e as três (coisas) se encontram no meu versículo. Primeiro, o Seu autor: “[Eu] escrevi”; segundo, os seus temas —as grandezas da Lei de Deus; e terceiro, o seu tratamento generalizado —foram tidas pela maioria dos homens como coisa estranha.



I. Primeiro, então, com relação a este livro, quem é o autor? O texto diz-nos que é Deus. “Escrevi para eles as grandezas da minha lei.” Aqui está a minha Bíblia, quem a escreveu? Abro-a e observo que se compõe de uma série de tratados. Os seus primeiros cinco livros foram escritos por um homem chamado Moisés. Passo as páginas, e vejo que há outros escritores tais como David e Salomão. Aqui leio a Miquéas, a seguir a Amós, depois a Oséas. Prossigo para diante e chego às luminosas páginas do Novo Testamento, e vejo Mateus, Marcos, Lucas e João; Paulo, Pedro, Tiago e outros; porém, quando fecho o livro, pergunto-me: quem é o seu autor? Podem estes homens, em conjunto, atribuir-se a paternidade deste livro? São eles realmente os autores deste extenso volume? Divide-se entre todos eles, essa honra? A nossa santa religião responde: Não! Este volume é a escrita do Deus vivo; cada letra foi escrita por um dedo Todo-Poderoso; cada palavra saiu dos lábios eternos, cada frase foi ditada pelo Espírito Santo. Ainda que Moisés tenha sido usado para escrever as suas histórias com a sua ardente pluma, Deus guiou essa pluma. Pode ser que David tenha tocado a sua harpa, fazendo que doces e melodiosos salmos brotassem dos seus dedos, porém Deus movia as Suas mãos sobre as cordas vivas da sua harpa de ouro. Pode ser que Salomão tenha cantado os Cânticos de Amor, ou que tenha pronunciado palavras de sabedoria consumada, porém Deus dirigiu os seus lábios, e fez eloquente o Pregador. Se sigo ao trovejador Naúm, quando os seus cavalos sulcam as águas, ou a Habacuc quando ele vê as tendas de Cusan em aflição; se leio Malaquias, quando a terra está ardendo como um forno; se passo para as plácidas páginas de João, que nos falam de Amor, ou para os severos e fogosos capítulos de Pedro, que falam do fogo que devora os inimigos de Deus, ou para Judas, que lança anátemas contra os adversários de Deus; em todas as partes vejo que é Deus quem fala. É a voz de Deus, não do homem; as palavras são as palavras de Deus, as palavras do Eterno, do Invisível, do Todo-Poderoso, do Jeová desta Terra. Esta Bíblia é a Bíblia de Deus; e quando a vejo, parece-me ouvir uma voz que surge dela, dizendo: “Sou o livro de Deus; homem, lê-me. Sou a Escritura de Deus: abre as minhas folhas, porque foram escritas por Deus; lê-as, porque Ele é o meu autor, e poderás vê-Lo visível e manifesto em todas as partes.” “[Eu] para eles as grandezas da minha lei; mas isso é para ele como coisa estranha.”



