C. H. Spurgeon
Sermão n.º 1353
“Ecce Rex”, pregado
na manhã de domingo, 6 de maio de 1877, por Charles Haddon Spurgeon, no
Tabernáculo Metropolitano, Newington, Londres.
Porção
da Escritura lida antes do Sermão: João 19: 1-30.
“Então disse aos judeus: Eis aqui o vosso
Rei!” (Jo 19: 14 , [1] ARC, Pt)
Pilatos expressou com
esta afirmação muito mais do que era sua intenção dizer, e, portanto, não
restringiremos a nossa consideração às suas palavras, mas, ao que Ele quis
dizer. João informa-nos com o comentário de Caifás, “Isto não o disse por si
mesmo,” e nós poderemos dizer o mesmo de Pilatos. Tudo o que foi dito ou feito
em conexão com o Salvador durante o dia da Sua crucificação, transbordava de
significado, está muitíssimo mais carregado de significado do que os
participantes ou atores pensavam. Inclusivamente, o trivial torna-se solene e
sério, quando é transformado pela Cruz.
Quando Caifás afirmou que era conveniente
que um homem morresse pelo povo, e não toda a nação, ele não imaginava sequer
que estava enunciando o grandioso Evangelho da Substituição! Quando o povo
Judeu clamou diante de Pilatos: “O Seu sangue seja sobre nós, e sobre os nossos
filhos”, não tinha a menor ideia da sentença que estava solicitando para si
mesmo, que teria o seu cumprimento inicial, durante o sítio de Jerusalém, e que
os perseguiria, como uma nuvem negra suspensa sobre a sua raça, durante muitos
séculos! Quando o soldado Lhe perfurou o flanco com uma lança, não imaginava
que estava extraindo, diante dos olhos de todos, o sangue e a água que são para
a Igreja inteira, os emblemas da dupla purificação que encontramos em Jesus, a
purificação mediante o sangue expiatório e a Graça santificante.
Quando
veio a plenitude do tempo todas as coisas transbordavam de
plenitude. Cada acontecimento naquele terrível dia revelava grande mistério, e
cada movimento e cada palavra de nosso Senhor e dos que O rodeavam, ensinavam
algum Evangelho ou inculcavam uma lição.
Visto que em certos dias parece que a frivolidade governa a hora, e fica
muito pouco do valor do muito que se fala —no dia da Paixão até os mais indiferentes
dos homens falaram como homens inspirados! Pilatos, esse espírito indeciso e
sem critério próprio, expressou-se com uma
linguagem de tanto peso como se ele, também, tivesse estado entre os
Profetas. A sua declaração da inocência de nosso Senhor, a sua menção de Barrabás, a inscrição que
escreveu para ser afixada sobre a cabeça de Jesus, e muitos outros
assuntos, tudo isso estava carregado de instrução.
Pilatos
apresentou Jesus, perante os judeus, vestido com roupas de irrisão, e
disse-lhes: “Ecce Rex” —“Eis
aqui o vosso Rei!” Mas a semente de Abraão rejeitou-O como sendo o seu Rei.
Mas, não nos recordamos dessa infeliz nação para lhe lançar a culpa, mas para
que tenhamos presente que nós também podemos cair no mesmo pecado. Como nação
favorecida com o Evangelho, em muitos aspetos, gozamos da mesma condição
privilegiada que desfrutaram os Judeus. A nós nos é dada a conhecer a Palavra
de Deus! Os oráculos de Deus são postos debaixo da nossa custódia nestes
últimos dias, e nós, ainda que por natureza sejamos rebentos da oliveira
silvestre, estamos enxertados nesse tronco propício do qual Israel foi cortado,
por um tempo. Demonstraremos que somos igualmente indignos? Será algum de nós
encontrado culpado pelo sangue de Jesus?
Jesus
é-nos pregado neste dia —ouvimo-Lo
ou estamo-Lo rejeitando? O padecente Messias será apresentado novamente esta
manhã, não por Pilatos, mas por um, que anseia honrá-Lo. E quando estiver
diante de vós, e for proclamado, outra vez, com as palavras “Eis aqui o vosso
Rei!” gritareis vós também: “Fora, com Ele! Fora, com Ele!”? Esperaremos que
não se encontrarão aqui corações tão perversos que, imitando a nação rebelde,
gritem: “Não queremos que Este Homem reine sobre nós.” Oh, que cada um de nós
possa admitir o Senhor Jesus como seu Rei, pois debaixo do Seu cetro há
descanso e gozo! Ele é digno de ser coroado em cada coração! Unamo-nos todos em
reverente contemplação e recebamo-Lo com deleite!
Prestai
muita atenção às minhas palavras e preparai-vos com um coração disposto para que no
momento em que Jesus seja apresentado diante de vós, e que, nos próximos
minutos, a vossa única atenção seja: “Eis aqui o vosso Rei!”
I.
Acompanhai-me, então,
ao lugar chamado Caveira, e em hebraico Gólgota, e lá “Eis aqui o vosso Rei!”
Em primeiro lugar pedir-vos-ei que CONTEMPLEIS O VOSSO REI PREPARANDO O SEU
TRONO, sim, e preparando-Se para Se sentar nele. Quando olhardes, em resposta
aos chamamentos: “Eis aqui o vosso Rei!” O que é que vedes? Vedes o “Varão de
Dores, experimentado no sofrimento,” cingido com uma coroa de espinhos e
vestido com um velho manto de púrpura como objeto de troça. Vós podeis ver, se
olhardes atentamente, os fios de sangue que correm, pois acabava de ser
flagelado, e também podeis descobrir que o Seu rosto está denegrido pelos
golpes e sujo com o asqueroso cuspo escarrado pelas bocas dos soldados.
“Assim, ataviado O apresentam à chusma,
Que em uníssono grita ‘crucifica-O’,
Deus cala-Se perante o homem, porém o homem grita.”
É
um terrível espetáculo, mas peço-vos que
o observeis atentamente e vede o estabelecimento do Trono do Redentor. Vede
como Ele Se torna no nosso Rei mediador. Ele estabeleceu um novo Trono no
Gábata, no qual Ele reinará como Rei dos pecadores perdoados e como o Príncipe
de Paz! Ele era Rei, antes de todos os mundos (serem criados), como também
Senhor de tudo, pelo direito do Seu eterno poder e Deidade. Ele tinha um Trono quando os mundos
foram feitos, como Rei de todos os Reis, pela criação. Ele também tinha sempre
ocupado o Trono da Providência, sustentando todas as coisas com a Palavra do
Seu poder. Sobre a Sua cabeça havia muitas coroas, e à pergunta que Lhe fez
Pilatos: “Logo, Tu és rei?” Respondeu adequadamente: “Tu dizes que Eu sou rei.”
