… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

JOB E OS SEUS AMIGOS - 3ª Parte

 C. H. Mackintosh
Job e os seus amigos


3ª Parte
A história dos caminhos de Deus com as almas que nos apresenta este livro constitui o campo mais fértil para o nosso estudo; uma história do mais interessante, extremamente instrutiva e proveitosa. O principal e grande objectivo destes desígnios de Deus com as almas é o de produzir uma verdadeira contrição e humilhação de espírito; apartar de nós toda a falsa justiça; fazer com que nos despojemos de toda a confiança em nós mesmos e ensinar-nos a procurar em Cristo o nosso único amparo. Todos têm que passar através do que poder-se-ia denominar «o processo de despojamento e esvaziamento de si mesmos». Uns experimentam este processo antes da sua conversão ou novo nascimento; outros, depois. Alguns são trazidos a Cristo passando por terríveis experiências e penosos exercícios de coração e de consciência, exercícios que podem durar anos e, às vezes, toda a vida. Outros, pelo contrário, obtêm esta mesma graça através de exercícios de alma relativamente fáceis. Estes últimos apropriam-se imediatamente das boas novas do perdão dos pecados que foi possível por mercê da morte expiatória de Cristo. O seu coração enche-se de gozo em seguida. Mas o despojamento e a vazão do eu vem depois e, em muitos casos, pode sacudir a alma desde os seus próprios alicerces e até fazê-la duvidar de sua própria salvação.

Isto é muito doloroso, mas absolutamente necessário. Em efeito, o eu, cedo ou tarde, tem que ser conhecido e julgado. Se se não aprender a conhecê-lo na comunhão com Deus, terminará fazendo-o através da experiência amarga de alguma queda; “Para que nenhuma carne se glorie perante ele.” (1Co 1:29, ARC, Pt). E todos nós devemos aprender a conhecer a nossa absoluta impotência para tudo, a fim de poder gostar da doçura e do consolo desta verdade: que Cristo “para nós foi feito, por Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção (1Co 1:30
, ARC, Pt). Deus quer vasos vazios. Não o esqueçamos. É uma verdade solene e necessária. “Porque, assim diz o alto e o sublime, que habita na eternidade, e cujo nome é santo: Num alto e santo lugar habito, e também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e para vivificar o coração dos contritos.” (Is 57:15, ARC, Pt). Também lemos: “Assim diz o Senhor: O Céu é o meu trono, e a terra o escabelo dos meus pés: que casa me edificaríeis vós? e que lugar seria o do meu descanso? Porque a minha mão fez todas estas coisas, e todas estas coisas foram feitas, diz o Senhor; mas eis para quem olharei: para o pobre e abatido de espírito, e que treme da minha palavra.” (Is 66:1-2 , ARC, Pt).

Que propícias são estas palavras para todos nós! Um espírito contrito e quebrantado constitui uma das necessidades mais urgentes do nosso tempo. A maior parte de nossas calamidades e dificuldades podem atribuir-se a esta necessidade. Os progressos que fazemos dia a dia, na vida familiar, na assembleia, no mundo, em toda a nossa vida prática, quando o eu é subjugado e mortificado, são verdadeiramente admiráveis. Milhares de coisas que sem este exercício seriam como uma chama que faz arder os nossos corações, são consideradas como nada quando as nossas almas se acham num estado verdadeiramente contrito. Podemos então suportar repreensões e insultos; passar por cima de menosprezos e afrontas; pisotear os nossos caprichos, predilecções e prejuízos, assim como também ceder ante os outros quando não se vejam comprometidos princípios fundamentais; estar dispostos para toda a boa obra, manifestar uma agradável largura de coração em todas as nossas relações, e ser menos rígidos no nosso trato com os outros, de modo a adornar a doutrina de Deus, nosso Salvador. Mas, ai, quão frequentemente ocorre o contrário connosco! Manifestamos um temperamento teimoso, inflexível; contendemos a favor dos nossos direitos; inclinamo-nos para tudo o que nos outorgue algum benefício; buscamos os nossos próprios interesses pessoais; queremos impor as nossas próprias ideias. Tudo isto demonstra claramente que o nosso eu não é ponderado nem julgado de forma habitual na presença de Deus.

Contudo, repetimo-lo com ênfase: Deus quer vasos vazios. Ama-nos demasiadamente para nos deixar na nossa dureza e teimosia; e por isso considera conveniente fazer-nos passar través de todo tipo de exercícios a fim de nos trazer para uma estado de alma em que possa utilizar-nos para a Sua glória. É necessário que a vontade seja quebrantada, que a confiança própria, a auto-satisfação e o orgulho sejam arrancados pela raiz. Deus valer-se-á das cenas e circunstâncias pelas quais temos que passar, assim como das pessoas com que nos relacionamos na vida diária, a fim de disciplinar o nosso coração, e de quebrantar a nossa vontade. E, além disso, Ele mesmo tratará directamente connosco a fim de obter estes formidáveis resultados práticos.

Tudo isto se revela com grande claridade no livro de Job, tornando as suas páginas sumamente atractivas e frutíferas. É muito evidente que Job precisava de ser fortemente cirandado. Podemos estar seguros de que se isso não tivesse sido necessário, o Deus de graça e de bondade não o teria feito passar por semelhantes provas. Sem dúvida, não foi sem um propósito que Deus permitiu a Satanás disparar as suas mortíferas flechas sobre o Seu amado servo. Podemos afirmar, com absoluta segurança, que Deus não teria procedido dessa forma se o estado de Job não o houvesse necessitado. Deus amava a Job com um amor perfeito; mas tratava-se de um amor sábio e fiel, um amor que tinha em conta todos as minúcias da sua vida, e que podia penetrar no coração deste amado servo de Deus, e descobrir uma profunda e maligna raiz moral que Job jamais tinha visto, nem julgado. Que graça é ter que ver com semelhante Deus! Que graça é estar nas mãos Daquele que não regateia penas quando tem que avassalar em nós tudo que seja contrário a Ele, e lavrar a Sua bendita imagem em nós!

Mas, querido leitor, não há algo profundamente interessante no facto de que Deus pode até servir-se de Satanás como instrumento para a disciplina de Seu povo? Vemos isto na vida do apóstolo Pedro, o mesmo na do patriarca Job. Pedro tinha que ser cirandado, e Satanás foi utilizado para cumprir esta tarefa: “Simão, Simão, eis que Satanás vos pediu para vos cirandar como trigo” (Lc 22:31
, ARC, Pt). Ali também havia uma necessidade imperiosa. Havia uma raiz profunda no coração do Pedro que tinha que ser posta a descoberto: a raiz da confiança em si mesmo. E o seu fiel Senhor considerou absolutamente necessário fazê-lo passar através de um processo severo e doloroso a fim de que essa raiz fosse trazida à luz e julgada. Por isso permitiu a Satanás cirandar a Pedro para que se conduzisse com mesura todos os dias da sua vida, e jamais voltasse a confiar no seu próprio coração. Deus quer vasos vazios, quer seja que se trate de um patriarca ou de um apóstolo. Tudo, no homem, tem que ser abrandado e subjugado a fim de que a glória divina resplandeça nele com um brilho inextinguível. Se Job tivesse conhecido este grande princípio, se tivesse captado o objectivo divino, quão diferentemente se teria conduzido! Mas ele —como nós— tinha que aprender a sua lição; e o Espírito Santo, no texto inspirado, relata-nos a maneira como Job aprendeu esta lição, para que assim também nós possamos tirar proveito dela.


As fontes em inglês e espanhol:
http://www.stempublishing.com/authors/mackintosh/Bk1/JOB.html
http://www.verdadespreciosas.com.ar/documentos/CHM_miscelaneos_I/job.htm

Tradução de Carlos António da Rocha

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Esta tradução é de livre utilização, desde que a sua ortografia seja respeitada na íntegra porque já está traduzida no Português do Novo Acordo Ortográfico e que não seja nunca publicada nem utilizada para fins comerciais; seja utilizada exclusivamente para uso e desfruto pessoal.

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