C. H. Spurgeon
Sermão n.º 5
“O Consolador” (The Comforter), pregado a noite
do domingo, 21 de Janeiro de 1855, por Charles Haddon Spurgeon, na Capela New
Park Street, Southwark, Londres.
“Mas, aquele Consolador, o
Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as
coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito.” (Jo 14:26, ARC, Pt)
O
bom ancião Simeão chamou a Jesus “a consolação de Israel” e na verdade Ele a foi.
Antes da Sua aparição real, o Seu nome era o “Luzeiro da Manhã” que ilumina a
escuridão e profetiza a chegada da alva. Para Ele olhavam, com a mesma
esperança que alenta o sentinela nocturno, quando da solitária ameia do castelo
divisa a mais formosa das estrelas e a aclama como pregoeira da manhã.
Quando
estava na Terra, foi a consolação daqueles que gozaram do privilégio de ser dos
Seus companheiros. Podemos imaginar quão rapidamente iam a Cristo os discípulos
para Lhe comentar as suas aflições, e quão docemente lhes falava e dissipava os
seus temores com aquela inigualável entonação da Sua voz. Como filhos, eles O consideravam
como um Pai; a Ele apresentavam toda a carência, todo o gemido, toda a angústia
e toda a agonia, e Ele, qual sábio médico, tinha um bálsamo para cada ferida;
Ele tinha confecionado um cordial[1]
para cada uma das suas penas; e dispensava prontamente um potente remédio para
mitigar toda a febre das suas tribulações. Oh, deve ter sido muito doce viver
com Cristo! Na verdade, as aflições então não eram senão gozos mascarados,
porque proporcionavam a oportunidade de ir a Jesus para alcançar o Seu alívio.
Oh, se tivéssemos podido repousar as nossas cabeças sobre o peito de Jesus, e
se o nosso nascimento tivesse sido naquela época feliz o que nos teria
permitido escutar a Sua voz amável, e contemplar o Seu terno olhar, quando
dizia: “Vinde a Mim todos os que estais cansados e oprimidos”!
Porém,
agora, aproximava-se a hora da Sua morte. Grandes profecias estavam para ter o
seu cumprimento, e grandes propósitos estavam para ser cumpridos, e por isso,
Jesus devia partir. Era mister[2]
que sofresse, para que viesse a ser a propiciação pelos nossos pecados. Era
mister que dormitasse durante um tempo no pó, para que pudesse perfumar a
câmara do sepulcro a fim de que:
“Não
fosse mais um ossário que cerque
As
relíquias da perdida inocência.”
Era
mister que tivesse uma ressurreição, para que nós, que um dia seremos os mortos
em Cristo, ressuscitemos primeiro, e nos levantemos sobre a Terra em corpos
gloriosos. E era mister que subisse ao alto para levar cativo o cativeiro, para
encadear os demónios do Inferno, para atá-los às rodas da Sua carruagem e
arrastá-los costa acima até à colina do alto Céu, para fazê-los viver uma
segunda derrota que será infligida pela Sua dextra quando os arroje desde os
pináculos do Céu até às mais fundas profundidades de abaixo. “Convém-vos que eu
vá”, disse Jesus, “porque se Eu não for, o Consolador não virá a vós.”
Jesus
deve partir. Chorai vós que sois Seus discípulos. Jesus tem de partir.
Lamentai-vos, vós, pobres criaturas, que tendes de ficar sem um Consolador.
Mas, escutai quão meigamente Jesus fala: “Não vos deixarei órfãos.” “Eu rogarei
ao Pai, e vos dará outro Consolador, para que esteja convosco para sempre.” Ele
não deixará sozinhas, no deserto, a essas pobres, escassas ovelhas; Ele não
desamparará os Seus filhos deixando-os órfãos. Não obstante, Ele tinha uma
poderosa missão que na verdade Lhe ocupava a alma e a vida; não obstante, Ele
tinha tanto que levar a cabo, que teríamos podido pensar que inclusive o Seu
gigantesco intelecto estaria sobrecarregado; não obstante, Ele tinha tanto que
sofrer, que poderíamos supor que a Sua alma inteira estava concentrada no
pensamento dos sofrimentos que tinha de suportar, todavia, não foi assim; antes
de ir-Se embora proporcionou reconfortantes palavras de consolo; como o bom
samaritano, derramou azeite e vinho; e nós vemos o que Ele prometeu: “Enviar-vos-ei
outro Consolador; um que será justo, como Eu fui, e, inclusive, será algo mais:
consolar-vos-á nas vossas angústias, dissipará as vossas dúvidas,
reconfortar-vos-á nas vossas aflições, e estará como Meu vigário na Terra, para
fazer o que Eu teria feito, se Eu tivesse ficado convosco.”
