… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Sermão n.º 5





C. H. Spurgeon

Sermão n.º 5
“O Consolador” (The Comforter), pregado a noite do domingo, 21 de Janeiro de 1855, por Charles Haddon Spurgeon, na Capela New Park Street, Southwark, Londres.

“Mas, aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito.” (Jo 14:26, ARC, Pt)



O bom ancião Simeão chamou a Jesus “a consolação de Israel” e na verdade Ele a foi. Antes da Sua aparição real, o Seu nome era o “Luzeiro da Manhã” que ilumina a escuridão e profetiza a chegada da alva. Para Ele olhavam, com a mesma esperança que alenta o sentinela nocturno, quando da solitária ameia do castelo divisa a mais formosa das estrelas e a aclama como pregoeira da manhã.

Quando estava na Terra, foi a consolação daqueles que gozaram do privilégio de ser dos Seus companheiros. Podemos imaginar quão rapidamente iam a Cristo os discípulos para Lhe comentar as suas aflições, e quão docemente lhes falava e dissipava os seus temores com aquela inigualável entonação da Sua voz. Como filhos, eles O consideravam como um Pai; a Ele apresentavam toda a carência, todo o gemido, toda a angústia e toda a agonia, e Ele, qual sábio médico, tinha um bálsamo para cada ferida; Ele tinha confecionado um cordial[1] para cada uma das suas penas; e dispensava prontamente um potente remédio para mitigar toda a febre das suas tribulações. Oh, deve ter sido muito doce viver com Cristo! Na verdade, as aflições então não eram senão gozos mascarados, porque proporcionavam a oportunidade de ir a Jesus para alcançar o Seu alívio. Oh, se tivéssemos podido repousar as nossas cabeças sobre o peito de Jesus, e se o nosso nascimento tivesse sido naquela época feliz o que nos teria permitido escutar a Sua voz amável, e contemplar o Seu terno olhar, quando dizia: “Vinde a Mim todos os que estais cansados e oprimidos”!

Porém, agora, aproximava-se a hora da Sua morte. Grandes profecias estavam para ter o seu cumprimento, e grandes propósitos estavam para ser cumpridos, e por isso, Jesus devia partir. Era mister[2] que sofresse, para que viesse a ser a propiciação pelos nossos pecados. Era mister que dormitasse durante um tempo no pó, para que pudesse perfumar a câmara do sepulcro a fim de que:

“Não fosse mais um ossário que cerque
As relíquias da perdida inocência.”

Era mister que tivesse uma ressurreição, para que nós, que um dia seremos os mortos em Cristo, ressuscitemos primeiro, e nos levantemos sobre a Terra em corpos gloriosos. E era mister que subisse ao alto para levar cativo o cativeiro, para encadear os demónios do Inferno, para atá-los às rodas da Sua carruagem e arrastá-los costa acima até à colina do alto Céu, para fazê-los viver uma segunda derrota que será infligida pela Sua dextra quando os arroje desde os pináculos do Céu até às mais fundas profundidades de abaixo. “Convém-vos que eu vá”, disse Jesus, “porque se Eu não for, o Consolador não virá a vós.”

Jesus deve partir. Chorai vós que sois Seus discípulos. Jesus tem de partir. Lamentai-vos, vós, pobres criaturas, que tendes de ficar sem um Consolador. Mas, escutai quão meigamente Jesus fala: “Não vos deixarei órfãos.” “Eu rogarei ao Pai, e vos dará outro Consolador, para que esteja convosco para sempre.” Ele não deixará sozinhas, no deserto, a essas pobres, escassas ovelhas; Ele não desamparará os Seus filhos deixando-os órfãos. Não obstante, Ele tinha uma poderosa missão que na verdade Lhe ocupava a alma e a vida; não obstante, Ele tinha tanto que levar a cabo, que teríamos podido pensar que inclusive o Seu gigantesco intelecto estaria sobrecarregado; não obstante, Ele tinha tanto que sofrer, que poderíamos supor que a Sua alma inteira estava concentrada no pensamento dos sofrimentos que tinha de suportar, todavia, não foi assim; antes de ir-Se embora proporcionou reconfortantes palavras de consolo; como o bom samaritano, derramou azeite e vinho; e nós vemos o que Ele prometeu: “Enviar-vos-ei outro Consolador; um que será justo, como Eu fui, e, inclusive, será algo mais: consolar-vos-á nas vossas angústias, dissipará as vossas dúvidas, reconfortar-vos-á nas vossas aflições, e estará como Meu vigário na Terra, para fazer o que Eu teria feito, se Eu tivesse ficado convosco.”