Como sabemos que Deus escreveu este livro? Não tentarei responder a esta pergunta. Poderia fazê-lo, se quisesse, porque há razões e argumentos suficientes para isso, porém eu não penso em roubar-vos o vosso tempo nesta noite, expondo esses argumentos à vossa consideração; sim, não farei isso. Se quisesse, poderia dizer-vos que a grandeza do seu estilo está acima de qualquer escrita mortal, e que todos os poetas que já existiram no mundo, com todas as suas obras juntas, não poderiam oferecer-nos uma poesia tão sublime, nem uma linguagem tão poderosa como aquela que podemos encontrar nas Escrituras. Poderia insistir de que os temas tratados na Bíblia estão muito acima do intelecto humano; de que o Homem nunca poderia ter inventado as grandes doutrinas da Trindade na Deidade; de que o Homem nunca nos poderia ter dito nada acerca da criação do Universo; nenhum ser humano teria podido ser o autor da sublime ideia da Providência; de que todas as coisas são ordenadas segundo a vontade de um grandioso Ser Supremo, e que todas elas obram juntamente para o bem. Poderia falar-vos acerca da sua honestidade, pois relata as falhas dos seus escritores; da sua unidade, pois nunca se contradiz; da sua simplicidade magistral, para que o mais simples a possa ler. E poderia mencionar centenas de coisas mais, que poderiam demonstrar, com claridade, que o livro é de Deus. Mas, não vim aqui para provar isso. Sou um ministro cristão, e vós sois cristãos, ou professais sê-lo; e nenhum ministro cristão precisa trazer à baila os argumentos dos pagãos para os rebater. É a maior insensatez do mundo. Os infiéis, pobres criaturas, não conhecem os seus próprios argumentos até que nós lhos ensinemos, e eles, juntando-os pouco a pouco, voltam a lançá-los, como lanças sem pontas, contra o escudo da verdade. É uma insensatez tirar estes tições do fogo do Inferno, ainda que estejamos bem preparados para apagá-los. Deixemos que os homens do mundo aprendam o erro por si mesmos; não sejamos propagadores das suas falsidades. É certo que há pregadores, que não contando com suficientes argumentos, os tiram de qualquer parte; porém, os homens eleitos do próprio Deus não necessitam de fazer isso; eles são ensinados por Deus, e Deus subministra-lhes os temas, as palavras e o poder. Talvez haja alguém, aqui nesta noite, que tenha vindo sem fé, um homem racionalista, um livre-pensador. Com esse homem não vou discutir. Confesso que não estou aqui para participar em controvérsias, mas para pregar o que conheço e sinto. Mas, também, eu já fui como esse homem. Houve uma hora má na minha vida, quando soltei a âncora da minha fé; cortei o cabo das minhas crenças, e, não querendo já estar por mais tempo ao abrigo das costas da revelação, deixei que o meu navio andasse à deriva, impulsionado pelo vento. Disse à razão: “Sê tu o meu capitão”; disse ao meu cérebro: “Sê tu o meu timão.” E, assim comecei a minha louca viagem. Graças a Deus que tudo isso já terminou. Porém, contar-vos-ei a minha breve história. Foi uma navegação precipitada pelo oceano tempestuoso do livre pensamento. Conforme avançava, os céus começaram a obscurecer-se; porém, para compensar essa deficiência, as águas eram brilhantes, com fulgores esplendorosos. Eu via que subiam centelhas que me agradavam, e pensei: “Se isto é o livre pensamento, é algo maravilhoso.” Os meus pensamentos pareciam gemas e eu espalhava estrelas com as minhas duas mãos; porém, imediatamente, no lugar daqueles fulgores de glória, vi amigos amargos, ferozes e terríveis, surgindo das águas, e, conforme prosseguia, eles rangiam os seus dentes fazendo gestos trocistas; aferraram-se à proa do meu navio e arrastaram-me. Enquanto eu, em parte, me sentia feliz com a velocidade a que ia, estremecia-me, contudo, pela rapidez terrificante com que deixava para trás os velhos pilares da minha fé. Conforme seguia, avançando a uma velocidade horripilante, comecei a duvidar até da minha própria existência; duvidava que o mundo existisse; duvidava que houvesse tal coisa como o meu próprio eu. Cheguei à borda dos domínios sombrios da incredulidade. Fui até ao próprio fundo do mar da infidelidade. Duvidava de tudo. Mas, aqui, Satanás enganou-se a si mesmo, porque a própria extravagância das dúvidas me demonstrou o absurdo delas. Justamente quando vi o fundo desse mar, escutei uma voz que me dizia: “E pode esta dúvida ser verdade?” Por causa deste pensamento voltei à realidade. Despertei-me desse sono de morte, que, Deus o sabe, poderia ter condenado a minha alma e destruído o meu corpo, se não me tivesse despertado. Quando me levantei, a fé tomou o timão; a partir desse momento, já não duvidei. A fé conduziu a minha barca de volta; a fé gritava: “Longe daqui, longe daqui!” Lancei a minha âncora no Calvário; alcei os meus olhos a Deus, e eis-me aqui vivo e fora do Inferno. Portanto, eu digo o que sei. Naveguei nessa viagem perigosa; regressei ao porto são e salvo. Peçam-me que seja outra vez um incrédulo! Não, já o provei. Foi doce ao princípio, mas amargo, depois. Agora, atado ao Evangelho de Deus, mais firmemente do que nunca, firme sobre uma rocha, mais dura do que o diamante, desafio os argumentos do Inferno a que me movam, “Porque eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito, até àquele dia.” (2Tm 1:12, ARC, Pt) Porém, não vou refutar, nem argumentar nesta noite. Vós professais ser homens cristãos, pois do contrário não estaríeis aqui. Ainda que a vossa profissão possa ser falsa; o que vós dizeis ser, pode ser exatamente o contrário do que realmente sois. Porém, ainda assim, eu suponho que todos vós admitis que esta é a Palavra de Deus. Vou partilhar um par de pensamentos sobre isto. “[Eu] escrevi para eles as grandezas da minha lei.”