Antes
que pregue sobre o Espírito Santo como Consolador, devo fazer uma ou duas
observações a respeito das diferentes traduções da palavra “Consolador.” A
tradução da Bíblia de Reims, que vós sabeis que foi adotada pelos Católicos romanos,
optou por deixar essa palavra no idioma original, e a oferece como “Paráclito.”
“Mas o Paráclito, ou Espírito Santo, a quem o Pai enviará em Meu nome, Ele vos
ensinará todas as coisas, e vos recordará tudo o que Eu vos hei dito.” Esta é a
palavra grega original, que significa outras coisas além de “Consolador.”
Algumas vezes quer dizer monitor ou instrutor: “Enviar-vos-ei outro monitor,
outro professor.” Frequentemente significa: “Advogado”; mas o significado mais
comum da palavra é o que temos aqui: “Enviar-vos-ei outro Consolador.” Todavia,
não podemos passar por cima dessas outras duas interpretações, sem dizer algo
sobre elas.
“Enviar-vos-ei
outro professor.” Jesus Cristo foi o professor oficial dos Seus santos enquanto
esteve na Terra. A ninguém chamaram Rabi exceto a Cristo. Não se sentaram aos
pés de nenhum homem para aprender as suas doutrinas, porém, receberam-nas diretamente
dos lábios dAquele de quem se disse: “Jamais homem algum falou como este homem!”
“E agora”, diz Ele “quando Me for, onde podereis encontrar o grande mestre
infalível? Terei de constituir-vos um Papa em Roma, a quem ireis, e o qual será
o vosso oráculo infalível? Dar-vos-ei os concílios da Igreja que terão por
finalidade decidir de todos os pontos complicados?” Cristo não disse tal coisa.
“Eu sou o Paráclito ou o Professor infalível, e quando Eu for, enviar-vos-ei
outro Professor e Ele será a pessoa que deverá explicar-vos a Escritura; Ele
será o oráculo de Deus com autoridade que tornará claras todas as coisas
escuras, desvendará os mistérios, desenredará todos os nós da Revelação e
far-vos-á entender aquilo que não poderíeis descobrir, a não ser pela Sua
influência. “E, amados, ninguém aprende retamente algo, se não é ensinado pelo
Espírito. Podereis aprender a eleição, e podereis conhecê-la de tal maneira que
fosseis condenados por isso, se não fosseis ensinados pelo Espírito Santo, pois
tenho conhecido algumas pessoas que aprenderam a lição da eleição para
destruição das suas almas; aprenderam-na a tal ponto que disseram que eram dos
eleitos, enquanto que, não possuíam sinais, nem evidências e nem qualquer obra
do Espírito Santo nas suas almas. Há uma forma de aprender a verdade na
universidade de Satanás, e de sustentá-la na libertinagem; mas, se assim for,
será para as vossas almas como veneno nas vossas veias, e demonstrará ser a
vossa ruína eterna. Ninguém pode conhecer a Jesus Cristo a menos que seja
ensinado por Deus. Não há doutrina da Bíblia que possa ser aprendida de maneira
segura, plena e verdadeira, exceto pela agência do único Professor que possui a
autoridade. Ah!, não me falem dos sistemas nem dos esquemas da teologia; não me
falem de comentadores infalíveis, ou de doutores extremamente instruídos e
extremamente arrogantes; porém, falem-me do Grandioso Professor que nos
instruirá a nós, os filhos de Deus, e nos fará sábios para entendermos todas as
coisas. Ele é o Professor; não importa o que este ou esse homem digam; não me
apoio na jactanciosa autoridade de ninguém, nem tampouco, vós o fazeis
tampouco. Vós não vos deixais levar pela astúcia dos homens, nem pelo ardil das
palavras; este é o oráculo que conta com a autoridade —o Espírito Santo, que
descansa nos corações dos Seus filhos.
A
outra tradução é Advogado. Alguma vez pensaram como pode dizer-se que o
Espírito Santo seja um Advogado? Vós sabeis como Jesus Cristo é chamado
Admirável, Conselheiro, Deus forte; mas, por que se pode dizer que o Espírito
Santo é um Advogado? Eu suponho que é por isso: Ele é um Advogado na Terra para
argumentar contra os inimigos da Cruz. Por que é que Paulo pôde argumentar com
tanta eficácia ante Félix e Agripa? Por que é que os Apóstolos permaneceram
impertérritos diante dos magistrados, e puderam confessar o Seu Senhor? Por que
é que tem acontecido que, em todos os tempos, os ministros de Deus se tornassem
intrépidos como leões, e as suas frontes fossem mais firmes que o bronze, os
seus corações mais rígidos que o aço, e as suas palavras como a linguagem de
Deus? Ora, é simplesmente por esta razão: não era o homem quem argumentava,
era, porém, Deus, o Espírito Santo, quem argumentava por seu meio. Nunca
vistes, em alguma ocasião, um ministro denodado, com mãos alçadas e olhos
cheios de lágrimas, argumentando com os filhos dos homens? Nunca admirastes
esse quadro proveniente da mão do velho John Bunyan? —Uma pessoa grave com os
olhos alçados ao Céu, o melhor dos livros na sua mão, a lei da verdade escrita
nos seus lábios, o mundo atrás das suas costas, estando em posição de
argumentar com os homens, e com uma coroa de ouro colocada sobre a sua cabeça.
Quem deu a esse ministro um comportamento tão bendito e um assunto tão
excelente? De onde proveio a sua destreza? Acaso a obteve na universidade?
Acaso a aprendeu no seminário? Ah, não!; aprendeu-a do Deus de Jacob;
aprendeu-a do Espírito Santo, pois o Espírito Santo é o grandioso conselheiro
que nos ensina como advogar a Sua causa retamente.
Mas,
além disto, o Espírito Santo é o Advogado nos corações dos homens. Ah!, conheci
homens que rejeitam uma doutrina até que o Espírito Santo começa a iluminá-los.
Nós, que somos os Advogados da verdade, somos, frequentemente, uns muito pobres
argumentadores; danificamos a nossa causa por culpa das palavras que usamos;
porém, é uma misericórdia que a alegação por escrito esteja na mão de um
argumentador especial, que advogará com êxito e vencerá a oposição do pecador.
Acaso, alguma vez vos haveis inteirado que jamais tivesse falhado? Irmãos,
dirijo-me às vossas almas: Deus não vos convenceu de pecado em tempos passados?
Não veio o Espírito Santo e vos demonstrou que éreis culpados, ainda que nenhum
ministro tivesse podido tirar-vos jamais da vossa justiça própria? Não advogou
Ele a justiça de Cristo? Não chegou para vos dizer que as vossas obras eram
como um trapo de imundície? E, quando já quase tínheis decidido não escutar a
Sua voz, não trouxe Consigo o tambor do Inferno fazendo-o soar junto dos vossos
ouvidos, e pedindo-vos que olhásseis através da perspectiva dos anos futuros
para ver o trono estabelecido, e os livros abertos, e a espada brandida, e o
Inferno ardendo, e os diabos gritando, e os condenados chiando para sempre? E
não vos convenceu, dessa maneira, do julgamento vindouro? Ele é um poderoso
Advogado quando argumenta na alma a respeito do pecado, da justiça e do
julgamento vindouro. Bendito Advogado! Argumenta no meu coração, argumenta com
a minha consciência! Quando peque, infunde valor à minha consciência para que
me diga isso; quando erre, faz falar a consciência imediatamente; e quando me
aparte e vá por caminhos torcidos, então advoga a causa da justiça, e ordena-me
que fique em confusão, conhecendo a minha culpabilidade aos olhos de Deus.
Porém,
há ainda outro sentido no qual o Espírito Santo intercede, e é que advoga a
nossa causa junto de Jesus Cristo, com gemidos inexprimíveis. Oh minha alma! Tu
estás a ponto de estalar dentro de mim! Oh meu coração! Tu estás cheio de dor;
a maré ardente da minha emoção está muito perto de transbordar os canais das
minhas veias. Anelo falar, mas o próprio desejo encadeia a minha língua. Desejo
orar, mas o ardor do meu sentimento reprime a minha linguagem. Há um gemido
interior que não pode ser expresso. Sabeis Quem pode expressar esse gemido,
Quem pode entendê-lo, e Quem pode pô-lo numa linguagem celestial e enunciá-lo
na língua do Céu, para que Cristo o ouça? Oh, sim!, é Deus, o Espírito Santo;
Ele advoga a nossa causa com Cristo, e logo Cristo a advoga junto do Seu Pai. Ele
é o Advogado que intercede por nós com gemidos inexprimíveis.
Tendo
explicado assim o ofício do Espírito como Professor e como Advogado, chegamos
agora à tradução de nossa versão: o Consolador; e aqui terei três divisões. Em
primeiro lugar, o consolador; em segundo lugar, o consolo; e em terceiro lugar,
o consolado.
I.
Primeiro, então, temos o CONSOLADOR. Permiti que eu repasse brevemente na minha
mente e também nas vossas, as características deste glorioso Consolador.
Permiti que eu vos diga alguns dos atributos do Seu consolo, para que entendais
quão convenientemente adaptado é para o vosso caso.
E
primeiro, assinalaremos que Deus, o Espírito Santo, é um Consolador muito
amoroso. Encontro-me turbado e necessito de consolação. Algum transeunte se
inteira da minha aflição, e entra, senta-se e procura animar-me; diz-me
palavras reconfortantes; mas ele não me ama, é um estranho que não me conhece
de todo, e só entrou para provar a sua habilidade; e qual é o resultado? As
suas palavras resvalam sobre mim como o azeite numa laje de mármore; são como a
chuva que tamborila sobre a rocha; não interrompem a minha dor, que permanece
impassível como o diamante, já que ele não sente amor por mim. Mas, se alguém
que me amasse encarecidamente como à sua própria vida, viesse e argumentasse
comigo, então, na verdade, as suas palavras se converteriam em música; sabem a
mel; ele conhece a contra-senha que abre as portas do meu coração, e o meu
ouvido está atento a cada palavra; capto a entonação de cada sílaba ao ser dita,
pois é, como a harmonia das harpas do Céu. Oh! Há uma voz apaixonada que fala
uma linguagem que lhe é própria, um idioma e um sotaque que ninguém poderia
imitar; a sabedoria não o poderia imitar; a oratória não o poderia alcançar. O
amor é o único que pode alcançar o coração enfermo; o amor é o único lenço que
pode enxugar as lágrimas do homem enfermo. E, não é o Espírito Santo um amoroso
Consolador? Sabes, oh santo, quanto te ama o Espírito Santo? Podes medir o amor
do Espírito? Conheces quão grande é o afeto da Sua alma por ti? Anda, mede o
Céu com o teu palmo; anda, pesa os montes com a balança; anda, toma a água do
oceano, e conta cada gota; anda, conta a areia sobre a vasta praia do mar; e
quando tiveres completado isto, poderás dizer quanto te ama. Ele tem-te amado
por muito tempo; amou-te grandemente, amou-te sempre; e ainda te amará. Na
verdade, Ele é a Pessoa que te há-de consolar, porque te ama. Então, dá-Lhe
entrada no teu coração, oh Cristão, para que te console na tua calamidade.
Mas,
além disso, Ele é um Consolador fiel. O amor algumas vezes resulta ser infiel. “Oh,
mais daninho que o colmilho de uma serpente” é um amigo infiel! Oh, muito mais
amargo que o fel da amargura é ter um amigo que me dê as costas na minha
aflição! Oh! A angústia da calamidade é ter alguém que me ama na minha
prosperidade e me abandone no tenebroso dia da minha tribulação! É
verdadeiramente triste: mas o Espírito de Deus não é assim. Ele ama
eternamente, e ama até ao fim —Ele é um Consolador fiel. Filho de Deus: tu tens
problemas. Muito recentemente descobriste que Ele era um Consolador doce e
amoroso; proporcionou-te alívio quando outros não foram senão cisternas rotas;
Ele albergou-te no Seu seio, e levou-te nos Seus braços. Oh, por que motivo
desconfias dEle agora? Desprezas os teus temores, pois Ele é um Consolador
fiel! “Ah!, mas”, dizes tu “temo que adoecerei e me verei privado das Suas
ordenanças.” Não obstante, Ele visitar-te-á no teu leito de doente, e
sentar-Se-á junto a ti para te proporcionar a consolação. “Ah!, mas eu tenho
angústias maiores das que possas conceber; muitas ondas e ondas passam sobre
mim; um abismo chama a outro abismo à voz das cascatas do Eterno.” Todavia, Ele
será fiel à Sua promessa. “Ah!, mas eu tenho pecado.” Isso tens feito, mas, o
pecado não pode apartar-te do Seu amor; Ele ainda te ama. Não penses, oh pobre
filho abatido de Deus, que devido a que as cicatrizes dos teus velhos pecados
tenham desfigurado a tua beleza, Ele te ame menos por causa dessa imperfeição.
Oh, não! Ele amou-te mesmo quando ainda tinha um conhecimento antecipado do teu
pecado; Ele amou-te sabendo qual seria o agregado da tua maldade; e não te ama
menos, agora. Aproxima-te dEle com todo o valor da fé; diz-Lhe que O tens
entristecido, e Ele esquecerá o teu desencaminhamento e receber-te-á de novo;
os beijos do Seu amor serão colocados sobre ti, e tomar-te-á nos braços da Sua
graça. Ele é fiel: confia nEle; Ele jamais te enganará; confia nEle: jamais te
abandonará.
Além
disso, Ele é um Consolador infatigável. Algumas vezes eu tratei consolar a
certas pessoas que são provadas. Ocasionalmente, enfrentas-te com o caso de uma
pessoa nervosa. Pergunta-lhe: “O que é que te aflige?”; essa pessoa
responde-te, e tu procuras retirar o problema, se fosse possível, mas, enquanto
estás preparando a tua artilharia para demolir o problema, descobres que mudou
a sua morada e está ocupando uma posição muito diferente. Tu mudas o teu
argumento e começa de novo; mas, eis aqui, moveu-se outra vez, e tu estás
sobressaltado. Sentes-te como Hércules quando cortava as cabeças da Hidra, que
sempre voltavam a crescer, e renúncias à tua tarefa com desespero. Encontras-te
com pessoas a quem é impossível consolar, que nos recordam o homem que se
encadeou a si mesmo com grilhões e se desfez da chave de tal forma que ninguém
o podia libertar. Tenho-me encontrado com pessoas aprisionadas com os grilhões
do desespero. “Oh, eu sou o homem”, dizem eles “que tem visto a aflição;
compadecei-vos de mim, compadecei-vos de mim, oh meus amigos”; e quanto mais
procures consolar as pessoas assim, pior ficam; e por isso, desacorçoados,
deixamo-los vagar pelas tumbas dos seus gozos anteriores. Mas, o Espírito Santo
nunca Se desacorçoa com quem deseja consolar. Ele tenta consolar-nos e nós
evitamos o doce cordial; Ele dá-nos uma doce beberagem para nos curar, e nós
não queremos bebê-la; Ele dá-nos uma prodigiosa poção para afastar todos os
nossos problemas, e nós metê-mo-la de lado. Mesmo assim, Ele persegue-nos; e
ainda nós dizemos que não queremos ser consolados, Ele afirma que sê-lo-emos, e
quando Ele diz algo, cumpre-o. Ele não Se desalentará por todos os nossos
pecados, nem por todas as nossas murmurações.
E,
oh que sábio Consolador é o Espírito Santo. Job tinha consoladores, e, penso
que ele disse a verdade quando afirmou: “Consoladores molestos sois todos vós.”
Mas, atrevo-me a dizer que eles se consideravam sábios; e, quando o jovem Eliú
se levantou para falar, eles pensaram que transbordava todo um mundo de
impudência. Acaso não eram eles “Veneráveis, dignos e muito poderosos senhores[3]“?
Acaso não compreendiam eles a sua dor e a sua aflição? Se eles não podiam
consolá-lo, quem poderia fazê-lo? Mas eles não descobriram a causa. Eles
pensaram que ele não era realmente um filho de Deus, e que, pelo contrário,
criam que ele tinha justiça própria, e por isso, deram-lhe o medicamento
equivocado. É uma situação terrível quando o doutor diagnostica equivocadamente
a enfermidade e dá uma prescrição errónea, e assim, talvez, mata o paciente.
Algumas vezes, quando vamos e visitamos as pessoas, confundimos a sua
enfermidade: queremos aliviá-los sobre este ponto, quando não requerem esse
tipo de alívio absolutamente, e seria muito melhor que as deixássemos sozinhas,
tão arruinadas por causa de consoladores tão molestos como somos nós. Mas, oh,
quão sábio é o Espírito Santo! Ele toma a alma, põe-na sobre a mesa, e executa
a disseção num instante; encontra a raiz do assunto, Ele vê onde está o mal, e
logo aplica o bisturi onde haja algo que deva ser extraído, ou, põe um
emplastro onde esteja a chaga; e nunca Se equivoca. Oh, quão sábio é o bendito
Espírito Santo! Aparto-me de todo o consolador, aparto-me e renuncio a todos
eles, pois Tu és o único que proporciona a mais sábia consolação.
Logo,
observai quão seguro Consolador é o Espírito Santo. Notai isto: nem todo o consolo
é seguro. Há por acolá um jovem que está muito melancólico. Vós sabeis por que
ficou assim. Entrou na casa de Deus e escutou um poderoso pregador, e a palavra
foi abençoada e convenceu-o de pecado. Quando ele regressou ao lar, o seu pai e
o resto da sua família descobriram que havia algo de diferente nele. “Oh”,
disseram eles “João está demente, está louco.” E o que disse a sua mãe? “Que vá
para a aldeia por uma semana; que assista ao baile ou ao teatro.” João, encontraste
algum consolo ali? “Ah, não; pus-me pior, pois enquanto estava ali, pensava que
o Inferno poderia abrir-se e tragar-me.” Encontraste algum alívio nas alegrias
do mundo? “Não,” respondes “penso que foi uma inútil perda de tempo.” Ai! Esse
é um miserável consolo, mas é o consolo do mundano; e, quando um cristão entra
em angústia, quantos lhe recomendarão este remédio ou aquele outro. “Anda e
escuta pregar o senhor Tal e Tal; convida a uns quantos amigos para a tua casa;
lê tal e tal volume reconfortante”; e muito provavelmente esse seja o conselho
mais inseguro do mundo. O diabo virá, às vezes, às almas dos homens como um
falso consolador, e ele dirá à alma: “Que necessidade tens de fazer todo este
ruído sobre o arrependimento? Tu não és pior que as outras pessoas”, e tentará
fazer crer à alma, que o que não é senão uma presunção, é a segurança real do
Espírito Santo; assim engana a muitos mediante um falso consolo. Ah! Tem havido
muitos, como infantes, que têm sido destruídos pelos elixires subministrados
para os induzir ao sono; muitos têm sido arruinados pelo grito de “paz, paz”,
quando não há paz, ouvindo coisas benignas quando deveriam ser espicaçados no
mais vivo. A áspide de Cleópatra foi transportada numa cesta de flores; e, a
ruína dos homens espreita com frequência em palavras doces e formosas. Mas, o
consolo do Espírito Santo é seguro, e podeis confiar nEle. Se Ele disser a
palavra, contém uma realidade; se Ele oferecer a taça da consolação, podes
tomá-la até ao fundo, pois não há sedimentos nas suas profundidades, nem nada
que intoxique ou arruine, e tudo é seguro.
