… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Sermão n.º 292



C. H. Spurgeon
Sermão n.º 292

“Uma bênção de Ano Novo” (A New Year’s Benediction), pregado na manhã de domingo, 1 de janeiro de 1860, por Charles Haddon Spurgeon, no Exeter Hall, Strand, Londres, Inglatera.

“E o Deus de toda a graça, que em Cristo Jesus vos chamou à sua eterna glória, depois de haverdes padecido um pouco, Ele mesmo vos aperfeiçoará, confirmará, fortificará e fortalecerá.” (1Pe 5:10, ARC, Pt)

O Apóstolo Pedro passa da exortação à oração. Ele sabia que a oração marca o fim da pregação no ouvinte, mas a pregação do ministro deve ir sempre acompanhada de oração. Tendo exortado os crentes a caminhar com firmeza, dobra o seu joelho e encomenda-os à vigilância zelosa do Céu, implorando sobre eles uma das maiores bênçãos pelas quais o coração mais afectuoso jamais tem suplicado.

O ministro de Cristo deve exercer dois ofícios para com o povo a seu cargo. Deve falar-lhes por Deus, e falar com Deus por eles. O pastor não cumpriu ainda com toda a sua sagrada comissão quando ele lhes tem declarado todo o conselho de Deus. Só completou uma metade. A outra parte deve-a desempenhar em segredo, quando ele carregar no seu peito, como o sacerdote em tempos antigos o fazia, as necessidades, os pecados, as provas e as súplicas do seu povo diante de Deus. O dever diário do pastor Cristão consiste, por um lado, em orar pelo seu povo, e por outro lado, em exortá-lo, instruí-lo e consolá-lo.

Há, contudo, épocas especiais quando o ministro de Cristo se vê constrangido a pronunciar uma bênção excecional sobre o seu povo. Quando um ano de tribulação acaba e outro ano de misericórdia começa, nós podemos permitir-nos expressar as nossas sinceras congratulações porque Deus nos preservou, e as nossas fervorosas súplicas para mil bênçãos sobre as cabeças daqueles a quem Deus encomendou sob o nosso cuidado pastoral.

Esta manhã tomei este versículo como uma bênção de Ano Novo. Sabeis que um ministro da Igreja da Inglaterra proporciona-me sempre o moto[1] para o Novo Ano. Ele ora muito antes de selecionar o versículo, e, eu sei que está orando esta oração por todos vós hoje. Ele favorece-me constantemente com um moto, e eu considero sempre como meu dever pregar sobre ele, e desejar que o meu povo o recorde durante todo o ano para que lhe sirva de bastão de apoio no tempo da sua tribulação, como um delicioso manjar, como um bolinho doce folhado[2] com mel, como uma parte do alimento de um anjo, que eles possam pôr sobre a sua língua e levá-lo nas suas memórias até que finalize o ano, para depois recomeçarem com outro gracioso versículo. Que maior bênção poderia ter eleito o meu amigo ancião, estando ele hoje de pé no seu púlpito, levantando mãos santas para pregar ao povo numa tranquila igreja aldeã? Que maior bênção poderia ele implorar para os milhares de Israel, que esta bênção que eu em seu nome pronuncio sobre vós neste dia: “E o Deus de toda a graça, que em Cristo Jesus vos chamou à Sua eterna glória, depois de haverdes padecido um pouco, Ele mesmo vos aperfeiçoará, confirmará, fortificará e fortalecerá.”

Ao pregar sobre este versículo, terei de comentar: primeiro, o que o Apóstolo pede ao Céu; e depois, em segundo lugar, por que espera recebê-lo. A razão da sua esperança de receber o que pede, está contida no título que utiliza para se dirigir ao Senhor seu Deus: “O DEUS DE TODA A GRAÇA, que em Cristo Jesus vos chamou à Sua eterna glória.”

I. Então, em primeiro lugar, O QUE O APÓSTOLO PEDE PARA TODOS AQUELES A QUEM ESCREVEU ESTA EPÍSTOLA. Ele pede para eles quatro jóias resplandecentes colocadas sobre um negro pano de realce. As quatro jóias são estas: Perfeição, Afirmação, Fortalecimento e Estabelecimento. O negro pano de realce sobre o qual estão colocadas, é este: “Depois de haverdes padecido um pouco.” As lisonjas do mundo valem pouco, pois como observa Chesterfield: “Não custam nada, exceto tinta e papel.” Devo confessar que creio que até esse pequeno gasto é frequentemente desperdiçado. As lisonjas mundanas geralmente omitem toda a ideia de aflição. “Um Feliz Natal! Um Próspero Ano Novo!” Não há nenhuma hipótese de algo que se pareça com o padecimento. Mas, as bênçãos Cristãs apontam para a verdade dos assuntos. Sabemos que os homens devem padecer. Cremos que os homens nascem para ser curvados pela dor da mesma maneira como a faísca voa para cima; e, por isso, na nossa bênção incluímos o padecimento. Não somente isto, mas, até cremos que a nossa tristeza nos ajudará a alcançar a bênção que invocamos sobre as nossas cabeças. Nós, no modo de falar de Pedro, dizemos: “Depois de haverdes padecido um pouco, o Deus de toda a graça vos aperfeiçoará, confirmará, fortificará e fortalecerá.” Entendei, então que, conforme eu mostre a cada uma destas quatro jóias, deveis olhar para elas e considerar que são desejadas por vós, “depois que tenhais padecido um pouco.” Não devemos descartar os sofrimentos. Devemos tomá-los da mesma mão da qual recebemos a misericórdia; e a bênção mostra uma data: “Depois de haverdes padecido um pouco.”