Primeiro, meus amigos, examinai este volume e admirai a sua autoridade. Este não é um livro comum. Não contém os ditos dos sábios da Grécia, nem os discursos dos filósofos da antiguidade. Se estas palavras tivessem sido escritas pelo homem, poderíamos rejeitá-las; mas, oh! Deixai-me meditar num solene pensamento —que este livro é a letra de Deus, que estas são as Suas palavras! Deixai-me investigar a sua antiguidade: está datado das colinas do Céu. Permiti-me que olhe para as suas letras: lançam clarões de glória aos meus olhos. Deixai-me ler os seus capítulos: o seu significado é grandioso e contêm mistérios escondidos. Voltemo-nos para as profecias: estão cheias de inefáveis maravilhas. Oh, livro dos livros! E foste tu escrito pelo meu Deus? Então, prostro-me diante de ti. Tu, livro de vasta autoridade; tu és uma proclamação do Imperador do Céu. Longe esteja de mim exercitar a minha razão para contradizer-te. Razão!, a tua função é considerar e averiguar o que este volume quer dizer, e não estabelecer o que deveria dizer. Vamos, vós, a minha razão e o meu intelecto, sentai-vos e escutai, porque estas palavras são as palavras de Deus. Sinto-me incapaz de me estender neste pensamento. Oh, se vós pudésseis recordar sempre que esta Bíblia foi verdadeira e realmente escrita por Deus! Oh! Se vos fosse permitido entrar nas câmaras secretas do Céu, e tivésseis podido contemplar a Deus quando tomava a Sua pluma e escrevia estas letras, então, com certeza, as respeitaríeis. Mas, são efetivamente o manuscrito de Deus, tanto como se vós tivésseis visto Deus escrevê-las. Esta Bíblia é um livro de autoridade, é um livro autorizado, pois Deus escreveu-o. Oh, tremei, tremei, não haja ninguém que o despreze; observai a sua autoridade, porque é a Palavra de Deus.



Então, posto que Deus a escreveu, notemos a sua veracidade. Se eu a tivesse escrito, haveria vermes críticos que de imediato a atropelariam, e a cobririam com as suas larvas malvadas. Se eu a tivesse escrito, não faltariam homens que a despedaçariam imediatamente, e talvez, com muita razão. Porém, esta é a Palavra de Deus. Aproximai-vos, vós, críticos, e encontrai-lhe alguma falha; examinai-a desde o seu Génesis até ao seu Apocalipse, e encontrai-lhe um erro. Esta é uma veia de puro ouro, sem mescla de quartzo, ou de qualquer outra substância terrena. Esta é uma estrela sem mancha, um sol de perfeição, uma luz sem sombra, uma lua sem a sua palidez, uma glória sem penumbra. Oh, a Bíblia! Não se pode dizer de qualquer outro livro que seja perfeito e puro; porém, nós podemos declarar de ti que toda a sabedoria se encontra encerrada em ti, e que em ti não há nenhuma partícula de insensatez. Este é o juiz que põe fim a toda a discussão, ali, onde a inteligência e a razão fracassam. Este livro não tem mancha de erro; porém, é puro, sem mescla, a verdade perfeita. Por quê? Porque Deus o escreveu. Ah! Acusai Deus de erro, se quiserdes; dizei-Lhe que o Seu livro não é o que deveria ser. Tenho ouvido homens cheios de orgulho e de falsa modéstia, que gostariam de alterar a Bíblia, e (quase me ruborizo ao dizê-lo) tenho ouvido a alguns ministros que alteraram a Bíblia de Deus, porque tinham medo dela. Nunca ouvistes um homem dizer: “Quem crer e for batizado será salvo: mas quem não crer?” (Mc 16:16, ARC, Pt) —o que é que a Bíblia diz?— “Será condenado.” Porém, acontece que isto é algo rude, portanto eles dizem: “Será desaprovado.” Cavalheiros! Eliminai o veludo das vossas bocas, e pregai a Palavra de Deus; não necessitamos de nenhuma das vossas alterações. Tenho escutado algumas pessoas que, orando, ao invés de dizerem: “Fazer cada vez mais firme a vossa vocação e eleição” (2Pe 1:10, ARC, Pt), dizem: “Fazer cada vez mais firme a vossa vocação e salvação.”



É uma lástima que não tenhais nascido quando Deus morava nos tempos remotos, há muito, muito tempo, para que tivésseis podido ensinar a Deus como escrever. Oh! Desonestidade além de todo o limite! Oh! Orgulho desmedido! Procurar ditar ao Sábio dos sábios, de ensinar ao Omnisciente e de instruir ao Eterno! É estranho que haja homens tão vis que usem o canivete de escriba de Jeioaquim para mutilar passagens da Palavra, porque têm mau sabor. Oh, vós que sentis aversão por certas porções da Santa Escritura, tende a certeza de que o vosso gosto é corrompido e que a vontade de Deus não se sujeita à vossa pobre opinião. A tua desaprovação é precisamente a razão pela qual Deus a escreveu; porque não se deve acomodar a ti, nem tens direito a ser comprazido. Deus escreveu o que a ti não te agrada: escreveu a verdade. Oh, prostremo-nos em reverência diante dela, pois Deus a inspirou. É a verdade pura. Desta fonte manda aqua vitae —a água da vida— sem nenhuma partícula de terra; deste sol nascem raios de esplendor sem sombra alguma. Bendita Bíblia; tu és toda a verdade.



