… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

sábado, 16 de julho de 2011

Leituras Cristãs
Ivan Moiseyev, de quepe (maio de 1972, dois meses antes de morrer).

25 GRAUS NEGATIVOS

— Ivan Moiseyev, sinto muito que você persista no seu comportamento incorreto — retornou o major [Gidenko], e agora a voz denotava fadiga. — Isto só lhe vai trazer aborrecimentos. Entretanto, eu creio firmemente que, com um pouco de disciplina, você poderá recobrar o bom uso da razão, e ser liberto dessas ilusões acerca de anjos e Deus que falam. Você vai ficar de pé na rua, hoje à noite, após o toque de silêncio, e todos os dias, enquanto não se dispuser a vir aqui e se desculpar pelas tolices que você anda espalhado pelo quartel acerca dessas suas experiências com Deus. E como a temperatura deverá descer a 25°C abaixo de zero, será melhor que você resolva agir sensatamente o mais rápido possível. Amanhã vamos planear uma linha de ação para a sua reeducação política. Está dispensado.

Gidenko sentiu-se profundamente irritado pela tranquilidade com que Moiseyev pareceu acatar a ordem. Esperara uma hesitação da sua parte, uma tentativa de reconsideração, mas as feições dele estavam perfeitamente calmas e os ombros, eretos, quando  ele se encaminhou com passos firmes para a porta.

— Camarada soldado!

Ivan voltou-se. O major notou que ele estava ligeiramente pálido. Portanto, ele tinha compreendido bem a determinação.

— As instruções dadas serão executadas em farda de verão. Pode ir.

O primeiro contato com o ar frio foi como um tapa no rosto que lhe provocou dor de cabeça e fez os olhos lacrimejarem. Ele retraiu-se instintivamente para fugir do vento gelado que lhe ardia nas orelhas. Sabia muito bem que as janelas dos alojamentos às escuras estariam cheias de cabeças que o espiavam. A luz da Lua iluminava a ruela e os bancos de neve contra a silhueta dos prédios. Entesou os músculos, como que tentando resistir às lufadas geladas. Olhou o relógio. Passava um minuto das dez.

Teria tempo de sobra para orar. Começou hesitantemente, sentindo nascer em seu coração um leve temor que logo procurou afastar. Quanto tempo poderia suportar? E se ele sentisse tanto frio que acabasse cedendo? E se morresse congelado? Será que o deixariam ali até morrer? Tentou concentrar-se na oração, mas o pânico comprimia o seu peito. Quanto tempo levaria para morrer congelado? Seria uma morte rápida? E se de manhã ele estivesse quase congelado e eles o reavivassem? Ouvira dizer que a dor causada pelo congelamento dos membros era terrível. E se tivessem de amputá-los? Tinha de desviar o pensamento dessas coisas. Começou a cantar: "A alegria do Senhor é a nossa força. A alegria do Senhor é a nossa força".

De repente, a gloriosa visão que tivera pela manhã voltou-lhe à lembrança. Olhou para o largo, distante dali, mas perfeitamente visível ao luar. Parecia-lhe que a luz angelical permanecia lá.

"Não tema. Vai. Eu vou com você", dissera o anjo.

Ele se referia ao que aconteceria à noite. Sentiu novamente o mesmo calor que experimentara naquele momento. Abriu os lábios e começou a orar baixinho mas fervorosamente.

Era meia-noite e meia.

— Muito bem, Moiseyev, já reconsiderou a sua posição? Quer entrar? Cansou-se de ficar aqui fora?

— Obrigado, camaradas oficiais. Eu gostaria muito de entrar e ir dormir, mas não concordo em parar de falar a respeito de Deus.

— Quer dizer que vai ficar aqui a noite toda? — O rosto deles exibia uma expressão de medo.

— Preferia não ficar. Mas não vejo como isto seria possível, de outro modo. Além disso, Deus está me ajudando.

De pé, em posição de sentido, Ivan esfregava as mãos com as pontas dos dedos. Sua voz tremia pela emoção. As mãos estavam frias, mas não mais frias do que quando se trocara no alojamento. Tentou exercitar também os dedos dos pés. Moveram-se facilmente, sem nenhuma dificuldade. Foi então que um grande espanto começou a nascer dentro dele. Olhou para os oficiais com grande comoção interior — apesar dos capotes pesados, eles estavam enregelados. Batiam os pés e as mãos, movendo-se constantemente, impacientes para retornarem aos dormitórios aquecidos. Em uma hora ele mudará de ideia, ouviu o oficial mais graduado murmurar enquanto se afastavam. Ivan não pôde deixar de sorrir.

Às 3:00h da madrugada, começou a cochilar. As suas confissões de arrependimento haviam se encerrado. A intercessão por todos os crentes fora repetida várias vezes. Cantara os cânticos natalinos. Orara por todos os oficiais que conhecia de vista ou de nome. Clamara a Deus em favor dos soldados da sua companhia. Mas, gradualmente, o seu pensamento ia se esvaindo. Lutou para continuar em oração, mas não conseguia.

De súbito, uma voz despertou-o. O oficial em serviço falava-lhe com brandura.

— Está bem, Moiseyev. Pode entrar agora. — A luz mortiça que provinha do alojamento bateu nas insígnias douradas do quepe. O tom com que lhe falou era carregado de sentimento.

— Afinal, que tipo de pessoa é você?

— Senhor?

— Que tipo de gente é você, que parece não ser afetada pelo frio?

— Ah, camarada; eu sou uma pessoa comum, mas orei a Deus e Ele me aqueceu — respondeu-lhe Ivan suavemente.

Tocando o braço do soldado para que o seguisse, o oficial virou-se, e caminhando lentamente, dirigiu-se ao alojamento.

— Fale-me sobre esse Deus — disse.

In “Ivan - O soldado cristão que enfrentou o terror policial soviético”, Grant Myrna. Tradução de Myrian Talitha Lins, Editora Betânia, pp. 55-61.

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Ivan Vasilyevich Moiseyev nasceu em 1952 na cidade de Volontirovka, Suvorov District, na República da Moldavian da ex-URSS. Em 16 de julho 1972, aos anos vinte Vanya morreu em circunstâncias suspeitas.

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