C. H. Spurgeon
Sermão n.º 292
“Uma bênção de Ano Novo” (A
New Year’s Benediction), pregado
na manhã de domingo, 1 de janeiro de 1860, por Charles Haddon Spurgeon, no
Exeter Hall, Strand, Londres, Inglatera.
“E o Deus de
toda a graça, que em Cristo Jesus vos chamou à sua eterna glória, depois de
haverdes padecido um pouco, Ele mesmo vos aperfeiçoará, confirmará, fortificará
e fortalecerá.” (1Pe 5:10, ARC, Pt)
O Apóstolo Pedro passa da exortação à
oração. Ele sabia que a oração marca o fim da pregação no ouvinte, mas a pregação
do ministro deve ir sempre acompanhada de oração. Tendo exortado os crentes a
caminhar com firmeza, dobra o seu joelho e encomenda-os à vigilância zelosa do
Céu, implorando sobre eles uma das maiores bênçãos pelas quais o coração mais
afectuoso jamais tem suplicado.
O ministro de Cristo deve exercer dois
ofícios para com o povo a seu cargo. Deve falar-lhes por Deus, e falar com Deus
por eles. O pastor não cumpriu ainda com toda a sua sagrada comissão quando ele
lhes tem declarado todo o conselho de Deus. Só completou uma metade. A outra
parte deve-a desempenhar em segredo, quando ele carregar no seu peito, como o
sacerdote em tempos antigos o fazia, as necessidades, os pecados, as provas e
as súplicas do seu povo diante de Deus. O dever diário do pastor Cristão
consiste, por um lado, em orar pelo seu povo, e por outro lado, em exortá-lo,
instruí-lo e consolá-lo.
Há, contudo, épocas especiais quando o
ministro de Cristo se vê constrangido a pronunciar uma bênção excecional sobre
o seu povo. Quando um ano de tribulação acaba e outro ano de misericórdia
começa, nós podemos permitir-nos expressar as nossas sinceras congratulações
porque Deus nos preservou, e as nossas fervorosas súplicas para mil bênçãos
sobre as cabeças daqueles a quem Deus encomendou sob o nosso cuidado pastoral.
Esta manhã tomei este versículo como
uma bênção de Ano Novo. Sabeis que um ministro da Igreja da Inglaterra
proporciona-me sempre o moto[1] para o Novo Ano. Ele ora muito antes de selecionar o
versículo, e, eu sei que está orando esta oração por todos vós hoje. Ele
favorece-me constantemente com um moto, e eu considero sempre como meu dever
pregar sobre ele, e desejar que o meu povo o recorde durante todo o ano para
que lhe sirva de bastão de apoio no tempo da sua tribulação, como um delicioso
manjar, como um bolinho doce folhado[2] com mel, como uma parte do alimento de um anjo, que eles
possam pôr sobre a sua língua e levá-lo nas suas memórias até que finalize o
ano, para depois recomeçarem com outro gracioso versículo. Que maior bênção
poderia ter eleito o meu amigo ancião, estando ele hoje de pé no seu púlpito,
levantando mãos santas para pregar ao povo numa tranquila igreja aldeã? Que
maior bênção poderia ele implorar para os milhares de Israel, que esta bênção
que eu em seu nome pronuncio sobre vós neste dia: “E o Deus de
toda a graça, que em Cristo Jesus vos chamou à Sua eterna glória, depois de
haverdes padecido um pouco, Ele mesmo vos aperfeiçoará, confirmará, fortificará
e fortalecerá.”
Ao pregar sobre este versículo, terei
de comentar: primeiro, o que o Apóstolo pede ao Céu; e depois, em segundo
lugar, por que espera recebê-lo. A razão da sua esperança de receber o que
pede, está contida no título que utiliza para se dirigir ao Senhor seu Deus: “O
DEUS DE TODA A GRAÇA, que em Cristo Jesus vos chamou à Sua eterna glória.”
I. Então, em primeiro lugar, O QUE O
APÓSTOLO PEDE PARA TODOS AQUELES A QUEM ESCREVEU ESTA EPÍSTOLA. Ele pede para
eles quatro jóias resplandecentes colocadas sobre um negro pano de realce. As
quatro jóias são estas: Perfeição, Afirmação, Fortalecimento e Estabelecimento.
O negro pano de realce sobre o qual estão colocadas, é este: “Depois de
haverdes padecido um pouco.” As
lisonjas do mundo valem pouco, pois como observa Chesterfield: “Não custam
nada, exceto tinta e papel.” Devo confessar que creio que até esse pequeno
gasto é frequentemente desperdiçado. As lisonjas mundanas geralmente omitem
toda a ideia de aflição. “Um Feliz Natal! Um Próspero Ano Novo!” Não há nenhuma
hipótese de algo que se pareça com o padecimento. Mas, as bênçãos Cristãs
apontam para a verdade dos assuntos. Sabemos que os homens devem padecer.
Cremos que os homens nascem para ser curvados pela dor da mesma maneira como a
faísca voa para cima; e, por isso, na nossa bênção incluímos o padecimento. Não
somente isto, mas, até cremos que a nossa tristeza nos ajudará a alcançar a
bênção que invocamos sobre as nossas cabeças. Nós, no modo de falar de Pedro,
dizemos: “Depois de haverdes padecido um pouco, o Deus de toda a graça vos
aperfeiçoará, confirmará, fortificará e fortalecerá.” Entendei, então que, conforme eu mostre a cada uma destas
quatro jóias, deveis olhar para elas e considerar que são desejadas por vós,
“depois que tenhais padecido um pouco.” Não devemos descartar os sofrimentos. Devemos
tomá-los da mesma mão da qual recebemos a misericórdia; e a bênção mostra uma
data: “Depois de haverdes padecido um pouco.”
