… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

A plenitude do Espírito, ou a verdadeira espiritualidade



Lewis Sperry Chafer

A plenitude do Espírito, ou a verdadeira espiritualidade


Usando várias expressões, a Bíblia ensina que existem duas classes de Cristãos: aqueles que “permanecem em Cristo", e os que “não permanecem"; aqueles que "anda na luz", e os que “andam em trevas"; aqueles que “andam segundo o Espírito", e os que “andam como os homens"; aqueles que "andam em novidade de vida", e os que "andam segundo a carne", aqueles que têm o Espírito no seu "íntimo" e "sobre" os quais foi Ele derramado e aqueles que têm o Espírito no seu "íntimo", mas "sobre" os quais não foi Ele derramado; aqueles que são "espirituais" e os que são "carnais"; aqueles que "são cheios do Espírito", e os que o não são. Todas estas classificações fazem parte do género de conduta diária dos salvos e não é de forma alguma Um contraste entre os salvos e os perdidos. Onde se encontrar na Bíblia um destes significados especiais, como é designado por qualquer destas distinções, aí haverá também uma verdade correspondente. Há, pois, a possibilidade de uma grande transição para aqueles que são carnais, passarem à realidade do viver verdadeiramente espiritual. Mas a revelação referente a esta possível transição, com todas as suas experiências e bênçãos, só é tomada a sério pelos crentes fervorosos que buscam sinceramente aquela vida diária que pode honrar o nome de Deus. Para esses, há, neste evangelho de salvação, de poder e de vitória, alegria c consolação sem limites.

A Bíblia trata desta transição do estado carnal para o espiritual muito desenvolvidamente. No entanto, é possível conhecer a doutrina sem nunca ter participado das suas bênçãos; assim como é possível, por outro lado, e até certo ponto, ter participado da experiência, sem nunca ter chegado a conhecer a doutrina. Este evangelho de libertação tem-se prejudicado muito por causa daqueles que procuram compreender os seus princípios, analisando algumas experiências pessoais separadamente dos ensinos das Escrituras. O perigo deste erro é manifesto: Nenhuma só experiência seria uma representação verdadeira ou completa do amplo propósito de Deus para cada Cristão; e se o fosse, nada menos que a infinita sabedoria de . Deus poderia formular as suas declarações exatas. Por necessidade de instrução bíblica, muitos, ao esforçarem-se por explicar a razão de uma experiência, inventaram expressões e frases que não são bíblicas e são, portanto, e invariavelmente, tão imperfeitas como qualquer das conclusões a que chega a inteligência finita quando tentar ocupar-se das verdades divinas. Seria inútil procurar classificar experiências; em todo o caso, quando alguém encontrou paz, força e bênção pela submissão total a Deus e confia somente no Seu poder, a Bíblia assinala claramente ser essa razão a causa da maior manifestação da presença e do poder do Espírito. P ode dizer-se, então, que esse tal está "cheio do Espírito".

O que é a Plenitude do Espírito?

Na Bíblia, não só O significado da frase "cheio do Espírito" é revelado, mas também a plenitude do Espírito é observada na experiência dos Cristãos primitivos. Por conseguinte, pela Palavra de Deus, podemos esperar chegar a uma clara compreensão do que quer dizer a frase "plenitude do Espírito"; porém, ensino nenhum se pode obter nas expressões humanamente criadas e, por isso mesmo fora do alcance bíblico, tais como, "uma segunda bênção", "uma segunda operação da graça divina", "a vida mais elevada", e nas variadas frases usadas nas afirmações pervertidas das doutrinas de santificação e de aperfeiçoamento. Perante nós apresenta-se uma esfera de ação ilimitada quando se diz que nós podemos ser “transformados de glória em glória" até chegarmos à imagem de Cristo, e isto pelo Espírito (II Cor. 3:18). Ora, o significado que esta transformação tem para um crente e as condições exatas sobre as quais essa transformação pode ser realizada tem de ser compreendido, não por uma análise imperfeita da experiência, mas pelas palavras exatas da revelação. É absolutamente viável a um filho de Deus obter uma prova satisfatória de "qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus" para si, além do que Deus prometeu ainda operar no crente "tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade." Pelo Seu poder, as próprias "virtudes daquele que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz", e ainda a "mente de Cristo", podem ser reproduzidas naquele que é salvo. Estas bênçãos assim como as condições que Deus impõe para a sua aquisição estão claramente expostas na Palavra de Deus.

O Espírito não fala de Si mesmo. O Seu propósito é revelar e glorificar Cristo (João. 16 :12-,1 5). O Espírito é-nos dado a conhecer por meio de títulos significativos, tais como “0 Espírito Santo", ou "O Espírito de Deus"; mas, verdadeiramente, o Seu nome não é revelado. Embora Ele não se revele a Si mesmo. Todavia Ele é a cansa de toda a verdadeira espiritual idade. A Sua tarefa é manifestar "a vida que Cristo representa", e tão perfeitamente. que qualquer pessoa pode dizer: "(Porque) para mim viver é Cristo"; mas por detrás desta força que impulsiona a vida exterior que é possível em Cristo, está a vida interior que nos vem do Espírito de Deus, e tudo nada mais é senão uma consequência da plenitude do Espírito.