Antes de deixar este ponto, detenhamo-nos a considerar a natureza misericordiosa de Deus, em ter-nos escrito uma Bíblia. Ah! Ele poderia ter-nos deixado sem ela, que tatearíamos no nosso caminho de trevas, como os cegos apalpam buscando a parede; poderia ter-nos deixado no nosso extravio, com a estrela da razão como nosso único guia. Recordo uma história do Senhor Hume, o qual constantemente afirmava que a luz da razão é suficiente em abundância. Estando na casa de um bom ministro de Deus, numa noite, havia estado discutindo sobre este assunto, manifestando a sua firme convicção na suficiência da luz da natureza. Ao sair, o ministro ofereceu-lhe uma vela, para o iluminar, enquanto ele descia as escadas. Ele disse: “Não, a luz da natureza será suficiente; o luar me bastará.” Porém, ocorreu que uma nuvem estava ocultando a Lua, e ele caiu, escadas abaixo. “Ah!”, disse o ministro, “Apesar de tudo, teria sido melhor ter tido uma luzita daqui de cima, senhor Hume.” Então, ainda que supondo que a luz natural fosse suficiente, seria melhor que tivéssemos tido uma pequenina luz de aqui de cima, e dessa maneira estaríamos seguros de estarmos certos. É melhor ter duas luzes do que uma. A luz da criação é muito brilhante. Podemos ver a Deus nas estrelas; o Seu nome está escrito com letras de ouro no rosto da noite; podemos descobrir a Sua glória nas ondas do oceano, sim, e nas árvores do campo. Mas, é melhor ler em dois livros, do que em um. Encontrá-Lo-eis aqui mais claramente revelado, porque Ele mesmo escreveu este livro e nos deu a chave para entendê-lo, se vós tiverdes o Espírito Santo. Amados irmãos, demos graças a Deus por esta Bíblia. Amemo-la e consideremo-la mais preciosa do que o ouro mais fino.



Uma observação mais, antes de passar ao segundo ponto. Se esta é a Palavra de Deus, que será de alguns de vós que não a tendes lido durante todo o último mês? “Um mês, diz você? Eu não a li durante todo este último ano!” Ai, e muitos de vós não a haveis lido nunca. A maioria das pessoas trata a Bíblia mui cortesmente. Têm uma edição de bolso belamente encadernada, envolvem-na num pano branco, e assim a levam ao lugar do culto. Quando regressam a casa, guardam-na numa gaveta até ao próximo domingo, pela manhã. Então, lá a voltam a tirar para um passeio, e a levam à capela; tudo quanto a pobre Bíblia recebe é este passeio dominical. Esse é o vosso estilo de tratar este mensageiro celestial. Há pó suficiente sobre algumas das vossas Bíblias para escrever “condenação” com os vossos próprios dedos. Muitos de vós nem sequer a tendes folheado há muito, muito, muito tempo, e, que pensais? Digo-vos duras palavras, porém, palavras verdadeiras. Que dirá Deus, finalmente? Quando fordes à Sua presença, Ele perguntará: “Leste a minha Bíblia?” “Não.” “Escrevi-te uma carta de misericórdia, leste-a?” “Não.” “Rebelde! Enviei-te uma carta, convidando-te a vir a Mim, leste-a alguma vez?” “Senhor, nunca rompi o selo: guardo-a constantemente bem fechada.” “Maldito”, diz Deus, “Então, tu mereces o Inferno; se te enviei uma epístola de amor, e nem sequer quiseste romper o selo, que farei contigo?” Oh! Não permiti que isso vos suceda. Sede leitores da Bíblia, sede esquadrinhadores da Bíblia.



II. O nosso segundo ponto é: os temas dos quais a Bíblia trata. As palavras do versículo são estas: “[Eu] para eles as grandezas da minha lei.” A Bíblia fala de grandes coisas e somente de grandes coisas. Não há nada na Bíblia que não seja importante. Cada versículo contém um solene significado, e, se todavia não o temos encontrado, esperamos vir a encontrá-lo. Vós tendes visto múmias, cobertas com tiras de pano de linho. Bem, a Bíblia de Deus, é algo parecido; há numerosos rolos de linho branco, tecidos no tear da verdade; de maneira que tereis de continuar desatando, rolo após rolo, até encontrardes o verdadeiro significado do que está escondido; e, quando crerdes, havê-lo encontrado, ainda continuareis decifrando as palavras deste maravilhoso volume durante toda a eternidade. Não há nada na Bíblia que não seja grandioso. Permiti-me dividir, para ser mais breve. Primeiro, todas as coisas nesta Bíblia são grandiosas; segundo, algumas dessas coisas são mais grandiosas do que outras.