1. Agora, a primeira jóia
resplandecente neste diadema é a perfeição. O apóstolo ora para que Deus nos
aperfeiçoe. Certamente, ainda que esta seja uma oração vasta, e a jóia seja um
diamante de primeira água e de tamanho excepcional, é absolutamente necessário
que um Cristão, em última instância, chegue à perfeição. Alguma vez tivestes um
sonho nas vossas camas, quando os vossos pensamentos vagabundeiam livremente e
a boca da vossa imaginação corre sem freio, e a vossa alma abre todas as vossas
asas e flutua por todo o Infinito, agrupando coisas estranhas e maravilhosas,
de tal maneira, que o sonho se desembrulhava em algo como um esplendor
sobrenatural? Mas, subitamente, fostes despertados, e haveis lamentado durante
horas que o sonho não tivesse chegado a uma conclusão. E, o que é um Cristão,
se ele não chegar à perfeição, apenas um sonho por acabar? Um sonho majestoso
de todas as maneiras, é certo, cheio das coisas que a Terra não haveria
conhecido antes, se não fosse porque são reveladas pelo Espírito à carne e ao
sangue.
Mas suponde que a voz do pecado nos
espantasse antes de que o sonho se concluísse, e se como quando alguém acorda,
desprezássemos a imagem que começou a formar-se nas nossas mentes, o que seria
de nós então? Remorsos eternos, uma multiplicação de tortura eterna seria o
resultado de termos começado a ser Cristãos, se não alcançássemos a perfeição.
Se pudesse existir tal coisa como um homem em quem se começou a obra da
santificação, mas em quem Deus, o Espírito, cessasse de obrar; se pudesse haver
um ser tão infeliz para ser chamado pela graça, para ser abandonado antes de
ser aperfeiçoado, não haveria entre os condenados no Inferno um desventurado
mais infeliz. Não seria uma bênção que Deus começasse a abençoar se não levasse
à perfeição. Seria a maior maldição que o ódio Omnipotente mesmo poderia
pronunciar: dar a um homem a graça, mas que essa graça não o conduzisse até ao
fim, e não o pusesse com segurança no Céu.
Eu devo confessar que preferiria
suportar as torturas desse terrível arcanjo, Satanás, por toda a eternidade, do
que ter de sofrer como alguém a quem Deus uma vez amou, mas a quem depois
desprezou. Mas uma coisa dessas jamais acontecerá. A quem Ele escolheu uma vez,
Ele não o rejeitará. Sabemos que onde Ele começou a boa obra, a aperfeiçoará
até ao dia de Cristo. Grandiosa é a oração, então, em que o apóstolo pede que
sejamos aperfeiçoados. O que seria de um Cristão se ele não fosse aperfeiçoado?
Alguma vez vistes um tecido sobre o qual a mão do pintor tenha esboçado com
ousado pincel alguma maravilhosa cena de grandeza? Vede onde a viva cor foi
pintada com uma habilidade quase sobre-humana. Mas o artista caiu morto
repentinamente, e a mão que desenhou milagres de arte ficou paralisada e o
pincel caiu. Não é uma fonte de lamentos no mundo, que alguma vez se tenha
começado uma pintura que jamais pôde ser terminada alguma vez? Não vistes o
humano rosto divino cinzelado num relevo, em mármore? Vistes a deliciosa
habilidade do escultor, e se tiverdes de dizer a vós mesmos: “Isto será uma
coisa maravilhosa! Que incomparável espécime de habilidade humana!” Mas, ai!
Nunca foi completada, não se pôde terminar. E poderíeis imaginar, algum de vós,
que Deus começasse a esculpir um ser perfeito e que não o terminasse? Pensais
que a mão da sabedoria divina esboçaria o Cristão sem completar os seus
pormenores? Tomou-nos Deus da pedreira como uma pedra em bruto, e começou a
esculpir em nós, e a mostrar a Sua arte divina, a Sua maravilhosa sabedoria e
graça, para logo nos deitar fora? Deus falhará? Deixará Ele que as Suas obras
sejam imperfeitas? Leitores, assinalai se puderdes, algum mundo que Deus tenha
abandonado sem poder terminá-lo. Há algum átomo na Sua criação em que Deus
tenha começado a construir algo, mas que tenha sido incapaz de concluí-lo?
Deixou Ele a algum anjo incompleto? Há, por ventura, uma só criatura da qual
não se possa dizer: “É muito boa?”
E dir-se-á da criatura formada duas
vezes: do eleito de Deus, do comprado com o sangue, dir-se-á: “O Espírito
começou a obrar no coração deste homem, mas o homem foi mais poderoso do que o
Espírito, e o pecado venceu a graça; Deus teve de fugir e Satanás triunfou, e o
homem alguma vez foi aperfeiçoado?” Oh, meus queridos irmãos, a oração será
ouvida. Depois de haverdes padecido um pouco,
Deus vos aperfeiçoará, se Ele
começou a boa obra em vós.
Mas, amados, deve ser depois que tenhais
padecido por um pouco. Não podereis ser aperfeiçoados, exceto pelo fogo. Não há
outra forma de vos tirar a vossa escória e as vossas impurezas senão por meio
das chamas do forno da aflição. Filhos de Deus, a vossa insensatez está tão
ligada aos vossos corações, que nada, a não ser a vara pode extirpá-la. É
através dos vergões das vossas feridas que o vosso coração é melhorado. Deveis
passar pela tribulação, para que por meio do Espírito, ela possa funcionar como
fogo refinador para convosco; para que uma vez limpos, santos, acrisolados, e
lavados, compareçais diante do rosto do vosso Deus, isentos de toda a
imperfeição, e livres de toda a corrupção interna.
