UM GUIA SEGURO PARA O CÉU
Joseph
Alleine ( primeira edição de 1671)
UM GUIA SEGURO PARA O CÉU
Joseph Alleine
UM PEQUENO SOLILÓQUIO
PARA UM PECADOR NÃO-REGENERADO
Ah, miserável homem que eu sou! A que condições
cheguei por causa do pecado! Vejo que o meu coração me enganou até agora,
fazendo-me crer que a minha condição era boa. Vejo, vejo que não sou outra
coisa senão um homem perdido e destruído —destruído para sempre— a não ser que
o Senhor me ajude a sair deste estado. Meus pecados! Meus pecados! Senhor, que
ímpio impuro e poluído eu sou! Mais repulsivo e odioso a Ti que o mais
abominável veneno ou a mais fétida carcaça pode ser para mim. Oh, que Inferno
de pecado nesse meu coração com o qual me lisonjeei, supondo ser ele um bom
coração! Senhor, estou totalmente corrompido em todas as minhas partes, poderes
e ações! Todas as imaginações do meu coração são continuamente más. Sinto
aversão, inimizade e incapacidade para as coisas boas; e estou inclinado a tudo
o que é mau. Meu coração é um verdadeiro poço de pecado, e quão incalculável é
o grande número de pensamentos, palavras e ações pecaminosas que já procederam
dele! Oh, que peso de pecado há na minha alma! Minha cabeça, meu coração, minha
mente e meus membros estão cheios de pecado! Oh, os meus pecados! Como eles me
defrontam! Pobre de mim, meus credores estão sobre mim; todos os mandamentos se
apoderam de mim, por mais de dez mil talentos; sim, dez mil vezes dez mil. Quão
infindável é a soma de meus débitos !Se este mundo inteiro se enchesse de
papel, até o Céu, e todo esse papel fosse escrito, por dentro e por fora, com
números, e todos esses números fossem somados, daria um resultado incrivelmente
pequeno se comparado àquilo que devo ao menor dos mandamentos de Deus. Pobre de
mim, pois meus débitos são infinitos e meus pecados se multiplicam. São crimes
diante da Majestade infinita, e se aquele que comete traição contra um pobre
mortal merece ser torturado, arrancado e esquartejado, então o que mereço eu,
eu que tenho tão frequentemente levantado minha mão contra o Céu e golpeado a
coroa e a dignidade do Todo-poderoso?
Oh, meus pecados, meus pecados! Aí vem um bando!
Multidões, multidões! Seus exércitos são inumeráveis. Males sem número têm me
cercado; minhas iniquidades têm se apoderado de mim; elas se puseram contra
mim. Oh, seria melhor ter todos os regimentos do Inferno contra mim, do que ter
meus pecados caindo sobre mim para destruir a minha alma. Senhor, como estou
cercado! Quantos e quantos são os que se levantam contra mim! Cercam-me por
todos os lados, por dentro e por fora; apoderam-se de todos os meus poderes e
se entrincheiram dentro da minha pobre alma como uma fortaleza, à qual esta
prole do Inferno fortifica e mantém contra o Deus que me fez.
E são tão poderosas quanto são numerosas. As areias
do mar são muitas, porém não são grandes; as montanhas são grandes, porém não
são muitas. Mas pobre de mim, meus pecados são tão numerosos quanto as areias
do mar e tão poderosos quanto as montanhas. Seu peso é maior que o seu número.
Seria melhor que as rochas e as montanhas caíssem sobre mim do que suportar o
peso esmagador e insuportável dos meus pecados. Senhor, estou muito
sobrecarregado; tenha misericórdia de mim, senão estou perdido. Livra-me desta
culpa pesada, desta carga esmagadora, caso contrário estarei irremediavelmente
aniquilado e serei empurrado para o Inferno. Se minha tristeza fosse pesada
totalmente, e meus pecados colocados na balança, seriam mais pesados que a
areia do mar; portanto, minhas palavras são engolidas; pesam mais que todas as
rochas e colinas, e inclinariam a balança se postos contra todas as ilhas da
Terra. Ó Senhor, Tu conheces minhas inumeráveis transgressões e meus terríveis
pecados.
