… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

08 - Uma noite de insónia (Leia Ester 6)

C. H. Mackintosh

Breves Meditações
08 - Uma noite de insónia
 (Leia Ester 6)
“Naquela mesma noite fugiu o sono do rei”. Como sucedeu isto? O que foi que tirou o sono do monarca e o cansaço das suas pálpebras? Porquê o poderoso Assuero não pôde desfrutar duma graça que, sem dúvida, era a porção do mais pequeno de seus súbditos? Alguns quiçá  digam: «As preocupações do reino tinham-no inquietado tanto que lhe arrebataram aquilo de que todo homem trabalhador desfruta». Isto poderia ter acontecido noutras noites, mas, em relação a “naquela mesma noite”, devemos procurar numa outra direcção, totalmente diferente, uma explicação para a insónia do rei. O dedo do Todo Poderoso estava nessa noite de desvelo. “Jeová, o Deus dos hebreus” tinha uma poderosa obra para cumprir em favor do Seu amado povo, e, para tal efeito, retirou o «balsâmico sono» do salaz  leito do monarca de cento vinte e sete províncias.

Isto revela duma maneira muito notável o carácter do livro de Ester. O leitor observará que, através de toda esta porção da Escritura, o nome de Deus não se menciona nem uma só vez; no entanto, o rasto do Seu dedo torna-se patente em cada acontecimento. A circunstância mais trivial reflecte a grandeza do Seu conselho e a magnificência dos Seus actos (Jr 32:19 ). O olho natural não pode seguir os movimentos das rodas do carro de Jeová; mas, a fé não só pode segui-los, mas, que também sabe, para aonde se dirigem. As manobras do inimigo não faltam, mas Deus está por cima delas. Ver-se-á que cada acção de Satanás não é senão um elo na maravilhosa cadeia de acontecimentos mediante a qual o Deus de Israel estava levando a cabo o Seu propósito de graça, com respeito ao Seu povo. Assim foi, assim é, e, assim será sempre. A malícia de Satanás, o orgulho do homem, as mais hostis influências são só alguns dos muitos instrumentos nas mãos de Deus para o cumprimento dos Seus graciosos propósitos. Isto dá o mais grato repouso ao coração, no meio das incessantes agitações e vaivéns do afã humano. “O fim que o Senhor lhe deu ” seguramente será visto. “O meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade. ” Bendito seja o Seu nome por esta sustentadora segurança da alma! Ela tranquiliza o coração a todo o momento. Jeová está por detrás dos cenários . Cada roda, cada parafuso, cada eixo da complexa máquina das vicissitudes humanas está debaixo do Seu controle. Por mais que o Seu nome não seja conhecido ou reconhecido pelos filhos da Terra, o Seu dedo é visto, a Sua palavra crida e o Seu propósito esperado pelos filhos da fé.

Quão claramente se vê tudo isto no livro de Ester. A beleza de Vasti, o referido orgulho do rei, a desonesta ordem deste, a indignada reacção dela, a proposta dos conselheiros do rei, numa palavra, tudo, numa palavra, não é outra coisa senão o desenvolvimento dos propósitos do Senhor. De “todas as moças virgens e formosas, na fortaleza de Susan, na casa das mulheres, aos cuidados de Hegai, camareiro do rei, guarda das mulheres ”, a nenhuma delas lhe será permitido ganhar o coração do rei, salvo a uma: Ester, filha duma obscura família judia, uma órfã que tinha sido abandonada. Assim mesmo, de todos os oficiais, ministros e servos do rei, a nenhum lhe será permitido descobrir a conspiração contra a vida do rei, salvo a “um varão cujo nome era Mardoqueu. ” E, nessa noite de insónia, nada haverá de ser trazido ante o monarca para distraí-lo durante as suas aborrecidas horas de insónia salvo “o livro das memórias e crónicas. ” Estranha recreação para um rei voluptuoso! Mas Deus estava por detrás de tudo isto. Havia um certo registo nesse livro acerca de “um certo judeu” que devia ser trazido de imediato ante os olhos do desvelado  monarca. Mardoqueu devia aparecer. Devia ser recompensado pela sua fidelidade; e sê-lo-ia de tal maneira que encheria de angustiosa confusão o rosto do orgulhoso amalequita.  No mesmo instante, em que se estava passando revista a essa crónica, ninguém mais que o altivo e perverso Haman se achava na corte da casa do rei. Tinha vindo para tratar da morte de Mardoqueu; mas oh! Viu-se obrigado, pela providência de Deus, a programar o festejo do triunfo e da dignidade de Mardoqueu. Haman tinha vindo para falar ao rei a fim de que fizesse pendurar  a Mardoqueu numa forca que lhe tinha preparada; mas oh! Viu-se obrigado a vesti-lo com o vestido real, a montá-lo no cavalo em que o rei cavalgava e a levá-lo, pela praça da cidade, pregoando como um lacaio, o seu triunfo como um mero heraldo .

Oh, cenas que superam as fábulas!
E pensar que são reais!

Quem poderia ter imaginado que o mais nobre senhor de todos os domínios de Assuero —um descendente da casa de Agag— se viria obrigado a servir a um pobre judeu e, mais ainda, a este judeu em particular, e, num momento como este? Seguramente, o dedo do Todo-Poderoso estava em tudo isto. Quem senão um infiel, um ateu ou um céptico poderia questionar uma verdade, tão óbvia?

