… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A glória de Cristo,

por John Owen

Tradução da obra "Meditations on the Glory of Crist" de John Owen, numa versão abreviada intitulada "The Glory of Crist".




CAPITULO 1

Para que vejam a Minha glória.” (Jo 17:24 ARC1995)

O sumo sacerdote sob o Antigo Testamento, fazendo os sacrifícios requeridos no dia da propiciação, entrou no lugar santíssimo com as suas mãos cheias de incenso de um doce aroma, o qual pôs no fogo diante do Senhor. Assim, o grande sumo sacerdote da Igreja, nosso Senhor Jesus Cristo, havendo-Se oferecido pelos nossos pecados, entrou no Céu com o doce aroma das Suas orações a favor do Seu povo. O Seu desejo eterno pela salvação do Seu povo é manifesto no versículo citado no princípio: “Pai... quero... que vejam a Minha glória” (Jo 17:24). José pediu aos Seus irmãos que contassem a seu pai acerca da sua glória no Egito: “Fareis, pois, saber a meu pai toda a minha glória no Egito...” (Gn 45:13). Isto fê-lo José, não para vangloriar-se, mas para dar a seu pai o gozo de saber acerca da sua elevada posição no Egito. Assim Cristo desejava que os discípulos vissem a Sua glória, para que estivessem satisfeitos e desfrutassem da plenitude desta bênção para sempre. Havendo conhecido o Seu amor, o coração do crente estará sempre inquieto até que veja a glória de Cristo. O ponto culminante de todas as petições que Cristo faz a favor dos Seus discípulos (neste capítulo 17) é que vejam a Sua glória. Então, eu afirmo que um dos maiores benefícios para o crente, neste mundo e no vindouro, é a consideração da glória de Cristo.

Desde começo do Cristianismo, nunca houve tanta oposição direta para a natureza (tanto a divina como a humana) e para a glória de Cristo como a que existe atualmente. É dever de todos aqueles que amam o Senhor Jesus dar testemunho (segundo a sua capacidade) da Sua natureza única e da Sua glória. Portanto, queria fortalecer a fé dos verdadeiros crentes demonstrando que o ver a glória de Cristo é uma das experiências e um dos maiores privilégios possíveis neste mundo e no vindouro. Agora, nesta vida ao contemplarmos a glória de Cristo, somos transformados na Sua semelhança (Veja-se-se 2Co 3:18). Na vida vindoura, seremos semelhantes a Ele porque O veremos tal como Ele é (Veja-se-se 1Jo 3:2). Este conhecimento de Cristo é em forma contínua, a vida e a recompensa para as nossas almas. Aquele que tem visto a Cristo, tem visto o Pai; a luz do conhecimento da glória de Deus é vista somente na face de Jesus Cristo (Veja-se-se Jo 14:9 e 2Co 4:6).

Há duas maneiras para se ver a glória de Cristo: Agora, neste mundo, por meio da fé, e no Céu pela vista, durante toda a eternidade. É à segunda maneira que Cristo Se refere na sua oração (a oração registada em João 17). Cristo pede que os Seus discípulos estejam com Ele (no Céu) e que vejam a Sua glória. Mas uma visão da Sua glória neste mundo por meio da fé também está implícita, e exponho as seguintes razões pelas quais enfatizo isto:

1. Na vida vindoura, nenhum homem verá a glória de Cristo, a menos que a tenha visto pela fé nesta vida. É necessário que sejamos preparados para a glória por meio da graça, e que por meio da fé sejamos preparados para ver Cristo com a nossa vista. Algumas pessoas que não têm a fé verdadeira imaginam que verão a glória de Cristo no Céu, mas estão enganando-se a si mesmos. Os Apóstolos viram esta glória, “glória como a do unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1:14). Esta não foi uma glória mundana como a que possuem os reis ou o papa. Ainda que Cristo tenha criado todas as coisas, Cristo não teve onde reclinar a Sua cabeça. Não havia nenhuma glória inusitada ou formosura na Sua aparência como homem. O Seu rosto e a Sua aparência foram desfiguradas mais do que a dos filhos dos homens (Is 52:14 e 53:2). Tão-pouco se podia ver neste mundo a plena manifestação da glória da Sua natureza divina. Então, como puderam os Apóstolos ver a Sua glória? Viram-na por meio do entendimento espiritual da fé. Ao vê-Lo como cheio de graça e de verdade, e ao ver o que fez e o que falou, “Receberam-No e creram em Seu nome” (Jo 1:12). Aqueles que não possuíam esta fé não viram nenhuma glória em Cristo.

2. A glória de Cristo está muito mais para lá do alcance do nosso presente entendimento humano. Não podemos olhar diretamente para o Sol sem ficarmos cegos e não podemos com os nossos olhos naturais ter qualquer visão verdadeira de Cristo no Céu; essa glória só pode ser conhecida por meio da fé. Aqueles que falam ou escrevem acerca da imortalidade da alma mas que não têm nenhum conhecimento da vida de fé, em realidade não sabem do que estão falando. Há aqueles também que usam imagens, crucifixos, ídolos e música, num vão intento por adorar algo que eles imaginam que é como a glória de Deus. Isto é devido a que não têm nenhum entendimento espiritual da verdadeira glória de Cristo. Somente o entendimento que nos vem por meio da fé, nos dará uma ideia verdadeira da glória de Cristo e criará em nós o desejo por desfrutá-la plenamente no Céu.