Oh, minha alma! Oh, minha glória! Como você está
humilhada! Outrora, a glória da criação e a imagem de Deus; agora, um amontoado
de imundícia, um receptáculo de podridão, repleto de maus cheiros e
repugnâncias. Oh, o que o pecado fez com você! Você será denominada
"abandonada" e todos os compartimentos dos seus poderes serão
chamados "desolados" e você será chamada "Icabode" ou
"Onde está a glória?" Como você caiu vertiginosamente! Minha
formosura transformou-se em deformidade e a minha glória em vergonha. Senhor,
que leproso nojento sou eu! Os corpos cheios de feridas de Job e de Lázaro não
são mais ofensivos aos olhos e às narinas humanas do que eu devo ser para o
Deus santíssimo, cujos olhos não podem contemplar a iniquidade.
E que infelicidade meus pecados têm trazido sobre
mim! Senhor, em que estado eu me encontro! Traído pelo pecado, lançado fora da
graça de Deus, maldito do Senhor, amaldiçoado em meu corpo, amaldiçoado, em
minha alma, amaldiçoado em meu nome, em meu estado, em minhas relações, e em
tudo que tenho. Meus pecados são imperdoáveis e minha alma está a um passo da
morte. Que tristeza! O que vou fazer? Para onde irei? Que caminho devo seguir?
Deus não me vê com bons olhos lá de cima; o Inferno lá em baixo está pronto a
me engolir; a consciência está me esbofeteando interiormente; tentações e perigos
cercando-me externamente. Oh, para onde fugirei? Onde posso me esconder da
Onisciência? Qual o poder que pode me proteger da Onipotência?
O que significa, ó minha alma, continuar assim?
Você tem alguma aliança com o Inferno? Fez algum pacto com a morte? Está
apaixonada por sua miséria? Acha bom estar aqui? Ai, que vou fazer? Continuarei
nos meus caminhos pecaminosos? Ora, assim é certo que a condenação eterna será
o meu fim. Será que estou tão embrutecido e louco a ponto de vender minha alma
às chamas por uma cervejinha, ou por um pequeno conforto, ou por um pequeno
prazer, lucro ou deleite da minha carne? Continuarei ainda neste estado
deplorável? Não, se eu permanecer aqui, morrerei. O que fazer então? Não há
remédio? Não há esperança? Nenhuma, a não ser que eu volte. Ora, não há remédio
para uma tão grande miséria? Alguma misericórdia para tão provocante
iniquidade? Sim, tão certo como o juramento de Deus é verdadeiro, obterei
misericórdia e perdão se me voltar hoje mesmo para Deus, de forma sincera e sem
reservas, através de Cristo.
Portanto, ajoelhado, agradeço-Te com minha alma ó
misericordioso Jeová, porque com Tua paciência esperaste por mim até agora;
pois se tivesse me levado nesse estado teria perecido eternamente. E agora
adoro Tua graça e aceito as ofertas da Tua misericórdia, renuncio a todos os
meus pecados e resolvo, pela Tua graça, a me posicionar contra eles e a
seguir-Te em santidade e retidão todos os dias de minha vida.
Quem sou eu, Senhor, para invocar-Te ou ter
qualquer parte em Ti? Eu, que não sou digno de lamber o pó de Teus pés?
Contudo, visto que Tu apresentaste o cetro dourado, inclino-me para chegar até
ele e tocá-lo. Desesperar significaria depreciar a Tua misericórdia; e
permanecer fora de Ti quando Tu solicitas que eu venha, significaria destruir a
mim mesmo e rebelar-me contra Ti sob a pretensão de humildade. Tu serás meu
Soberano* meu Rei e meu Deus. Tu estarás no trono e todos os meus poderes
submeter-se-ão a Ti; eles virão e adorarão diante de Teus pés. Tu serás a minha
porção, ó Senhor, e descansarei em Ti.
Tu pediste meu coração. Oxalá ele fosse digno da
Tua aceitação! Mas sou indigno, Senhor, eternamente indigno de ser Teu.