1. Agora, a primeira jóia resplandecente neste diadema é a perfeição. O apóstolo ora para que Deus nos aperfeiçoe. Certamente, ainda que esta seja uma oração vasta, e a jóia seja um diamante de primeira água e de tamanho excepcional, é absolutamente necessário que um Cristão, em última instância, chegue à perfeição. Alguma vez tivestes um sonho nas vossas camas, quando os vossos pensamentos vagabundeiam livremente e a boca da vossa imaginação corre sem freio, e a vossa alma abre todas as vossas asas e flutua por todo o Infinito, agrupando coisas estranhas e maravilhosas, de tal maneira, que o sonho se desembrulhava em algo como um esplendor sobrenatural? Mas, subitamente, fostes despertados, e haveis lamentado durante horas que o sonho não tivesse chegado a uma conclusão. E, o que é um Cristão, se ele não chegar à perfeição, apenas um sonho por acabar? Um sonho majestoso de todas as maneiras, é certo, cheio das coisas que a Terra não haveria conhecido antes, se não fosse porque são reveladas pelo Espírito à carne e ao sangue.

Mas suponde que a voz do pecado nos espantasse antes de que o sonho se concluísse, e se como quando alguém acorda, desprezássemos a imagem que começou a formar-se nas nossas mentes, o que seria de nós então? Remorsos eternos, uma multiplicação de tortura eterna seria o resultado de termos começado a ser Cristãos, se não alcançássemos a perfeição. Se pudesse existir tal coisa como um homem em quem se começou a obra da santificação, mas em quem Deus, o Espírito, cessasse de obrar; se pudesse haver um ser tão infeliz para ser chamado pela graça, para ser abandonado antes de ser aperfeiçoado, não haveria entre os condenados no Inferno um desventurado mais infeliz. Não seria uma bênção que Deus começasse a abençoar se não levasse à perfeição. Seria a maior maldição que o ódio Omnipotente mesmo poderia pronunciar: dar a um homem a graça, mas que essa graça não o conduzisse até ao fim, e não o pusesse com segurança no Céu.

Eu devo confessar que preferiria suportar as torturas desse terrível arcanjo, Satanás, por toda a eternidade, do que ter de sofrer como alguém a quem Deus uma vez amou, mas a quem depois desprezou. Mas uma coisa dessas jamais acontecerá. A quem Ele escolheu uma vez, Ele não o rejeitará. Sabemos que onde Ele começou a boa obra, a aperfeiçoará até ao dia de Cristo. Grandiosa é a oração, então, em que o apóstolo pede que sejamos aperfeiçoados. O que seria de um Cristão se ele não fosse aperfeiçoado? Alguma vez vistes um tecido sobre o qual a mão do pintor tenha esboçado com ousado pincel alguma maravilhosa cena de grandeza? Vede onde a viva cor foi pintada com uma habilidade quase sobre-humana. Mas o artista caiu morto repentinamente, e a mão que desenhou milagres de arte ficou paralisada e o pincel caiu. Não é uma fonte de lamentos no mundo, que alguma vez se tenha começado uma pintura que jamais pôde ser terminada alguma vez? Não vistes o humano rosto divino cinzelado num relevo, em mármore? Vistes a deliciosa habilidade do escultor, e se tiverdes de dizer a vós mesmos: “Isto será uma coisa maravilhosa! Que incomparável espécime de habilidade humana!” Mas, ai! Nunca foi completada, não se pôde terminar. E poderíeis imaginar, algum de vós, que Deus começasse a esculpir um ser perfeito e que não o terminasse? Pensais que a mão da sabedoria divina esboçaria o Cristão sem completar os seus pormenores? Tomou-nos Deus da pedreira como uma pedra em bruto, e começou a esculpir em nós, e a mostrar a Sua arte divina, a Sua maravilhosa sabedoria e graça, para logo nos deitar fora? Deus falhará? Deixará Ele que as Suas obras sejam imperfeitas? Leitores, assinalai se puderdes, algum mundo que Deus tenha abandonado sem poder terminá-lo. Há algum átomo na Sua criação em que Deus tenha começado a construir algo, mas que tenha sido incapaz de concluí-lo? Deixou Ele a algum anjo incompleto? Há, por ventura, uma só criatura da qual não se possa dizer: “É muito boa?”

E dir-se-á da criatura formada duas vezes: do eleito de Deus, do comprado com o sangue, dir-se-á: “O Espírito começou a obrar no coração deste homem, mas o homem foi mais poderoso do que o Espírito, e o pecado venceu a graça; Deus teve de fugir e Satanás triunfou, e o homem alguma vez foi aperfeiçoado?” Oh, meus queridos irmãos, a oração será ouvida. Depois de haverdes padecido um pouco, Deus vos aperfeiçoará, se Ele começou a boa obra em vós.

Mas, amados, deve ser depois que tenhais padecido por um pouco. Não podereis ser aperfeiçoados, exceto pelo fogo. Não há outra forma de vos tirar a vossa escória e as vossas impurezas senão por meio das chamas do forno da aflição. Filhos de Deus, a vossa insensatez está tão ligada aos vossos corações, que nada, a não ser a vara pode extirpá-la. É através dos vergões das vossas feridas que o vosso coração é melhorado. Deveis passar pela tribulação, para que por meio do Espírito, ela possa funcionar como fogo refinador para convosco; para que uma vez limpos, santos, acrisolados, e lavados, compareçais diante do rosto do vosso Deus, isentos de toda a imperfeição, e livres de toda a corrupção interna.