Paulo fora salvo na estrada de Damasco e ali mesmo, disso podemos ter a certeza, ele recebeu o Espírito como "penhor" e como "primícias". Mais tarde, quando entrou na cidade, Ananias veio ter com ele e pondo sobre ele as mãos, disse: "Irmão Saulo, o Senhor Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas me enviou para que tornes a ver e sejas cheio do Espírito Santo." Tinham que se dar dois acontecimentos: Saulo ia recuperar a vista e ia ser cheio do Espírito. É bom que nos lembremos de que este fato não fazia parte da sua salvação. Soube-se então que "logo caíram dos olhos como que umas escamas e recuperou a vista." Em verdade, não há nenhum registo de uma emoção ou de uma experiência que pudesse ser tomada como prova de que ele fora cheio do Espírito. No entanto, ele foi tão notoriamente cheio como notório foi o recuperar da sua vista. A prova é bem concludente, porquanto a passagem continua dizendo: "e logo nas sinagogas pregava a Jesus, que este era o Filho de Deus" (Atos 9:17-20). Não existe prova de que o Apóstolo estivesse cônscio do Espírito; mas a verdade é que ele ficou totalmente consagrado a Cristo. Não obstante, ele foi "cheio do Espírito" e assim, por determinação do próprio Espírito e na devida altura, ele entrou na posse do resultado inestimável de um constante viver com Cristo. O Espírito é a causa, enquanto que a experiência da glória e da realidade de Cristo, são o efeito. Segundo as Escrituras, o crente cheio do Espírito é o ideal divino quer seja por exemplo, quer seja por mandamento.

Primeiro, por exemplo: Cristo foi "cheio do Espírito Santo" (Lucas 4:1) ; todos os membros de uma mesma família, Zacarias, Isabel e João, foram "cheios do Espírito" (Lucas 1:15, 41, 67); e os discípulos e outros mais foram-no repetidas vezes depois que o seu verdadeiro ministério começou (Atos 2:4; 4:8. 31; 6:3; 7:55; 9:17; 11:24; 13 :52. Note-se também todas as passagens nas quais se diz que o Espírito foi derramado "sobre" os crentes).

Segundo, por mandamento: No Novo Testamento foi dado um mandamento bem expressivo: "E não vos embriagueis com vinho, em que há contendas; mas enchei-vos do Espírito" (ou mais literalmente, "para vos conservardes cheios do Espírito" - Ef. 5:18). Aqui a forma do verbo é usada um pouco diferentemente da que é costume usar-se em relação aos outros ministérios do Espírito. O Cristão renasceu, foi batizado, tornou-se morada do Espírito e foi selado com o Espírito: por isso deve procurar conservar-se (manter-se) cheio do Espírito. A revelação do propósito de Deus é que o Espírito seja ininterruptamente ministrado ao Cristão: "Aquele pois que vos dá o Espírito" (Gl 3:5). O Cristão, para ser espiritual, tem, pois, que ser cheio do Espírito e permanecer na plenitude do Espírito. Uma " experiência" pode ou não acompanhar o primeiro acesso à vida de plenitude do Espírito; mas, ainda que se admita a hipótese de uma "experiência", a Bíblia nada transmite a respeito de uma "segunda bênção" ou "segunda operação da graça divina", pela qual haverá, para o crente, menos necessidade amanhã do poder eficaz e capacitador de Deus do que para hoje. Pode-se aprender como melhor "andar segundo o Espírito"; porém nunca na vida se chega a um momento em que haja necessidade de andar menos segundo o Espírito. Os recursos divinos, para uma vida de vitória contínua em Cristo, são inesgotáveis; mas também as necessidades constantes de criaturas tão fracas nunca acabam. É importante notar que, por três vezes, no Novo Testamento, o efeito da bebida forte é comparado com a vida cheia do Espírito (Lucas 5 :15; Atos 2 :12-21; Ef. 5 :18). Assim como as bebidas fortes estimulam as forças físicas e as pessoas são propensas a recorrer a elas como um auxílio nos lugares difíceis na vida, também os filhos de Deus, tendo que enfrentar a impossível responsabilidade de uma conduta e um serviço celestial dirigem-se ao Espírito, fonte de todas as realizações. Como cada momento da vida espiritual representa uma necessidade incomensurável e exigências sobre-humanas, a provisão do poder eficaz e da graça divina tem de ser recebida a todo o instante e imediatamente aplicada. "Como for o teu trabalho, assim será a tua força".

Ser cheio do Espírito é ter o Espírito a cumprir em nós tudo o que Deus quer que esse Espírito faça, pois para isso Ele O colocou ali. Ser cheio não é uma questão de se obter mais do Espírito; antes, a questão está em o Espírito conseguir mais de nós. Nunca se poderá obter mais do Espírito senão o que é de direito e que todo o verdadeiro Cristão recebeu. Já o Espírito, esse pode ter tudo o que pretender do crente e assim ser-Lhe-á possível manifestar nesse crente a vida e o caráter de Cristo. Uma pessoa espiritual é aquela que, na sua vida diária, experimenta os propósitos e planos divinos realizados pelo poder do Espírito que nela habita. O carácter dessa vida será a vida de Cristo que se revela ao mundo através do crente e a causa dessa vida será a presença íntima e ininterrupta do Espírito que tudo opera (Ef 3:16-21; 2Co 3:18).

O Novo Testamento é bem claro no que se refere ao que o Espírito pode produzir na vida que está em perfeita harmonia, e tudo quanto gira à volta desta revelação, tomado em conjunto, é que forma a definição bíblica sobre espiritualidade. Estes empreendimentos são distintamente atribuídos ao Espírito, e eles nada mais são senão as Suas manifestações realizadas nos Cristãos e através deles.

In “O Homem Espiritual”, Lewis Sperry Chafer.

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