Entretanto, desde que Tu queres que seja assim, entrego-Te espontaneamente, meu
coração. Toma-o, é Teu. Quem dera que ele fosse melhor! Contudo, Senhor,
ponho-o nas Tua mãos, pois só Tu podes consertá-lo. Molda-o conforme o Teu
próprio coração; faze-o, como se fora Teu, santo, humilde, celestial, brando,
terno, flexível e escreve nele a Tua lei.
Vem, Senhor Jesus, vem depressa. Entra
triunfalmente. Toma-me para Ti mesmo, para sempre. Dou-me a Ti, venho a Ti como
único caminho para o Pai, como único Mediador, o meio determinado para levar-me
a Deus. Destruí-me a mim mesmo, mas o meu socorro está em Ti. Salva-me, Senhor,
senão vou perecer. Venho a Ti, com a corda no pescoço. Mereço morrer e ser
condenado. Nunca o salário foi mais merecido pelo servo, o dinheiro mais
merecido pelo trabalhador, do que a morte e o Inferno, meus justos salários,
são merecidos por mim. Mas recorro aos Teus méritos; confio somente no valor e
na-virtude do Teu sacrifício e no predomínio da Tua intercessão. Submeto-me ao
Teu ensino, escolho Teu governo. Abram, portas eternas, para que entre o Rei da
Glória.
Ó Espírito do Altíssimo, Confortador e Santificador
dos Teus escolhidos, venha com todo Teu séquito, com todos os Teus cortesãos,
Teus frutos e Tuas graças. Permita que eu seja a Tua habitação. O que posso Te
dar, senão aquilo que já é Teu? Mas como a viúva, dou-Te meus dois óbulos —
minha alma e meu corpo, ofereço-os ao Teu tesouro, entregando-os completamente
a Ti para que os santifiques, a fim de que sejam Teus servos. Serão Teus
pacientes; cura as suas enfermidades. Eles serão Teus agentes; governa as suas
ações. Já servi demais ao mundo; já dei ouvidos demais a Satanás; mas, agora,
renuncio a tudo e serei regido pelos Teus preceitos e ordens, e guiado pelo Teu
conselho.
Ó bendita Trindade, ó gloriosa Unidade, entrego-me
a Ti. Recebe-me; escreve Teu nome, ó Senhor, sobre mim e sobre tudo que tenho,
como património Teu. Coloca Tua marca sobre mim, sobre cada membro do meu corpo
e sobre cada faculdade da minha alma. Escolhi Teus preceitos. Tua lei estará
diante de mim; ela será o exemplar que manterei diante dos meus olhos, para
estudar e escrever. Resolvo andar de acordo com a Tua graça; todo o meu ser
será governado por esta lei. E embora eu não possa guardar perfeitamente nem um
só de Teus mandamentos, contudo, não me permitirei infringir nenhum deles. Sei
que minha carne vai relutar; mas resolvo no poder da Tua graça, apegar-me a Ti
e aos Teus santos caminhos, custe o que custar. Sei que junto a Ti nunca serei
perdedor; portanto, aceitarei de boa vontade repreensões, dificuldades e
sofrimentos, e negarei a mim mesmo, tomarei a minha cruz e Te seguirei. Senhor
Jesus, Teu jugo é suave, Tua cruz é benvinda, visto que esse é o caminho que
conduz a Ti. Ponho de lado todas as esperanças de uma felicidade secular.
Aguardarei, de boa vontade, até que eu possa ir a Ti. Que eu seja pobre e
humilde, pequeno e desprezado neste mundo, para que me seja permitido viver e
reinar Contigo no porvir. Senhor, tens meu coração e minha mão neste acordo.
Que ele seja como a lei dos medos e dos persas, que não pode ser revogada. Eu
me firmarei nisso, nesta resolução, pela Tua graça, viverei e morrerei. Jurei,
e cumprirei, que guardarei os Teus justos juízos. Dei o meu consentimento
voluntário e fiz a minha escolha eterna. Senhor Jesus, confirma este contrato.
Ámen.
Joseph Alleine in “Um guia seguro para o Céu”, PES, PUBLICAÇÕES
EVANGÉLICAS SELECIONADAS, Rua 24 de Maio, 116 — 3.° andar — sala 16-17 Caixa
Postal 1287 — 01051 — São Paulo, SP, Brasil
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