2. Procedamos agora à segunda jóia da bênção: afirmação. Não é suficiente que o Cristão tenha recebido uma perfeição proporcional, se ele não for afirmado. Tendes visto um arco no céu quando ele se torna visível sobre a planície: as suas cores são gloriosas, e os seus matizes são estranhos. Ainda que o tenhamos visto muitíssimas vezes, nunca deixa de ser “algo muito belo e uma alegria para sempre.” Mas que lástima a do arco-íris, ele não está afirmado. Desvanece-se, e ei-lo aqui, já não está. As belas cores dão lugar às nuvens encarneiradas, e a abóbada celeste já não brilha com as tinturas do céu. Não está afirmado. Como pode ser isso? Algo que é feito de raios passageiros de Sol e de gotas instáveis de chuva, como poderia permanecer? E fixem-se nisto, quanto mais bela é a visão, mais desconsolada é a reflexão, quando essa visão se desvanece, e não fica nada a não ser escuridão.

Então, ser afirmado, é um desejo muito necessário para o Cristão. De todas as conceções conhecidas de Deus, junto com o Seu Filho encarnado, não duvido em pronunciar o Cristão como a mais nobre conceção de Deus. Mas se esta conceção não for senão um arco-íris pintado na nuvem, para se desaparecer para sempre, nada valeria o dia em que os nossos olhos foram atraídos a ver o inexequível, com uma sublime visão que logo se vai derreter. O Cristão não é melhor do que a flor do campo, que hoje está, e que se seca quando se levanta o Sol com calor abrasador, a menos que Deus o afirme. Qual é a diferença entre o herdeiro do Céu, o filho de Deus comprado com sangue, e a erva do campo?

Oh, que Deus vos outorgue esta rica bênção, para que não sejais como o fumo duma chaminé, que é rapidamente dispersado pelo vento: que a vossa bondade não seja como a nuvem da manhã, nem como o orvalho que depressa se evapora; mas que sejais afirmados, e que cada bem que tenhais seja um bem permanente. Que o vosso caráter não seja como as letras escritas sobre areia, mas uma inscrição na rocha. Que a vossa fé não seja como uma “infundada contextura de uma visão,” mas esteja construída com material de pedra que aguentará esse horrível incêndio que consumirá a madeira, o feno e a folhagem do hipócrita. Que estejamos cimentados e arraigados em amor. Que as vossas convicções sejam profundas. Que o vosso amor seja real. Que os vossos desejos sejam sinceros. Que a vossa vida inteira esteja estabelecida, fixada e afirmada, para que todas as rajadas do Inferno e todas as tormentas da Terra sejam incapazes de vos remover.

Sabeis que temos falado de alguns Cristãos que estão afirmados há muito tempo. Temo-me, na verdade, que há muitos que são velhos, mas que não foram afirmados. Uma coisa é ter o cabelo branco pelos anos, mas outra coisa muito diferente para nós é que obtenhamos sabedoria. Há alguns que não se tornam mais sábios apesar de toda a sua experiência. Ainda que os seus dedos estejam bem castigados pela experiência, ainda eles não aprenderam nessa escola. Sei que há muitos velhos Cristãos que podem dizer de si mesmos, e dizê-lo, também, com muita tristeza, que queriam voltar a ter as suas oportunidades, para poderem aprender mais, e poderem estar mais afirmados. Ouvimo-los cantar:

“Descubro que sou um aprendiz ainda,
Inábil, débil, e inclinado a errar.”

De qualquer maneira, eu oro para que a bênção do apóstolo seja derramada em nós, independentemente de que sejamos jovens ou velhos, porém, especialmente naqueles de vós que haveis conhecido durante muito tempo o vosso Senhor e Salvador. Vós não deveis estar sujeitos agora a essas dúvidas que vexam os bebés na graça. Não se deve estar sempre ensinando-vos os primeiros rudimentos: mas deveis estar a prosseguir para algo mais elevado. Deveis estar aproximando-vos do Céu; oh, como é que ainda não chegastes à terra de Beulah? A essa terra que flui leite e mel? Certamente, as vossas hesitações não combinam com os cabelos grisalhos. Dá a impressão que foram branqueados com a luz solar do Céu. Como é possível que os vossos olhos não cintilam algo dessa luz? Nós que somos jovens procuramos um exemplo em vós, que sois Cristãos maduros bem afirmados; e se vos vemos duvidar, e vos ouvimos falando com um lábio tremente, então nos abatemos em grau supremo. Oramos por nós e por vós, para que esta bênção se cumpra em vós, para que possais ser afirmados. Para que não vos exerciteis mais na dúvida. Para que conheçais o vosso interesse em Cristo. Para que vos sintais seguros nEle. Para que descansando na rocha das idades possais saber que não perecereis enquanto estejais fixados ali. De facto, oramos por todos, independentemente da vossa idade, para que a nossa esperança esteja fixada unicamente no sangue e na justiça de Jesus, e que ela esteja tão firmemente arraigada, que ela jamais seja sacudida, mas que sejamos como o Monte de Sião, que não pode ser removido, e que permanece para sempre.

