… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

07 - Pedro sobre as águas



C. H. Mackintosh
Breves Meditações
07 - Pedro sobre as águas
Leia Mateus 14:22-33
Há dois aspetos pelos quais podemos considerar esta interessante passagem das Escrituras. Em primeiro lugar, podemo-la ler sob um ponto de vista dispensacional, em relação com o tema dos concertos de Deus com Israel. E, em segundo lugar, podemo-la ler como uma passagem que se refere directamente ao nosso andar diário e prático com Deus.


O Nosso Senhor, uma vez, tendo alimentado a multidão e tendo-se despedido dela, “subiu ao monte a orar à parte; e quando chegou a noite, estava lá sozinho.” Isto corresponde precisamente à Sua posição actual, com referência à nação de Israel. Ele deixou-os e subiu ao alto para empreender a bendita obra da intercessão. Enquanto isso, os discípulos —tipo do remanescente piedoso— estavam sendo sacudidos pelo tempestuoso mar durante as lúgubres vigílias da noite, passando por profundas provas e exercícios, na ausência do seu Senhor, O qual, não obstante, nunca os perdeu de vista por um momento, sequer, nunca afastou os Seus olhos deles; e, quando eles se acercaram do limite das suas possibilidades, por assim dizê-lo, sem saber que fazer, Jesus apresentou-Se para aliviá-los, sossega os ventos, acalma o mar e leva-os ao seu desejado porto.


Tendo dito o suficiente quanto ao aspecto dispensacional desta porção das Escrituras, o qual, ainda que seja muito interessante, não o continuaremos desenvolvendo, por quanto o nosso propósito, neste breve artigo, é apresentar ao coração do leitor a preciosa verdade revelada na exposição de Pedro sobre as águas, a verdade que —como a temos dito— diz respeito directamente à nossa própria senda individual, seja qual for a natureza dessa senda.


Não requer qualquer esforço de imaginação ver, no caso de Pedro, uma notável figura da Igreja de Deus colectivamente ou do cristão individual. Pedro deixou a barca ante o chamamento de Cristo. Ele abandonou tudo aquilo a que o coração podia apegar-se e encontrou-se a caminhar sobre o tempestuoso mar, por uma senda traçada para lá e por cima dos limites da natureza; uma senda de fé; uma senda na qual nada, senão a simples fé, poderia viver um só momento. O segredo para todos quantos são chamados a recorrer a esta senda é Cristo ou nada. A nossa única fonte de poder consiste em manter os olhos da fé firmemente fixados em Jesus: “Olhando para Jesus, autor e consumador da fé. ” Logo que apartemos os nossos olhos dEle, começaremos a afundarmo-nos.


 Não é preciso dizer que não se trata aqui da salvação —de alcançar a margem para estar a salvo. De maneira nenhuma; estamos falando, agora, do andar do cristão neste mundo; da carreira prática daquele que é chamado a abandonar este mundo, a renunciar a tudo aquilo em que a mera natureza busca apoiar-se ou depositar a sua confiança; a desprender-se das coisas terrenais, dos recursos humanos e dos meios naturais, a fim de andar com Jesus, por cima do poder e da influência das coisas visíveis e temporais.


    Tal é o elevado chamamento do cristão e de toda a Igreja de Deus, em contraste com Israel, o povo terrenal  de Deus. Nós somos chamados a viver pela fé; a caminhar, com calma confiante, por cima das circunstâncias deste mundo; a avançar, com santo companheirismo, junto a Jesus.


A isso precisamente suspirava a alma de Pedro quando proferiu estas palavras: “E respondeu-lhe Pedro, e disse: Senhor, se és tu, manda-me ir ter contigo por cima das águas.” (Mt 14:28). Aqui estava o segredo: “se és tu”. Se não fosse Ele, o erro mais descomunal que Pedro teria podido cometer, teria sido deixar a barca. Mas, por outro lado, se certamente, era Ele mesmo, esse Bendito, Gloriosíssimo e Gracioso Jesus, Aquele que Pedro viu ali andando tranquilamente sobre a superfície das agitadas águas, então, seguramente, o mais excelente, o mais ditoso, o melhor que Pedro podia fazer era abandonar todo o recurso terreno e natural, a fim de sair atrás de Jesus e provar o inefável gozo da comunhão com Ele.


Há uma imensa força, profundidade e significação nestas frases: “Senhor, se és tu”, “manda-me ir ter contigo”, “por cima das águas.” Note-se que é “ir ter contigo por cima das águas”. Não se trata de que Jesus viesse a Pedro, à barca —algo muito bendito e precioso—mas que Pedro saísse ao encontro de Jesus sobre as águas. Uma coisa é ter a Jesus vindo para o meio das nossas circunstâncias, apaziguando os nossos temores, aliviando as nossas ansiedades, tranquilizando os nossos corações, e outra muito distinta, é lançarmo-nos nós, desde a margem das circunstâncias, ou desde a barca dos recursos humanos para andar com calma vitoriosa sobre as circunstâncias, a fim de estarmos com Jesus aonde Ele está. O primeiro caso recorda-nos a viúva de Sarepta (1Rs 17); o segundo, a susanita (2Rs 4).


 Acaso, não apreciamos a excelente graça que exalam estas palavras: “Tende ânimo; eu sou, não temais!”? Longe de nós esteja este pensamento. Estas palavras são muito preciosas. E, ademais, Pedro havia as provado; sim, tinha-se deleitado na sua doçura, ainda que nunca tivesse posto sequer um pé fora da barca. É bom que distingamos entre estas duas coisas. Ambas se confundem, demasiado a amiúde. Todos nós somos propensos a descansar no pensamento de ter o Senhor connosco, e as suas misericórdias
acompanhando-nos durante a nossa senda quotidiana. A nossa visão não ultrapassa as relações naturais, os gozos da Terra, tais quais são, a ampla gama de bênçãos que o nosso bondoso Deus derrama tão generosamente sobre nós. Aferramo-nos, com afinco, às circunstâncias, em lugar de anelar um mais íntimo companheirismo com um Cristo rechaçado. Nesta senda sofreremos imensas perdas.


Sim, dizemo-lo com vigor: imensas perdas. Não é que devamos apreciar menos as bênçãos e misericórdias de Deus, senão que deveremos apreciá-Lo mais a Ele. Cremos que Pedro teria sido um perdedor se tivesse ficado na barca. Alguns podem pensar que actuou debaixo do influxo da sua impaciência e impulsividade; pela nossa parte cremos que o seu proceder foi fruto do seu veemente anelo pelo seu muito amado Senhor, um intenso desejo de estar perto d’Ele, a todo o custo. Viu o seu Senhor andando sobre as águas e sentiu-se impulsado pelo desejo de andar com Ele, e o seu desejo foi legítimo; foi grato ao coração de Jesus.


Ademais, não actuou debaixo da autoridade do seu Senhor ao deixar a barca? Certamente que sim. A voz de comando —“vem”—, uma voz de intensa força moral, alcançou o seu coração e fê-lo sair da barca para ir ao encontro de Jesus. A palavra de Cristo era a autoridade para entrar nessa estranha e misteriosa senda; e a presença viva e sentida de Cristo constituía o poder para avançar nela. Sem essa ordem, ele não se haveria atrevido a partir; sem essa Presença, ele não teria podido avançar. Era algo estranho, inexplicável, sobrenatural andar sobre as águas; mas ali estava Jesus andando, e a fé pode andar com Ele. Assim o creu Pedro, e então, “descendendo da barca”, “andava sobre as águas para ir ter com Jesus” (Mt 14:29).


Contudo, esta é uma notável figura da verdadeira senda do cristão: a senda da fé. A garantia para empreender essa senda é dada pela palavra de Cristo. O poder para nela avançar consiste em manter os olhos fixos em Cristo mesmo. Não é uma questão de se está bem ou se está mal. A pergunta é: em quem pomos o nosso olhar? A firme intenção do nosso coração é estar o mais possível próximo de Jesus? Ansiamos de verdade provar uma mais profunda, uma mais estreita e uma mais plena comunhão com Ele? É Ele suficiente para nós? Estamos dispostos a deixar de lado tudo aquilo a que a mera natureza se aferra, e a apoiarmo-nos somente em Jesus? Em Seu infinito e condescendente amor, Ele faz-nos acenos para que venhamos para Ele. Diz-nos: “Vem.” Negar-nos-emos? Vacilaremos e quedar-nos-emos atrás, ante a Sua voz? Agarrar-nos-emos à barca enquanto a voz de Jesus nos diz “vem”?


Talvez, poder-se-ia objectar que Pedro caiu e que, portanto, teria sido melhor, mais seguro e mais prudente deter-se na barca do que afundar-se na água. É melhor não tomar um lugar proeminente para, depois de havê-lo tomado, fracassar nele. Bem, é absolutamente certo que Pedro fracassou; mas porquê? Foi porque deixou a barca? Não, foi porque deixar de olhar para Jesus. “Mas, sentindo o vento forte, teve medo; e, começando a ir para o fundo, clamou, dizendo: Senhor, salva-me!” (Mt 14:30). Assim sucedeu com o pobre Pedro. O seu erro não consistiu em deixar a barca, mas em olhar para a força do vento e das ondas, em olhar ao seu redor, em vez de cravar o olhar em Jesus. Havia entrado numa senda, a qual só podia ser atravessada pela fé, uma senda na qual, se ele não tinha a Jesus, não tinha absolutamente nada; nem barca, nem bote, nem salva-vidas, nem sequer uma tábua à qual se agarrasse. Numa palavra, tratava-se de Cristo ou de nada; de caminhar com Jesus sobre as águas ou de afundar-se no mais fundo, sem Ele. Nada, senão a fé podia sustentar o coração em tal carreira. Mas, a fé pôde sustentá-lo, pois a fé pode viver no meio das ondas encrespadas e dos ventos mais tempestuosos. A fé pode caminhar sobre as mais agitadas águas; a incredulidade não o pode fazer sobre as mais calmas.


Mas, Pedro fracassou. Sim; e o que é que isso tem? Acaso, isso prova que fez mal em obedecer ao chamamento do seu Senhor? Acaso, Jesus o reprovou porque tivesse deixado a barca? Ah, não!, isso não teria sido próprio d’Ele. Jesus não podia ter dito ao Seu pobre servo que viesse, e logo depois repreendê-lo por ele ter vindo. Ele sabia e podia condoer-Se —como O fez— da debilidade de Pedro, pelo que lemos que “E logo Jesus, estendendo a mão, segurou-o, e disse-lhe: homem de pouca fé, por que duvidaste?” Não lhe disse: «Homem aloucado e precipitado! Porque deixaste a barca?» Não, mas: “Porque duvidaste?” Esta foi a terna reprimenda. E onde estava Pedro quando ouviu estas palavras? Nos braços do seu Senhor! Que lugar! Que experiência! Acaso não valia a pena abandonar a barca para provar semelhante bênção? Sem dúvida que sim. Pedro esteve acertado em deixar a barca; e, ainda que tenha escorregado nessa altíssima senda na qual tinha entrado, isso não fez mais que conduzi-lo a tomar maior consciência da sua própria debilidade e insignificância, assim como também da graça e do amor do seu Senhor.

Leitor cristão, qual é a lição moral que extraímos de tudo isto? Simplesmente que Jesus nos chama a sair das coisas temporais e dos sentidos naturais para que andemos com Ele. Insta-nos a abandonar as nossas esperanças terrenas e a todas as nossas seguranças humanas —respectivamente os esteios e os recursos sobre os quais se apoia o nosso coração. A Sua voz pode ouvir-Se muito mais fortemente que o estrondo das ondas e dos rugidos da tempestade, e essa voz diz-nos: “Vem!”. Oh, obedeçamos-Lhe! Acedamos de todo o coração ao Seu chamamento! “Saiamos, pois, a ele fora do arraial, levando o seu vitupério. ” Jesus quer ter-nos próximo dEle, caminhando com Ele, apoiados nEle e não olhando para as circunstâncias que nos rodeiam, mas olhando só e sempre para Ele.

http://www.verdadespreciosas.com.ar/index.html

Tradução de Carlos António da Rocha

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Esta tradução é de livre utilização, desde que a sua ortografia seja respeitada na íntegra porque já está traduzida no Português do Novo Acordo Ortográfico e que não seja nunca publicada nem utilizada para fins comerciais; seja utilizada exclusivamente para uso e desfruto pessoal.

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