Basta o que se disse quanto à Providência  de Deus. Passemos, agora, a considerar o orgulho de Haman. Apesar de toda a sua dignidade, riqueza e esplendor, o seu infame coração sentiu-se dorido por um pequeno detalhe  que não cabe no pensamento de uma mente verdadeiramente lúcida ou num coração bem equilibrado. Ele sentiu-se infeliz, pelo simples facto de que Mardoqueu não se quis inclinar-se ante ele. Ainda que ocupava o lugar mais próximo do trono, apesar de se lhe ter confiado o anel do rei e ainda que possuía as riquezas próprias de um príncipe e se encontrava numa posição digna dum príncipe, contudo ouvimo-lo dizer: “Porém tudo isto não me satisfaz, enquanto eu vir o judeu Mardoqueu assentado à porta do rei. ” Homem miserável! A posição mais elevada, a maior riqueza, a mais extensa influência, os gestos mais encantadores do favor real, tudo isto “de nada serve” só porque o pobre judeu recusa inclinar-se ante ele! Como é o coração humano! Como é o homem! Como é o mundo!

“A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda. ” Haman provou isto. No mesmo instante em que ele parecia estar a ponto de plantar o seu pé na sua mais elevada ambição, uma Providência justa e retributiva traz para a cena, de uma maneira maravilhosa, a um homem —cuja simples presença amargou uma vida de magnificência e esplendor— a quem se viu obrigado a servir; e a mesma forca que tinha mandado preparar para a sua anelada vítima foi utilizada para a sua própria execução!

E permitam-me perguntar-vos aqui: Por que Mardoqueu recusou a inclinar-se ante Haman? Recusar a acostumada honra que se presta ao mais nobre senhor do rei, ao seu mais alto oficial, não se parece com cega obstinação? Por certo que não. É verdade que Haman era o oficial mais eminente de Assuero; mas ele era, além do mais, o maior “inimigo de Jeová” ao ser o maior inimigo dos judeus. Era amalequita, e Jeová tinha jurado que haveria de ter “guerra com Amalek de geração em geração. ” Como, pois, um verdadeiro filho de Abraão podia inclinar-se ante alguém com quem Jeová estava em guerra? Impossível! Mardoqueu podia salvar a vida de um Assuero, mas nunca inclinar-se ante um amalequita. Como fiel judeu, caminhava na presença do Deus de seus pais e não para render reverência a alguém da semente de Amalek.

Daí que a firme negativa de Mardoqueu a inclinar-se ante Haman não tenha sido o fruto de uma cega obstinação ou de um absurdo orgulho, mas de uma preciosíssima fé e de uma íntima comunhão com o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob. Ele nunca podia renunciar à dignidade que pertencia ao Israel de Deus. Permaneceria em pé, pela fé, desfraldando o estandarte de Jeová, e nunca, assim, poderia render homenagem a um amalequita enquanto se mantivesse nessa posição. E, ainda que o povo de Jeová se encontrasse “espalhado e dividido entre os povos ”; ainda que a sua formosa casa se achasse em ruínas; ainda que a antiga glória de Jerusalém se tenha perdido, a fé haveria de abandonar a alta posição que Deus, em Seus conselhos, tinha designado ao Seu povo? De maneira nenhuma. A fé reconhece a ruína e, uma vez que deita mão da promessa de Deus e ocupa, com santa dignidade, a plataforma que essa promessa tinha aberto para todo aquele que depositava a sua fé nela, caminha com paz e sossego. Mardoqueu foi levado a sentir profundamente a ruína. Ele podia rasgar os seus vestidos, vestir-se de cilício  e cobrir-se de cinza, mas nunca inclinar-se perante um amalequita.

E, qual foi o resultado? O seu cilício foi trocado por roupas reais; o seu lugar à porta do rei foi trocado por um lugar junto ao trono. Ele, na sua própria e feliz experiência, realizou a verdade dessa antiga promessa, a saber, que Israel devia ser posto por “cabeça, e não por cauda. ”Assim foi com este fiel judeu da antiguidade. Ele situou-se sobre esse elevado terreno, naquele em que a fé sempre coloca a alma. Ele ajustou o seu caminho, não conforme à percepção natural das coisas que o rodeavam, mas conforme à percepção da fé na Palavra de Deus. A natureza podia dizer: «Porquê não baixar o nível da acção à altura das circunstâncias nas quais se encontra? Porque não adaptar-se às condições externas? Não teria sido melhor reconhecer o amalequita, vendo que ele mesmo se achava no lugar do poder?». A natureza podia falar assim, mas a resposta da fé foi simples: “haverá guerra do SENHOR contra Amalek de geração em geração. ” É sempre assim. A fé deita mão do Deus vivente  e da sua eterna Palavra, e fica em paz e caminha com santa elevação.

Leitor cristão, oxalá que a santa instrução do livro de Ester possa encontrar cabimento nas nossas almas pelo poder do Espírito Santo. Nele, vemos a Providência de Deus, o orgulho do homem e o poder da fé. Ademais, ele proporciona-nos uma notável figura das acções e caminhos de Jeová em favor do Seu povo Israel, do súbito aniquilamento do seu orgulhoso opressor final, e da sua restauração, bênção, repouso e glória eternas.


http://www.verdadespreciosas.com.ar/index.html

Tradução de Carlos António da Rocha

****

Esta tradução é de livre utilização, desde que a sua ortografia seja respeitada na íntegra porque já está traduzida no Português do Novo Acordo Ortográfico e que não seja nunca publicada nem utilizada para fins comerciais; seja utilizada exclusivamente para uso e desfruto pessoal.

Sem comentários: