… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

GEMIDOS DA ALMA PENITENTE PARA OS PRINCIPIANTES

Manuel Bernardes (1644-1710)

DÉCADA I


Senhor Deus: eu sou a miséria, a ingratidão, a indignidade; sou um pecador vilíssimo, a quem não devia cobrir o Céu nem sustentar a Terra. Havei de mim misericórdia, e salvai-me por amor de vossa bondade.

Pai: pequei contra o Céu, e em Vossa presença; não sou digno de me chamar Vosso filho; fazei-me como qualquer de vossos mercenários.

Lavai-me, meu Senhor Jesus Cristo, nas correntes de Vosso precioso Sangue; e limpai a minha alma das manchas de todo o pecado.

Desgarrei-me como ovelha perdida. Que fora de mim, ó bom Pastor, se me não buscásseis, e tomásseis sobre os Vossos ombros?

Eis aqui está à Vossa porta o pobre: eis aqui o leproso e cego, e tolhido, e coberto de inumeráveis chagas. Não necessitam de médico os sãos, mas os enfermos; vinde, e curai-me com a Vossa palavra, para glória do Vosso nome.

Que era eu, Senhor, no meio dos meus vícios, e fora da Vossa graça, senão um cão morto, coberto das moscas dos demónios, que em minha podridão se cevavam. Vistes minha miséria, e Vos apiedastes. Destes-me vida e misericórdia. Oh, bendito seja tal amor!

Inclinai, Senhor, para mim os Vossos amorosos olhos, e apagai os meus pecados. Concedei-me a graça da renovação do meu espírito, com uma vida totalmente conforme à Vossa lei.

Deus meu: proponho firmemente, com o auxílio da Vossa graça, não admitir jamais ofensa Vossa. Oh! não mais pecar, não mais desprezar os Vossos preceitos; guardá-los, sim, mais que às meninas dos meus olhos.

Senhor: alcance eu de Vós esta mercê; que, no ponto em que certamente hei de cair da Vossa graça, antes caia morto de repente; porque viver com injúria Vossa pior morte é do que a mesma morte, e maior desgraça do que o Inferno.

Jesus amorosíssimo, Jesus minha Redenção e remédio: de tantas lágrimas que andando neste mundo chorastes, dai-me uma para que amoleça este coração, e o derreta pelos olhos.

Manuel Bernardes (1644-1710) foi um presbítero da Congregação do Oratório de S. Felipe Neri, em cuja tranquilidade claustral se recolheu até o fim de seus dias.
Escreveu numerosas obras de espiritualidade cristã, dentre as quais Luz e Calor (1696), Nova Floresta (5 Volumes, 1710, 1708, 1711, 1726, e 1728), Pão Partido em Pequeninos (1694), Exercícios Espirituais (1707), Os Últimos Fins do Homem (1726), Armas da Castidade (1737), Sermões e Práticas (2 Volumes, 1711), e Estímulo Prático para bem seguir o bem e fugir o mal (1730).[1] Seus escritos caracterizam-se pela pureza da linguagem e pelo profundo misticismo. É um dos maiores clássicos da prosa portuguesa

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