3. Portanto, se quisermos ter uma fé mais ativa e um amor maior por Cristo (o qual daria descanso e satisfação às nossas almas), deveríamos buscar ter um desejo maior por ver a glória de Cristo nesta vida. Isto resultará em que as coisas deste mundo se tornem cada vez menos atrativas, até que cheguem a ser coisas mortas e indesejáveis. Não deveríamos esperar ter uma experiência distinta no Céu do que havemos estado buscando neste mundo; quer dizer, não podemos esperar ver a glória de Cristo no Céu se isso não tem sido o nosso afã na Terra. Se estivéssemos mais persuadidos disto, pensaríamos mais nas coisas celestiais do que normalmente o fazemos.

Antes de proceder com um desígnio de guiar os crentes numa experiência mais profunda de fé, amor e meditação espiritual, desejo mencionar algumas das vantagens que surgem do contínuo pensar na glória de Cristo:

1. Ao pensar na glória de Cristo, seremos feitos mais aptos para o Céu. Muitos consideram-se como já suficientemente preparados para a glória, se somente pudessem alcançá-la. Mas nem sequer sabem o que essa glória é. Não há nenhum prazer na música para aqueles que são surdos, nem as cores mais belas dão qualquer prazer aos cegos. Do mesmo modo, o Céu não daria qualquer prazer às pessoas que não foram preparadas para ele nesta vida, pelo Espírito. O Apóstolo dá: “graças ao Pai que nos fez aptos para participar da herança dos santos na luz” (Cl 1:12). A vontade de Deus é que conheçamos o começo da glória agora e no futuro a sua plenitude. Somos, porém, capacitados para receber o conhecimento desta glória por meio da atividade espiritual da nossa fé. O nosso conhecimento presente da glória é a nossa preparação para a glória futura.

2. Um conhecimento da glória verdadeira de Cristo, tem poder para nos transformar até que sejamos semelhantes a Cristo (Veja-se-se 2Co 3:18).

3. Uma meditação habitual na glória de Cristo, trará descanso e satisfação às nossas almas. Trará paz às nossas mentes, que tão frequentemente se enchem de temor e de preocupações. “Mas a inclinação do Espírito é vida e paz.” (Rm 8:6) As coisas desta vida, em comparação com o grande valor e a formosura de Cristo, são menos que nada, como Paulo disse: “E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor” (Fl 3:8).

4. O conhecimento da glória de Cristo, é a fonte da bem-aventurança eterna. Ao vê-lO como Ele é, seremos feitos semelhantes a Ele. (1Ts 4:17; Jo 17:24; 1Jo 3:2)

Deus é tão grande, que não O podemos ver com os nossos olhos naturais e ainda no Céu não poderemos entender tudo acerca Dele porque Ele é infinito. A bem-aventurada visão de Deus que lá teremos será sempre “na face de Jesus Cristo “ (2Co 4:6) e isto será suficiente para nos encher de paz, descanso e glória.

Ainda nesta vida, os verdadeiros crentes experimentam algo do prazer que resulta de conhecer Cristo. Por meio das Escrituras e do Espírito Santo, os crentes recebem um conhecimento da glória de Deus que resplandece em Cristo, de tal maneira que um gozo inefável e paz enchem as suas almas. Tais experiências não são frequentes, mas isto é devido à nossa frouxidão e à nossa falta de luz espiritual. A glória amanheceria mais frequentemente em nossas almas, se fôssemos mais diligentes no nosso dever de meditar na glória de Cristo.

Nos seguintes capítulos (2 ao 11), procurarei responder à pergunta: Qual é a glória de Cristo que podemos ver por meio da fé, e como podemos vê-la? E nos restantes (12 aos 14) explicarei como este conhecimento de fé é distinto da visão direta de Cristo que teremos no Céu.


"Meditations on the Glory of Crist" de John Owen numa versão abreviada intitulada "The Glory of Crist".
Tradução de Carlos António da Rocha


John Owen (Stadhampton, 1616 - Ealing, 24 de agosto de 1683) é, por consenso, o mais bem conceituado teólogo puritano, e muitos o classificariam, ao lado de João Calvino e de Jonathan Edwards, como um dos três maiores teólogos reformados de todos os tempos.
Nascido em 1616, entrou para o Queen's College, em Oxford, aos 12 anos de idade e completou seu mestrado em 1635 aos 19 anos de idade. Em 1637 tornou-se pastor.
Na década de 1640 foi capelão de Oliver Cromwell e, em 1651, veio a ser deão da Christ Church, a maior faculdade de Oxford. Em 1652, recebeu o cargo adicional de vice-reitor da universidade, a qual passou a reorganizar com sucesso notável.
Depois de 1660, foi líder dos Independentes (mais tarde chamados de congregacionais, até sua morte em 1683.

 de
Carlos António da Rocha

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