Desta maneira comentei sobre a segunda jóia desta bênção. Mas, notai, não podemos obtê-la a não ser depois de termos padecido um pouco. Não podemos ser afirmados exceto por meio do padecimento. É inútil esperar que estaremos bem arraigados se os ventos de março não sopraram sobre as nossas cabeças. Não esperemos que o jovem carvalho lance as suas raízes tão profundamente como o carvalho velho. Esses velhos nós nas raízes, esses estranhos entrelaçamentos dos ramos, todos falam das muitas tormentas que açoitaram a vetusta árvore. Mas, eles são, também, indicadores das profundidades às quais mergulharam as raízes; e estas dizem ao lenhador que ele espere partir primeiro uma montanha do que arrancar esse carvalho pela raiz. Devemos padecer um pouco, para pouco depois sermos afirmados.

3. Agora, vamos comentar a terceira bênção, que é o fortalecimento. Ah, irmãos, esta é também uma bênção muito necessária para todos os Cristãos. Há alguns caracteres que parecem estar fixados e afirmados. Mas, ainda carecem de força e de vigor. Permitis que vos dê um retrato de um Cristão sem forças? Ali o tendes. Ele apoiou a causa do Rei Jesus. Pôs a sua armadura; alistou-se no exército celestial. Podeis observá-lo? Está perfeitamente armado da cabeça aos pés, e leva consigo o escudo da fé. Podeis ver, também, quão firmemente está ele afirmado? Ele mantém o seu lugar, e não será removido dali. Mas, vede-o. Quando ele usa a sua espada, golpeia com muito pouca força. O seu escudo, ainda que o sustente tão firmemente como a sua debilidade lho permite, treme no seu punho. Ali está ele, e não se moverá, porém, quão cambaleante é a sua posição. Os seus joelhos chocam entre si com espanto, quando ele ouve o som e o ruído da guerra e do tumulto. Do que é que este homem necessita? A sua vontade é correta, a sua intenção é correta, e o seu coração está posto plenamente nas coisas boas. Do que é que ele necessita? Pois necessita de força. O pobre homem é débil e assemelha-se a um menino. Ou seja porque ele foi alimentado com comida que sabe mal e insubstancial, ou por causa de algum pecado que o acossou, ele não tem a força nem a vitalidade que deveria morar num Cristão. Mas, desde que a oração de Pedro lhe seja respondida, quão forte o Cristão virá a ser. Em todo o mundo não há criatura tão forte como um Cristão quando Deus está com ele.

Fala do Beemoth! Ele não é mais do que uma pequena coisa. O seu poder é a debilidade quando o comparas com o crente. Fala do Leviatã, que faz com que o abismo seja branco! Ele não é o chefe dos caminhos de Deus. O verdadeiro crente é mais poderoso do que ele. Alguma vez viste o Cristão quando Deus está com ele? Ele cheira a batalha de longe, e clama no meio do tumulto: “Ah-ah! Logo vi! Ah-ah!” Ele ri de todas as hostes inimigas. Ou se o comparas com o Leviatã: se ele é lançado num mar de problemas, dá chicotadas por todos lados e faz com que o abismo se torne branco com bênçãos. As profundidades não o submergem, nem teme as rochas; tem a proteção de Deus ao seu redor, e as águas não o podem afogar; mais que isso, elas vêm a ser um elemento de deleite para ele, quando, pela graça de Deus, ele se regozija no meio das altas ondas.

Se quiserdes uma prova da fortaleza de um Cristão, só tendes que revisar a história, e podereis ver como os crentes apagaram a violência do fogo, fecharam as bocas dos leões, agitaram os seus punhos diante da cara horrível da morte, riram-se até ao desprezo dos tiranos, e bateram em retirada os exércitos inimigos, por meio do poder superior da fé em Deus. Rogo a Deus, meus irmãos, que Ele vos fortaleça este ano.

Os Cristãos desta época são seres muito débeis. É algo muito notável que a grande maioria dos filhos nasce agora débil. Vós pedis-me as evidências disto. Posso fornecê-las imediatamente. Sabeis que na Liturgia da Igreja da Inglaterra se instrui e se ordena que todos os filhos sejam imersos no baptismo, exceto quem tenha uma condição débil certificada. Agora, seria pouco caridoso imaginar que as pessoas sejam culpados de falsidade quando cumprem o que consideram um regulamento sagrado; e, portanto, como quase todos os filhos são agora aspergidos e não imersos, eu suponho que todos nascem débeis. Não vou dizer se isso explica o facto de que todos os Cristãos sejam tão débeis, mas é muito certo que não temos muitos Cristãos gigantes nos nossos dias. Por aqui e por acolá ouvimos de alguém a quem só lhe faz falta obrar milagres nestes tempos modernos, e ficamos atónitos. Oh, que vós tivésseis fé como estes homens! Não creio que haja mais piedade agora do que a que era costume haver nos dias dos Puritanos. Creio que há muitos mais homens piedosos; mas, enquanto a quantidade se multiplicou, temo-me de que a qualidade tenha sido depreciada. Naqueles dias o ribeiro da graça era na verdade muito profundo. Alguns daqueles velhos Puritanos, quando lemos sobre a sua devoção, e sobre as horas que passaram em oração, pareciam ter tanta graça como qualquer centena de nós. O ribeiro era muito profundo. Mas agora as margens sucumbiram, e grandes pradarias foram alagadas pela água. Até ali vamos bem. Mas, ainda que a superfície se expandiu, temo-me que a profundidade diminuiu espantosamente. E esta pode ser a explicação: que devido a que a nossa piedade se tornou mais superficial, a nossa fortaleza debilitou-se. Oh, que Deus vos fortaleça este ano!