Mas
aqui, diante de Pilatos e dos Judeus, na Sua condição de vergonha e humilhação,
Ele estava quase a ascender, e, em primeiro lugar, a preparar o Trono da Graça
celestial, que agora foi estabelecido entre os filhos dos homens, para que
venham a Ele e encontrem a eterna salvação! Prestai atenção como Ele está
preparando este Trono de Graça —é
por meio da dor e da vergonha suportados em nosso lugar. O pecado interpunha-se
no caminho da felicidade do
homem —e a Lei transgredida
e a justiça exigiam o castigo— e
tudo isto devia ser arranjado antes de que um Trono de Graça pudesse ser
erigido entre os homens.
Se
olhardes para o nosso padecente Senhor, vereis de imediato as insígnias da Sua
dor, pois Ele leva uma coroa de espinhos que penetra na Sua testa. A dor era
uma grande parte do castigo exigido pelo pecado, e portanto, o grandioso
Substituto foi submetido a uma dor extrema. Quando Pilatos apresentou o nosso
Príncipe mártir, Ele era o espelho da agonia. Ele era a majestade miserável —a miséria forjada até às suas extremas
possibilidades. Os cruéis sulcos dos açoites, e as abundantes gotas de sangue
que banhavam o Seu rosto não eram senão indícios de que estava prestes a morrer
no meio de cruéis tormentos na Cruz! E tudo isto, simultaneamente, estava
destinado para Ele, porque não poderia haver um Trono de Graça sem que antes
houvesse primeiro um sacrifício substituto. Competia-Lhe que sofresse para que viesse a ser
Príncipe e Salvador. Eis aqui o vosso Rei nas Suas dores! Está colocando as
profundas fundações do Seu Reino de misericórdia!
Muitas
coroas têm sido obtidas com sangue, e o mesmo sucede com esta —mas trata-se do Seu próprio sangue! Muitos
tronos têm sido estabelecidos com sofrimento, e o mesmo sucede com este— mas Ele mesmo suporta a dor! Pelas Suas
grandes aflições sacrificiais, o nosso Senhor preparou um Trono sobre o qual
Ele Se sentará até que todos da raça eleita sejam feitos reis e sacerdotes para
que reinem com Ele. É pela Sua agonia que Ele obtém o poder real de perdoar —pelos Seus açoites e pisaduras é que Ele
adquire o direito de absolver os pobres pecadores! Não temos razão para nos
surpreendermos da grandeza do Seu poder mediador quando consideramos a
profundidade dos Seus sofrimentos propiciatórios! Assim como a Sua miséria é a
fonte da Sua majestade, assim também a gravidade das Suas dores Lhe tem
assegurado a plenitude do Seu poder para salvar. Se Ele não tivesse cumprido a
plenitude da Lei, e não tivesse honrado a Justiça no mais alto grau, agora não
poderia ser tão gloriosamente capaz de conceder misericórdia desde o Seu
elevado e glorioso Trono de Graça mediadora. “Eis aqui o vosso Rei”, então,
desde aquela ocasião Ele colocou profundamente a base do Seu Trono de Graça na
Sua dor e na Sua morte.
E
não se trata só de dor, pois apresenta, também, os sinais do escárnio. Essa
coroa de espinhos significava principalmente zombaria —os soldados fizeram dEle um monarca simulado, um rei de carnaval— e também o manto de púrpura foi colocado
sobre os Seus ombros num gesto pleno de amargo escárnio —e assim ridicularizava este mundo o seu
Deus! Os Evangelistas dão-nos estas
descrições utilizando frases breves, como se eles tivessem parado entre cada
frase, para cobrir os seus rostos com as mãos e chorado amargamente. Assim que,
ali O vemos parado diante da multidão, desamparado, abandonado pelos Seus
amigos, sem ninguém que declarasse a Sua geração ou Lhe dissesse uma palavra de
ânimo. Ele foi abandonado por todos os que anteriormente Lhe chamavam Mestre, e
Ele torna-Se o centro de
uma cena de tumulto e de escárnio. Os soldados fizeram o seu pior, e agora os
chefes da nação olham-nO com
desprezo, e só se contêm de continuar com o escárnio mais impudico por causa do
ódio que os movia a buscar com rapidez a Sua morte, não se podiam permitir o
prazer de continuar com as suas mofas.
Os
Seus inimigos haviam feito tudo o que estava no seu poder para O cobrir de
escárnio, e pediam autorização para fazer todavia mais, pois gritavam: “Seja
crucificado!” Considerai vós, como Ele Se despojou de toda a honra da casa de
Seu Pai, e da Sua Glória no meio dos anjos —e ali está Ele, com um manto falso, com
um cetro simulado, e uma coroa espinhosa— que é o cúmulo do ridículo, sendo
escarnecido por todos! Contudo, isto deve ser assim, pois o pecado é algo
vergonhoso, e uma parte do castigo do pecado é a vergonha, como o vireis a
saber, vós os que despertareis no Dia do Juízo para serdes entregues à vergonha
eterna! A vergonha caiu sobre Adão quando ele pecou, e sem mais demora, ele
deu-se conta de que estava nu. E agora a vergonha desceu como uma tremenda
saraivada sobre a cabeça do Segundo Adão, o Substituto do homem envergonhado, e
Ele foi coberto de desprezo. “Todos os que me vêem escarnecem de Mim.” É
difícil dizer se a crueldade ou o escárnio prevaleciam no ataque contra a
Pessoa do nosso Senhor no Gábata; mas ao suportar estes dois flagelos unidos,
pôs a base inamovível da pedra angular do Seu domínio de amor e de Graça.
Como
poderia Ele vir a ser o Rei de um povo redimido se não o tivesse redimido
assim? Poderia ter sido Senhor de um povo condenado a morrer —o severo Governante de um povo que
continuou no pecado, e continuaria nele até perecer para sempre na Sua
Presença. Mas Ele não buscava um reino assim. Ele procurava reinar sobre
corações que Lhe estivessem eternamente agradecidos. Corações que, havendo sido
redimidos desde o mais profundo Inferno pela Sua morte expiatória, amá-Lo-ão
para sempre com supremo fervor. A Sua dor assegurou o Seu poder de salvar! A
Sua vergonha outorgou-Lhe o direito de abençoar!