2. Procedamos agora à segunda jóia da
bênção: afirmação. Não é suficiente que o Cristão tenha recebido uma perfeição
proporcional, se ele não for afirmado. Tendes visto um arco no céu quando ele
se torna visível sobre a planície: as suas cores são gloriosas, e os seus
matizes são estranhos. Ainda que o tenhamos visto muitíssimas vezes, nunca
deixa de ser “algo muito belo e uma alegria para sempre.” Mas que lástima a do
arco-íris, ele não está afirmado. Desvanece-se, e ei-lo aqui, já não está. As
belas cores dão lugar às nuvens encarneiradas, e a abóbada celeste já não
brilha com as tinturas do céu. Não está afirmado. Como pode ser isso? Algo que
é feito de raios passageiros de Sol e de gotas instáveis de chuva, como poderia
permanecer? E fixem-se nisto, quanto mais bela é a visão, mais desconsolada é a
reflexão, quando essa visão se desvanece, e não fica nada a não ser escuridão.
Então, ser afirmado, é um desejo muito
necessário para o Cristão. De todas as conceções conhecidas de Deus, junto com
o Seu Filho encarnado, não duvido em pronunciar o Cristão como a mais nobre
conceção de Deus. Mas se esta conceção não for senão um arco-íris pintado na
nuvem, para se desaparecer para sempre, nada valeria o dia em que os nossos
olhos foram atraídos a ver o inexequível, com uma sublime visão que logo se vai
derreter. O Cristão não é melhor do que a flor do campo, que hoje está, e que
se seca quando se levanta o Sol com calor abrasador, a menos que Deus o afirme.
Qual é a diferença entre o herdeiro do Céu, o filho de Deus comprado com
sangue, e a erva do campo?
Oh, que Deus vos outorgue esta rica
bênção, para que não sejais como o fumo duma chaminé, que é rapidamente
dispersado pelo vento: que a vossa bondade não seja como a nuvem da manhã, nem
como o orvalho que depressa se evapora; mas que sejais afirmados, e que cada
bem que tenhais seja um bem permanente. Que o vosso caráter não seja como as letras
escritas sobre areia, mas uma inscrição na rocha. Que a vossa fé não seja como
uma “infundada contextura de uma visão,” mas esteja construída com material de
pedra que aguentará esse horrível incêndio que consumirá a madeira, o feno e a
folhagem do hipócrita. Que estejamos cimentados e arraigados em amor. Que as
vossas convicções sejam profundas. Que o vosso amor seja real. Que os vossos
desejos sejam sinceros. Que a vossa vida inteira esteja estabelecida, fixada e
afirmada, para que todas as rajadas do Inferno e todas as tormentas da Terra
sejam incapazes de vos remover.
Sabeis que temos falado de alguns
Cristãos que estão afirmados há muito tempo. Temo-me, na verdade, que há muitos
que são velhos, mas que não foram afirmados. Uma coisa é ter o cabelo branco
pelos anos, mas outra coisa muito diferente para nós é que obtenhamos
sabedoria. Há alguns que não se tornam mais sábios apesar de toda a sua
experiência. Ainda que os seus dedos estejam bem castigados pela experiência,
ainda eles não aprenderam nessa escola. Sei que há muitos velhos Cristãos que
podem dizer de si mesmos, e dizê-lo, também, com muita tristeza, que queriam
voltar a ter as suas oportunidades, para poderem aprender mais, e poderem estar
mais afirmados. Ouvimo-los cantar:
“Descubro que sou um
aprendiz ainda,
Inábil, débil, e
inclinado a errar.”
De qualquer maneira, eu oro para que a
bênção do apóstolo seja derramada em nós, independentemente de que sejamos
jovens ou velhos, porém, especialmente naqueles de vós que haveis conhecido durante
muito tempo o vosso Senhor e Salvador. Vós não deveis estar sujeitos agora a
essas dúvidas que vexam os bebés na graça. Não se deve estar sempre
ensinando-vos os primeiros rudimentos: mas deveis estar a prosseguir para algo
mais elevado. Deveis estar aproximando-vos do Céu; oh, como é que ainda não
chegastes à terra de Beulah? A essa terra que flui leite e mel? Certamente, as
vossas hesitações não combinam com os cabelos grisalhos. Dá a impressão que
foram branqueados com a luz solar do Céu. Como é possível que os vossos olhos
não cintilam algo dessa luz? Nós que somos jovens procuramos um exemplo em vós,
que sois Cristãos maduros bem afirmados; e se vos vemos duvidar, e vos ouvimos
falando com um lábio tremente, então nos abatemos em grau supremo. Oramos por
nós e por vós, para que esta bênção se cumpra em vós, para que possais ser
afirmados. Para que não vos exerciteis mais na dúvida. Para que conheçais o
vosso interesse em Cristo. Para que vos sintais seguros nEle. Para que
descansando na rocha das idades possais saber que não perecereis enquanto
estejais fixados ali. De facto, oramos por todos, independentemente da vossa
idade, para que a nossa esperança esteja fixada unicamente no sangue e na
justiça de Jesus, e que ela esteja tão firmemente arraigada, que ela jamais
seja sacudida, mas que sejamos como o Monte de Sião, que não pode ser removido,
e que permanece para sempre.