Mas recordai, se Ele assim o fizer, então tereis de padecer. “Depois de haverdes padecido um pouco”, Ele vos fortalecerá. Às vezes fazem uma operação aos cavalos que alguém consideraria cruel: cauterizam-nos para fortalecer os seus tendões. Agora, cada Cristão antes que seja fortalecido deve ser cauterizado. Os seus nervos e os seus tendões devem ser fortificados com o ferro candente da aflição. Ele nunca será forte em graça, a menos que primeiro padeça um pouco.

4. E agora referir-me-ei à última das quatro bênçãos: “Estabelecimento.” Eu não direi que esta última bênção é maior do que as outras três, mas é um degrau para cada uma delas; e, é estranho dizê-lo, é frequentemente o resultado da obtenção gradual das três precedentes. “Estabelece-te!” Oh, quantos andam por aí que jamais se estabeleceram. A árvore que é transplantada em cada semana logo morrerá. Mais ainda, se fosse mudada, não importa quão habilmente, uma vez em cada ano, nenhum jardineiro esperaria fruto dela. Quantos Cristãos haverá que estão sendo transplantados constantemente, até quanto aos seus sentimentos doutrinais. Há alguns que crêem segundo o último pregador; e há outros que não sabem no que crêem, mas crêem em quase tudo o que se lhes diz.

O espírito da caridade Cristã, tão cultivado nestes dias, e que todos amamos tanto, ajudou, temo-me, a trazer para o mundo uma espécie de latitudinarismo[3]; ou, noutras palavras, os homens chegaram a crer que não importa no que eles devem crer; que, ainda que, um ministro diga que é assim, e o outro diga que não é assim, ainda os dois estamos certos; que, embora nos contradigamos absolutamente um ao outro, apesar disso, ambos temos a razão. Eu não sei onde os homens fabricaram os seus julgamentos, mas à minha mente, parece sempre impossível crer numa contradição. Não posso entender nunca como sentimentos tão contrários possam ser conformados à Palavra de Deus, que é a norma da verdade. Mas há alguns que são como um cata-vento, sobre o campanário de uma igreja, pois giram para onde sopra o vento. Como disse o bom senhor Whitefield: “Seria mais fácil medir a Lua para a vestir, do que identificar os sentimentos doutrinais deles,” pois sempre estão variando e sempre estão mudando.

Agora, eu rogo para que sejais livrados disto cada um de vós, se for essa a vossa debilidade, e que vós possais ser estabelecidos. Que a intolerância seja lançada para longe de nós. Contudo, eu quereria que o Cristão soubesse o que é que ele considera o que é a verdade e então que ele a sustente. Tomai o vosso tempo avaliando dos prós e contras da controvérsia, mas uma vez que tenhais decidido, que não sejais convencidos com facilidade. Seja Deus veraz, contudo todo o homem seja mentiroso; e sustentai que o que esteja de acordo com a Palavra de Deus num dia, não pode ser contrário a ela noutro dia; que o que era certo na época de Lutero e na época de Calvino deve ser certo agora; que as falsidades podem variar, pois têm uma forma proteica; mas, a verdade é uma, e indivisível, e sempre a mesma. Que outros pensem o que queiram. Permiti a maior latitude a outros, mas a vós mesmos não vos permitais nenhuma. Permanecei firmes e constantes segundo vos temos vindo ensinando, e procurai sempre o espírito do apóstolo Paulo, “Se alguém vos anunciar outro Evangelho além do que já recebestes, seja anátema.” Contudo, como quero que estejais firmes nas vossas doutrinas, a minha oração é que estejais, especialmente, estabelecidos na vossa fé. Vós credes em Jesus Cristo, o Filho de Deus, e descansais nEle. Mas, algumas vezes a vossa fé vacila, e, então perdeis a vossa alegria e o vosso conforto. Eu rogo para que a vossa fé esteja tão estabelecida, para que nunca duvideis quanto a vós se Cristo é vosso ou não, mas que digais confidencialmente: “Eu sei em Quem tenho crido, e estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito até àquele dia.” Oro para que estejais estabelecidos nas vossas metas e propósitos.

Há muitas pessoas Cristãs que têm uma ideia muito boa nas suas cabeças, mas nunca a implementam, porque elas perguntam a algum amigo qual é opinião dele. “Não é grande coisa,” responde ele. É obvio que não é. Quem é que tem levado em grande consideração as ideias dos outros? E imediatamente, a pessoa que a concebeu renúncia a ela, e a obra nunca se completa. Quantos homens nos seus ministérios têm começado a pregar o Evangelho, e têm permitido que algum membro da igreja, possivelmente algum diácono, o puxe pela orelha, levando-o um pouco por essa direção. Mais tarde, algum outro irmão considerou conveniente guiá-lo em direção contrária. O homem perdeu o seu brio. Nunca ele se estabeleceu quanto ao que deve fazer; e agora ele torna-se num simples lacaio, esperando a opinião de cada um, desejoso de adotar o que outros concebam o que é o correto.

Agora, rogo-vos que estejais estabelecidos nas vossas metas. Vede qual é o nicho que Deus quer que ocupeis. Ficai aí, e daí não saiais apesar de todas as brincadeiras que venham sobre vós. Se credes que Deus vos chamou para uma obra, fazei-a. Se os homens vos ajudarem nela, agradecei-lhes. Se não vos ajudarem, dizei-lhes que se separem do vosso caminho ou serão atropelados. Que nada vos intimide. Quem quer servir ao seu Deus deve estar preparado algumas vezes para servi-Lo sozinho. Nem sempre lutaremos no meio das fileiras. Há momentos nos quais o David do Senhor deve lutar com Golias sem auxílio, e deve tomar consigo três pedras do riacho no meio do riso dos seus irmãos, e, contudo, com as suas armas ele está confiante na vitória pela fé em Deus. Não permiti que vos tirem da obra em que Deus vos pôs. Não vos canseis de obrar o bem, pois no seu devido tempo, colhereis se não desmaiardes. Estai estabelecidos. Oh, que Deus derrame esta rica bênção sobre vós.

Mas vós não estareis estabelecidos a menos que padeçais. Ficareis estabelecidos na vossa fé e estabelecidos nas vossas metas pelo sofrimento. Os homens são flexíveis animais invertebrados nestes dias. Não contamos com os homens firmes que sabem que têm a razão e a sustentam. Mesmo quando um homem está errado, admiramos a sua retidão de caráter quando ele se levanta crendo que está certo e se atreve a enfrentar as ameaças do mundo. Mas, quando um homem tem a razão, o pior que lhe pode acontecer é que seja inconstante, que vacile, que tenha medo dos homens. Arremessa isso para longe de ti, oh cavaleiro da santa cruz, e sê firme se queres sair vitorioso. O coração desfalecente não tomou ainda por assalto nenhuma cidade, e tu nunca vencerás nem serás coroado de honra, se o teu coração não se endurecer em cada assalto e se não estás estabelecido na tua intenção de honrar o teu Senhor e de ganhar a coroa.

Desta maneira comentei a bênção.

II. Agora, peço-vos a vossa atenção por uns momentos mais, para observardes AS RAZÕES PELAS QUAIS O APÓSTOLO PEDRO ESPERAVA QUE ESTA ORAÇÃO FOSSE ESCUTADA. Ele pedia que fosseis aperfeiçoados, afirmados, fortalecidos e estabelecidos. Não sussurrou a Incredulidade a Pedro ao ouvido: “Pedro, pedes muito. Sempre foste teimoso. Tu disseste: ‘Manda-me ir ter Contigo por cima das águas.’ Certamente, este é outro exemplo da tua presunção. Se tu houvesses dito: ‘Senhor, santifica-me,’ não teria sido uma oração suficiente? Não pediste muito?” “Não,” diz Pedro; e ele responde à Incredulidade: “Estou seguro de que receberei o que pedi; pois, em primeiro lugar estou-o pedindo ao Deus de toda a graça o Deus de toda a graça.” Não somente o Deus das pequenas graças que temos recebido, porém o Deus da grandiosa graça ilimitada que está armazenada para nós na promessa, mas que ainda não a recebemos na nossa experiência. “O Deus de toda a graça” da graça vivificante, da graça convincente, da graça indulgente, da graça crente, o Deus da graça que consola, apoia e sustenta. Certamente, quando nós nos aproximamos dEle, não podemos vir pedir demasiado. Se Ele é o Deus, não de uma graça, nem de duas graças, mas de todas as graças; se nEle está armazenado um fornecimento infinito, ilimitado, inacabável, como poderíamos pedir demasiado, ainda que peçamos para que cheguemos a ser perfeitos?

Crente, quando estiveres de joelhos, recorda que vais estar com um Rei. Que as tuas petições sejam grandes. Imita o exemplo de um cortesão de Alexandre, que quando ele lhe disse que podia receber o que pedisse como recompensa pelo seu valor, pediu uma soma de dinheiro tão grande que o tesoureiro de Alexandre recusou entregar-lha sem falar primeiro com o monarca. Quando ele viu o soberano, este sorriu e disse-lhe: “Na verdade é muito o que pedes, mas não é muito para que Alexandre to conceda. Admiro-te pela tua fé em mim; entrega-lhe tudo o que ele pede.” Atrever-me-ei a pedir que eu seja melhorado, que o meu temperamento irado me seja tirado, que a minha teimosia me seja extirpada, e que as minhas imperfeições me sejam cobertas? Posso pedir ser semelhante a Adão no Jardim, não, não somente isto mas até tão puro e perfeito como o próprio Deus? Posso pedir que um dia caminhe pelas ruas de ouro, e “cingido com as vestimentas do meu Salvador, santo como o santo,” estar no pleno brilho da glória de Deus, e clamar: “Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus?” Sim, posso pedi-lo, e tê-lo-ei, pois Ele é o Deus de toda a graça.

Olhai de novo o versículo, e vede outra razão pela qual Pedro sabia que a sua oração seria escutada: “Mas o Deus de toda graça, que nos chamou.” A Incredulidade poderia ter dito a Pedro: “Ah, Pedro, é verdade que Deus é o Deus de toda a graça, mas Ele é uma fonte fechada, como águas seladas.” “Ah,” diz Pedro, “Vai-te, Satanás; não saboreias as coisas de Deus. Não é uma fonte selada de toda a graça, pois ela começou a fluir” — “O Deus de toda a graça chamou-nos.” A chamada é a primeira gota de misericórdia que tem caído nos lábios sedentos do moribundo. A chamada é o primeiro elo de ouro da cadeia sem fim das eternas misericórdias. Não a primeira na ordem do tempo com Deus, mas a primeira na ordem do tempo connosco. A primeira coisa que conhecemos de Cristo na Sua misericórdia, é que Ele clama: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos,” e que por meio do Seu querido Espírito Ele Se dirige a nós, de tal forma que nós obedecemos à chamada e vamos a Ele.

Agora, observai, se Deus me chamou a mim, eu posso pedir-Lhe que me afirme e me guarde; posso pedir-Lhe que conforme transcorram os anos, a minha piedade não se extinga; posso pedir que a sarça arda, mas que não se consuma, que a farinha na barrica não escasseie e o azeite na vasilha não diminua. Atrever-me-ei a pedir que até à última hora de vida eu possa ser fiel a Deus, porque Deus é fiel para comigo? Sim, posso pedi-lo, e também o obterei: porque o Deus que chama, dará o descanso. “E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou.” Pensa na tua chamada, Cristão, e tem ânimo: “Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento.” Se Ele te chamou, nunca Ele se arrependerá do que tem feito, nem cessará de abençoar nem cessará de salvar.

Porém, eu creio que há ainda uma razão mais poderosa: “O Deus de toda a graça, que vos chamou à Sua glória eterna.” Querido leitor, Deus chamou-te? Sabes para que te chamou? Primeiro chamou-te à casa da convicção, onde te fez sentir o teu pecado. Outra vez chamou-te ao topo do Calvário, onde realmente viste o teu pecado expiado e o teu perdão selado com o sangue precioso. E agora Ele chama-te. E, para onde te chama? Ouço uma voz hoje: a Incredulidade diz-me que há uma voz que me está chamando para as ondas do Jordão. Oh, Incredulidade! É verdade que a minha alma tem de vadear através das ondas tormentosas desse mar. Mas a voz não provém das profundidades da sepultura, provém da glória eterna. Ali onde o SENHOR Se senta resplandecente no Seu trono, rodeado de querubins e de serafins, desde esse esplendor que os anjos não se atrevem a olhar, escuto uma voz: “Vem a Mim, tu pecador lavado com o sangue, vem para minha glória eterna.” Oh, céus! — Não é esta uma maravilhosa chamada? — Ser chamado para a glória, chamado para as ruas brilhantes e as portas de pérola, ser chamado para ouvir as harpas e os hinos de felicidade eterna, e melhor ainda, ser chamado para o peito de Jesus, chamado para ver o rosto de Seu Pai, chamado, não para glória eterna, mas para a SUA glória eterna, chamado para essa mesma glória e honra com as quais Deus Se rodeia para sempre.

E agora, amados, é muito grande qualquer oração depois disto? Deus chamou-me para o Céu, e há algo na Terra que Ele me negue? Se Ele me chamou para morar no Céu, não é necessária a perfeição para mim? Pelo mesmo, não posso pedi-la? Se Ele me chamou para glória, não é necessário que eu seja fortalecido para combater no meu caminho para lá? Não posso pedir para ser fortalecido? Mais ainda, se houver na Terra uma misericórdia muito grande para que eu pense nela, muito grande para que a conceba, muito pesada para que a minha língua a leve diante do trono em oração, Ele fará por mim muitíssimo mais abundantemente do que o que eu possa pedir, ou que eu jamais possa imaginar. Sei que Ele o fará, pois Ele chamou-me à Sua glória eterna.

A última razão pela qual o apóstolo esperava que a sua bênção fosse derramada, é esta: “Que em Cristo Jesus vos chamou à sua eterna glória.” É um facto singular que nenhuma promessa é tão querida para o crente como aquela em que o nome de Cristo é mencionado. Se eu tenho de pregar um sermão de consolo para Cristãos deprimidos, eu nunca escolheria um versículo que não me permitisse guiar a pessoa deprimida para a cruz. Não vos parece muito, irmãos e irmãs, esta manhã, que o Deus de toda a graça seja o vosso Deus? Não sobrepuja a vossa fé, que Ele efetivamente vos tenha chamado a vós? Não vos interrogais, às vezes, se na verdade fostes chamados? E quando pensais na glória eterna, surge a pergunta: “Gozá-la-ei alguma vez? Alguma vez verei o rosto de Deus com aceitação?” Oh, amados, quando ouvis acerca de Cristo, quando sabeis que a Sua graça vem por meio de Cristo, e a chamada vem através de Cristo, e a glória vem por meio de Cristo, então vós dizeis: “Senhor, eu posso crer nisso agora, se é por meio de Cristo.” Não é difícil crer que o sangue de Cristo é suficiente para comprar toda a bênção para mim. Se eu vou ao tesouro de Deus sem Cristo, temo pedir algo, mas quando Cristo está comigo, então posso pedir tudo. Com certeza eu creio que Ele o merece, ainda que eu não o mereça. Se eu posso exigir os Seus méritos, então não tenho temor de suplicar. É a perfeição uma bênção muito grande para que Deus a dê a Cristo? Oh, não. Guardar a estabilidade e a preservação dos comprados com o sangue é uma recompensa muito grande para as terríveis agonias e os sofrimentos do Salvador? Penso que não. Então podemos suplicar com confiança, porque tudo nos vem por meio de Cristo.