“Eis
aqui o vosso Rei.” Olhai-O com olhos
firmes e vede como Ele agora é Rei, pelo direito do benefício conferido. Eis
aqui, Ele tirou para sempre o pecado pelo sacrifício de Si mesmo, e por isso
todos os seres resgatados estão de acordo que Aquele que matou o grande dragão
que devorava as nações, deva ser o Rei. Eis aqui, ao humilhar-Se até à vergonha,
Ele destronou Satanás, que era o príncipe deste mundo! E quem deve ocupar o
Trono senão Aquele que o ganhou, e que expulsou o homem forte que anteriormente
o governava? Cristo fez mais pelos homens do que o Príncipe das Trevas poderia
ou quereria fazer, pois Ele morreu pelos homens, e assim Ele ganhou uma justa
supremacia sobre todos os corações agradecidos.
Quanto à morte, Jesus, entregando-Se à
morte, venceu-a. Coroemo-Lo com a grinalda da vitória, ao que destruiu o
destruidor do mundo! Na Sua vergonha, vede também o Senhor Jesus Cristo
cumprindo a lei e honrando-a. Quem honrou essa Lei, que de outra maneira nos
teria amaldiçoado, merece receber toda a honra e a homenagem tributada pelos
filhos dos homens, a quem resgatou da maldição! Vede, então, que o nosso
Senhor, quando foi vestido com aquela velha túnica de púrpura, e submeteu a Sua
testa para que fosse perfurada com os espinhos, realmente estava estabelecendo
para Si um império —cujas fundações nunca serão abaladas! Ele estava efetuando aquela
obra salvadora que O fez Rei dos pecadores salvos por Ele, o Senhor do Reino da
Graça, que mediante a Sua morte é outorgada aos homens!
Observai isto, também, que os homens são
reis entre os seus semelhantes quando mostram profunda compaixão, e oferecem
socorro verdadeiro. Aquele que sente compaixão, ganha um poder da melhor
espécie, não a força bruta, mas uma refinada influência espiritual. Por esta
causa, o nosso Senhor foi afligido, como podes ver, para que Se identifique
contigo, na tua terrível dor, e na tua mais espantosa desonra. Assim como os
filhos participaram da carne e do sangue, do mesmo modo, Ele mesmo participou
do mesmo. E como eles deviam sofrer, assim o Capitão da tua salvação foi
aperfeiçoado pelo sofrimento. Isto deu-Lhe o Seu glorioso poder sobre nós. Ele
é um fiel Sumo-Sacerdote, pois Ele pode ser comovido com o sentimento das
nossas enfermidades. E esta habilidade de compenetrar-Se com as nossas
debilidades e aflições dá-Lhe supremacia nos nossos corações.
Contempla o teu Rei sofrendo a dor e o
escárnio —e vê quão régio é Ele no teu coração! Quão soberanamente
ordena ao teu coração que se regozije! Com
que poder real ordena aos teus medos que se dissipem, e quão obedientemente o
teu desalento se submete à Sua Palavra!
Agora,
o mesmo que acontece contigo, ocorre numa escala maior no mundo. As sofredoras
nações verão, todavia, o seu verdadeiro Libertador no seu Senhor sofredor. Este
cetro de cana assegurar-Lhe-á um poder muito maior do que uma vara de ferro. O
Seu amor pelos homens está comprovado pelo Seu sofrimento até à morte por eles,
e isto, quando o Espírito Santo fizer sábios os homens, será razão para que
miríades da nossa raça O proclamem Senhor de tudo! Os reis e os príncipes que
governam a humanidade por causa da sua linhagem ou por causa da força das
armas, só têm o nome de reis. Os verdadeiros reis são os grandes
benfeitores. Os heróis são, depois de tudo, os nossos reis. Consideramos que
têm a condição de reis aqueles que arriscam as suas vidas pelos seus
semelhantes, para obter liberdade para eles, ou para lhes ensinar a verdade. A
raça olvida os seus senhores, mas recorda os seus amigos.
Se
não fosse Jesus, a Terra seria uma vasta prisão, e os homens seriam uma raça de
criminosos condenados, mas Aquele que está diante de nós, no Gábata, sofrendo
toda a Sua vergonha e dor, salvou-nos da nossa condição perdida, e por isso,
Ele deve ser Rei! Quem Lhe dirá não? Se o amor deve finalmente triunfar —e se a abnegação desinteressada deve receber
homenagem— então Jesus é e será
Rei! Se eventualmente, quando desponte a manhã e o coração do homem for
purificado do preconceito e da injustiça ocasionados pelo pecado, o poder
estará do lado da justifica, e a verdade prevalecerá! Então, Jesus reinará! A
eterna adequação das coisas exige que o melhor seja o mais elevado e o que
presta o maior serviço seja o mais honrado, entre os homens!
Numa
palavra, Ele que foi feito nada em favor do homem, deverá vir a ser tudo para
ele. Vede, então, como a coroa de espinhos é a mãe da coroa que Jesus leva na
Sua Igreja! O manto de púrpura é o preço da compra da vestidura da soberania
universal, e a cana que simulava um cetro é a precursora da vara das nações,
com a qual a Terra inteira será governada no futuro! “Eis aqui o vosso Rei!”, e
vede as fontes do Seu poder mediador!
II.
Oh, vós que vedes no vosso Senhor rejeitado e sangrento “o Rei na Sua
formosura,” vinde aqui, uma vez mais, e CONTEMPLAI-O EXIGINDO A VOSSA HOMENAGEM. Vede de que
maneira Ele vem para ganhar os vossos corações. Qual é o Seu direito de reinar
sobre vós? Existem muitos direitos, pois sobre a Sua cabeça estão muitas coroas
—mas o principal
direito que Jesus tem sobre qualquer um de nós está simbolizado por essa coroa
de espinhos— é
o direito do amor supremo! Ele amou-nos como
ninguém mais nos poderia ter amado.
Se
juntarmos todo o amor dos pais e das esposas e dos filhos, não poderão todos
eles rivalizar, nem por um instante, com o amor de Cristo, por nós! E quando
esse amor nos toca e sentimos o seu poder, coroamo-Lo de imediato como Rei.