Antes que pregue sobre o Espírito Santo como Consolador, devo fazer uma ou duas observações a respeito das diferentes traduções da palavra “Consolador.” A tradução da Bíblia de Reims, que vós sabeis que foi adotada pelos Católicos romanos, optou por deixar essa palavra no idioma original, e a oferece como “Paráclito.” “Mas o Paráclito, ou Espírito Santo, a quem o Pai enviará em Meu nome, Ele vos ensinará todas as coisas, e vos recordará tudo o que Eu vos hei dito.” Esta é a palavra grega original, que significa outras coisas além de “Consolador.” Algumas vezes quer dizer monitor ou instrutor: “Enviar-vos-ei outro monitor, outro professor.” Frequentemente significa: “Advogado”; mas o significado mais comum da palavra é o que temos aqui: “Enviar-vos-ei outro Consolador.” Todavia, não podemos passar por cima dessas outras duas interpretações, sem dizer algo sobre elas.

“Enviar-vos-ei outro professor.” Jesus Cristo foi o professor oficial dos Seus santos enquanto esteve na Terra. A ninguém chamaram Rabi exceto a Cristo. Não se sentaram aos pés de nenhum homem para aprender as suas doutrinas, porém, receberam-nas diretamente dos lábios dAquele de quem se disse: “Jamais homem algum falou como este homem!” “E agora”, diz Ele “quando Me for, onde podereis encontrar o grande mestre infalível? Terei de constituir-vos um Papa em Roma, a quem ireis, e o qual será o vosso oráculo infalível? Dar-vos-ei os concílios da Igreja que terão por finalidade decidir de todos os pontos complicados?” Cristo não disse tal coisa. “Eu sou o Paráclito ou o Professor infalível, e quando Eu for, enviar-vos-ei outro Professor e Ele será a pessoa que deverá explicar-vos a Escritura; Ele será o oráculo de Deus com autoridade que tornará claras todas as coisas escuras, desvendará os mistérios, desenredará todos os nós da Revelação e far-vos-á entender aquilo que não poderíeis descobrir, a não ser pela Sua influência. “E, amados, ninguém aprende retamente algo, se não é ensinado pelo Espírito. Podereis aprender a eleição, e podereis conhecê-la de tal maneira que fosseis condenados por isso, se não fosseis ensinados pelo Espírito Santo, pois tenho conhecido algumas pessoas que aprenderam a lição da eleição para destruição das suas almas; aprenderam-na a tal ponto que disseram que eram dos eleitos, enquanto que, não possuíam sinais, nem evidências e nem qualquer obra do Espírito Santo nas suas almas. Há uma forma de aprender a verdade na universidade de Satanás, e de sustentá-la na libertinagem; mas, se assim for, será para as vossas almas como veneno nas vossas veias, e demonstrará ser a vossa ruína eterna. Ninguém pode conhecer a Jesus Cristo a menos que seja ensinado por Deus. Não há doutrina da Bíblia que possa ser aprendida de maneira segura, plena e verdadeira, exceto pela agência do único Professor que possui a autoridade. Ah!, não me falem dos sistemas nem dos esquemas da teologia; não me falem de comentadores infalíveis, ou de doutores extremamente instruídos e extremamente arrogantes; porém, falem-me do Grandioso Professor que nos instruirá a nós, os filhos de Deus, e nos fará sábios para entendermos todas as coisas. Ele é o Professor; não importa o que este ou esse homem digam; não me apoio na jactanciosa autoridade de ninguém, nem tampouco, vós o fazeis tampouco. Vós não vos deixais levar pela astúcia dos homens, nem pelo ardil das palavras; este é o oráculo que conta com a autoridade —o Espírito Santo, que descansa nos corações dos Seus filhos.

A outra tradução é Advogado. Alguma vez pensaram como pode dizer-se que o Espírito Santo seja um Advogado? Vós sabeis como Jesus Cristo é chamado Admirável, Conselheiro, Deus forte; mas, por que se pode dizer que o Espírito Santo é um Advogado? Eu suponho que é por isso: Ele é um Advogado na Terra para argumentar contra os inimigos da Cruz. Por que é que Paulo pôde argumentar com tanta eficácia ante Félix e Agripa? Por que é que os Apóstolos permaneceram impertérritos diante dos magistrados, e puderam confessar o Seu Senhor? Por que é que tem acontecido que, em todos os tempos, os ministros de Deus se tornassem intrépidos como leões, e as suas frontes fossem mais firmes que o bronze, os seus corações mais rígidos que o aço, e as suas palavras como a linguagem de Deus? Ora, é simplesmente por esta razão: não era o homem quem argumentava, era, porém, Deus, o Espírito Santo, quem argumentava por seu meio. Nunca vistes, em alguma ocasião, um ministro denodado, com mãos alçadas e olhos cheios de lágrimas, argumentando com os filhos dos homens? Nunca admirastes esse quadro proveniente da mão do velho John Bunyan? —Uma pessoa grave com os olhos alçados ao Céu, o melhor dos livros na sua mão, a lei da verdade escrita nos seus lábios, o mundo atrás das suas costas, estando em posição de argumentar com os homens, e com uma coroa de ouro colocada sobre a sua cabeça. Quem deu a esse ministro um comportamento tão bendito e um assunto tão excelente? De onde proveio a sua destreza? Acaso a obteve na universidade? Acaso a aprendeu no seminário? Ah, não!; aprendeu-a do Deus de Jacob; aprendeu-a do Espírito Santo, pois o Espírito Santo é o grandioso conselheiro que nos ensina como advogar a Sua causa retamente.

Mas, além disto, o Espírito Santo é o Advogado nos corações dos homens. Ah!, conheci homens que rejeitam uma doutrina até que o Espírito Santo começa a iluminá-los. Nós, que somos os Advogados da verdade, somos, frequentemente, uns muito pobres argumentadores; danificamos a nossa causa por culpa das palavras que usamos; porém, é uma misericórdia que a alegação por escrito esteja na mão de um argumentador especial, que advogará com êxito e vencerá a oposição do pecador. Acaso, alguma vez vos haveis inteirado que jamais tivesse falhado? Irmãos, dirijo-me às vossas almas: Deus não vos convenceu de pecado em tempos passados? Não veio o Espírito Santo e vos demonstrou que éreis culpados, ainda que nenhum ministro tivesse podido tirar-vos jamais da vossa justiça própria? Não advogou Ele a justiça de Cristo? Não chegou para vos dizer que as vossas obras eram como um trapo de imundície? E, quando já quase tínheis decidido não escutar a Sua voz, não trouxe Consigo o tambor do Inferno fazendo-o soar junto dos vossos ouvidos, e pedindo-vos que olhásseis através da perspectiva dos anos futuros para ver o trono estabelecido, e os livros abertos, e a espada brandida, e o Inferno ardendo, e os diabos gritando, e os condenados chiando para sempre? E não vos convenceu, dessa maneira, do julgamento vindouro? Ele é um poderoso Advogado quando argumenta na alma a respeito do pecado, da justiça e do julgamento vindouro. Bendito Advogado! Argumenta no meu coração, argumenta com a minha consciência! Quando peque, infunde valor à minha consciência para que me diga isso; quando erre, faz falar a consciência imediatamente; e quando me aparte e vá por caminhos torcidos, então advoga a causa da justiça, e ordena-me que fique em confusão, conhecendo a minha culpabilidade aos olhos de Deus.

Porém, há ainda outro sentido no qual o Espírito Santo intercede, e é que advoga a nossa causa junto de Jesus Cristo, com gemidos inexprimíveis. Oh minha alma! Tu estás a ponto de estalar dentro de mim! Oh meu coração! Tu estás cheio de dor; a maré ardente da minha emoção está muito perto de transbordar os canais das minhas veias. Anelo falar, mas o próprio desejo encadeia a minha língua. Desejo orar, mas o ardor do meu sentimento reprime a minha linguagem. Há um gemido interior que não pode ser expresso. Sabeis Quem pode expressar esse gemido, Quem pode entendê-lo, e Quem pode pô-lo numa linguagem celestial e enunciá-lo na língua do Céu, para que Cristo o ouça? Oh, sim!, é Deus, o Espírito Santo; Ele advoga a nossa causa com Cristo, e logo Cristo a advoga junto do Seu Pai. Ele é o Advogado que intercede por nós com gemidos inexprimíveis.

Tendo explicado assim o ofício do Espírito como Professor e como Advogado, chegamos agora à tradução de nossa versão: o Consolador; e aqui terei três divisões. Em primeiro lugar, o consolador; em segundo lugar, o consolo; e em terceiro lugar, o consolado.

I. Primeiro, então, temos o CONSOLADOR. Permiti que eu repasse brevemente na minha mente e também nas vossas, as características deste glorioso Consolador. Permiti que eu vos diga alguns dos atributos do Seu consolo, para que entendais quão convenientemente adaptado é para o vosso caso.

E primeiro, assinalaremos que Deus, o Espírito Santo, é um Consolador muito amoroso. Encontro-me turbado e necessito de consolação. Algum transeunte se inteira da minha aflição, e entra, senta-se e procura animar-me; diz-me palavras reconfortantes; mas ele não me ama, é um estranho que não me conhece de todo, e só entrou para provar a sua habilidade; e qual é o resultado? As suas palavras resvalam sobre mim como o azeite numa laje de mármore; são como a chuva que tamborila sobre a rocha; não interrompem a minha dor, que permanece impassível como o diamante, já que ele não sente amor por mim. Mas, se alguém que me amasse encarecidamente como à sua própria vida, viesse e argumentasse comigo, então, na verdade, as suas palavras se converteriam em música; sabem a mel; ele conhece a contra-senha que abre as portas do meu coração, e o meu ouvido está atento a cada palavra; capto a entonação de cada sílaba ao ser dita, pois é, como a harmonia das harpas do Céu. Oh! Há uma voz apaixonada que fala uma linguagem que lhe é própria, um idioma e um sotaque que ninguém poderia imitar; a sabedoria não o poderia imitar; a oratória não o poderia alcançar. O amor é o único que pode alcançar o coração enfermo; o amor é o único lenço que pode enxugar as lágrimas do homem enfermo. E, não é o Espírito Santo um amoroso Consolador? Sabes, oh santo, quanto te ama o Espírito Santo? Podes medir o amor do Espírito? Conheces quão grande é o afeto da Sua alma por ti? Anda, mede o Céu com o teu palmo; anda, pesa os montes com a balança; anda, toma a água do oceano, e conta cada gota; anda, conta a areia sobre a vasta praia do mar; e quando tiveres completado isto, poderás dizer quanto te ama. Ele tem-te amado por muito tempo; amou-te grandemente, amou-te sempre; e ainda te amará. Na verdade, Ele é a Pessoa que te há-de consolar, porque te ama. Então, dá-Lhe entrada no teu coração, oh Cristão, para que te console na tua calamidade.

Mas, além disso, Ele é um Consolador fiel. O amor algumas vezes resulta ser infiel. “Oh, mais daninho que o colmilho de uma serpente” é um amigo infiel! Oh, muito mais amargo que o fel da amargura é ter um amigo que me dê as costas na minha aflição! Oh! A angústia da calamidade é ter alguém que me ama na minha prosperidade e me abandone no tenebroso dia da minha tribulação! É verdadeiramente triste: mas o Espírito de Deus não é assim. Ele ama eternamente, e ama até ao fim —Ele é um Consolador fiel. Filho de Deus: tu tens problemas. Muito recentemente descobriste que Ele era um Consolador doce e amoroso; proporcionou-te alívio quando outros não foram senão cisternas rotas; Ele albergou-te no Seu seio, e levou-te nos Seus braços. Oh, por que motivo desconfias dEle agora? Desprezas os teus temores, pois Ele é um Consolador fiel! “Ah!, mas”, dizes tu “temo que adoecerei e me verei privado das Suas ordenanças.” Não obstante, Ele visitar-te-á no teu leito de doente, e sentar-Se-á junto a ti para te proporcionar a consolação. “Ah!, mas eu tenho angústias maiores das que possas conceber; muitas ondas e ondas passam sobre mim; um abismo chama a outro abismo à voz das cascatas do Eterno.” Todavia, Ele será fiel à Sua promessa. “Ah!, mas eu tenho pecado.” Isso tens feito, mas, o pecado não pode apartar-te do Seu amor; Ele ainda te ama. Não penses, oh pobre filho abatido de Deus, que devido a que as cicatrizes dos teus velhos pecados tenham desfigurado a tua beleza, Ele te ame menos por causa dessa imperfeição. Oh, não! Ele amou-te mesmo quando ainda tinha um conhecimento antecipado do teu pecado; Ele amou-te sabendo qual seria o agregado da tua maldade; e não te ama menos, agora. Aproxima-te dEle com todo o valor da fé; diz-Lhe que O tens entristecido, e Ele esquecerá o teu desencaminhamento e receber-te-á de novo; os beijos do Seu amor serão colocados sobre ti, e tomar-te-á nos braços da Sua graça. Ele é fiel: confia nEle; Ele jamais te enganará; confia nEle: jamais te abandonará.

Além disso, Ele é um Consolador infatigável. Algumas vezes eu tratei consolar a certas pessoas que são provadas. Ocasionalmente, enfrentas-te com o caso de uma pessoa nervosa. Pergunta-lhe: “O que é que te aflige?”; essa pessoa responde-te, e tu procuras retirar o problema, se fosse possível, mas, enquanto estás preparando a tua artilharia para demolir o problema, descobres que mudou a sua morada e está ocupando uma posição muito diferente. Tu mudas o teu argumento e começa de novo; mas, eis aqui, moveu-se outra vez, e tu estás sobressaltado. Sentes-te como Hércules quando cortava as cabeças da Hidra, que sempre voltavam a crescer, e renúncias à tua tarefa com desespero. Encontras-te com pessoas a quem é impossível consolar, que nos recordam o homem que se encadeou a si mesmo com grilhões e se desfez da chave de tal forma que ninguém o podia libertar. Tenho-me encontrado com pessoas aprisionadas com os grilhões do desespero. “Oh, eu sou o homem”, dizem eles “que tem visto a aflição; compadecei-vos de mim, compadecei-vos de mim, oh meus amigos”; e quanto mais procures consolar as pessoas assim, pior ficam; e por isso, desacorçoados, deixamo-los vagar pelas tumbas dos seus gozos anteriores. Mas, o Espírito Santo nunca Se desacorçoa com quem deseja consolar. Ele tenta consolar-nos e nós evitamos o doce cordial; Ele dá-nos uma doce beberagem para nos curar, e nós não queremos bebê-la; Ele dá-nos uma prodigiosa poção para afastar todos os nossos problemas, e nós metê-mo-la de lado. Mesmo assim, Ele persegue-nos; e ainda nós dizemos que não queremos ser consolados, Ele afirma que sê-lo-emos, e quando Ele diz algo, cumpre-o. Ele não Se desalentará por todos os nossos pecados, nem por todas as nossas murmurações.

E, oh que sábio Consolador é o Espírito Santo. Job tinha consoladores, e, penso que ele disse a verdade quando afirmou: “Consoladores molestos sois todos vós.” Mas, atrevo-me a dizer que eles se consideravam sábios; e, quando o jovem Eliú se levantou para falar, eles pensaram que transbordava todo um mundo de impudência. Acaso não eram eles “Veneráveis, dignos e muito poderosos senhores[3]“? Acaso não compreendiam eles a sua dor e a sua aflição? Se eles não podiam consolá-lo, quem poderia fazê-lo? Mas eles não descobriram a causa. Eles pensaram que ele não era realmente um filho de Deus, e que, pelo contrário, criam que ele tinha justiça própria, e por isso, deram-lhe o medicamento equivocado. É uma situação terrível quando o doutor diagnostica equivocadamente a enfermidade e dá uma prescrição errónea, e assim, talvez, mata o paciente. Algumas vezes, quando vamos e visitamos as pessoas, confundimos a sua enfermidade: queremos aliviá-los sobre este ponto, quando não requerem esse tipo de alívio absolutamente, e seria muito melhor que as deixássemos sozinhas, tão arruinadas por causa de consoladores tão molestos como somos nós. Mas, oh, quão sábio é o Espírito Santo! Ele toma a alma, põe-na sobre a mesa, e executa a disseção num instante; encontra a raiz do assunto, Ele vê onde está o mal, e logo aplica o bisturi onde haja algo que deva ser extraído, ou, põe um emplastro onde esteja a chaga; e nunca Se equivoca. Oh, quão sábio é o bendito Espírito Santo! Aparto-me de todo o consolador, aparto-me e renuncio a todos eles, pois Tu és o único que proporciona a mais sábia consolação.

Logo, observai quão seguro Consolador é o Espírito Santo. Notai isto: nem todo o consolo é seguro. Há por acolá um jovem que está muito melancólico. Vós sabeis por que ficou assim. Entrou na casa de Deus e escutou um poderoso pregador, e a palavra foi abençoada e convenceu-o de pecado. Quando ele regressou ao lar, o seu pai e o resto da sua família descobriram que havia algo de diferente nele. “Oh”, disseram eles “João está demente, está louco.” E o que disse a sua mãe? “Que vá para a aldeia por uma semana; que assista ao baile ou ao teatro.” João, encontraste algum consolo ali? “Ah, não; pus-me pior, pois enquanto estava ali, pensava que o Inferno poderia abrir-se e tragar-me.” Encontraste algum alívio nas alegrias do mundo? “Não,” respondes “penso que foi uma inútil perda de tempo.” Ai! Esse é um miserável consolo, mas é o consolo do mundano; e, quando um cristão entra em angústia, quantos lhe recomendarão este remédio ou aquele outro. “Anda e escuta pregar o senhor Tal e Tal; convida a uns quantos amigos para a tua casa; lê tal e tal volume reconfortante”; e muito provavelmente esse seja o conselho mais inseguro do mundo. O diabo virá, às vezes, às almas dos homens como um falso consolador, e ele dirá à alma: “Que necessidade tens de fazer todo este ruído sobre o arrependimento? Tu não és pior que as outras pessoas”, e tentará fazer crer à alma, que o que não é senão uma presunção, é a segurança real do Espírito Santo; assim engana a muitos mediante um falso consolo. Ah! Tem havido muitos, como infantes, que têm sido destruídos pelos elixires subministrados para os induzir ao sono; muitos têm sido arruinados pelo grito de “paz, paz”, quando não há paz, ouvindo coisas benignas quando deveriam ser espicaçados no mais vivo. A áspide de Cleópatra foi transportada numa cesta de flores; e, a ruína dos homens espreita com frequência em palavras doces e formosas. Mas, o consolo do Espírito Santo é seguro, e podeis confiar nEle. Se Ele disser a palavra, contém uma realidade; se Ele oferecer a taça da consolação, podes tomá-la até ao fundo, pois não há sedimentos nas suas profundidades, nem nada que intoxique ou arruine, e tudo é seguro.

Além disso, o Espírito Santo é o Consolador ativo: Ele não consola com palavras, porém com atos. Alguns consolam dizendo: “Ide em paz, aquentai-vos e saciai-vos.” Mas o Espírito Santo dá, Ele intercede junto de Jesus. Ele dá-nos promessas, dá-nos graça e assim nos consola. Observai, além disso, que Ele é sempre um Consolador bem sucedido; não intenta aquilo que não possa cumprir.

Então, para concluir, Ele é um Consolador sempre presente, de tal maneira que não tens de enviar por Ele. O teu Deus está sempre perto de ti, e quando necessitas consolo na tua angústia, eis aqui, perto de ti está a palavra, na tua boca e no teu coração; Ele é uma ajuda sempre presente no tempo da aflição. Desejaria ter o tempo para expandir estes pensamentos, mas não posso fazê-lo.

II. O segundo ponto é o CONSOLO. Agora há algumas pessoas que comentem um grave erro a respeito da influência do Espírito Santo. Um homem insensato que tinha a fantasia de pregar num certo púlpito, ainda que na verdade ele era extremamente incapaz para esse dever, visitou o ministro, e assegurou-lhe solenemente que pelo Espírito Santo lhe tinha sido revelado que ele tinha de pregar no seu púlpito. “Muito bem”, disse o ministro, “suponho que não devo duvidar da tua asseveração, mas como não me foi revelado que te devo deixar pregar, tens de prosseguir o teu caminho até que me seja revelado.” Tenho ouvido dizer a muitas pessoas fanáticas que o Espírito Santo lhes revelou estas e aquelas coisas. Agora, isso é em sentido geral, um disparate revelado. O Espírito Santo não revela nada novo, agora. Ele recorda as coisas antigas. “Ele ensinar-vos-á todas as coisas, e recordar-vos-á tudo o que Eu vos tenho dito.”

O cânone da revelação está fechado; não há nada mais que deva ser adicionado. Deus não dá uma revelação fresca, mas arrebita a antiga. Quando tem sido esquecida, e posta na poeirenta câmara da nossa memória, Ele tira e limpa o quadro, mas não pinta um novo. Não há novas doutrinas, porém, as antigas são frequentemente revividas. Afirmo que não é por meio de uma nova revelação que o Espírito consola. Ele fá-lo, dizendo-nos repetidamente as coisas antigas; Ele traz uma lâmpada nova para revelar os tesouros escondidos na Escritura; abre os robustos baús nos quais tinha permanecido por muito tempo a verdade, e aponta para câmaras secretas cheias de riquezas inexprimíveis; mas, não cunha coisas novas pois nos basta com o que há. Crente! Há na Bíblia para ti o suficiente para que vivas disso para sempre. Ainda que tu ultrapasses os anos de Matusalém, não haveria necessidade de uma fresca revelação; se chegasses a viver até que Cristo venha à Terra, não haveria necessidade de acrescentar uma só palavra; se tivesses de descer tão profundo como Jonas, ou inclusive descer como David comentou que o fez, até ao seio do Seol, mesmo assim, haveria o suficiente na Bíblia para te consolar sem necessidade de uma frase suplementar. Mas, Cristo diz: “Tomará do que é Meu, e isso vos fará saber.” Agora, permiti que eu vos diga o que é que brevemente o Espírito Santo nos diz.

Ah!, Ele sussurra ao coração: “Santo, tem bom ânimo; há Um que morreu por ti; olha para o Calvário; contempla as Suas feridas; vê a corrente que brota de Seu costado; ali está o teu comprador, e tu estás seguro. Ele ama-te com um amor eterno, e esta disciplina é exercida para teu bem; cada golpe está obrando a tua cura; pela mancha roxa da ferida, a tua alma é melhorada. “Porque o Senhor ao que ama, disciplina, e açoita a todo o que recebe por filho.” Não duvides da Sua graça por causa da tua tribulação, mas crê que Ele te ama tanto nas estações da tribulação como nos tempos de felicidade. E logo, além disso, diz: “O que é todo o teu sofrimento comparado com o sofrimento do teu Senhor? Ou qual é toda a tua aflição quando é pesada na balança das agonias de Jesus?” E, especialmente em algumas ocasiões o Espírito Santo tira o véu do Céu, e permite que a alma contemple a glória do mundo superior! Então é quando o santo pode dizer: “Oh, Tu és um Consolador para mim!”

“Não importa que chovam ansiedades como feroz dilúvio,
E que caiam tormentas de aflição;
Que tão somente chegue a salvo ao lar,
Meu Deus, meu Céu, meu tudo.”

Alguns de vós poderíeis seguir-me, se fosse contar a respeito das manifestações do Céu. Vós, também, haveis deixado Sol, Lua e estrelas a vossos pés, quando no vosso voo, avantajando ao relâmpago atrasado, vou pareceu, entrando pelas portas de pérola, e pisar as ruas de ouro, levados ao alto sobre as asas do Espírito. Mas, neste ponto não devemos confiar em nós próprios, para evitar que, perdidos nos sonhos, nos esqueçamos do nosso tema.

III. E agora, em terceiro lugar, quais são as pessoas CONSOLADAS! Eu gosto, e vós sabeis, de clamar no fim de meu sermão: “Dividi-vos, dividi-vos!” Há dois grupos aqui: alguns que são os consolados, e outros, que são os desconsolados, alguns que receberam a consolação do Espírito Santo, e alguns que não a receberam. Agora temos de procurar sacudi-los para ver os que são a moinha e os que são o trigo; e que Deus nos conceda que alguns que são como a moinha sejam transformados esta noite no Seu trigo!

Vós podereis perguntar: “como poderei saber se sou um recetor do consolo do Espírito Santo?” Podeis sabê-lo mediante uma regra. Se vós tendes recebido uma bênção de Deus, recebereis, também, todas as outras bênçãos. Permiti que eu me explique. Se eu pudesse vir aqui como um leiloeiro, e vendesse o Evangelho em lotes, vendê-lo-ia todo. Se eu pudesse dizer: Aqui está a justificação através do sangue de Cristo, livre, dada de presente, grátis, muitos diriam: “Eu quero ter a justificação: dá-ma; desejo ser justificado, desejo ser perdoado.” Suponde que eu tomo a santificação, a renúncia a todo pecado, uma mudança integral de coração, que abandono a bebedeira e o perjúrio, então muitos diriam: “Eu não quero isso; eu gostaria de ir para o Céu, mas não quero essa santidade; eu gostaria de ser salvo no fim, mas eu ainda gostaria de gozar dos copos; eu gostaria de entrar na glória, mas ainda, tenho de proferir um ou dois juramentos no caminho.” Não, pecador, se recebes uma bênção, deverás recebê-las todas. Deus não dividirá nunca o Evangelho. Não dará justificação a esse homem, e santificação àquele outro; perdão a um e santidade ao outro. Não, tudo vai junto. A quem chama, justifica; aos que justifica, a esses santifica; aos que santifica, a esses também glorifica. Oh, se eu não pregasse nada salvo os consolos do Evangelho, vós voaríeis para eles como as moscas voam para o mel. Quando adoeceis, mandais chamar o clérigo. Ah!, todos vós quereis que o vosso ministro chegue então e vos dê palavras consoladoras. Porém, se ele fosse um homem honesto, não daria a certos de vós qualquer partícula de consolação. Não começaria derramando azeite quando o bisturi poderia cumprir uma melhor função. Eu quero que um homem sinta os seus pecados antes de que me atreva a dizer-lhe algo a respeito de Cristo. Quero sondar a sua alma e fazer-lhe sentir que está perdido antes de lhe dizer algo a respeito da bênção comprada. Para muitos é a ruína que se lhes diga: “Agora basta que creias em Cristo, e isso é tudo o que tens de fazer.” Se, em lugar de morrer, se vierem a recuperar-se, levantar-se-iam como hipócritas caiados —isso é tudo. Tenho ouvido acerca de um missionário citadino que guardava um registo de duas mil pessoas de quem se supôs que se encontravam nos seus leitos de morte, e que se recuperaram, e a quem teria registado como pessoas convertidas se tivessem morrido, e quantos, desse total de dois mil, credes vós que viveram uma vida cristã, posteriormente? Nem sequer duas! Positivamente só pôde encontrar um, o qual se comprovou depois que vivia no temor de Deus. Não é horrível que quando os homens e as mulheres estão a ponto de morrer, clamem: “Consolo, consolo”, e que disto concluam os seus amigos que eles são filhos de Deus, enquanto que, depois de tudo, não têm direito ao consolo, mas são intrusos nos terrenos cercados do bendito Deus? Oh Deus, que a estas pessoas lhes seja impedido de obter o consolo quando não tiverem direito a ele! Tendes recebido as outras bênçãos? Tendes tido a convicção do pecado? Tendes sentido alguma vez a vossa culpa diante de Deus? Têm sido humilhadas as vossas almas aos pés de Jesus? E, tendes sido conduzidos a olhar unicamente para o Calvário, em busca de refúgio? Se não é assim, não tendes direito à consolação. Não tomeis um só átomo dela. O Espírito é um Convencedor antes de ser um Consolador; e vós deveis ter as outras operações do Espírito Santo antes de que possais derivar algo disto.

E, agora, chegamos a uma conclusão. Vós ouvistes o que este falador tem dito uma vez mais. O que foi? Algo sobre o Consolador. Mas, deixai-me que vos pergunte, antes de vos irdes embora: o que sabeis sobre o Consolador? Cada um de vós, antes de descer os degraus desta capela, deixe que esta solene pergunta estremeça por inteiro as vossas almas: o que sabeis sobre o Consolador? Oh, pobres almas, se não conheceis o Consolador, direi a quem conhecereis: conhecereis o Juiz! Se não conheceis o Consolador na Terra, conhecereis o Condenador no mundo vindouro, que clamará: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno.” Bem pode Whitfield exclamar: “Oh Terra, Terra, Terra, ouve a Palavra do Senhor!” Se fôssemos viver aqui para sempre, poderíeis desprezar o Evangelho; se tivésseis uma escritura de arrendamento sobre as vossas vidas, poderíeis desprezar o Consolador. Mas, senhores, vós ides morrer. Desde a última vez que nos reunimos, provavelmente alguns partiram para o seu lar permanente; e, antes de que nos reunamos outra vez neste santuário, alguns aqui pressentes estarão entre os glorificados de acima, ou entre os condenados de abaixo. Qual será dos dois caminhos? Deixai que a vossa alma responda. Se esta noite caísseis mortos nos vossos bancos, ou ali, onde estais de pé, no balcão, para onde iríeis? Para o Céu, ou para o Inferno? Ah, não vos enganeis a vós mesmos; deixai que a consciência faça o seu trabalho perfeito; e se aos olhos de Deus, vos vedes obrigados a dizer: “Tremo e tenho medo de que a minha porção caia com os incrédulos”, escutai um momento, e então terei terminado convosco! “Quem crer e for batizado, será salvo; mas o que não crer, será condenado.” Fatigado pecador, diabólico pecador, tu que és o refugo do diabo, réprobo, libertino, rameira, ladrão, vil, adúltero, fornicário, bêbado, perjuro, quebrantador do dia de repouso: escuta! Falo contigo assim como com todos os outros. Não isento a ninguém. Deus tem dito que nisto não há isenções. “Todo aquele que creia no nome de Jesus Cristo será salvo.” O pecado não é uma barreira: a tua culpa não é obstáculo. Todo aquele —ainda que fosse tão negro como Satanás, ainda que fosse tão imundo como um diabo— todo aquele que creia esta noite, receberá o perdão de todo o pecado, todos os seus crimes serão apagados, e toda a sua iniquidade será eliminada; será salvo no Senhor Jesus Cristo, e estará no Céu salvo e seguro. Esse é o Evangelho glorioso. Que Deus o aplique aos vossos corações e vos dê fé em Jesus!

“Havemos escutado o pregador,
A verdade por seu meio foi mostrada agora;
Mas necessitamos UM MELHOR PROFESSOR,
Procedente do trono eterno:
A APLICAÇÃO
É unicamente a obra de Deus.”



[1] cordial (original inglês) cordial: alimento, bebida ou medicamento estimulante; licor cordial
[2] ser mister: ser forçoso. (Do lat. ministerîi [est], «é mister»)
[3] Esta é uma citação tirada do Otelo de Shakespeare.


Notas e Tradução de Carlos António da Rocha

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