Para concluir, queria fazer este comentário. Desejo, irmãos e minhas irmãs, que durante este ano possais viver mais perto de Cristo do que alguma vez o tenhais feito antes. Estai convencidos disto: quando pensamos muito em Cristo é quando pensamos menos em nós mesmos, nas nossas aflições, e nas dúvidas e temores que nos cercam. Começai a fazê-lo neste dia, e que Deus vos ajude. Não permiti que passe nenhum dia sobre as vossas cabeças, sem uma visita ao Jardim do Getesêmane e à cruz do Calvário.

E quanto a alguns de vós que não sois salvos, e não conheceis o Redentor, queira Deus que neste mesmo dia venhais a Cristo. Atrevo-me a dizer que vós credes que vir a Cristo é algo terrível: que precisais de estar preparados antes de que possais vir; que Ele será duro e rigoroso convosco. Quando os homens têm de ir a um advogado, podem tremer; quando têm de consultar o médico, podem sentir temor; ainda que estes dois tipos de profissionais não sejam bem-vindos, frequentemente são necessários. Mas, quando vierdes a Cristo, podeis vir com ousadia. Não tendes de pagar honorários; não é necessária preparação. Podeis vir tal como sois. Martinho Lutero fez um comentário cheio de valor quando disse: “Eu correria para os braços de Cristo, ainda que Ele tivesse uma espada desembainhada na Sua mão.” Agora, Ele não tem uma espada desembainhada, mas tem as Suas feridas nas mãos. Corre para os Seus braços, pobre pecador. “Oh,” perguntas tu: “posso vir?” Como podes fazer essa pergunta? É-te ordenado que venhas. O grande mandamento do Evangelho é: “Crê no Senhor Jesus Cristo.” Os que desobedecem a este mandamento, desobedecem a Deus. É tanto um mandamento de Deus que o homem creia em Cristo, como o é que nós devemos amar o nosso próximo. Agora, como é um mandamento, eu tenho certamente o direito de lhe obedecer. Podeis ver que não há nenhuma dúvida; um pecador tem a liberdade de crer em Cristo porque lhe é dito que o faça. Deus não te haveria dito que fizesses algo que não devas fazer. É-te permitido que creias. “Oh,” dirá alguém, “isso é tudo o que preciso saber. Eu creio que Cristo pode salvar perpetuamente. Posso descansar a minha alma nEle, e dizer, quer me afunde ou nade: muitíssimo bem-aventurado Jesus, Tu és meu Senhor?” Diz: posso fazê-lo? Homem, é-te ordenado que o faças! Oh, que possas fazê-lo. Recorda, nisto não estás arriscando nada. O risco está em não o fazeres. Lança-te em direção a Cristo, pecador. Despreza qualquer outra dependência e descansa unicamente nEle. “Não,” dirá alguém, “Eu não estou preparado.” Preparado, amigo? Então tu não me entendeste. Não é necessária nenhuma preparação; trata-se de vir simplesmente como és. “Oh, não sinto a minha necessidade suficientemente.” Eu sei que não. Mas, o que é que tem que ver com isto? É-te ordenado que te lances em direção a Cristo. Não importa quão sujo ou quão mau sejas, confia nEle. Aquele que crê em Cristo será salvo, ainda que os seus pecados sejam muitos; aquele que não crê será condenado, ainda que os seus pecados não sejam tantos. O grande mandamento do Evangelho é: “Crê.” “Oh,” mas dirá alguém, “devo dizer que Cristo morreu por mim?” Ah, eu não disse isso, tu saberás disso já a seguir. Essa pergunta não tem nada que ver contigo agora, o teu assunto é crer em Cristo e confiar nEle; atira-te nos Seus braços. E que Deus, o Espírito, te force brandamente agora para que o faças.

Agora, pecador, aparta as tuas mãos da tua justiça própria. Abandona toda a ideia de te tornares melhor por meio da tua própria fortaleza. Atira-te completamente sobre a promessa. Diz

“Tal como sou, sem nenhum argumento,
Exceto o Teu sangue que foi derramado por mim,
E que Tu me ordenas a vir a Ti;
Oh, Cordeiro de Deus! Eu venho, eu venho.”

Não podes confiar em Cristo para descobrires depois que Ele te enganou.

Agora, expressei-me com claridade? Se houver aqui um grupo de pessoas endividadas, e se eu dissesse: “Se vós me confiardes as vossas dívidas, elas serão pagas, e nenhum credor jamais vos incomodará,” entender-me-eis claramente. Como é que não podeis entender que confiar em Cristo eliminará todas as vossas dívidas, tirará todos os vossos pecados, e sereis salvos eternamente. Oh, Espírito do Deus vivo, abre o entendimento para O receber, e o coração para Lhe obedecer, e que muitas almas se lancem sobre Cristo. Sobre todos nós, assim como sobre todos os crentes, eu pronuncio a bênção, com a qual vos despedirei: “E o Deus de toda a graça, que em Cristo Jesus vos chamou à sua eterna glória, depois de haverdes padecido um pouco, Ele mesmo vos aperfeiçoará, confirmará, fortificará e fortalecerá!”




[1] motto (lit.) n. moto, divisa, lema; legenda;  máxima adoptada como linha de conduta; mote, ideia ou pensamento a glosar em verso; citação anteposta a livro ou capítulo de livro.

[2] wafer (lit.) n. espécie de filhó ou bolinho doce folhado; biscoito fino; (eccl.) hóstia; anglicismo wafer


[3] Liberdade de opinião, especialmente em assuntos pertencentes às crenças religiosas.

Notas e Tradução de Carlos António da Rocha

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