Quem
pode resistir aos Seus encantos? Um olhar dos Seus olhos subjuga-nos! Vede com
o vosso coração Esses olhos cheios de lágrimas pelos pecadores que se perdem, e
vós sóis súbditos voluntários. Uma olhadela à Sua bendita Pessoa, submetida aos
açoites e cuspidelas por nós, dar-nos-á uma melhor ideia dos Seus direitos à
Sua coroa, que qualquer outra coisa nos poderia dar. Observai o Seu coração
traspassado, derramando o líquido da vida por nós, e todas as disputas acerca
da Sua Soberania chegam ao fim nos nossos corações. Nós reconhecemo-Lo Senhor
porque vemos como nos amou! Como poderíamos fazer outra coisa? Amor em ação, ou
melhor, o amor em sofrimento, coadjuvando a Omnipotência! Contemplai o que o
Seu amor suportou, e assim “Eis aqui o vosso Rei!”
Jesus
vestido de escárnio, desfigurado com as marcas da Sua dor, também nos recorda a
Sua completa aquisição de nós pelas Suas obras e pela Sua morte. Ou ignorais “que
não sóis de vós mesmos, porque haveis sido comprados por preço.” Contemplai o
vosso Rei, e vede por que preço! É o preço de um sofrimento imenso, a vergonha
mais cruel! É um preço incalculável, pois o Senhor de tudo está reduzido a
nada! É um preço terrível, pois o Único que tem imortalidade submete-Se à
morte! É o preço do sangue. São os açoites, o derramamento de sangue e a
aflição, a angústia, o pesar, a mágoa de Jesus —não, é Ele mesmo! Se quiserdes ver o
preço da Sua redenção, “Eis aqui o vosso Rei.” É Ele quem nos redimiu para Deus
pelo Seu sangue! Ele que “Se despojou a Si mesmo, tomando a forma de servo,
feito semelhante aos homens; e estando na condição de homem, humilhou-Se
a Si mesmo, fazendo-Se
obediente até à morte, e
morte de cruz.”
Tu
reconheces esse direito —o
amor de Cristo te constrange— sentes
que de agora em diante viverás unicamente para Ele, e consideras um gozo, em
todos os aspetos, que Ele reine sobre ti com domínio ilimitado. Jesus porque
sofreu, adquiriu um poder sobre nós que é muito superior a qualquer poder que
pudesse ser imposto pelos tribunais judiciais, ou posto em vigor por um mero
poder, pois os nossos corações hão-se submetido voluntariamente a Ele e hão-Lhe
outorgado os direitos da nossa voluntária submissão, encantados por prestar obediência
a um amor tão imperial! É possível que um crente contemple o Senhor Jesus
Cristo sem sentir que anela ser mais e mais Seu servo e Seu discípulo? Não
tendes sede de servi-Lo? Podeis contemplá-Lo
na profundeza da vergonha sem desejar com veemência elevá-Lo às alturas da
glória? Podes vê-Lo humilhando-Se assim por ti, sem suplicares a Deus que um
elevado trono glorioso seja Seu, e que Ele lá Se sente para governar os
corações dos homens?
Não
há nenhuma necessidade de debater o direito do Rei Jesus, pois tu sente-Lo. O
Seu amor tomou-te de assalto, e retém-te firmemente como Sua presa. Não podes ter um Salvador
sem que Ele seja o teu Rei. E vendo a tal Rei, numa condição assim, não podes
pensar nEle sem que te delicies em atribuir-Lhe todo o poder e domínio! Se
pudéssemos escaparmo-nos do Seu poder, entraríamos na casa da servidão— e quando, em qualquer instante, deixamos de
reconhecê-Lo como Rei, experimentamos a pior aflição! “Eis aqui o vosso Rei”,
então, Ele mesmo é a Sua própria razão para que Lhe obedeçais! Vede o que Ele
sofreu por vós, meus Irmãos e Irmãs, e de agora em diante, não recuseis nenhum
trabalho, ou vergonha, ou sofrimento pela Sua amada causa.
“Eis
aqui o vosso Rei!”, e contais ser tratados como Ele. Esperais ser coroados de
ouro quando Ele foi coroado de espinhos? Acaso crescerão lírios para vós e
cardos para Ele? Nunca mais vos envergonheis de confessar o Seu glorioso nome,
a menos que, em verdade, possais ser tão vis, para trairdes um Senhor como Ele!
Vede a vergonha à qual Ele foi exposto, e aprendei dEle a desprezar toda a
vergonha por causa da Verdade! Será o discípulo superior ao seu Mestre, ou o
servo mais do que o seu Senhor? Se eles têm maltratado, desta maneira, ao Dono
da casa, que farão aos criados? Contamos com a nossa porção de um tratamento
vergonhoso, e ao aceitá-Lo demostraremos a todos os homens, que Aquele que foi
desprezado e rejeitado pelos homens é realmente o Rei no meio de nós, e que os
súbditos não se envergonham de ser como o seu Monarca!
Que
toda a vergonha que o mundo possa derramar sobre nós, ou todo o sofrimento que
a carne e o sangue possam suportar em qualquer condição, sejamos fiéis na nossa
lealdade, e digamos “Quem nos separará? Quem poderá afastar-nos do nosso Rei, a perseguição, ou a
angústia, ou a tribulação? Não! Em todas estas coisas somos mais do que
vencedores! Rei de Dores, Tu és Rei da minh’alma! Oh Rei da humilhação, Tu és o
Monarca absoluto do meu coração! Tu és Rei por direito Divino, e Rei pela minha
escolha voluntária! Outros senhores tiveram domínio sobre nós, mas agora, desde
que Tu Te revelaste desta maneira, unicamente o Teu nome governará os nossos
espíritos.” Não vedes, então, que Jesus, diante de Pilatos, revela o Seu
direito na figura[2]
que Ele apresenta? “Eis aqui o vosso Rei!”
III.
“Eis aqui o vosso Rei!” Pela terceira vez, para que O possais ver SUBMETENDO OS
SEUS DOMÍNIOS. Vestido com roupas de escárnio, e com o rosto desfigurado pela
dor, vem como conquistador e para conquistar! Isto não é muito aparente com uma vista de
olhos superficial, pois não vai ataviado como um homem de guerra. Não vês uma
espada no Seu cinto, nem um arco na Sua mão. Dos Seus lábios não brotam ameaças
terríveis, nem fala com eloquente persuasão. Está desarmado, e ainda assim
vitorioso! Está silencioso, mas ainda assim conquistando! Com este trajo vai
para a guerra. A Sua humilhação é a Sua armadura, e os Seus sofrimentos são as
Suas armas. Como, perguntarás? Como pode ser isso? Não estou falando de ficção,
mas de um facto real —e
que será demonstrado. Missionários foram ganhar os pagãos para Cristo, e
começaram por dizer-lhes, aos
incivilizados filhos do
pecado, que há um Deus, e que Ele é grandioso e justo. As pessoas escutam
indiferentes, ou simplesmente responderam: “Por acaso pensas que não sabemos isto?”