Todas as coisas na Bíblia são grandiosas. Algumas pessoas pensam que não importa a doutrina na qual se crê; que é algo secundário a que igreja você assiste; que todas as denominações são iguais. Há um ser, a senhora Intolerância, a qual eu detesto mais do que a ninguém no mundo, e à qual jamais fiz algum cumprimento ou elogio; mas há outra pessoa, à qual odeio igualmente; trata-se do senhor Latitudinarismo[1], —indivíduo bem conhecido que descobriu que todos somos iguais. Agora, eu creio que uma pessoa pode ser salva em qualquer igreja. Algumas têm sido salvas na igreja de Roma, uns poucos homens benditos cujos nomes poderia citar aqui. Também sei, bendito seja Deus, que grandes multidões são salvas na Igreja da Inglaterra; nela há uma hoste de sinceros e piedosos homens de oração. Creio que todos os ramos do protestantismo cristão têm um remanescente segundo a eleição da graça; e que necessitam ter, algumas delas, um pouco de sal, pois do contrário se corromperiam. Mas, quando digo isso, vós imaginais que coloco todas elas no mesmo nível? Estão todas, igualmente certas? Uma diz que o batismo de infantes é correto, outras afirmam que não é correto. Alguns dizem que ambas têm razão, mas eu não o vejo assim. Uma ensina que somos salvos pela graça soberana, outra diz que não, senão que é o nosso livre-arbítrio que nos salva; contudo, outras dizem que as duas coisas estão certas. Eu não entendo assim. Uma diz que Deus ama o Seu povo e que nunca deixará de amá-lo; outra afirma que Ele não amou o Seu povo antes que o Seu povo O amasse; que umas vezes o ama e outras vezes deixa de amá-lo, virando-lhe as costas. Ambas podem ter razão no essencial, porém, nunca quando uma diz “Sim” e outra diz “Não.” Para ver assim necessitaria de um par de lentes, que me ajudassem a olhar para trás e para a frente, ao mesmo tempo. Não pode ser, senhores, que ambas tenham razão, apesar de que há quem diga que as diferenças não são essenciais. Este texto diz: “[Eu] escrevi para eles as grandezas da minha lei.” Não há nada na Bíblia de Deus que não seja grandioso. Já alguma vez parastes para ver qual é a religião mais pura? “Oh”, dizeis, “nunca nos molestamos com isso. Nós, simplesmente, vamos aonde o nosso pai e a nossa mãe foram.” Ah! Essa é certamente uma razão muito profunda. Vós ides aonde vossos pais foram. Eu cria que vós éreis gente sensata, e nunca pensei que vos deixásseis levar pelos outros, em vez de ser pela vossa própria convicção. Eu amo os meus pais, acima de tudo o que respira, e o simples facto de que eles creram que uma coisa é verdade, ajuda-me a pensar que o é; porém, eu não os segui. Pertenço a uma denominação diferente, e dou graças a Deus por isso. Posso recebê-los como irmãos e irmãs em Cristo, mas nunca pensei que, porque eles foram uma coisa, eu tinha de ser o mesmo. Nada disso. Deus deu-me um cérebro e devo utilizá-lo; e se vós tendes algum intelecto, deveis usá-lo, também. Nunca digais que não importa. Claro que importa. Tudo quanto Deus escreveu aqui é de importância eminente; Ele jamais teria escrito uma coisa que fosse indiferente. Tudo quanto está escrito aqui tem valor; portanto, esquadrinhai todos os temas, provai tudo pela Palavra de Deus. Não tenho nenhuma objeção a que tudo o que eu pregue seja provado por este livro. Dai-me somente um auditório imparcial e nenhum favor especial, e este livro; e se digo algo contrário a ele, retratar-me-ei no domingo seguinte. Por isto me mantenho firme ou caio. Buscai e olhai, porém nunca digais: “Não importa.” Quando Deus diz algo, isso deve ser sempre importante.



Mas, ainda que todas as coisas na Palavra de Deus sejam importantes, nem tudo é igualmente importante. Há certas verdades vitais e fundamentais que devem ser cridas, ou pelo contrário, o homem não poderia ser salvo. Se quereis saber o que é que deveis crer para serdes salvos, encontrareis as grandezas da lei de Deus entre estas duas capas; todas estão contidas aqui. Como compêndio ou resumo das grandezas da lei, recordo o que um velho amigo meu disse certa vez: “Ah! Prega os três ‘erres’ e Deus abençoar-te-á sempre.” Eu perguntei: “O que são esses três ‘erres’?” E ele respondeu-me: “Ruína, Redenção e Regeneração.” Estas três coisas contêm a essência e a substância da teologia. “R” de Ruína. Todos fomos arruinados na queda, todos nos perdemos quando Adão pecou e todos estamos arruinados pelas nossas próprias transgressões; todos estamos arruinados pelos nossos corações perversos, pelos nossos maus desejos, e todos estaremos arruinados, a menos que a graça nos salve. Então, vêm o segundo “R”, de Redenção. Somos redimidos pelo sangue de Cristo, um Cordeiro sem mancha, nem contaminação: somos resgatados pelo Seu poder, somos redimidos pelos Seus méritos; e somos —resgatados pela Sua força. Continuando, temos o “R” de Regeneração. Se quisermos ser perdoados, temos também de ser regenerados, porque ninguém pode ser partipante da redenção sem ser regenerado. Podemos ser tão bons como queiramos, e servir a Deus segundo o imaginemos, segundo queiramos; porém, se não tivermos sido regenerados, se não tivermos um coração novo, se não nascermos de novo, ainda estamos no primeiro “R”, isto é, na Ruína. Este é um pequeno resumo do Evangelho, porém creio que há um outro melhor nos cinco pontos do Calvinismo; eleição segundo a presciência de Deus, a depravação natural e a pecaminosidade do homem, a redenção particular pelo sangue de Cristo, a chamada eficaz pelo poder do Espírito e a perseverança final pelo poder de Deus. Para sermos salvos, devemos crer nestes cinco pontos; porém não gostaria de escrever um credo como o de Atanásio, que começa assim: “Todo aquele que quiser ser salvo, deverá crer em primeiro lugar na fé católica, a qual é esta”; ao chegar a este ponto, teria de me deter porque não saberia como continuar. Sustento a fé católica da Bíblia, de toda a Bíblia e nada mais que a Bíblia. Não me diz respeito elaborar credos; senão que vos suplico que esquadrinheis as Escrituras, porque elas são a Palavra de Vida.