Além
disso, o Espírito Santo é o Consolador ativo: Ele não consola com palavras,
porém com atos. Alguns consolam dizendo: “Ide em paz, aquentai-vos e
saciai-vos.” Mas o Espírito Santo dá, Ele intercede junto de Jesus. Ele dá-nos
promessas, dá-nos graça e assim nos consola. Observai, além disso, que Ele é
sempre um Consolador bem sucedido; não intenta aquilo que não possa cumprir.
Então,
para concluir, Ele é um Consolador sempre presente, de tal maneira que não tens
de enviar por Ele. O teu Deus está sempre perto de ti, e quando necessitas
consolo na tua angústia, eis aqui, perto de ti está a palavra, na tua boca e no
teu coração; Ele é uma ajuda sempre presente no tempo da aflição. Desejaria ter
o tempo para expandir estes pensamentos, mas não posso fazê-lo.
II.
O segundo ponto é o CONSOLO. Agora há algumas pessoas que comentem um grave
erro a respeito da influência do Espírito Santo. Um homem insensato que tinha a
fantasia de pregar num certo púlpito, ainda que na verdade ele era extremamente
incapaz para esse dever, visitou o ministro, e assegurou-lhe solenemente que
pelo Espírito Santo lhe tinha sido revelado que ele tinha de pregar no seu
púlpito. “Muito bem”, disse o ministro, “suponho que não devo duvidar da tua
asseveração, mas como não me foi revelado que te devo deixar pregar, tens de
prosseguir o teu caminho até que me seja revelado.” Tenho ouvido dizer a muitas
pessoas fanáticas que o Espírito Santo lhes revelou estas e aquelas coisas.
Agora, isso é em sentido geral, um disparate revelado. O Espírito Santo não
revela nada novo, agora. Ele recorda as coisas antigas. “Ele ensinar-vos-á
todas as coisas, e recordar-vos-á tudo o que Eu vos tenho dito.”
O
cânone da revelação está fechado; não há nada mais que deva ser adicionado.
Deus não dá uma revelação fresca, mas arrebita a antiga. Quando tem sido
esquecida, e posta na poeirenta câmara da nossa memória, Ele tira e limpa o
quadro, mas não pinta um novo. Não há novas doutrinas, porém, as antigas são
frequentemente revividas. Afirmo que não é por meio de uma nova revelação que o
Espírito consola. Ele fá-lo, dizendo-nos repetidamente as coisas antigas; Ele
traz uma lâmpada nova para revelar os tesouros escondidos na Escritura; abre os
robustos baús nos quais tinha permanecido por muito tempo a verdade, e aponta
para câmaras secretas cheias de riquezas inexprimíveis; mas, não cunha coisas
novas pois nos basta com o que há. Crente! Há na Bíblia para ti o suficiente
para que vivas disso para sempre. Ainda que tu ultrapasses os anos de
Matusalém, não haveria necessidade de uma fresca revelação; se chegasses a
viver até que Cristo venha à Terra, não haveria necessidade de acrescentar uma
só palavra; se tivesses de descer tão profundo como Jonas, ou inclusive descer
como David comentou que o fez, até ao seio do Seol, mesmo assim, haveria o
suficiente na Bíblia para te consolar sem necessidade de uma frase suplementar.
Mas, Cristo diz: “Tomará do que é Meu, e isso vos fará saber.” Agora, permiti
que eu vos diga o que é que brevemente o Espírito Santo nos diz.