Desta maneira comentei sobre a segunda
jóia desta bênção. Mas, notai, não podemos obtê-la a não ser depois de termos
padecido um pouco. Não podemos ser afirmados exceto por meio do padecimento. É
inútil esperar que estaremos bem arraigados se os ventos de março não sopraram
sobre as nossas cabeças. Não esperemos que o jovem carvalho lance as suas
raízes tão profundamente como o carvalho velho. Esses velhos nós nas raízes,
esses estranhos entrelaçamentos dos ramos, todos falam das muitas tormentas que
açoitaram a vetusta árvore. Mas, eles são, também, indicadores das
profundidades às quais mergulharam as raízes; e estas dizem ao lenhador que ele
espere partir primeiro uma montanha do que arrancar esse carvalho pela raiz.
Devemos padecer um pouco, para pouco depois sermos afirmados.
3. Agora, vamos comentar a terceira
bênção, que é o fortalecimento. Ah, irmãos, esta é também uma bênção muito
necessária para todos os Cristãos. Há alguns caracteres que parecem estar
fixados e afirmados. Mas, ainda carecem de força e de vigor. Permitis que vos
dê um retrato de um Cristão sem forças? Ali o tendes. Ele apoiou a causa do Rei
Jesus. Pôs a sua armadura; alistou-se no exército celestial. Podeis observá-lo?
Está perfeitamente armado da cabeça aos pés, e leva consigo o escudo da fé.
Podeis ver, também, quão firmemente está ele afirmado? Ele mantém o seu lugar,
e não será removido dali. Mas, vede-o. Quando ele usa a sua espada, golpeia com
muito pouca força. O seu escudo, ainda que o sustente tão firmemente como a sua
debilidade lho permite, treme no seu punho. Ali está ele, e não se moverá,
porém, quão cambaleante é a sua posição. Os seus joelhos chocam entre si com
espanto, quando ele ouve o som e o ruído da guerra e do tumulto. Do que é que
este homem necessita? A sua vontade é correta, a sua intenção é correta, e o
seu coração está posto plenamente nas coisas boas. Do que é que ele necessita?
Pois necessita de força. O pobre homem é débil e assemelha-se a um menino. Ou
seja porque ele foi alimentado com comida que sabe mal e insubstancial, ou por
causa de algum pecado que o acossou, ele não tem a força nem a vitalidade que
deveria morar num Cristão. Mas, desde que a oração de Pedro lhe seja
respondida, quão forte o Cristão virá a ser. Em todo o mundo não há criatura
tão forte como um Cristão quando Deus está com ele.
Fala do Beemoth! Ele não é mais do que
uma pequena coisa. O seu poder é a debilidade quando o comparas com o crente.
Fala do Leviatã, que faz com que o abismo seja branco! Ele não é o chefe dos
caminhos de Deus. O verdadeiro crente é mais poderoso do que ele. Alguma vez
viste o Cristão quando Deus está com ele? Ele cheira a batalha de longe, e
clama no meio do tumulto: “Ah-ah! Logo vi! Ah-ah!” Ele ri de todas as hostes inimigas. Ou se o comparas com o
Leviatã: se ele é lançado num mar de problemas, dá chicotadas por todos lados e
faz com que o abismo se torne branco com bênçãos. As profundidades não o
submergem, nem teme as rochas; tem a proteção de Deus ao seu redor, e as águas
não o podem afogar; mais que isso, elas vêm a ser um elemento de deleite para
ele, quando, pela graça de Deus, ele se regozija no meio das altas ondas.
Se quiserdes uma prova da fortaleza de
um Cristão, só tendes que revisar a história, e podereis ver como os crentes
apagaram a violência do fogo, fecharam as bocas dos leões, agitaram os seus
punhos diante da cara horrível da morte, riram-se até ao desprezo dos tiranos,
e bateram em retirada os exércitos inimigos, por meio do poder superior da fé
em Deus. Rogo a Deus, meus irmãos, que Ele vos fortaleça este ano.
Os Cristãos desta época são seres muito
débeis. É algo muito notável que a grande maioria dos filhos nasce agora débil.
Vós pedis-me as evidências disto. Posso fornecê-las imediatamente. Sabeis que
na Liturgia da Igreja da Inglaterra se instrui e se ordena que todos os filhos
sejam imersos no baptismo, exceto quem tenha uma condição débil certificada.
Agora, seria pouco caridoso imaginar que as pessoas sejam culpados de falsidade
quando cumprem o que consideram um regulamento sagrado; e, portanto, como quase
todos os filhos são agora aspergidos e não imersos, eu suponho que todos nascem
débeis. Não vou dizer se isso explica o facto de que todos os Cristãos sejam
tão débeis, mas é muito certo que não temos muitos Cristãos gigantes nos nossos
dias. Por aqui e por acolá ouvimos de alguém a quem só lhe faz falta obrar
milagres nestes tempos modernos, e ficamos atónitos. Oh, que vós tivésseis fé
como estes homens! Não creio que haja mais piedade agora do que a que era
costume haver nos dias dos Puritanos. Creio que há muitos mais homens piedosos;
mas, enquanto a quantidade se multiplicou, temo-me de que a qualidade tenha
sido depreciada. Naqueles dias o ribeiro da graça era na verdade muito
profundo. Alguns daqueles velhos Puritanos, quando lemos sobre a sua devoção, e
sobre as horas que passaram em oração, pareciam ter tanta graça como qualquer
centena de nós. O ribeiro era muito profundo. Mas agora as margens sucumbiram,
e grandes pradarias foram alagadas pela água. Até ali vamos bem. Mas, ainda que
a superfície se expandiu, temo-me que a profundidade diminuiu espantosamente. E
esta pode ser a explicação: que devido a que a nossa piedade se tornou mais
superficial, a nossa fortaleza debilitou-se. Oh, que Deus vos fortaleça este
ano!