Logo, falaram do pecado e do seu castigo, e anunciaram antecipadamente a vinda
do Senhor para julgar, mas as pessoas permanecem impassíveis, e respondem com
frialdade: “É certo,” e seguem o seu caminho, vivendo no pecado como antes.
Por
fim, estes homens sinceros descobriram a bênção secreta e falaram do amor de
Deus que entrega o Seu Filho Unigénito e começaram a contar a história das
dores incomparáveis de Emanuel! Então, os ossos secos cobraram vida, e os
surdos começaram a ouvir. Aqueles missionários informam-nos que desde que começaram a contar a
história, davam-se conta de que os olhos estavam cravados neles, e os rostos
mostravam um brilho de interesse, quando antes estavam distraídos. E eles interrogavam-se:
“Porque não começámos com
isto?” Sim, por que não? Pois isto é o que toca os corações dos homens —Cristo Crucificado é o Conquistador!
Não
submete os corações com as Suas vestiduras de glória, mas vestido com as Suas
roupas de vergonha. Não ganha, ao princípio, a fé e os afetos dos pecadores
sentado no Trono, mas como o Salvador que sangra, sofre e morre no lugar deles!
“Longe esteja de mim gloriar-me,” diz
o Apóstolo, “senão na Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo.” E ainda que cada tema
que está conectado com o Salvador deva jogar um papel no nosso ministério,
porém, este é o tema principal. A obra de propiciação de Jesus é o grande
canhão da nossa bateria! A Cruz é o mais poderoso aríete que despedaça as
portas de bronze dos preconceitos humanos e as barras de ferro da obstinação!
Cristo que vem como o nosso Juiz, alarma-nos, mas Cristo, o Varão das Dores, subjuga-nos!
A coroa de espinhos tem um
poder real em si para forçar a uma lealdade voluntária! O cetro de cana quebra
melhor os corações do que uma vara de ferro, e o manto de escárnio inspira mais
amor do que a púrpura imperial de César! Não há nada parecido a isto debaixo do
Céu!
Milhões
de vitórias foram obtidas por Aquele a quem Pilatos apresentou perante a
multidão, —vitórias
claramente atribuídas à coroa de espinhos e ao manto de escárnio! Não estão
escritas essas vitórias no livro das guerras do Senhor? E haverá mais vitórias
conforme Ele seja pregado mais frequentemente à Sua maneira, e se convidem os
homens a que, no Varão das Dores, vejam o seu Rei.
Não
tem sucedido o mesmo em casa[3],
assim como nas terras longínquas dos pagãos? O que é que ganha, hoje, os
corações dos homens para Cristo? Que outra coisa senão Cristo em humilhação,
Cristo e Cristo em sofrimento? Apelo-vos a vós, que vos haveis convertido
recentemente —o que
foi que vos prendeu como cativos ao carro de Jesus? O que é que vos fez comprometer
daqui em diante a ser Seus
seguidores, regozijando-vos no Seu nome? Que outra coisa senão esta —que Ele inclinou a Sua cabeça à morte por
causa de vós, e vos redimiu para Deus pelo Seu sangue? Sabeis que assim é!
E,
oh, amados filhos de Deus, se alguma vez sentistes o poder de Cristo em vós, de
uma maneira suprema —até
vos submeterdes por completo— não
é a memória da redentora dor, a que o consegue? Quando vós vos convertestes
numa espécie de harpas e Jesus é o trovador que toca com os Seus dedos as
cordas dos vossos corações, e só tange louvores para o Seu amado nome —o que é que vos cativa da música do amor
agradecido, senão o facto da Sua condescendência a favor de vós? Não é a vossa
canção, que Ele foi imolado e nos redimiu para Deus, pelo Seu sangue? Eu
confesso que me poderia sentar ao pé da Cruz e quedar-me, sem fazer nada, exceto chorar até
desfazer-me em lágrimas, pois os Seus sofrimentos derretem a minha alma, dentro
de mim. Então, se escutas o chamamento do dever, sinto-me intensamente ávido de interceder pelos
outros. E pronto para realizar qualquer sacrifício para trazer outros para
debaixo do domínio do Senhor! Então, pela Sua graça, cheio de uma santa paixão
que nem a morte poderá apagar —tudo
isto, digo, poderei realizar, quando acabo de regressar de contemplar a paixão
do Redentor, e de beber da Sua taça e de ser batizado com o Seu batismo! O cetro
de cana governa como nenhuma outra coisa o fez, pois desperta entusiasmo. A
coroa de espinhos inspira a homenagem como nenhum outro diadema o fez, pois
fortifica os homens para que sejam heróis e mártires. Nenhuma realeza é tão
imponente como essa que tem por insígnia a grinalda de espinhos, a cana, o
manto de púrpura e as cinco chagas!
As
outras soberanias são forçadas, fingidas e vazias, comparadas com a Soberania
do “desprezado entre os homens!” O medo, o hábito, ou o interesse pessoal
convertem os homens em cortesãos em outras partes, mas o amor fervoroso enche a
corte do Rei Jesus! Não dizemos nós, simplesmente, que o Seu Rosto desfigurado
é o mais majestoso que jamais se há visto, pois em diversas ocasiões temos
sentido que o é. Sim, e sentimos que o é agora. Quem abrandará os nossos
corações endurecidos? Falai-nos da
dor de Jesus! Quereis converter-nos
em crianças, a nós, homens fortes? Ponde o Varão de Dores no meio de nós! Não
há maneira de resistir-Lhe.
Observai,
também, os rebeldes se quereis ver o poder do desprezado Nazareno. Eles têm-se afastado de Cristo. Eles tornaram-se
pessoas desinteressadas. Se
os seus corações se tornam insensíveis a Ele, o que outrora os encantava —o que poderá fazê-los regressar? Só conheço um íman que nas
mãos do Espírito Santo atrairá a estes seres tristemente caídos— é Jesus, na Sua vergonha e nas Suas
dores! Dizemo-vos que crucificais novamente o Filho de Deus, e O apresentais à
vergonha pública —e
então olhai para Ele a quem trespassastes e lamentai-vos por Ele! Oh, vós que
depois de haverdes sorvido da taça da comunhão, fostes beber da mesa de Baco!