Deus diz: “[Eu] escrevi para eles as grandezas da minha lei.” Duvidais da Sua grandeza? Credes que não são dignas da vossa atenção? Pensa um momento, Homem, onde te encontras agora?



“Eis aqui, um estreito pedaço de terra,

Na metade dos mares sem limites;

Uma polegada de tempo, o espaço de um momento,

Posso alojar-me naquele lugar celestial

Ou encerrar-me no Inferno.”



Recordo-me que uma vez estava na praia, numa estreita faixa de terra, sem me preocupar que a maré pudesse subir. As ondas lavavam constantemente ambas as margens, e envolto nos meus pensamentos, permaneci ali por muito tempo. Quando quis regressar, encontrei-me ante uma dificuldade: as ondas tinham cortado o caminho. Da mesma maneira, todos nós caminhamos cada dia por uma estreita senda, e há uma onda que sobe cada vez mais; vede, como está perto dos vossos pés; e, vede! Outra se aproxima a cada tic-tac do relógio: “Os nossos corações, como surdos tambores, estão redobrando marchas fúnebres a caminho da sepultura.” Cada momento que vivemos é um avanço para a sepultura. Porém, este Livro diz-me que, se sou convertido, quando morrer, receber-me-á um céu de gozo e amor; os anjos esperar-me-ão com os seus braços abertos, e eu, levado pelas potentes asas dos querubins, ultrapassarei o relâmpago e elevar-me-ei para além das estrelas, ao trono de Deus, para morar lá, para sempre.



“Longe de um mundo de pecado e de dor,

Morarei lá, sempre, com Deus.”



Oh! Isto faz com que os meus olhos derramem lágrimas mornas, isto faz com que o meu coração se torne muito grande para o meu peito, e o meu cérebro gire só perante o pensamento de:



“Jerusalém, meu lar feliz,

Teu nome é sempre doce para mim.”



Oh! Essa doce cena além das nuvens; doces campos revestidos de verde vivo e de rios de delícia. Não são estas coisas, grandiosas? Porém, então, pobre alma não regenerada, a Bíblia diz que, se tu estás perdido, tu estás perdido para sempre; diz-te que se morreres sem Cristo, sem Deus, não há esperança para ti; que há um lugar sem nenhum raio de esperança, onde lerás com letras gravadas a fogo: “Conhecias o teu dever, mas não o cumpriste”; diz-te que serás lançado da Sua presença com um: “Apartai-vos de mim, malditos” (Mt 25:41, ARC, Pt). Acaso não é grandioso, tudo isto? Sim, senhores, assim como o Céu é desejável, assim como o Inferno é terrível, assim como o tempo é breve, assim como a eternidade é infinita, assim como a alma é preciosa, assim como a dor deve ser evitada, assim como o céu deve ser buscado; assim, também, Deus é eterno, e, como as Suas palavras são certas, estas coisas são grandiosas; são as coisas que vós deveis escutar.