Ah!,
Ele sussurra ao coração: “Santo, tem bom ânimo; há Um que morreu por ti; olha
para o Calvário; contempla as Suas feridas; vê a corrente que brota de Seu
costado; ali está o teu comprador, e tu estás seguro. Ele ama-te com um amor
eterno, e esta disciplina é exercida para teu bem; cada golpe está obrando a
tua cura; pela mancha roxa da ferida, a tua alma é melhorada. “Porque o Senhor
ao que ama, disciplina, e açoita a todo o que recebe por filho.” Não duvides da
Sua graça por causa da tua tribulação, mas crê que Ele te ama tanto nas
estações da tribulação como nos tempos de felicidade. E logo, além disso, diz: “O
que é todo o teu sofrimento comparado com o sofrimento do teu Senhor? Ou qual é
toda a tua aflição quando é pesada na balança das agonias de Jesus?” E,
especialmente em algumas ocasiões o Espírito Santo tira o véu do Céu, e permite
que a alma contemple a glória do mundo superior! Então é quando o santo pode
dizer: “Oh, Tu és um Consolador para mim!”
“Não importa que chovam
ansiedades como feroz dilúvio,
E que caiam tormentas de
aflição;
Que tão somente chegue a
salvo ao lar,
Meu Deus, meu Céu, meu tudo.”
Alguns
de vós poderíeis seguir-me, se fosse contar a respeito das manifestações do
Céu. Vós, também, haveis deixado Sol, Lua e estrelas a vossos pés, quando no
vosso voo, avantajando ao relâmpago atrasado, vou pareceu, entrando pelas
portas de pérola, e pisar as ruas de ouro, levados ao alto sobre as asas do
Espírito. Mas, neste ponto não devemos confiar em nós próprios, para evitar
que, perdidos nos sonhos, nos esqueçamos do nosso tema.
III.
E agora, em terceiro lugar, quais são as pessoas CONSOLADAS! Eu gosto, e vós
sabeis, de clamar no fim de meu sermão: “Dividi-vos, dividi-vos!” Há dois
grupos aqui: alguns que são os consolados, e outros, que são os desconsolados,
alguns que receberam a consolação do Espírito Santo, e alguns que não a
receberam. Agora temos de procurar sacudi-los para ver os que são a moinha e os
que são o trigo; e que Deus nos conceda que alguns que são como a moinha sejam
transformados esta noite no Seu trigo!
Vós
podereis perguntar: “como poderei saber se sou um recetor do consolo do
Espírito Santo?” Podeis sabê-lo mediante uma regra. Se vós tendes recebido uma
bênção de Deus, recebereis, também, todas as outras bênçãos. Permiti que eu me
explique. Se eu pudesse vir aqui como um leiloeiro, e vendesse o Evangelho em
lotes, vendê-lo-ia todo. Se eu pudesse dizer: Aqui está a justificação através
do sangue de Cristo, livre, dada de presente, grátis, muitos diriam: “Eu quero
ter a justificação: dá-ma; desejo ser justificado, desejo ser perdoado.”
Suponde que eu tomo a santificação, a renúncia a todo pecado, uma mudança
integral de coração, que abandono a bebedeira e o perjúrio, então muitos
diriam: “Eu não quero isso; eu gostaria de ir para o Céu, mas não quero essa
santidade; eu gostaria de ser salvo no fim, mas eu ainda gostaria de gozar dos
copos; eu gostaria de entrar na glória, mas ainda, tenho de proferir um ou dois
juramentos no caminho.” Não, pecador, se recebes uma bênção, deverás recebê-las
todas. Deus não dividirá nunca o Evangelho. Não dará justificação a esse homem,
e santificação àquele outro; perdão a um e santidade ao outro. Não, tudo vai
junto. A quem chama, justifica; aos que justifica, a esses santifica; aos que
santifica, a esses também glorifica. Oh, se eu não pregasse nada salvo os
consolos do Evangelho, vós voaríeis para eles como as moscas voam para o mel.
Quando adoeceis, mandais chamar o clérigo. Ah!, todos vós quereis que o vosso
ministro chegue então e vos dê palavras consoladoras. Porém, se ele fosse um
homem honesto, não daria a certos de vós qualquer partícula de consolação. Não
começaria derramando azeite quando o bisturi poderia cumprir uma melhor função.
Eu quero que um homem sinta os seus pecados antes de que me atreva a dizer-lhe
algo a respeito de Cristo. Quero sondar a sua alma e fazer-lhe sentir que está
perdido antes de lhe dizer algo a respeito da bênção comprada. Para muitos é a
ruína que se lhes diga: “Agora basta que creias em Cristo, e isso é tudo o que
tens de fazer.” Se, em lugar de morrer, se vierem a recuperar-se,
levantar-se-iam como hipócritas caiados —isso é tudo. Tenho ouvido acerca de um
missionário citadino que guardava um registo de duas mil pessoas de quem se
supôs que se encontravam nos seus leitos de morte, e que se recuperaram, e a
quem teria registado como pessoas convertidas se tivessem morrido, e quantos,
desse total de dois mil, credes vós que viveram uma vida cristã,
posteriormente? Nem sequer duas! Positivamente só pôde encontrar um, o qual se
comprovou depois que vivia no temor de Deus. Não é horrível que quando os
homens e as mulheres estão a ponto de morrer, clamem: “Consolo, consolo”, e que
disto concluam os seus amigos que eles são filhos de Deus, enquanto que, depois
de tudo, não têm direito ao consolo, mas são intrusos nos terrenos cercados do
bendito Deus? Oh Deus, que a estas pessoas lhes seja impedido de obter o
consolo quando não tiverem direito a ele! Tendes recebido as outras bênçãos?
Tendes tido a convicção do pecado? Tendes sentido alguma vez a vossa culpa
diante de Deus? Têm sido humilhadas as vossas almas aos pés de Jesus? E, tendes
sido conduzidos a olhar unicamente para o Calvário, em busca de refúgio? Se não
é assim, não tendes direito à consolação. Não tomeis um só átomo dela. O
Espírito é um Convencedor antes de ser um Consolador; e vós deveis ter as
outras operações do Espírito Santo antes de que possais derivar algo disto.
E,
agora, chegamos a uma conclusão. Vós ouvistes o que este falador tem dito uma
vez mais. O que foi? Algo sobre o Consolador. Mas, deixai-me que vos pergunte,
antes de vos irdes embora: o que sabeis sobre o Consolador? Cada um de vós,
antes de descer os degraus desta capela, deixe que esta solene pergunta
estremeça por inteiro as vossas almas: o que sabeis sobre o Consolador? Oh,
pobres almas, se não conheceis o Consolador, direi a quem conhecereis:
conhecereis o Juiz! Se não conheceis o Consolador na Terra, conhecereis o
Condenador no mundo vindouro, que clamará: “Apartai-vos de mim, malditos, para
o fogo eterno.” Bem pode Whitfield exclamar: “Oh Terra, Terra, Terra, ouve a
Palavra do Senhor!” Se fôssemos viver aqui para sempre, poderíeis desprezar o
Evangelho; se tivésseis uma escritura de arrendamento sobre as vossas vidas,
poderíeis desprezar o Consolador. Mas, senhores, vós ides morrer. Desde a
última vez que nos reunimos, provavelmente alguns partiram para o seu lar
permanente; e, antes de que nos reunamos outra vez neste santuário, alguns aqui
pressentes estarão entre os glorificados de acima, ou entre os condenados de
abaixo. Qual será dos dois caminhos? Deixai que a vossa alma responda. Se esta
noite caísseis mortos nos vossos bancos, ou ali, onde estais de pé, no balcão,
para onde iríeis? Para o Céu, ou para o Inferno? Ah, não vos enganeis a vós
mesmos; deixai que a consciência faça o seu trabalho perfeito; e se aos olhos
de Deus, vos vedes obrigados a dizer: “Tremo e tenho medo de que a minha porção
caia com os incrédulos”, escutai um momento, e então terei terminado convosco! “Quem
crer e for batizado, será salvo; mas o que não crer, será condenado.” Fatigado
pecador, diabólico pecador, tu que és o refugo do diabo, réprobo, libertino,
rameira, ladrão, vil, adúltero, fornicário, bêbado, perjuro, quebrantador do
dia de repouso: escuta! Falo contigo assim como com todos os outros. Não isento
a ninguém. Deus tem dito que nisto não há isenções. “Todo aquele que creia no
nome de Jesus Cristo será salvo.” O pecado não é uma barreira: a tua culpa não
é obstáculo. Todo aquele —ainda que fosse tão negro como Satanás, ainda que
fosse tão imundo como um diabo— todo aquele que creia esta noite, receberá o
perdão de todo o pecado, todos os seus crimes serão apagados, e toda a sua
iniquidade será eliminada; será salvo no Senhor Jesus Cristo, e estará no Céu
salvo e seguro. Esse é o Evangelho glorioso. Que Deus o aplique aos vossos
corações e vos dê fé em Jesus!
“Havemos escutado o
pregador,
A verdade por seu meio foi
mostrada agora;
Mas necessitamos UM MELHOR
PROFESSOR,
Procedente do trono eterno:
A APLICAÇÃO
É unicamente a obra de
Deus.”
[1] cordial (original inglês) cordial:
alimento, bebida ou medicamento estimulante; licor cordial
[2] ser mister: ser forçoso. (Do lat.
ministerîi [est], «é mister»)
[3] Esta é uma citação tirada do Otelo
de Shakespeare.
Notas e Tradução de Carlos
António da Rocha
****
Esta tradução é de
livre utilização, desde que a sua ortografia seja respeitada na íntegra porque
já está traduzida no Português do Novo Acordo Ortográfico e que não seja nunca
publicada nem utilizada para fins comerciais; seja utilizada exclusivamente
para uso e desfruto pessoal.
Sem comentários:
Enviar um comentário