Vós que depois de haverdes falado do amor de Cristo seguis as concupiscências
da carne! Vós que depois de haverdes cantado os Seus louvores haveis blasfemado
do sagrado Nome com o qual sois chamados —que a Sua Omnipotência de amor seja demonstrada
em vós, também! O que é que vos pode trazer de regresso, senão esta triste
reflexão, que vós, também, haveis tecido para Ele uma coroa de espinhos e
tendes sido a causa de que Ele seja blasfemado entre os Seus inimigos?
Apesar
disso, o mérito da Sua morte está disponível para vós! O poder e a eficácia do
Seu precioso sangue ainda não cessou, inclusivamente para vós! E se vós
regressardes para Ele —e,
oh, que uma contemplação dEle vos induza a regressar— Ele receber-vos-á misericordiosamente, como da
primeira vez. E digo-vos “Eis aqui o vosso Rei!” e que a Soberania da Sua
humilhação e do Seu sofrimento seja comprovada esta manhã, em alguns de vós,
quando vierdes submeter-vos a
Seus pés, conquistados pelo Seu grande amor e restaurados ao arrependimento e à
fé, pela Sua maravilhosa compaixão! Uma visão das Suas feridas e golpes sara-nos,
e conduz-nos a condoermo-nos
das nossas rebeliões e a ansiar a regressar a casa, a Deus, para não nos
transviarmos mais.
Ah,
queridos Irmãos e Irmãs, encontraremos sempre, enquanto o mundo permaneça,
entre os santos, pecadores, rebeldes, e todas as espécies de homens, que o
poder de Jesus Cristo é mais sentido de facto quando a Sua humilhação é
declarada com mais fidelidade e é conhecida com mais fé! É mediante isto que
Ele submeterá a Si todas as coisas. Se pregarmos Jesus Cristo aos hindus, não é
necessário que lhes respondamos a todas as suas subtilezas metafísicas —os sofrimentos de Jesus são uma espada
tão afiada que corta o nó górdio[4].
Se formos pregar aos habitantes mais degradados da África, não necessitaremos
de civilizá-los primeiro —a cruz
é uma grande alavanca que levanta os homens caídos— conquista o mal e estabelece a verdade e
a justiça. Os seres mais depravados e endurecidos aprendem do Seu grandioso amor
e os corações de pedra começam a palpitar —eles vêem a Jesus sofrendo até à morte
pela única razão do Seu amor por eles— e são comovidos por isto! E perguntam avidamente o que devem
fazer para ser salvos por esse Salvador. O Espírito Santo trabalha nas mentes
de muitos ao expor-lhes o grande amor e a grande dor de Jesus. Que nós, que
somos Seus ministros, tenhamos grande fé na Sua cruz, e de aqui em diante
digamos, ao pregar a Jesus sofredor: “Eis aqui o vosso Rei!”
IV.
Em quarto lugar rogo-vos que
considereis “Eis aqui o vosso Rei!” PROMULGANDO O MODELO DO SEU REINO.
Quando
O contemplais, de imediato, pensais que se Ele é rei, é diferente de qualquer
outro monarca, pois os outros reis estão cobertos de ricos vestidos e rodeados
de pompa, mas Ele não possui nada disto. As suas glórias, usualmente, consistem
em guerras pelas quais eles têm feito sofrer outros. Mas a Sua glória é o Seu
próprio sofrimento! Nenhum sangue foi derramado senão o Seu, para fazê-Lo
ilustre! Ele é um rei, mas não pode ser incluído na lista de soberanos do tipo
que as nações da Terra são compelidas a servir. Quando Antonino Pio[5]
colocou a estátua de Jesus no Panteão, como uma estátua mais do círculo de
deuses e heróis, ela deve ter parecido estranhamente, fora de lugar, para os
visitantes que contemplavam o Seu rosto, se o escultor fosse fiel ao modelo.
Deve ter-se destacado como
alguém que não podia ser contado com o resto! Nem sequer podem contá-Lo entre
os senhores da raça humana que têm esmagado a humanidade debaixo do seu tacão de
ferro! Ele não era César —não
podes compará-Lo como um deles! Não podes chamá-Lo autocrata, imperador, ou
czar —Ele tem uma
autoridade maior que a de todos estes— ainda que é uma autoridade diferente. A Sua púrpura é
diferente da deles, e a Sua coroa também, mas o Seu rosto difere mais e o Seu
coração muitíssimo mais. “O Meu reino,” diz, “não é deste mundo.” Por tropas,
Ele tem um exército de aflições, por pompa, os contornos do escárnio, por
atitude grandiosa, a humildade, por adulação, a zombaria, por homenagem, o
cuspo, por glória, a vergonha, por Trono, uma Cruz. Sem dúvida, que nunca houve
um rei mais verdadeiro! De facto, todos os reis não são senão um nome, exceto
este Rei, que é um verdadeiro governante em Si e por Si —e não por uma força estranha.
Verdadeiramente régio é o Nazareno! Mas Ele não pode ser comparado com os
príncipes da Terra, nem o Seu Reino pode ser contado com os deles.
Peço
que venha depressa o dia quando não haja ninguém que sonhe ver a Igreja como
uma organização mundana, capaz de aliar-se com as soberanias temporais para ser
patrocinada, dirigida ou reformada por elas. O Reino de Cristo brilha como uma
estrela solitária com um esplendor próprio! Permanece à parte, como uma colina
de luz, sagrada e sublime —as
altas colinas podem saltar de inveja por causa dela— ela não lhes pertence a elas, nem é
semelhante a elas. Por acaso não é isto manifesto no comparecimento de nosso
Senhor quando Pilatos O apresenta ao povo, dizendo: “Eis aqui o vosso Rei!”?
Agora,
põe diante de nós na Sua própria pessoa, o modelo do Seu reino, podemos esperar
ver uma semelhança dEle nos Seus súbditos. E se analisardes a Igreja que é o
Seu Reino, desde o primeiro dia da Sua história até agora, veríeis que ela,
também, leva um manto de púrpura. O sangue dos mártires é o vestido de púrpura
da Igreja de Cristo. As provas e as perseguições dos Crentes, são a Sua coroa
de espinhos. Pensai no furor da perseguição na pagã Roma —e nos procedimentos igualmente inumanos
da Roma Papal —e
vereis como a bandeira do Reino de Cristo é uma coroa de espinhos —uma coroa formada com espinhos —uns espinhos que formam uma coroa! A
sarça está ardendo, mas não se consome! Se vós, amados, sois verdadeiramente
seguidores de Jesus, deveis esperar receber a vossa medida de vergonha e de
desonra. E podeis contar com a vossa porção de dores e castigos. O “Varão das
Dores” atrai um séquito pesaroso. O Cordeiro da Páscoa de Deus ainda se come
com ervas amargas. O Filho de Deus não pôde escapar à vara, visto que o Irmão
mais velho não escapou, e nós devemos ser moldados como Ele. Devemos “cumprir
na nossa carne o que falta das aflições no Seu corpo, que é a Igreja.” (Cl 1:
24).