III. O nosso último ponto é: o tratamento que a pobre Bíblia recebe neste mundo. A Bíblia é considerada como uma coisa estranha. O que significa a Bíblia ser considerada como uma coisa estranha? Em primeiro lugar, quer dizer que é completamente alheia a muitas pessoas, porque nunca a lêem. Recordo que, em certa ocasião, eu estava lendo a sagrada história de David e Golias, e estava presente uma pessoa, de idade avançada, que me disse: “Meu Deus! Que história interessante; em que livro está?” Também me vem à memória outra pessoa que, falando comigo, em privado, eu falei-lhe acerca da sua alma, e ela disse-me quão profundo era o seu sentimento, já que tinha enormes desejos de servir ao Senhor, porém encontrava outra lei nos seus membros. Eu abri a Bíblia em Romanos e li-lhe: “Porque não faço o bem que quero, mas, o mal que não quero, esse faço.” (Rm 7:19, ARC, Pt) “Isto está na Bíblia?”, perguntou ela, “Eu não sabia disso.” Não a culpei pela sua falta de interesse na Bíblia, até então; mas parecia-me difícil encontrar pessoas que não soubessem absolutamente nada sobre tal passagem. Ah! Vós sabeis mais acerca dos livros de contabilidade dos vossos negócios do que sobre a Bíblia; sabeis mais acerca dos diários das vossas vidas do que sobre o que Deus escreveu. Muitos de vós podeis ler um romance do princípio ao fim, e que proveito tirais disso? Um bocado de pura espuma ao haverdes terminado a sua leitura. Mas não podeis ler a Bíblia; este manjar sólido, perdurável, substancioso e que satisfaz, permanece sem ser provado, guardado no armário da negligência; enquanto que tudo quando o homem escreve, é recebido diariamente, e devorado com avidez. “[Eu] escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha.” (Oséas 8:12) Vós nunca a haveis lido. Tenho essa dura acusação contra vós. Talvez vós respondais que não deva culpar-vos por uma coisa assim. Porém, penso sempre que mais vale ter uma opinião pior de vós, do que uma demasiadamente boa. Culpo-vos disto: vós nunca haveis lido a vossa Bíblia. Alguns de vós nunca a haveis lido completamente, e o vosso coração diz-vos que o que estou dizendo é verdade. Não sois leitores da Bíblia. Afirmais que tendes uma Bíblia em vossas casas: acaso penso que sois tão pagãos que não tendes uma Bíblia em casa? Mas, quando foi a última vez que a haveis lido? Como sabeis que as lentes que haveis perdido há três anos atrás, não estão na mesma gaveta com a Bíblia? Muitos de vós não tendes lido nem uma só página desde há muito tempo, e Deus poderia dizer-vos: “[Eu] escrevi para eles as grandezas da minha lei; mas isso é para ele como coisa estranha.” (Os 8:12, ARC, Pt) Há outros que lêem a Bíblia, porém quando a lêem, dizem que é terrivelmente árida. Aquele jovem que está acolá diz que ela é um “frete”; essa é a palavra que ele usa. Ele conta-nos: “A minha mãe disse-me: quando fores para a cidade, lê um capítulo, em cada dia. E eu prometi para lhe agradar. Oxalá o não tivesse feito. Não li qualquer capítulo, nem ontem, nem antes de ontem. Estive muito ocupado. Não pode evitá-lo.” Tu não amas a Bíblia, não é verdade? “Não, não encontro nela nada de interessante.” Ah! Isso é o que eu também pensava. Mas, há pouco tempo atrás, também eu não podia ver nada nela. Sabes porquê? Porque os cegos não podem ver, podem? Porém, quando o Espírito tocou as escamas dos meus olhos, estas caíram, e quando Ele põe colírio nos olhos, então a Bíblia torna-se preciosa.



Recordo um ministro que foi um dia visitar uma senhora, já anciã, e se propôs a levar-lhe o consolo de algumas das preciosas promessas da Palavra de Deus. Buscando, encontrou na Bíblia da senhora, escrito na margem, um “P” e ele perguntou: “Que significa isto? “Isto quer dizer precioso, senhor.” Um pouco mais adiante descobriu um “P” e um “E”, escritos juntos, e voltou a perguntar o seu significado, e ela respondeu-lhe: “isto quer dizer ‘provado e experimentado’, porque eu já o provei e também já o experimentei.” Se vós já tiverdes provado e experimentado a palavra de Deus, se ela é preciosa para as vossas almas, então vós sois cristãos: porém, essas pessoas que desprezam a Bíblia, “não têm parte nem sorte neste assunto.” (At 8:21) Se ela lhes parece árida, vós estareis áridos no final, no Inferno. Se não a estimais como algo melhor do que o vosso necessário alimento diário, não há nenhuma esperança para vós, porque careceis da maior evidência do vosso Cristianismo.



Mas, ai! Ai! O pior está por vir. Há pessoas que odeiam a Bíblia, e também a desprezam. Acaso temos algumas dessas pessoas aqui? Alguns de vós tereis dito: “Vamos e ouçamos o que o tem a dizer esse jovem pregador.” Pois bem, isto é o ele tem para vos dizer: “Vede, ó desprezadores, e espantai-vos e desaparecei” (At 13:41, ARC, Pt). Isto é o Ele tem para vos dizer: “Os ímpios serão lançados no inferno, e todas as gentes que se esquecem de Deus” (Sl 9:17, ARC, Pt). E também tem de dizer-vos isto: “Sabendo primeiro isto: que nos últimos dias virão escarnecedores, andando segundo as suas próprias concupiscências” (2Pe 3:3, ARC, Pt). Porém, mais ainda, vos diz hoje que se quiserdes ser salvos, deveis encontrar a salvação aqui. Portanto, não menosprezeis a Bíblia: esquadrinhai-a, lede-a, vinde a ela. Oh zombador, certifica-te de que as tuas gargalhadas não podem alterar a verdade, nem as tuas zombarias te podem livrar da inevitável condenação. Ainda que na tua dureza fizesses um pacto com a morte e assinasses um tratado com o Inferno, ainda assim, a veloz justiça te alcançará, e a poderosa vingança te fulminará. Em vão zombas e ridicularizas, pois as verdades eternas são mais poderosas do que todos os teus sofismas: os teus engenhosos ditos não podem alterar a verdade divina de uma só palavra deste volume da Revelação. Oh! Por que contendes com o teu melhor amigo e mal tratas o teu único refúgio? Ainda há esperança para o zombador. Esperança nas veias do Salvador. Esperança na misericórdia do Pai. Esperança na obra omnipotente do Espírito Santo.



Terminarei quando tiver dito só mais uma palavra. O meu amigo, o filósofo, diz que é muito bom que eu exorte as pessoas a lerem a Bíblia: porém, ele pensa que há muitas outras ciências grandiosas, mais interessantes e úteis do que a teologia. Muito agradecido senhor, pela sua opinião. A que ciência se refere você? À ciência de dissecar escaravelhos e colecionar mariposas? “Não, certamente não é a essa.” À ciência de analisar as rochas, e de tomar mostras da terra e falar-nos dos seus diferentes extratos? “Não, tampouco a essa precisamente.” “A que ciência, então?” Ele responde-me: “Todas as ciências, em geral, são mais importantes do que a Bíblia.” Ah! Senhor, essa é sua opinião, e fala dessa maneira porque está longe de Deus. Pois a ciência de Jesus Cristo é a mais excelente das ciências. Que ninguém deixe a Bíblia porque não é um livro culto e de sabedoria. Ela é-o. Quereis saber de astronomia? Aqui está: Ela fala do Sol da Justiça e da Estrela de Belém. Quereis saber de botânica? Aqui está: Ela fala-nos de algumas plantas de renome: o Lírio dos Vales e a Rosa de Saron. Quereis saber de geologia e mineralogia? Podeis aprendê-lo na Bíblia: podeis ler acerca da Rocha dos Séculos e da Pedrinha Branca com um novo nome gravado, o qual ninguém conhece, senão aquele que o recebe. Quereis estudar história? Aqui estão os anais mais antigos do género humano. Qualquer que seja a ciência de que se trate, vinde e buscai-a neste livro. Essa ciência está aqui. Vinde e bebei desta formosa fonte de conhecimento e de sabedoria, e descobrireis que sereis feitos sábios para a salvação. Sábios e ignorantes, crianças e homens, cavalheiros de cabelos brancos, jovens e moças —a vós vos falo, vos peço e vos suplico: respeitai as vossas Bíblias e esquadrinhai-as, porque nelas nós pensamos ter a vida eterna, e são elas que dão testemunho de Cristo.



Terminei. Voltemos para casa e ponhamos em prática tudo quanto ouvimos. Conheço uma senhora que quando lhe foi perguntado sobre o que recordava do sermão do pastor, disse: “Não recordo nada do mesmo. Era sobre pesos falsos e medidas fraudulentas, e eu não me recordo de nada do que foi dito, exceto de que quando cheguei a casa, tive de queimar as minhas medidas de grão.” Assim, se vós vos recordardes, quando chegardes a vossas casas, de queimar as vossas medidas de grão; se recordares, quando chegardes a vossas casas, de lerdes a Bíblia, eu terei dito o suficiente. Queira Deus, na Sua infinita misericórdia, quando lerdes as vossas Bíblias, de pôr as vossas almas sob os raios iluminadores do Sol da Justiça, pela obra do sempre adorável Espírito; deste modo, tudo quanto tiverdes lido vos será para o vosso proveito e para a vossa salvação.



Podemos dizer da BÍBLIA:



“De Deus és o escaparate do conselho revelado!

Onde a felicidade e a aflição estão colocados de tal maneira

Que todo homem sabe o que lhe corresponderá

Se interpreta tudo correctamente.”



“És o índice da eternidade.

Não poderá deixar de receber a eterna felicidade

Quem se guie por este mapa,

Nem se pode equivocar quem fale por este livro.”



“É o livro de Deus. Quero dizer

O Deus dos livros, e peço que aquele que olhe

Irado para esta expressão, como demasiado ousada,

Reprima os seus pensamentos em silêncio, até encontrar outra igual a esta.”


[1] Liberdade de opinião, especialmente em assuntos pertencentes às crenças religiosas.

Notas e Tradução de Carlos António da Rocha

****

Esta tradução é de livre utilização, desde que a sua ortografia seja respeitada na íntegra porque já está traduzida no Português do Novo Acordo Ortográfico e que não seja nunca publicada nem utilizada para fins comerciais; seja utilizada exclusivamente para uso e desfruto pessoal.

Sem comentários: