… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Sermão n.º 405

C. H. Spurgeon

Sermão n.º 405
“A entrada triunfal em Jerusalém” (The triumphal entry into Jerusalem), pregado na manhã de domingo, 18 de agosto de 1861, por C. H. Spurgeon no Metropolitan Tabernacle, Newington, Inglaterra.

Dizei à filha de Sião: Eis que o teu Rei aí te vem, manso, e assentado sobre uma jumenta, e sobre um jumentinho, filho de animal de carga.” (Mt 21:5, ARC, Pt)

Nós lemos o capítulo do qual provem o nosso versículo; agora, permiti-me repassar o incidente na vossa presença. Existia uma expectativa na mente popular do povo judeu, de que o Messias estava para vir. Eles esperavam que Ele fosse um príncipe temporal; alguém que devia guerrear contra os Romanos e restaurar aos Judeus a sua perdida nacionalidade. Havia muitos que, embora não cressem em Cristo com uma fé espiritual, esperavam, entretanto, que talvez Ele pudesse ser para eles um grande libertador temporal, e lemos que em uma ou duas ocasiões, eles haviam querido tomá-Lo para fazê-Lo rei, mas Ele ocultou-Se-lhes. Havia um ansioso desejo de que alguém, quem quer que fosse, deveria levantar o estandarte da rebelião e liderar o povo contra os seus opressores.



Vendo as obras portentosas feitas por Cristo, o desejo é pai do pensamento, eles imaginaram que Ele podia, provavelmente, restaurar o Reino a Israel e torná-los livres. O Salvador, à distância, via que estava chegando uma crise. Para Ele, necessariamente, tinha de ser uma de duas opções: a morte por ter dececionado a expectativa popular, ou, pelo contrário, devia ceder aos desejos do povo e ser feito Rei. Vós sabeis qual foi a escolha.



Ele veio para salvar outros, e não para ser ungido rei no sentido em que os judeus o entendiam. O Senhor tinha operado o mais notável milagre, havia ressuscitado Lázaro da morte depois dele ter estado enterrado quatro dias. Este era um milagre tão singular e tão espantoso, que se tornou o assunto da conversa na cidade. Multidões foram de Jerusalém a Betânia, que ficava situada a cerca de duas milhas de distância, para ver Lázaro. O milagre fora bem autenticado, havia uma multidão de testemunhas, e foi, em geral, aceite como sendo uma das grandes maravilhas da época, e eles inferiram disto que Cristo tinha de ser o Messias. O povo determinou que agora eles deveriam fazê-Lo rei, e que agora Ele deveria liderá-los contra as hostes de Roma. Ele não pretendia tais coisas, todavia, prevaleceu o entusiasmo deles, pelo qual Ele pôde ter a oportunidade de realizar o que tinha sido escrito acerca dEle pelos profetas. Não deveis imaginar que todos aqueles que juncaram de ramos o caminho e clamaram “hosana” se interessavam por Cristo como príncipe espiritual.



Não, eles pensavam que Ele ia ser um libertador temporal, e quando eles descobriram, mais tarde, que estavam enganados, odiaram-nO na mesma proporção com que O tinham amado, e “Crucifica-O, crucifica-O” era um clamor tão alto e veemente quanto “Hosana, bendito o que vem em nome do Senhor.”



O nosso Salvador, assim, utilizou-Se do desatinado entusiasmo deles para cumprir diversos fins e propósitos sábios. Era necessário que esta profecia se cumprisse —“Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis que o teu rei virá a ti, justo e Salvador, pobre, e montado sobre um jumento, sobre um asninho, filho de jumenta.” (Zc 9:9, ARC, Pt) Era necessário, além disso, que Ele reivindicasse publicamente ser o Filho de David, e que reivindicasse ser o legítimo herdeiro do trono de David, —isso, Ele o fez nesta ocasião.



Também era necessário, que Ele deixasse os Seus inimigos sem desculpas. A fim de que eles não Lhe dissessem: “Se tu és o Messias, dize-no-lo claramente.” Ele disse-lhes, claramente, que o era. Este passeio pelas ruas de Jerusalém foi uma clara manifestação e uma proclamação dos Seus direitos régios, tão claramente quanto poderiam ser proclamados



Penso, além disso —e sobre esta consideração quero construir o meu sermão desta manhã— penso que Cristo usou o fanatismo popular como uma oportunidade de nos pregar um vivo sermão, encarnando-lhe grandes verdades de que somos muito aptos a olvidar o seu carácter espiritual, plasmando-as na forma e no símbolo exteriores que O mostravam cavalgando como rei, escoltado pelas hostes dos seguidores. O tema do nosso sermão será esse. Vejamos o que poderemos aprender dele.



I. Uma das primeiras coisas que aprendemos é esta: deste modo, através das ruas, com solenidade, Jesus Cristo reivindicou que era rei. Esta reivindicação tinha sido mantida, em grande medida, até agora, em segundo plano, porém, agora, antes que Ele fosse para Seu Pai, quando a ira dos Seus inimigos tivesse alcançado o ponto máximo da fúria, e antes que a Sua própria hora da mais profunda humilhação acabasse de chegar, Ele fez uma aberta reivindicação diante dos olhos de todos os homens, ser chamado e reconhecido como rei.



Ele notifica primeiro os Seus arautos. Dois discípulos vêm. Ele dá-lhes as Suas instruções —“Ide à aldeia que está diante de vós, e logo achareis presa uma jumenta e com ela um jumentinho.” Ele reúne os Seus cortesãos. Os Seus doze discípulos, aqueles que habitualmente O acompanhavam, estão à Sua volta. Ele monta o jumento, que em tempos antigos tinha sido domado pelos legisladores judeus, os governadores do povo. Ele começa o passeio através das ruas e as multidões aplaudem. É calculado por alguns que não menos de três mil pessoas deveriam ter estado presentes naquela ocasião, algumas indo adiante, outras seguindo após Ele, e outras paradas, ao lado, para ver o espectáculo. Ele cavalgava para a Sua capital: as ruas de Jerusalém, a cidade real, estão abertas para Ele; como rei, Ele sobe para o Seu palácio.



Ele era um rei espiritual, e portanto Ele não ia para o palácio temporal, mas para o palácio espiritual. Ele cavalga para o templo, e, então, tomando posse dele, começa a ensinar nele como ainda não O tinha feito anteriormente. Ele tinha estado algumas vezes no pórtico de Salomão, mas Ele estava mais frequentemente na encosta da montanha do que templo; mas agora, como rei, Ele toma posse do Seu palácio, e aí, sentado no Seu trono profético, Ele ensina o povo na Sua corte real.



Príncipes da terra, dai ouvidos, há alguém que reclama ser contado convosco. É Jesus, o Filho de David, o Rei dos Judeus. Dai-Lhe lugar, vós imperadores, dai-Lhe lugar! Dai lugar ao Homem que nasceu numa manjedoura! Dai lugar ao Homem cujos discípulos eram pescadores! Dai lugar ao Homem cuja túnica era a de um camponês, inconsútil[1], de só um tecido, de cima a baixo! Ele não leva qualquer coroa, exceto a coroa de espinhos, contudo Ele é mais régio do que vós. Não cobre os Seus lombos com púrpura, não obstante, Ele é muito mais imperial do que vós. Não calça sandálias de prata adornadas com pérolas, mas Ele é mais glorioso do que vós. Dai-Lhe lugar! Dai-Lhe lugar! Hosana! Hosana! Que Ele seja novamente proclamado Rei! Rei! Rei! Que se considere o Seu lugar sobre o Seu trono muito por cima de todos os reis da Terra. Isto é o que Ele fez então, proclamou-Se a Si mesmo Rei.



II. Além do mais, Cristo mostrou pelo Seu ato que tipo de rei Ele poderia ter sido se Lhe tivesse agradado, e que tipo de rei Ele pode agora ser, se Ele o desejasse. Se tivesse sido esta a vontade do nosso Senhor, aquelas multidões que O seguiam pelas ruas tê-Lo-iam coroado realmente nesse lugar, e então, dobrando os joelhos, tê-Lo-iam aceite como o ramo que brotou da raiz seca de Jessé —Ele que tinha vindo— o governante, o Silo entre o povo de Deus.



Tivesse Ele dito apenas uma palavra, e com Ele à cabeça, ter-se-iam precipitado para o palácio de Pilatos, e tomando-o de surpresa, com apenas uns poucos de soldados na região, Pilatos poderia ter sido logo feito Seu prisioneiro e ter sido condenado à morte. Ante o indomável valor e da tremenda fúria de um exército judeu, a Palestina teria podido ser rapidamente limpa de todas as legiões romanas, e ter-se tornado novamente numa terra real.



Mais ainda, nós afirmamos, com o Seu poder de realizar milagres, com a Sua força que fez os soldados retroceder quando Ele disse: “Sou eu”, Ele podia ter limpo, não somente aquela terra, mas todas as outras, Ele podia ter marchado de país em país, e de reino em reino, até que toda a cidade real e todo o estado régio tivessem cedido à Sua supremacia. Ele poderia ter feito com que aqueles que habitam em ilhas no mar se prostrassem diante dEle, e que aqueles que habitam no deserto poderiam ter sido obrigados a lamber o pó.



Não há uma razão, ó reis da terra, pela qual Cristo não tivesse sido mais poderoso do que vós. Se o Seu reino tivesse sido deste mundo, Ele teria podido fundar uma dinastia mais duradoura do que as vossas, Ele teria podido reunir tropas, diante de cujo poder, as vossas legiões se teriam derretido como a neve diante do Sol de verão, Ele teria podido despedaçar a imagem de Roma, até que convertida numa massa triturada, como um vaso de oleiro destruído por uma vara de ferro, se teria esboroado.



Ainda é assim, meus irmãos. Se essa for a vontade de Cristo. Ele poderia fazer de Seus santos, de cada um deles, príncipes. Ele poderia fazer a Sua Igreja rica e poderosa, Ele poderia levantar a Sua religião se Ele assim o escolhesse, e convertê-la na mais magnificente e sumptuosa. Se esta é a Sua vontade, não há razão para que toda a glória que nós lemos no Velho Testamento sob Salomão, não possa ser concedida à Igreja sob o grande Filho de David.



Mas, Ele não veio para fazer isto, e a partir desta altura, por isso, a impertinência, daqueles que pensam que Cristo deve ser adorado com uma deslumbrante arquitetura, com magníficos paramentos, com orgulhosas procissões, com a aliança dos estados com as igrejas, fazendo dos bispos de Deus magníficos senhores e governadores, com o alçar a própria igreja, e com o pretender colocar sobre os seus ombros aquelas roupas que nunca lhe caberão, vestimentas que nunca foram destinadas para ela. Se Cristo Se importasse com esta glória do mundo, logo ela teria estado a Seus pés. Se Ele desejasse tomá-la, quem levantaria uma palavra contra a Sua reivindicação, ou quem levantaria um dedo contra o Seu poder! Mas Ele não Se preocupa com isso.



Leva as tuas bugigangas para outro lugar, retira daqui o teu ouropel, pois Ele não os quer. Remove a tua glória, e a tua pompa, e o teu esplendor, pois Ele não necessita de nada disso das tuas mãos. O Seu reino não é deste mundo, pois, pelo contrário, os Seus servos lutariam, pelo contrário, os Seus ministros estariam vestidos com mantos de escarlate, e os Seus servos se sentariam no meio dos príncipes, mas Ele não Se importa com isto.



Povo de Deus, não procures estas coisas. O que o vosso Mestre não teria, não o procurai para vós. Oh! Igreja de Cristo, tu tens também de desdenhar daquilo que o teu Marido desdenhou! Ele teria podido tê-lo, mas Ele não o quis. E Ele deu-nos a lição, de que se todas estas coisas pudessem ser da Igreja, porém, foi bom, por Ele ter passado por elas e dizer: “Elas não são para mim Eu não pretendo brilhar nestas plumas emprestadas.”



III. Mas, em terceiro lugar, e aqui radica o âmago do assunto, comento: vós tendes visto que Cristo proclamou que era rei; vós tendes visto que tipo de rei Ele poderia ter sido e não quis ser, mas, agora, vós vedes que tipo de rei Ele é, e que tipo de rei Ele proclama ser. Em que consistia o Seu reino? Qual a sua natureza? Qual era a Sua autoridade régia? Quais haveriam de ser os Seus súbditos? Quais haveriam de ser as Suas leis? Qual haveria de ser o Seu governo? Agora, vós percebereis, imediatamente, a partir da passagem tomada como um todo, que o reino de Cristo é um reino muito estranho, é algo totalmente diferente de tudo quanto jamais se tenha visto ou de qualquer coisa que haverá de ser vista no futuro, com a exceção dele.



Ele era um reino, em primeiro lugar, no qual os discípulos são os cortesãos. O nosso bendito Senhor não tinha príncipes à espera, nem O Arauto Cavalheiro do Bordão Negro[2], nenhuma guarda real que o acompanhasse, quem ocupava o lugar daqueles grandes oficiais? Pois bem, uns poucos de pobres e humildes pescadores, é que eram os Seus discípulos. Aprende, então, que se tu queres ser um par no reino de Cristo, deves ser um discípulo; que estejas sentado aos Seus pés é a honra que Ele te concederá. Ouvir as Suas palavras, obedecer aos Seus mandamentos, receber a Sua graça —esta é a verdadeira dignidade, esta é a verdadeira magnificência.



O homem mais pobre que ame a Cristo, ou a mulher mais humilde que esteja disposta a aceitá-Lo como seu mestre, converte-se imediatamente num membro da nobreza que acompanha a Cristo Jesus. Que estranho reino é este, que converte pescadores em nobres, e aos camponeses em príncipes, enquanto que eles ainda continuam sendo pescadores e camponeses! Este é o reino do qual nós falamos, no qual o discipulado é o mais alto grau, no qual o serviço divino é a cédula da nobreza.



Este era um reino, e estranho é dizê-lo, no qual as leis do rei, não estão, nenhuma delas, escritas em papel. As leis do rei não são proclamadas pela boca de um arauto, mas escritas no coração. Não percebeis que na narrativa Cristo ordena aos Seus servos que vão e tomem o Seu corcel real, tal qual ele estava, e esta era a lei: “Soltai-o e deixai-o ir?” Mas, onde estava escrita a lei? Estava escrita no coração daquele homem a quem pertenciam a jumenta e o jumentinho, pois ele imediatamente disse: “Deixai-os ir” gostosamente e com grande alegria; ele considerou ser uma grande honra contribuir para o esplendor real deste grande Rei de paz.



Assim, irmãos, no reino de Cristo não vereis qualquer enorme livro de leis, nem advogados, nem procuradores, nem litigantes que tenham necessidade de interpretar a lei. O livro da lei está aqui, no coração, o advogado está aqui, na consciência, a lei já não está escrita sobre pergaminho, não está promulgada e escrita sobre aço e aflição, como foram os decretos romanos, mas sobre as tábuas de carne do coração. A vontade humana é submetida à obediência, o coração humano é moldado à imagem de Cristo, o Seu desejo torna-se o desejo dos Seus súbditos, a Sua glória o Seu principal objetivo, e a Sua lei o maior deleite das suas almas. Estranho reino este, que não necessita de leis, salvo aquelas que estão escritas no coração dos seus súbditos.



Estranho ainda, como alguns pensarão dele, este era um reino no qual as riquezas incertas não partilham o que quer que seja da sua glória. Lá cavalga o Rei, o mais pobre de todo o estado, por que aquele Rei não tinha onde reclinar a cabeça. Lá cavalga o Rei, o mais pobre de todos eles, sobre o asno pertencente a outro homem e que Ele teve de pedir emprestado. Lá cavalga, o Rei! Alguém que está para morrer brevemente; despido das Suas roupas para morrer nu e enjeitado.



E Ele ainda é o Rei do Seu reino, o Primeiro, o Príncipe, o Líder, o Coroado de toda a geração, simplesmente porque Ele tinha o mínimo. Ele era quem tinha dado mais aos outros e retido o mínimo para Si mesmo. Ele que era o menos egoísta e o mais desinteressado, Ele que viveu o máximo para os outros, era o Rei deste reino.



E olhai para os cortesãos, olhai para os príncipes! Todos eles eram pobres também; eles não tinham bandeiras para pendurar nas janelas, assim que estendiam as suas pobres roupas sobre os valados ou as penduravam nas janelas quando Ele passava. Não possuíam esplêndida púrpura para fazer um tapete para os pés do Seu asno, então eles estendiam as suas próprias roupas desgastadas pelo uso no caminho; estendiam no caminho ramas de palmeira que podiam alcançar facilmente das árvores que bordeavam os lados da estrada, porque eles não tinham dinheiro com o qual pudessem custear a despesa de uma superior celebração triunfal. Por todos os lados prevalecia a pobreza. Não havia lantejoulas de ouro, nem estandartes desfraldados, nem o soprar de trombetas de prata, nem pompa, nem circunstância!



Era o próprio triunfo da pobreza. A Pobreza entronizada sobre o trono na própria besta da Pobreza, cavalgando ao longo das ruas. Estranho reino é este, irmãos! Eu espero que o reconheçamos —um reino no qual aquele que é o chefe entre nós, não é aquele que é o mais rico em ouro, mas aquele que é o mais rico em fé; um reino que não depende de qualquer rendimento exceto do rendimento da divina graça, um reino que é oferecido a cada homem que se sente sob a sua sombra com deleite, seja rico ou pobre.



Que estranho reino é este! Mas, irmãos, aqui está alguma coisa talvez ainda mais maravilhosa, era um reino sem forças armadas. Oh, príncipe, onde estão os teus soldados? Este é teu exército? São estes os milhares de pessoas que Te servem? Onde estão as suas espadas? Eles levam ramos de palmeira. Onde estão os seus equipamentos? Quase se hão despido para pavimentar o Teu caminho com as suas roupas. Esta é a Tua hoste? Estes são os Teus batalhões? Oh que estranho reino, sem um exército! O mais estranho Rei, que não usa espada, mas cavalga avante, no meio deste povo vitorioso e para conquistar um estranho reino, no qual há a palma sem a espada, a vitória sem a batalha. Sem sangue, sem lágrimas, sem devastação, sem cidades queimadas, sem corpos mutilados! Rei de paz. Rei de paz, este é Teu domínio! Sucede o mesmo no reino sobre o qual Cristo é rei hoje, não há a força para ser usada. Se os reis da Terra dissessem para os ministros de Cristo: “Vamos emprestar-vos os nossos soldados,” a nossa resposta deveria ser: “Que poderemos fazer com eles? —como soldados eles são-nos inúteis para nós”. Foi um dia de desgraça para a Igreja quando ela pediu emprestada o exército daquele pagão ímpio, o imperador Constantino, pensando que a engrandeceria.



Ela não ganhou nada com isso exceto poluição, degradação e vergonha, e essa Igreja que pede a ajuda do braço civil para a ajudar, essa Igreja que quer estabelecer que os seus Sabbaths sejam obrigatórios para as pessoas pela força da lei, essa Igreja que quer que os seus dogmas proclamados com o ressoar dos tambores, e que quer fazer com que o punho ou a espada se convertam nas suas armas, não conhece a que espírito pertence. Estas são armas carnais. Estão fora de propósito num reino espiritual. Os Seus exércitos são pensamentos amorosos, as Suas tropas são palavras amáveis. O poder pelo qual Ele governa o Seu povo não é a mão forte e o braço estendido da polícia ou da soldadesca, porém é pelas ações de amor e pelas palavras de superabundante bênção que Ele declara o Seu soberano domínio.



Este também era um estranho reino, meus irmãos, porque ele estava desprovido de qualquer tipo de pompa. Se vós a chamais de pompa, que pompa singular era ela! Quando os nossos reis são proclamados, três estranhos indivíduos chamados arautos, como não se vê outros iguais em qualquer outra ocasião, vêm cavalgando à frente, para proclamar o rei. Estranhas são as suas vestes, romântico o seu traje, e com som de trombeta o rei é magnificamente proclamado. Depois, vem a cerimónia da coroação e como a nação se emociona de ponta a ponta com êxtase quando o novo rei está pronto para ser coroado! Que multidões enchem as ruas! Algumas vezes, nos tempos antigos, as velhas fontes eram preparadas para que fluíssem vinho, e quase não havia uma rua que não estivesse decorada com tapetes bordados por toda a parte. Mas aqui vem o Rei dos reis, Príncipe dos reis da Terra, não há qualquer brioso corcel, nem algum cavalo fazendo cabriolas que mantenha à distância os filhos da pobreza; Ele está montado sobre um asno, e enquanto cavalga para a frente fala gentilmente às crianças que aclamam: “Hosana,” e abençoa as mães e os pais da mais humilde condição, que se acumulam ao Seu redor.



Ele é acessível; Ele não está separado deles; Ele não reclama ser seu superior, mas seu servo; sendo tão pouco imponente como rei, Ele era o servo de todos eles. Sem trombetas soando —Ele estava contente com a voz dos homens, sem qualquer adorno sobre o Seu asno, mas só com as vestimentas dos Seus próprios discípulos, sem nenhuma pompa, além da pompa que alguns corações amorosos muito voluntariamente Lhe concediam. Assim prossegue a Sua cavalgata; o Seu o reino é o reino da mansidão, o reino da humilhação. Irmãos, que nós pertençamos a esse reino também; que nós sintamos nos nossos corações que Cristo tem entrado em nós para derribar todo o pensamento altivo e orgulhoso, para que cada vale seja alçado, e que cada cerro seja abatido, e a Terra inteira seja exaltada naquele dia!



Escutai em seguida, e esta talvez seja uma componente admirável do reino de Cristo —Ele veio estabelecer um reino sem impostos. Onde estão os cobradores de impostos do Rei? Vós repondeis que Ele não tinha qualquer cobrador de impostos; sim tinha, mas que imposto era esse! Cada homem, despia-se das suas vestimentas voluntariamente; Ele nunca lhes pediu isso; o Seu rendimento fluía livremente das oferendas dadas voluntariamente pelo Seu povo. O primeiro tinha emprestado a sua jumenta e o seu jumentinho, os outros tinham dado as suas roupas. Aqueles que tinham poucas roupas para partilhar, cortaram os ramos das árvores, e por uma vez, ali havia um fausto que não tinha custado nada a ninguém, ou melhor, que para ele nada foi exigido de ninguém, senão que todas as coisas foram dadas espontaneamente. Este é o reino de Cristo, —um reino que não se mantém do dízimo, nem de impostos prediais paroquiais, nem de contribuições obrigatórias para o clero na Páscoa, mas um reino que se sustenta com as oferendas voluntárias do povo disposto, um reino que não exige nada a ninguém, senão que vem ao homem com uma força mais poderosa do que a exigência, dizendo-lhe: “Tu não estás debaixo da lei, mas sob a graça, tendo sido comprado por preço”, consagra-te tu e tudo o que tens ao serviço do Rei dos Reis! Irmãos, achais-me um louco ou um fanático por falar de um reino desta espécie? De facto, seria fanatismo se afirmássemos que um simples homem poderia estabelecer um domínio assim. Mas Cristo fê-lo, e neste dia há dezenas de milhares de homens neste mundo que Lhe chamam Rei, e que sentem que Ele é mais seu Rei do que o governante da sua terra natal; que Lhe prestam uma homenagem mais sincera do que aquela que pudessem alguma vez render ao mais amado soberano, sentem que o Seu poder sobre eles é tal que não Lhe desejam resistir —o poder do amor, que as suas oferendas para Ele são tão extraordinariamente insignificantes, que por isso eles desejam dar-se completamente a si mesmos de agora em diante, isto é tudo o que eles podem fazer. Um reino maravilhoso e incomparável! É algo que não pode nunca ser encontrado na Terra.



Antes de abandonar este ponto, gostaria de comentar que este evidentemente era um reino no qual todas as criaturas eram tomadas em consideração. Porque tinha Cristo duas bestas? Havia uma jumenta e um jumentinho, cria de animal de carga; Ele montou o jumentinho porque ele nunca tinha sido montado antes. Há pouco tempo, examinei diversos comentadores para ver o que eles dizem acerca disso, e um antigo comentador fez-me rir —creio que ele também vos fará rir— ao expressar o facto de que Cristo ao ordenar aos Seus discípulos que trouxessem o filhote com a mãe nos deveria ensinar que os infantes devem ser batizados da mesma forma como os seus pais, o que me pareceu ser um argumento eminentemente digno do batismo infantil.



Pensando na matéria, de qualquer modo, considero que há uma razão melhor a aduzir, —Cristo não tolerará qualquer dor no Seu reino, Ele não tolerará que nem sequer uma jumenta sofra por Ele, e se o filhote fosse retirado à sua mãe, teria estado a pobre mãe no estábulo em casa pensando no seu filhote, e teria estado o filhote desejando regressar, como aquelas vacas que os filisteus usaram quando eles devolveram a arca, e que foram mugindo enquanto seguiam o seu caminho, porque os seus bezerros estavam em casa.



Maravilhoso reino de Cristo, no qual até a própria besta animal terá a sua porção! “Porque a criatura foi sujeita à vaidade do nosso pecado.” A besta animal sofreu porque pecámos, e Cristo tem o propósito de que o Seu reino devolva à besta animal à sua felicidade prístina. Quer fazer-nos homens misericordiosos, atenciosos inclusivamente com as bestas. Eu creio que quando o Seu reino vier plenamente, a natureza animal será restaurada à sua antiga felicidade. “O leão como o boi comerá palha. E a criança de peito brincará na toca do áspide, e a criança desmamada colocará a sua mão na toca do basilisco.” A vetusta tranquilidade do Éden, e a familiaridade entre o homem e as criaturas inferiores, retornará novamente.



E mesmo agora, onde quer que o Evangelho seja plenamente conhecido no coração do homem, esse homem começa a reconhecer que não tem qualquer direito para matar protervamente um pardal ou um verme, porque estão no domínio de Cristo, e Aquele que não quis montar um jumentinho sem que tivesse a sua mãe ao seu lado, para que pudesse estar tranquilo e feliz, não quererá que algum dos Seus discípulos pense com ligeireza ainda que seja das criatura mais insignificantes que a Sua mão tenha feito. Bendito reino este que considera até mesmo as bestas feras! Se Deus se preocupa com as reses? Ai, na verdade que O faz, e pela própria jumenta, essa herdeira do trabalho pesado, Ele também cuida. O reino de Cristo, então, preocupar-se-á tanto pelas bestas como pelos homens.



Mais uma vez: Cristo ao cavalgar através das ruas de Jerusalém, ensinou de uma maneira pública que o Seu reino haverá de ser um reino de alegria. Irmãos, quando os grandes conquistadores cavalgam através das ruas, frequentemente ouvem a alegria do povo; como as mulheres atiram rosas para o caminho; como se amontoam em volta do herói do dia, e ondeiam os seus lenços para mostrar a sua apreciação pela libertação alcançada.



A cidade foi longamente sitiada, o paladino afugentou os sitiadores, e o povo terá descanso agora. Abri de parar em par as portas; limpai as estradas e deixai vir o herói; que o pajem mais insignificante que esteja no seu séquito seja honrado neste dia por causa do libertador. Ah! Irmãos, mas nesses triunfos quantas lágrimas há que estão ocultadas!



Há uma mulher que ouve o repique dos sinos da vitória, e diz: “Ah! Vitória sem dúvida, mas eu sou uma viúva, e os meus pequeninos estão órfãos!” E desde os balcões de onde se assoma e sorri a beleza, poderá haver um esquecimento momentâneo de amigos e parentes sobre os quais em breve terão de chorar, porque cada batalha é com sangue, e cada conquista é com dor, e cada grito de vitória contem pranto, lamentação e ranger de dentes. Cada som de trombeta pela batalha ganha, não faz senão cobrir os gritos, as aflições, e as profundas agonias daqueles que se hão visto separados da sua parentela!



Mas no triunfo de Jesus, não houve lágrimas! Quando as crianças gritavam: “Hosana” elas não tinham perdido os seus pais na batalha. Quando os homens e as mulheres clamavam: “Bendito o que vem em nome do Senhor!” não tinha nenhum motivo para gritar com a respiração entrecortada, ou para estragar a sua alegria com a lembrança da desgraça. Não, no Seu reino há um gozo puro e sem mescla. Gritai, gritai, vós que sois súbditos do Rei Jesus! Podereis ter aflições, mas não provenientes dEle; podereis enfrentar-vos com problemas porque estais no mundo, mas elas não vêm dEle. O Seu serviço é perfeita liberdade. Os Seus caminhos são caminhos deleitosos, e todas as Suas veredas são de paz.



“Alegre-se o mundo, o Salvador chega.

O Salvador há muito prometido;

Prepare cada coração uma melodia

E cada voz uma canção.”



Ele vem para limpar as vossas lágrimas e não para provocá-las; Ele vem para levantar-vos do lamaçal e colocar-vos sobre o Seu trono, para tirar-vos das vossas masmorras e para vos permitir que salteis em liberdade.



“As bênçãos abundam onde Ele reina.

O prisioneiro salta e é libertado das suas cadeias:

O cansado encontra eternal descanso.

E todos os filhos da necessidade são abençoados.”



Singular reino este!



IV. E agora chego ao meu quarto e último tópico. O Salvador, na Sua entrada triunfal na capital dos Seus pais declarou-nos muito claramente os efeitos práticos do Seu reino. Ora, quais são eles? Um dos primeiros efeitos foi que a cidade inteira se comoveu. O que significa isto? Significa que toda a gente tinha alguma coisa a dizer sobre isto, e que cada pessoa sentiu alguma coisa porque Cristo cavalgou através das ruas.



Havia alguns que se inclinavam do topo das suas casas, e olhavam a rua e diziam uns para os outros — “Ah! já viram brincadeira mais tola do que esta? Humpf! Lá vai Jesus de Nazaré, lá em baixo, montando um asno! Certamente se Ele pretendia ser rei podia ter escolhido um cavalo. Olha para Ele! Chamam a isto pompa! Lá está um velho pescador que acaba de estender no solo a sua roupa fedorenta; atrevo-me a dizer que nessas roupas havia peixes há uma ou duas horas atrás? “Olha,” diz um, “vê aquele velho mendigo lançando gozoso o seu gorro para o ar! “Aha!” dizem eles, “Houve alguma vez algo tão ridículo como isto?”



Eu não posso expressá-lo nos mesmos termos como eles o teriam descrito: se o pudesse, creio que o faria. Eu gostaria de fazer-vos ver quão ridículo isto deve ter parecido ao povo. Porque, se o próprio Pilatos tivesse ouvido sobre isso, teria dito —“Ah! Não há muito a temer disto. Não há nenhum temor que esse homem derrube César alguma vez; não há temor de que alguma vez derrote um exército. Onde estão as suas espadas? Não há uma só espada entre eles! Não dão gritos que soem a rebelião; os seus cantos são somente alguns versos religiosos tomados dos Salmos.” “Oh!” diz ele, “Todo este assunto é desprezível e ridículo.”



E esta era a opinião de muitíssimas pessoas em Jerusalém. Talvez esta seja a tua opinião, meu amigo. O reino de Cristo, dizes tu, é ridículo; talvez não creias que haja alguém que seja governado por Ele ainda que nós digamos que nós O temos como nosso Rei, e que sentimos que a lei do amor é uma lei que nos constrange a doce obediência. “Oh” dizes, “isto é fingimento e hipocrisia.” E há alguns que assistem em lugares que contam com incensórios de ouro, e altares, e sacerdotes e dizem: “Oh! Uma religião que é tão simples —cantando uns poucos de hinos, e oferecendo uma improvisada oração! — Ah! Dêem-me um bispo com uma mitra —um bom tipo metido numa casula— que isso é o que necessito.” “Oh!,” diz outro, “quero ouvir o ressoar de um órgão; necessito ver que a coisa se faça cientificamente, quero ver umas quantas vestimentas sagradas também; que surja o homem coberto em roupas apropriadas para mostrar que ele é algo diferente do resto do povo; não há-de estar vestido como se fosse um homem ordinário; tenho de ver na adoração algo de diferente de todas as coisas que eu já tivesse visto antes.”



Querem que o assunto seja enroupado com alguma pompa, e porque não é assim eles dizem — “Ah! Humpf!” Ridicularizam-nO, e isto é tudo o que Cristo recebe das multidões de homens que se acham excessivamente sábios. Ele é para eles loucura e eles passam por Ele de largo, com desprezo. Os vossos escárnios tornar-se-ão em breve lágrimas, senhores! Quando Ele vier com pompa e esplendor régios, vós chorareis e lamentar-vos-eis, porque repudiastes o Rei da Paz.



“O Senhor virá! De uma forma terrível,

Com grinalda de arco-íris e manto de tempestade,

Com voz de querubim e asas de vento,

O Juiz designado de toda a humanidade.”



Então descobrireis que foi algo perturbador tê-Lo tratado com desprezo. Sem dúvida, havia outros em Jerusalém, que estavam cheios de curiosidade. Diziam —“Meu Deus, o que pode ser isto? O que significa isto? O que é isto? Quem é este indivíduo? Gostaria que viesses,” diziam ao seu vizinho, “e nos contasses a história deste homem singular, gostaríamos de conhecê-la.” Alguns deles comentavam: “Ele foi para o templo, atrever-me-ia a dizer que Ele fará um milagre,” assim que saíam correndo, e entre apertões, e cotoveladas, amontoavam-se para presenciar o milagre. Eram como Herodes, pois desejavam ver algum portento operado por Ele. Este era também o primeiro dia da chegada de Cristo, e, é claro o entusiasmo podia durar uns nove dias se Ele prosseguisse, e assim sentiam muita curiosidade sobre isso.



E isso é tudo o que Cristo obtém de milhares de pessoas. Ouvem sobre um reavivamento da religião. Bem, gostariam eles de saber do que se trata, e de se inteirar a esse respeito. Há alguma coisa acontecendo em tal e tal local de adoração; bem, eles gostariam de lá ir mesmo que fosse somente para ver o lugar. “Há um estranho ministro dizendo coisas esquisitas, vamos ouvi-lo. Nós tínhamos planeada uma excursão” —vós próprios sabeis a quem me estou referindo— “nós tínhamos a intenção de fazer uma excursão hoje.” Dizes tu, “Porém, ao invés disto, vamos até lá.”