Recordai,
assim mesmo, que os sofrimentos de Cristo como modelo, não foram pelos Seus
próprios pecados, nem foram postos sobre Ele como um castigo pelas Suas
próprias faltas. Os sofrimentos que pertencem ao Seu reino são aqueles que são
suportados por causa do Seu nome e da Sua glória, e para o bem de outros. Se os
homens estão encerrados na prisão pelos seus próprios crimes, isso não tem nada
que ver com o Seu reino. Se sofremos pelos nossos pecados, isso não é parte do
Seu reino. Mas quando um homem perde do seu património pela causa de Cristo, e
se entrega a trabalho árduo até à morte, e aguenta o desprezo e sofre as
dificuldades como um Cristão —isto
está em conformidade com o tipo do reino de Cristo.
Quando
o missionário vai com a sua vida na sua mão para entre os pagãos, ou quando o
Crente se despoja de qualquer maneira do bem-estar para o bem de outros, é
então que verdadeiramente copia o modelo estabelecido para ele no Pretório de
Pilatos, pelo nosso grandioso Rei. Eu pergunto-vos, a vós, Cristãos, que vos entregais ao
ócio, a vós que estais entesourando o vosso ouro, a vós que não fazeis nada que
vos exponha às críticas dos vossos semelhantes, a vós que só viveis para vós
mesmos —não seria uma ironia
extrema se eu vos mostrasse a Jesus diante de Pilatos e vos disse: “Eis aqui o
vosso Rei”? Como é possível que vivais no luxo indevido, acumulando riquezas,
em bem estar, vivendo para o vosso desfruto pessoal! É esse o vosso Rei? Vós
sóis uns pobres súbditos —muito
diferentes do vosso Senhor! Mas se houver no meio de nós alguns que possam
fazer sacrifícios pela Sua causa, podemos contemplar o nosso Rei, sem medo!
Vós, que ficais destemidos ante o desprezo, e que estaríeis dispostos a dar
tudo o que tendes, sim, e que vos entregais a vós próprios para conhecer a
Jesus —e o estais fazendo— a esses tais eu vos digo: “Eis aqui o
vosso Rei!” Pois, para vós é o Seu reino e vós com Ele reinareis! Na vossa
própria conquista já vos tornastes em reis! Ao reinar sobre os vossos próprios
desejos e inclinações carnais, por causa do Seu precioso amor, vós já sois reis
e sacerdotes para Deus, e reinareis para todo o sempre.
O
que é dominado pelas suas paixões em qualquer grau, é ainda um escravo. Mas o
que vive para Deus e para os seus semelhantes, tem uma alma régia. As insígnias
de um príncipe para Deus são ainda a vergonha e o sofrimento —e esses
ornamentos são usados com prontidão quando o Senhor ordena a esse príncipe que
os use. Aqueles que são mais semelhantes ao Seu Senhor e têm a mente mais
humilde e submissa —são
os verdadeiros servos de todos, são os pares da mais elevada categoria no Reino
de Cristo. Os príncipes secundários
do Seu reino são os que não se aproximam para tão junto a Ele, e quanto mais
baixo se desce na escala, menos parecidos a Ele são nesse ponto. O Cristão
rodeado de todo o bem-estar, que nunca suportou nenhuma dificuldade por Cristo,
que nunca soube o que era ser escarnecido por causa de Jesus, que nunca fez um sacrifício,
o qual nunca foi longe para
ser beliscado ao de leve —ele, se na verdade é um Cristão— é o menor no Reino dos Céus. Os homens
orgulhosos e os ricos que dão tão somente umas bagatelas para a causa de Cristo
são uns párias no Seu reino! Mas os que estão dispostos a ser os menores de
todos, são os primeiros —Os
que se submetem a todas as coisas por causa do Seu nome são príncipes, como o
foram os apóstolos e os primeiros mártires, e outros, que se foram constrangindo
grandemente pelo Seu amor.
V.
O nosso comentário para concluir será: “Eis aqui o vosso Rei” —A CERTEZA DO SEU IMPÉRIO— pois, amados, se Cristo era Rei quando
Ele Se encontrava nas mãos de Pilatos, depois de ser flagelado e de Lhe terem
cuspido, e quando vestia a túnica e a coroa de escárnio, quando é que Ele não
será Rei? Se Ele foi Rei nas piores circunstâncias, quando é que o Seu trono
pode ser alguma vez abalado? Abateram-No abaixo
dos filhos dos homens,
pois O converteram num verme e não num homem, desprezado pelo povo, e ainda,
Ele é Rei! Marcas de realeza havia no dia da Sua morte. Ele repartia coroas
quando estava na cruz —Ele
deu a promessa da entrada no Paraíso ao ladrão moribundo. Na Sua morte fez
tremer a terra, abriu os túmulos, partiu as rochas, obscureceu o Sol, e fez com
que os homens se golpeassem no peito, consternados! Uma voz, após outra,
inclusivamente dentro das fileiras inimigas, proclamavam que Ele era Rei, ainda
quando Ele morria como um malfeitor!
Ele
era Rei nesse momento? Quando é que Ele deixaria de ser Rei? E quem é que
poderá, de alguma maneira abalar o Seu trono? Nos dias da Sua carne “Os reis da
terra levantaram-se, e os
príncipes consultaram-se unidos,”
dizendo, “rompamos as suas ligaduras, e lancemos de nós as suas cordas;” mas
Aquele que mora nos céus se rirá —o Senhor zombará deles, e Cristo sobre a Cruz foi
reconhecido, em Hebraico, em Grego e em Latim, como o Rei dos judeus. Quando
deixará de ser Rei? Se Ele era Rei antes de morrer e de ser colocado no
sepulcro, o que é Ele, agora, que ressuscitou dos mortos? Agora, que Ele venceu
o destruidor da nossa raça, e vive para nunca mais morrer? Que é Ele agora?
