Leituras Cristãs
Não Se Conhece Deus Utilmente Senão Por Jesus Cristo
Jesus Cristo é o objeto de tudo e o centro para o qual tudo tende. Quem o conhece, conhece a razão de todas as coisas.
Os que se desviam só se desviam por não verem uma dessas duas coisas. Por
conseguinte, pode bem conhecer-se Deus sem sua miséria e sua miséria sem Deus;
mas não se pode conhecer Jesus Cristo sem conhecer ao mesmo tempo Deus e sua
miséria.
O Deus dos cristãos não consiste num Deus simplesmente autor das verdades
geométricas e da ordem dos elementos ; é a parte dos pagãos e dos epicuristas.
Não consiste simplesmente num Deus que exerce a sua providência sobre a vida e
sobre os bens dos homens, para dar uma feliz seqüência de anos aos que o
adoram; é a porção dos judeus. Mas, o Deus de Abraão e de Jacó, o Deus dos
cristãos, é um Deus de amor e de consolação: é um Deus que enche a alma e o
coração que ele possui; é um Deus que lhes faz sentir interiormente a sua
miséria e a sua misericórdia infinita, que se une ao fundo de sua alma; que a
enche de humildade, de alegria, de confiança, de amor; que os torna incapazes
de outro fim que não seja ele mesmo.
O Deus dos cristãos é um Deus que faz sentir à alma que ele é o seu único
bem; que todo o seu repouso está nele; que não terá alegria senão em amá-lo; e
que lhe faz ao mesmo tempo abominar os obstáculos que a retêm e a impedem de o
amar com todas as suas forças. O amor-próprio e a concupiscência que a detêm
lhe são insuportáveis. Esse Deus lhe faz sentir que ela tem esse fundo de
amor-próprio e que só ele pode curá-la.
(Eis o que é conhecer Deus como cristão. Mas, para conhecê-lo dessa maneira,
é preciso conhecer ao mesmo tempo a sua miséria, a sua indignidade, e a
necessidade que se tem de um mediador para se aproximar de Deus e para se unir
a ele. É preciso não separar esses conhecimentos porque, uma vez separados, são
não só inúteis, mas nocivos.) O conhecimento de Deus sem o da nossa miséria faz
o orgulho. O conhecimento da nossa miséria sem o de Jesus Cristo faz o
desespero. Mas, o conhecimento de Jesus Cristo nos isenta não só do orgulho
como do desespero, porque encontramos nele Deus, a nossa miséria e a via única
de a reparar.
Podemos conhecer Deus sem conhecer as nossas misérias, ou as nossas misérias
sem conhecer Deus; ou mesmo Deus e as nossas misérias, sem conhecer o meio de
nos livrarmos das misérias que nos afligem. Mas, não podemos conhecer Jesus
Cristo sem conhecer ao mesmo tempo Deus e as nossas misérias, assim como o
remédio das nossas misérias; porque Jesus Cristo não é simplesmente Deus, mas
um Deus reparador das nossas misérias.
Assim, todos os que procuram Deus fora de Jesus Cristo e que se detêm na
natureza, ou não acham nenhuma luz que os satisfaça, ou chegam a formar para si
um meio de conhecer Deus e de o servir sem mediador, e por isso caem ou no
ateísmo ou no deísmo, que são duas coisas que a religião cristã detesta quase
que igualmente.
É preciso, pois, tender unicamente a conhecer Jesus Cristo, uma vez que é só
por ele que podemos pretender conhecer Deus de maneira que nos seja útil.
Ele é que é o verdadeiro Deus dos homens, isto é, dos miseráveis e dos
pecadores. É o centro de tudo e o objeto de tudo: e quem não o conhece não
conhece nada na ordem do mundo, nem em si mesmo. Com efeito, além de só
conhecermos Deus por Jesus Cristo, só nos conhecemos a nós mesmos por Jesus
Cristo.
Sem Jesus Cristo, é preciso que o homem esteja no vício e na miséria; com
Jesus Cristo, o homem fica isento de vício e de miséria. Nele estão toda a
nossa virtude e toda a nossa felicidade; fora dele, só há vicio, miséria,
erros, trevas, desespero, e só vemos obscuridade e confusão na natureza de Deus
e em nossa própria natureza.
In “Pensamentos” de Blaise Pascal
Blaise Pascal nasceu em Clermont, no dia 19 de junho
de 1623. Filho de Etienne Pascal e Antoinette Begon, ficou órfão de mãe aos
três anos de idade. Suas extraordinárias qualidades de inteligência, reveladas
desde os primeiros anos da infância, tornaram-se todo o orgulho do pai de
Pascal, que quis encarregar-se pessoalmente de sua educação. O jovem Pascal
manifestou, desde logo, um pendor excepcional pelas matemáticas, a tal ponto
que, segundo sua irmã Gilberte, chegou a descobrir os fundamentos da geometria
euclidiana. Aos dezasseis anos de idade, escreveu um tratado de tal profundeza
que se dizia não ter sido escrito outro, depois de Arquimedes, que se lhe
pudesse comparar. Esse tratado despertou o entusiasmo de Descartes. Enquanto
isso, continuava Pascal os seus estudos do latim e do grego, nos quais seu pai
o havia iniciado, e, nos intervalos, dedicava-se também à lógica, à física, à
filosofia. Aos dezoito anos de idade, inventou uma máquina de calcular. Aos
vinte e três, já era senhor de imenso cabedal científico, tendo descoberto
várias leis sobre a densidade do ar, o equilíbrio dos líquidos, o triângulo
aritmético, o cálculo das probabilidades, a prensa hidráulica, etc. No dia 23
de novembro de 1654, porém, na ponte de Neuilly, foi vítima de um acidente e
começou a sofrer de alucinações, vendo aparecer sempre diante de si um abismo
aberto para tragá-lo. Desde então, tornou-se profundamente religioso, renunciou
a todos os seus conhecimentos e, passando a viver solitariamente, internado na
abadia de Port-Royal, dedicou-se exclusivamente à defesa do cristianismo.
Dá-se, hoje, o nome de abismo de Pascal à dificuldade que certos problemas
sociais ou morais oferecem em sua elucidação.
A expressão grão de areia de Pascal encontra explicação na seguinte passagem
desta obra: "Cromwell teria destruído toda a cristandade, a família real
se teria perdido e a sua se tornado poderosa como nunca, se não fosse um
pequeno grão de areia que se introduzira em sua uretra. E até Roma teria
tremido sob o seu domínio, se essa areiazinha, que não valia nada em outro
lugar, introduzindo-se ali, não o tivesse morto, derrubando sua família e
restabelecendo o rei." Assim, Com aquela locução, se exprime a idéia de
que pequenas causas podem acarretar grandes efeitos.
Toda a vida de Pascal é tida como um grande exemplo de sofrimento resignado
e de piedade. Morreu com trinta e nove anos, no dia 19 de agosto de 1662.
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