Mas recordai, se Ele assim o fizer,
então tereis de padecer. “Depois de haverdes padecido um pouco”, Ele vos fortalecerá. Às vezes fazem uma operação aos
cavalos que alguém consideraria cruel: cauterizam-nos para fortalecer os seus
tendões. Agora, cada Cristão antes que seja fortalecido deve ser cauterizado.
Os seus nervos e os seus tendões devem ser fortificados com o ferro candente da
aflição. Ele nunca será forte em graça, a menos que primeiro padeça um pouco.
4. E agora referir-me-ei à última das
quatro bênçãos: “Estabelecimento.” Eu não direi que esta última bênção é maior
do que as outras três, mas é um degrau para cada uma delas; e, é estranho
dizê-lo, é frequentemente o resultado da obtenção gradual das três precedentes.
“Estabelece-te!” Oh, quantos andam por aí que jamais se estabeleceram. A árvore
que é transplantada em cada semana logo morrerá. Mais ainda, se fosse mudada,
não importa quão habilmente, uma vez em cada ano, nenhum jardineiro esperaria
fruto dela. Quantos Cristãos haverá que estão sendo transplantados
constantemente, até quanto aos seus sentimentos doutrinais. Há alguns que crêem
segundo o último pregador; e há outros que não sabem no que crêem, mas crêem em
quase tudo o que se lhes diz.
O espírito da caridade Cristã, tão
cultivado nestes dias, e que todos amamos tanto, ajudou, temo-me, a trazer para
o mundo uma espécie de latitudinarismo[3]; ou, noutras palavras, os homens chegaram a crer que não
importa no que eles devem crer; que, ainda que, um ministro diga que é assim, e
o outro diga que não é assim, ainda os dois estamos certos; que, embora nos
contradigamos absolutamente um ao outro, apesar disso, ambos temos a razão. Eu
não sei onde os homens fabricaram os seus julgamentos, mas à minha mente,
parece sempre impossível crer numa contradição. Não posso entender nunca como
sentimentos tão contrários possam ser conformados à Palavra de Deus, que é a
norma da verdade. Mas há alguns que são como um cata-vento, sobre o campanário
de uma igreja, pois giram para onde sopra o vento. Como disse o bom senhor
Whitefield: “Seria mais fácil medir a Lua para a vestir, do que identificar os
sentimentos doutrinais deles,” pois sempre estão variando e sempre estão
mudando.
Agora, eu rogo para que sejais livrados
disto cada um de vós, se for essa a vossa debilidade, e que vós possais ser
estabelecidos. Que a intolerância seja lançada para longe de nós. Contudo, eu
quereria que o Cristão soubesse o que é que ele considera o que é a verdade e
então que ele a sustente. Tomai o vosso tempo avaliando dos prós e contras da
controvérsia, mas uma vez que tenhais decidido, que não sejais convencidos com
facilidade. Seja Deus veraz, contudo todo o homem seja mentiroso; e sustentai
que o que esteja de acordo com a Palavra de Deus num dia, não pode ser
contrário a ela noutro dia; que o que era certo na época de Lutero e na época
de Calvino deve ser certo agora; que as falsidades podem variar, pois têm uma
forma proteica; mas, a verdade é uma, e indivisível, e sempre a mesma. Que
outros pensem o que queiram. Permiti a maior latitude a outros, mas a vós
mesmos não vos permitais nenhuma. Permanecei firmes e constantes segundo vos
temos vindo ensinando, e procurai sempre o espírito do apóstolo Paulo, “Se alguém vos anunciar outro Evangelho além do que já recebestes, seja
anátema.” Contudo, como quero que estejais
firmes nas vossas doutrinas, a minha oração é que estejais, especialmente,
estabelecidos na vossa fé. Vós credes em Jesus Cristo, o Filho de Deus, e
descansais nEle. Mas, algumas vezes a vossa fé vacila, e, então perdeis a vossa
alegria e o vosso conforto. Eu rogo para que a vossa fé esteja tão
estabelecida, para que nunca duvideis quanto a vós se Cristo é vosso ou não,
mas que digais confidencialmente: “Eu sei em Quem
tenho crido, e estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito até
àquele dia.” Oro para que estejais estabelecidos
nas vossas metas e propósitos.
Há muitas pessoas Cristãs que têm uma
ideia muito boa nas suas cabeças, mas nunca a implementam, porque elas
perguntam a algum amigo qual é opinião dele. “Não é grande coisa,” responde
ele. É obvio que não é. Quem é que tem levado em grande consideração as ideias
dos outros? E imediatamente, a pessoa que a concebeu renúncia a ela, e a obra
nunca se completa. Quantos homens nos seus ministérios têm começado a pregar o
Evangelho, e têm permitido que algum membro da igreja, possivelmente algum
diácono, o puxe pela orelha, levando-o um pouco por essa direção. Mais tarde,
algum outro irmão considerou conveniente guiá-lo em direção contrária. O homem
perdeu o seu brio. Nunca ele se estabeleceu quanto ao que deve fazer; e agora
ele torna-se num simples lacaio, esperando a opinião de cada um, desejoso de
adotar o que outros concebam o que é o correto.
Agora, rogo-vos que estejais
estabelecidos nas vossas metas. Vede qual é o nicho que Deus quer que ocupeis.
Ficai aí, e daí não saiais apesar de todas as brincadeiras que venham sobre
vós. Se credes que Deus vos chamou para uma obra, fazei-a. Se os homens vos
ajudarem nela, agradecei-lhes. Se não vos ajudarem, dizei-lhes que se separem
do vosso caminho ou serão atropelados. Que nada vos intimide. Quem quer servir
ao seu Deus deve estar preparado algumas vezes para servi-Lo sozinho. Nem
sempre lutaremos no meio das fileiras. Há momentos nos quais o David do Senhor
deve lutar com Golias sem auxílio, e deve tomar consigo três pedras do riacho
no meio do riso dos seus irmãos, e, contudo, com as suas armas ele está
confiante na vitória pela fé em Deus. Não permiti que vos tirem da obra em que
Deus vos pôs. Não vos canseis de obrar o bem, pois no seu devido tempo,
colhereis se não desmaiardes. Estai estabelecidos. Oh, que Deus derrame esta
rica bênção sobre vós.
Mas vós não estareis estabelecidos a
menos que padeçais. Ficareis estabelecidos na vossa fé e estabelecidos nas
vossas metas pelo sofrimento. Os homens são flexíveis animais invertebrados
nestes dias. Não contamos com os homens firmes que sabem que têm a razão e a
sustentam. Mesmo quando um homem está errado, admiramos a sua retidão de caráter
quando ele se levanta crendo que está certo e se atreve a enfrentar as ameaças
do mundo. Mas, quando um homem tem a razão, o pior que lhe pode acontecer é que
seja inconstante, que vacile, que tenha medo dos homens. Arremessa isso para
longe de ti, oh cavaleiro da santa cruz, e sê firme se queres sair vitorioso. O
coração desfalecente não tomou ainda por assalto nenhuma cidade, e tu nunca
vencerás nem serás coroado de honra, se o teu coração não se endurecer em cada
assalto e se não estás estabelecido na tua intenção de honrar o teu Senhor e de
ganhar a coroa.
Desta maneira comentei a bênção.
II. Agora, peço-vos a vossa atenção por
uns momentos mais, para observardes AS RAZÕES PELAS QUAIS O APÓSTOLO PEDRO
ESPERAVA QUE ESTA ORAÇÃO FOSSE ESCUTADA. Ele pedia que fosseis aperfeiçoados,
afirmados, fortalecidos e estabelecidos. Não sussurrou a Incredulidade a Pedro
ao ouvido: “Pedro, pedes muito. Sempre foste teimoso. Tu disseste: ‘Manda-me ir ter
Contigo por cima das águas.’ Certamente,
este é outro exemplo da tua presunção. Se tu houvesses dito: ‘Senhor,
santifica-me,’ não teria sido uma oração suficiente? Não pediste muito?” “Não,”
diz Pedro; e ele responde à Incredulidade: “Estou seguro de que receberei o que
pedi; pois, em primeiro lugar estou-o pedindo ao Deus de toda a graça — o Deus de toda a graça.” Não somente o Deus das pequenas
graças que temos recebido, porém o Deus da grandiosa graça ilimitada que está
armazenada para nós na promessa, mas que ainda não a recebemos na nossa
experiência. “O Deus de toda a graça” da graça vivificante, da graça
convincente, da graça indulgente, da graça crente, o Deus da graça que consola,
apoia e sustenta. Certamente, quando nós nos aproximamos dEle, não podemos vir
pedir demasiado. Se Ele é o Deus, não de uma graça, nem de duas graças, mas de
todas as graças; se nEle está armazenado um fornecimento infinito, ilimitado,
inacabável, como poderíamos pedir demasiado, ainda que peçamos para que
cheguemos a ser perfeitos?
Crente, quando estiveres de joelhos,
recorda que vais estar com um Rei. Que as tuas petições sejam grandes. Imita o
exemplo de um cortesão de Alexandre, que quando ele lhe disse que podia receber
o que pedisse como recompensa pelo seu valor, pediu uma soma de dinheiro tão
grande que o tesoureiro de Alexandre recusou entregar-lha sem falar primeiro
com o monarca. Quando ele viu o soberano, este sorriu e disse-lhe: “Na verdade
é muito o que pedes, mas não é muito para que Alexandre to conceda. Admiro-te
pela tua fé em mim; entrega-lhe tudo o que ele pede.” Atrever-me-ei a pedir que
eu seja melhorado, que o meu temperamento irado me seja tirado, que a minha
teimosia me seja extirpada, e que as minhas imperfeições me sejam cobertas?
Posso pedir ser semelhante a Adão no Jardim, não, não somente isto mas até tão
puro e perfeito como o próprio Deus? Posso pedir que um dia caminhe pelas ruas
de ouro, e “cingido com as vestimentas do meu Salvador, santo como o santo,”
estar no pleno brilho da glória de Deus, e clamar: “Quem intentará acusação
contra os escolhidos de Deus?” Sim, posso pedi-lo, e tê-lo-ei, pois Ele é o
Deus de toda a graça.
Olhai de novo o versículo, e vede outra
razão pela qual Pedro sabia que a sua oração seria escutada: “Mas o Deus de
toda graça, que nos chamou.” A Incredulidade poderia ter dito a Pedro: “Ah,
Pedro, é verdade que Deus é o Deus de toda a graça, mas Ele é uma fonte
fechada, como águas seladas.” “Ah,” diz Pedro, “Vai-te, Satanás; não saboreias
as coisas de Deus. Não é uma fonte selada de toda a graça, pois ela começou a
fluir” — “O Deus de toda a
graça chamou-nos.” A chamada é a primeira gota de misericórdia que tem caído
nos lábios sedentos do moribundo. A chamada é o primeiro elo de ouro da cadeia
sem fim das eternas misericórdias. Não a primeira na ordem do tempo com Deus,
mas a primeira na ordem do tempo connosco. A primeira coisa que conhecemos de
Cristo na Sua misericórdia, é que Ele clama: “Vinde a mim, todos os que estais cansados
e oprimidos,” e que por meio do Seu querido
Espírito Ele Se dirige a nós, de tal forma que nós obedecemos à chamada e vamos
a Ele.
Agora, observai, se Deus me chamou a
mim, eu posso pedir-Lhe que me afirme e me guarde; posso pedir-Lhe que conforme
transcorram os anos, a minha piedade não se extinga; posso pedir que a sarça
arda, mas que não se consuma, que a farinha na barrica não escasseie e o azeite
na vasilha não diminua. Atrever-me-ei a pedir que até à última hora de vida eu
possa ser fiel a Deus, porque Deus é fiel para comigo? Sim, posso pedi-lo, e
também o obterei: porque o Deus que chama, dará o descanso. “E aos que
predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou;
e aos que justificou a estes também glorificou.” Pensa na tua chamada, Cristão,
e tem ânimo: “Porque
os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento.” Se Ele te chamou, nunca Ele se arrependerá do que tem
feito, nem cessará de abençoar nem cessará de salvar.
Porém, eu creio que há ainda uma razão
mais poderosa: “O Deus de toda a graça, que vos chamou à Sua glória eterna.”
Querido leitor, Deus chamou-te? Sabes para que te chamou? Primeiro chamou-te à
casa da convicção, onde te fez sentir o teu pecado. Outra vez chamou-te ao topo
do Calvário, onde realmente viste o teu pecado expiado e o teu perdão selado
com o sangue precioso. E agora Ele chama-te. E, para onde te chama? Ouço uma
voz hoje: a Incredulidade diz-me que há uma voz que me está chamando para as
ondas do Jordão. Oh, Incredulidade! É verdade que a minha alma tem de vadear
através das ondas tormentosas desse mar. Mas a voz não provém das profundidades
da sepultura, provém da glória eterna. Ali onde o SENHOR Se senta
resplandecente no Seu trono, rodeado de querubins e de serafins, desde esse
esplendor que os anjos não se atrevem a olhar, escuto uma voz: “Vem a Mim, tu
pecador lavado com o sangue, vem para minha glória eterna.” Oh, céus! — Não é
esta uma maravilhosa chamada? — Ser chamado para a glória, chamado para as ruas
brilhantes e as portas de pérola, ser chamado para ouvir as harpas e os hinos
de felicidade eterna, e melhor ainda, ser chamado para o peito de Jesus,
chamado para ver o rosto de Seu Pai, chamado, não para glória eterna, mas para
a SUA glória eterna, chamado para essa mesma glória e honra com as quais Deus
Se rodeia para sempre.
E agora, amados, é muito grande qualquer
oração depois disto? Deus chamou-me para o Céu, e há algo na Terra que Ele me
negue? Se Ele me chamou para morar no Céu, não é necessária a perfeição para
mim? Pelo mesmo, não posso pedi-la? Se Ele me chamou para glória, não é
necessário que eu seja fortalecido para combater no meu caminho para lá? Não
posso pedir para ser fortalecido? Mais ainda, se houver na Terra uma
misericórdia muito grande para que eu pense nela, muito grande para que a
conceba, muito pesada para que a minha língua a leve diante do trono em oração,
Ele fará por mim muitíssimo mais abundantemente do que o que eu possa pedir, ou
que eu jamais possa imaginar. Sei que Ele o fará, pois Ele chamou-me à Sua glória
eterna.
A última razão pela qual o apóstolo
esperava que a sua bênção fosse derramada, é esta: “Que em Cristo
Jesus vos chamou à sua eterna glória.”
É um facto singular que nenhuma promessa é tão querida para o crente como
aquela em que o nome de Cristo é mencionado. Se eu tenho de pregar um sermão de
consolo para Cristãos deprimidos, eu nunca escolheria um versículo que não me
permitisse guiar a pessoa deprimida para a cruz. Não vos parece muito, irmãos e
irmãs, esta manhã, que o Deus de toda a graça seja o vosso Deus? Não sobrepuja
a vossa fé, que Ele efetivamente vos tenha chamado a vós? Não vos interrogais,
às vezes, se na verdade fostes chamados? E quando pensais na glória eterna,
surge a pergunta: “Gozá-la-ei alguma vez? Alguma vez verei o rosto de Deus com
aceitação?” Oh, amados, quando ouvis acerca de Cristo, quando sabeis que a Sua
graça vem por meio de Cristo, e a chamada vem através de Cristo, e a glória vem
por meio de Cristo, então vós dizeis: “Senhor, eu posso crer nisso agora, se é
por meio de Cristo.” Não é difícil crer que o sangue de Cristo é suficiente
para comprar toda a bênção para mim. Se eu vou ao tesouro de Deus sem Cristo,
temo pedir algo, mas quando Cristo está comigo, então posso pedir tudo. Com
certeza eu creio que Ele o merece, ainda que eu não o mereça. Se eu posso
exigir os Seus méritos, então não tenho temor de suplicar. É a perfeição uma
bênção muito grande para que Deus a dê a Cristo? Oh, não. Guardar a
estabilidade e a preservação dos comprados com o sangue é uma recompensa muito
grande para as terríveis agonias e os sofrimentos do Salvador? Penso que não.
Então podemos suplicar com confiança, porque tudo nos vem por meio de Cristo.
Para concluir, queria fazer este
comentário. Desejo, irmãos e minhas irmãs, que durante este ano possais viver
mais perto de Cristo do que alguma vez o tenhais feito antes. Estai convencidos disto: quando
pensamos muito em Cristo é quando pensamos menos em nós mesmos, nas nossas
aflições, e nas dúvidas e temores que nos cercam. Começai a fazê-lo neste dia,
e que Deus vos ajude. Não permiti que passe nenhum dia sobre as vossas cabeças,
sem uma visita ao Jardim do Getesêmane e à cruz do Calvário.
E quanto a alguns de vós que não sois
salvos, e não conheceis o Redentor, queira Deus que neste mesmo dia venhais a
Cristo. Atrevo-me a dizer que vós credes que vir a Cristo é algo terrível: que
precisais de estar preparados antes de que possais vir; que Ele será duro e
rigoroso convosco. Quando os homens têm de ir a um advogado, podem tremer;
quando têm de consultar o médico, podem sentir temor; ainda que estes dois
tipos de profissionais não sejam bem-vindos, frequentemente são necessários.
Mas, quando vierdes a Cristo, podeis vir com ousadia. Não tendes de pagar
honorários; não é necessária preparação. Podeis vir tal como sois. Martinho
Lutero fez um comentário cheio de valor quando disse: “Eu correria para os
braços de Cristo, ainda que Ele tivesse uma espada desembainhada na Sua mão.”
Agora, Ele não tem uma espada desembainhada, mas tem as Suas feridas nas mãos.
Corre para os Seus braços, pobre pecador. “Oh,” perguntas tu: “posso vir?” Como
podes fazer essa pergunta? É-te ordenado que venhas. O grande mandamento do
Evangelho é: “Crê no Senhor Jesus Cristo.” Os que desobedecem a este
mandamento, desobedecem a Deus. É tanto um mandamento de Deus que o homem creia
em Cristo, como o é que nós devemos amar o nosso próximo. Agora, como é um
mandamento, eu tenho certamente o direito de lhe obedecer. Podeis ver que não
há nenhuma dúvida; um pecador tem a liberdade de crer em Cristo porque lhe é
dito que o faça. Deus não te haveria dito que fizesses algo que não devas
fazer. É-te permitido que creias. “Oh,” dirá alguém, “isso é tudo o que preciso
saber. Eu creio que Cristo pode salvar perpetuamente. Posso descansar a minha
alma nEle, e dizer, quer me afunde ou nade: muitíssimo bem-aventurado Jesus, Tu
és meu Senhor?” Diz: posso fazê-lo? Homem, é-te ordenado que o faças! Oh, que
possas fazê-lo. Recorda, nisto não estás arriscando nada. O risco está em não o
fazeres. Lança-te em direção a Cristo, pecador. Despreza qualquer outra
dependência e descansa unicamente nEle. “Não,” dirá alguém, “Eu não estou
preparado.” Preparado, amigo? Então tu não me entendeste. Não é necessária
nenhuma preparação; trata-se de vir simplesmente como és. “Oh, não sinto a
minha necessidade suficientemente.” Eu sei que não. Mas, o que é que tem que
ver com isto? É-te ordenado que te lances em direção a Cristo. Não importa quão
sujo ou quão mau sejas, confia nEle. Aquele que crê em Cristo será salvo, ainda
que os seus pecados sejam muitos; aquele que não crê será condenado, ainda que
os seus pecados não sejam tantos. O grande mandamento do Evangelho é: “Crê.”
“Oh,” mas dirá alguém, “devo dizer que Cristo morreu por mim?” Ah, eu não disse
isso, tu saberás disso já a seguir. Essa pergunta não tem nada que ver contigo
agora, o teu assunto é crer em Cristo e confiar nEle; atira-te nos Seus braços.
E que Deus, o Espírito, te force brandamente agora para que o faças.
Agora, pecador, aparta as tuas mãos da
tua justiça própria. Abandona toda a ideia de te tornares melhor por meio da
tua própria fortaleza. Atira-te completamente sobre a promessa. Diz —
“Tal como sou, sem nenhum argumento,
Exceto o Teu sangue que foi derramado
por mim,
E que Tu me ordenas a vir a Ti;
Oh, Cordeiro de Deus! Eu venho, eu
venho.”
Não podes confiar em Cristo para
descobrires depois que Ele te enganou.
Agora,
expressei-me com claridade? Se houver aqui um grupo de pessoas endividadas, e
se eu dissesse: “Se vós me confiardes as vossas dívidas, elas serão pagas, e
nenhum credor jamais vos incomodará,” entender-me-eis claramente. Como é que
não podeis entender que confiar em Cristo eliminará todas as vossas dívidas,
tirará todos os vossos pecados, e sereis salvos eternamente. Oh, Espírito do
Deus vivo, abre o entendimento para O receber, e o coração para Lhe obedecer, e
que muitas almas se lancem sobre Cristo. Sobre todos nós, assim como sobre
todos os crentes, eu pronuncio a bênção, com a qual vos despedirei: “E o Deus de toda a graça, que em Cristo
Jesus vos chamou à sua eterna glória, depois de haverdes padecido um pouco, Ele
mesmo vos aperfeiçoará, confirmará, fortificará e fortalecerá!”
[1] motto
(lit.) n. moto, divisa, lema; legenda;
máxima adoptada como linha de conduta; mote, ideia ou pensamento a
glosar em verso; citação anteposta a livro ou capítulo de livro.
[2] wafer
(lit.) n. espécie de filhó ou bolinho doce folhado; biscoito fino; (eccl.)
hóstia; anglicismo wafer
[3] Liberdade de opinião,
especialmente em assuntos pertencentes às crenças religiosas.
Notas e Tradução de Carlos
António da Rocha
****
Esta tradução é de
livre utilização, desde que a sua ortografia seja respeitada na íntegra porque
já está traduzida no Português do Novo Acordo Ortográfico e que não seja nunca
publicada nem utilizada para fins comerciais; seja utilizada exclusivamente
para uso e desfruto pessoal.
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