Realmente trata-se disto: pura curiosidade, pura curiosidade; isto é tudo o que Cristo recebe hoje, e Ele que morreu na Cruz converte-se num tema de uma história vã, e Aquele que é Senhor dos anjos e adorado pelos homens, é tema de conversação como se fosse um Mago do Norte ou se trata-se de algum impostor excêntrico! Ah! Daqui a pouco, reconhecereis ser perturbador tê-Lo tratado assim; porque quando Ele vier, e quando todo o olho O ver, vós que perguntastes acerca dEle por simples curiosidade, descobrireis que Ele se informará sobre vós, não com animosidade, mas com ira, e dirá —“Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno.”



Mas, no meio da multidão havia algumas pessoas que ainda foram piores, porque presenciavam o assunto todo com inveja. “Ah!” disse o Rabi Simeão para o Rabi Hillel. “O povo nunca se comprazeu tanto connosco. Nós sabemos muito mais do que esse impostor; nós havemos lido a fundo todos os nossos textos religiosos.” “Não te recordas dEle,” disse alguém, “que quando Ele era menino, era bastante precoce? Lembras-te quando Ele veio ao templo e conversou connosco, e já desde então Ele enganava o povo” querendo dizer com isso que Ele os havia eclipsado; que Ele era mais estimado nos corações da multidão do que eles o eram, embora eles fossem altamente orgulhosos.



“Oh!” disse o fariseu, “ele não usa nenhumas filactérias, e eu fiz as minhas bem grandes; eu fiz as minhas roupas quase todas com bordas, para que elas pudessem ser superiores.” “Ah!” diz outro. “Eu dizimo a minha menta, o meu anis e o meu cominho, e fico no canto das ruas e toco a trombeta quando dou um centavo, e, ainda assim, o povo não me põe sobre um jumento; não me aplaudem nem me saúdam com um ‘Hosana’; mas a terra inteira vai atrás deste homem como um bando de crianças. Além disso, pensa entrar no templo para perturbar os que são melhores do Ele, perturbando-nos a nós que fazemos uma exibição das nossas pretensas orações, de pé no pátio!”



E isto é o que Cristo obtém de um grande quantidade de pessoas. Eles não gostam de ver a causa de Cristo progredir. Pelo contrário, gostariam que Cristo fosse rebaixado para que eles se pudessem engordar com o despojo, quereriam que a Sua igreja fosse desprezível. Encanta-os inteirarem-se das quedas de ministros cristãos. Se eles pudessem achar alguma falha num cristão, “reportai-a, reportai-a, reportai-a,” dizem eles. Mas se um homem anda honestamente, se glorifica a Cristo, se a Igreja cresce, se almas são salvas, imediatamente há tumulto e toda a cidade se movimenta; uma completa algazarra começa e é conduzida com falsidade, fazendo acusações, e calúnias contra o caráter do povo de Cristo. De um modo ou de outro, os homens serão indefetivelmente movidos; se não são movidos ao escárnio, se não são movidos a investigar, então, são movidos à inveja. Mas foi uma bênção que algumas pessoas de Jerusalém tivessem sido movidas a regozijar-se.



Oh! Houve muitos que como Simeão e Ana se regozijaram por ver aquele dia, e muitos deles foram para casa e disseram: “Agora, Senhor, podes despedir em paz o Teu servo, porque os meus olhos viram a Tua salvação.” Houve muitas mulheres que descansavam nos seus leitos enfermas, nos becos afastados do centro de Jerusalém, que se sentaram nas suas camas, dizendo: “Hosana!”, e desejaram descer para a rua para estender os seus velhos mantos no caminho, e inclinar-se diante dAquele que era o Rei dos Judeus. Havia muitos olhos lacrimejantes que secaram as suas lágrimas naquele dia, e muitos crentes atribulados que começaram naquela hora a regozijar-se com indescritível alegria. E assim, há alguns de vós que ouvis de Cristo o Rei com alegria. Uni-vos ao canto do hino, não como todos nós fazemos, unindo-nos com as nossas vozes, mas com o corarão.



“Regozijai-vos, o Salvador reina,

O Deus de paz e amor

Quando Ele purificou as nossas manchas.

Tomou o Seu assento nas alturas

Regozijai-vos, Regozijai-vos!

Regozijai-vos em alta voz, vós santos, Regozijai-vos!”



Este é, então, o primeiro efeito do reino de Cristo! Seja onde for que Ele chegue, a cidade é agitada. Não creiam que o Evangelho está realmente sendo pregado se não causa uma comoção. Não creiam, meus irmãos, que o evangelho está sendo pregado à maneira de Cristo, se não irrita a uns e alegra a outros; se não faz muitos inimigos e alguns amigos.



Há ainda outro efeito prático do reino de Cristo. Ele subiu ao templo e lá, junto a uma mesa, estavam sentados um grupo homens com cestas que continham pares de pombas. “Quer pombas, senhor, quer pombas?” Ele olhou-os e disse: “Tirai essas coisas daqui.” Ele falou com santo furor. Havia outros que trocavam o dinheiro conforme o povo entrava para pagar o seu meio siclo. Ele derrubou as mesas e fez com que todos se retirassem, e logo esvaziou completamente o átrio de todos estes mercadores que obtinham lucro da piedade, e que fazem da religião um pretexto para o seu próprio emolumento.



Agora, isto é o que Cristo faz onde que Ele chega. Eu quereria que Ele viesse com mais frequência à Igreja de Inglaterra, e a purgasse da venda de nomeações, a despojasse dessa maldita simonia que é ainda tolerada pela lei e a purgasse dos homens que são malversadores, que tomam o que pertence aos ministros de Cristo, e o aplicam para seu próprio uso. Eu quereria que Ele viesse a todos os nossos lugares de adoração, para que de uma vez por todas pudesse ser visto que aqueles que servem a Deus, O servem porque O amam, e não pelo que possam obter com isso. Eu gostaria que cada pessoa que professa a religião pudesse estar muito limpa na sua própria consciência, de que nunca fez uma profissão para alcançar respeitabilidade ou alcançar a estima, mas apenas que o fez somente para honrar a Cristo e glorificar o seu Senhor.



O significado espiritual disso tudo é este —Nós não temos casas de Deus agora: tijolos e argamassa não são santos, os lugares onde nós adoramos a Deus são lugares de adoração, mas não são a casa de Deus depois que havemos saído deles. Não cremos na superstição que torna um lugar qualquer sagrado, mas que nós somos o templo de Deus. Os próprios homens são os templos de Deus, e onde Cristo chega expulsa os compradores e os vendedores, e expurga todo o egoísmo. Eu nunca crerei que Cristo, o Rei, haja convertido o teu coração no Seu palácio, a menos que sejas abnegado. Oh, quantos professantes há que querem obter tanta honra, tanto respeito! Quanto a dar aos pobres, e pensar que é mais bem-aventurado dar do que receber; quanto a alimentar o faminto e a vestir o nu, quanto a viver para os demais e não para si mesmos —não pensam em nada disso. Ó Senhor, vem ao Teu templo e expele o nosso egoísmo! Vem agora, tira todas aquelas coisas que propiciam servirmos a Mamom a servirmos a Deus; ajuda-nos a viver para Ti, e a vivermos para os outros vivendo para Ti, e que não vivamos para nós mesmos!



O último efeito prático do reino de nosso Senhor Jesus Cristo foi que Ele teve uma grande receção, teve-a, se me é permitido falar assim, um dia de audiências; e quem foram as pessoas que estiveram presentes? Agora, vós cortesãos, os discípulos, que hão vindo para ajudá-Lo, mostrai a vossa nobreza e a vossa gentileza. Aqui vem um homem que tem uma ligadura por aqui, e o seu outro olho quase cego — aze-o passar, aqui vem outro, os seus pés estão todos torcidos e desfigurados— fazei-o passar, aqui vem outro coxeando sobre duas muletas, ambas as pernas estão aleijadas; e outro indivíduo perdeu completamente as pernas. Aqui vêem e aqui está a recepção. O próprio Rei vem aqui e prepara uma grande reunião, e os cegos e os coxos são Seus convidados, e agora Ele aproxima-Se, e toca a esse cego e a luz brilha; Ele fala a este homem com a perna seca, e ele caminha; Ele toca dois olhos de uma vez e ambos vêem; e a outro diz: “Vou tirar-te as tuas muletas, põe-te ereto e regozije-te e salta com gozo.”



Isto é o que Rei faz onde quer que Ele chega. Vem aqui esta manhã, suplico-Te, grandioso Rei! Há olhos cegos aqui que não podem ver a Tua beleza. Caminha, Jesus, caminha no meio desta multidão e toca os olhos. Ah! Então, irmãos, se Ele fizesse isto, vós diríeis: “há uma beleza nEle que eu nunca vira anteriormente.” Jesus, toca os seus olhos, pois eles não podem curar a sua própria cegueira, mas cura-a Tu! Ajuda-os a olhar para Ti, pendurado na cruz! Eles não podem fazê-lo a menos que Tu os habilites. Que o façam agora, e encontrem vida em Ti! Ó Jesus, há alguns aqui que estão coxos, há joelhos que não podem dobrar-se; nunca hão orado; há alguns aqui cujos pés não querem correr no caminho dos Teus mandamentos —pés que não querem levá-los aonde o Teu nome é louvado, e onde és tido em honra. Caminha, grandioso Rei, caminha em solene pompa por toda esta casa, e fá-la semelhante ao templo da antiguidade! Aplica aqui o Teu poder e mantêm a Tua grandiosa reunião curando os coxos e sarando os cegos “Oh!” disse um, “eu queria que Ele abrisse os meus olhos.” Alma, Ele o fará. Sussurra a tua oração agora, e assim o farás, porque Ele está junto de ti agora. Está parado ao teu lado, Ele fala-te e diz-te —”Olha para Mim e sê salvo, tu que és o mais vil dos vis.”



Há outro que diz “Senhor: eu quero ser curado.” Ele responde —“Então sê curado.” Crê nEle e Ele salvar-te-á. Ele está próximo de ti, irmão. Ele não está no púlpito mais do que está no banco, nem num banco mais do que noutro. Não digas —”Quem irá ao Céu para O encontrar, ou às profundezas para trazê-Lo?” Ele está perto de ti; Ele escutará a tua oração mesmo que tu não fales; Ele escutará o teu coração quando fales. Oh! Diz-Lhe —“Jesus, cura-me” e Ele o fará: Ele o fará agora. Sussurremos uma oração, e logo nos iremos.



Jesus, cura-nos! Salva-nos Filho de David, salva-nos! Tu vês quão cegos nós estamos —Oh! Concede-nos a visão da fé! Tu vês quão coxos nós estamos —Oh! Dá-nos a força da graça! E agora, agora mesmo, Tu, Filho de David, purifica o nosso egoísmo, e vem e vem e reina em nós como nos Teus templos e palácios! Nós Te pedimos isto, ó tu grandioso Rei, por Teu nome. Ámen.” E antes de abandonarmos este lugar, clamemos novamente: “Hosana, hosana, hosana. Bendito o que vem em nome do Senhor.”


[1] Inconsútil: sem costura. Utiliza-se usualmente falando da túnica de Jesus Cristo.
[2] O Arauto Cavalheiro do Bordão Negro, em geral, abreviado para apenas Black Rod, é um funcionário nos parlamentos de vários países da Comunidade das Nações.

Notas e Tradução de Carlos António da Rocha

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