Vós, anjos, proclamai que glórias O rodeiam agora! Se Ele era Rei quando esteve
no tribunal de Pilatos, o que será Ele quando Pilatos se tenha que apresentar
ante o Seu tribunal, quando Ele vier sentado no Seu Grande Trono Branco e
congregue diante de Si toda a humanidade para juízo? Qual será a Sua
reconhecida soberania e a Sua terrível majestade no Dia do Senhor?
Vinde,
vamos adorá-Lo! Rendamos-Lhe, neste dia, a nossa humilde homenagem nos átrios
da casa do Senhor! E logo partamos para o nosso serviço diário, no Seu nome, e
tomemos esta firme resolução,
com a ajuda do Seu Espírito, que vivamos para coroá-Lo nos nossos corações e
nas nossas vidas —em
qualquer lugar onde devamos estar— até que desponte o dia e as sombras se afastem, contemplemos
o Rei na Sua beleza e que a terra se encontre muito distante. Nada pode
derrubar um reino que está fundado na morte do seu Rei! Nada pode abolir um
domínio cujas profundas fundações estão colocados sobre as lágrimas e o sangue
do próprio Príncipe. Napoleão disse que ele fundara o seu império pela força, e
por essa razão ele tinha passado. “Mas”, acrescentou “Jesus fundou o Seu Reino
em amor, e durará para sempre.” Assim deve ser, pois independentemente do que
seja ou do que não seja, está escrito: “É preciso que Ele reine.”
E,
quanto a nós, se desejamos ampliar o reino do Redentor devemos estar preparados
para nos negarmos a nós mesmos, por Cristo. Devemos estar preparados para o
cansaço, para a calúnia e para a abnegação. Com este sinal venceremos! A Cruz
terá de ser carregada por nós, assim como também foi suportada por Ele, se
vamos reinar com Jesus. Teremos tanto de ensinar a cruz como tanto de carregar
com a cruz. Teremos de participar no opróbrio se queremos ser participes na
Glória! Não há Trono sem tormentos! Quando se oiça outra vez a voz: “Eis aqui o
vosso Rei!” Tanto o Judeu como o Gentio vejam-No entronizado e rodeado por
todos os anjos de Seu Pai —com
toda a Terra submetida debaixo do Seu poder, feliz será aquele que no exaltado
Salvador contemple, então, o seu Rei! Que o Senhor nos conceda neste dia que
sejamos súbditos leais do Crucificado para que sejamos favorecidos com o
compartilhar da Sua glória.
[1] O
título deste sermão foi tirado da Bíblia chamada Vulgata, em latim, que traduz
João 19: 14: 'Ecce rex vester.' 'Eis aqui o vosso Rei.’
Vulgata
é a forma latina abreviada de vulgata editio ou vulgata versio ou vulgata
lectio, respetivamente "edição, tradução ou leitura de divulgação popular"
- a versão mais difundida (ou aceite como mais autêntica) de um texto.
No
sentido corrente, Vulgata é a tradução para o latim da Bíblia, realizada entre
fins do século IV início do século V, por Jerónimo [(Strídon, c. 347 - Belém,
30 de Setembro de 420), nascido Eusébio Sofrónio Jerónimo (em latim: Eusebius
Sophronius Hieronymus; em grego: Εὐσέβιος Σωφρόνιος Ἱερώνυμος)], a pedido do
Papa Dâmaso I, que foi usada como tradução/versão oficial, e a única autorizada
pela Igreja Católica Romana durante séculos.
[2] Aparência
[3]
Metrópole
[4]
Uma antiga lenda grega conta que o rei da Frígia,
Gordias, ofereceu a sua carroça a Zeus em agradecimento por haver-lhe concedido o trono. A
carroça oferecida ao deus, lembrança do tempo em que Gordias era pobre, ficou
guardada na fortaleza da cidade, amarrada por uma corda com um nó tão
complicado que ninguém podia desfazê-lo.
O
império de toda a Ásia era prometido a quem conseguisse desatá-lo, mas mesmo
assim o nó permaneceu invicto por 500 anos, até que Alexandre, o jovem filho de
Filipe da Macedónia,
chegou a Frígia. Quando lhe apresentaram o desafio do nó górdio, o jovem
conquistador desembainhou a sua espada e o cortou com um único golpe. Lenda ou
não, o facto é que Alexandre se tornou senhor de toda a Ásia Menor
poucos anos depois.
Na
nossa língua, chamamos hoje “nó górdio” a toda dificuldade insolúvel ou para a
qual parece não haver solução. A expressão "cortar o nó górdio"
significa resolver um problema complexo de maneira simples e eficaz. (wikipédia
online)
[5]
Tito Aurélio Fúlvio Boionio Árrio Antonino Pio, conhecido como Antonino Pio, em
latim
Titus Aurelius Fulvius Boionius Arrius Antoninus Pius (19 de
setembro 86
- 7 de março
161) foi Imperador
romano pertencente à dinastia dos cinco bons imperadores. Sucedeu a Adriano,
que o adoptara como filho. Foi denominado Pio precisamente pelo facto de haver
insistido na deificação do seu pai adoptivo e na validação dos seus actos pelo Senado romano,
o qual se ressentia-se das políticas autoritárias de Adriano. Leve-se em conta
que aí estava em jogo algo mais que simples devoção filial: como conta Dio
Cássio, Antonino acreditava que, fossem os actos de Adriano invalidados em
bloco, o primeiro dos seus actos a ser questionado na prática seria a adopção
do próprio Antonino. A ratificação dos actos de Adriano, foi, portanto, levada
a cabo, sob o estímulo de Antonino ter comparecido ao Senado com um
destacamento da guarda pretoriana.
Antonino,
não obstante, exerceu o poder em contacto constante com o Senado, cujo papel
cerimonial aceitava, ainda que não lhe cedendo qualquer parcela de poder real;
contrariamente a Adriano, permaneceu em Roma durante todo o seu reinado.
Realizou uma política de austeridade, não realizando grandes edificações nem
conquistas militares - salvo um deslocamento para Norte da fronteira da Britânia, após as campanhas do general Lólio Úrbico, que resultou
na construção de um novo muro, a Muralha de Antonino, ao Norte da Muralha de Adriano, na fronteira entre as atuais
Inglaterra
e Escócia.
Notas e Tradução de Carlos
António da Rocha
****
Esta tradução é de
livre utilização, desde que a sua ortografia seja respeitada na íntegra porque
já está traduzida no Português do Novo Acordo Ortográfico e que não seja nunca
publicada nem utilizada para fins comerciais; seja utilizada exclusivamente
para uso e desfruto pessoal.
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