GEMIDOS DA ALMA PENITENTE PARA OS PRINCIPIANTES
Manuel Bernardes (1644-1710)
DÉCADA I
Senhor Deus: eu sou a miséria, a ingratidão, a indignidade; sou um pecador vilíssimo, a quem não devia cobrir o Céu nem sustentar a Terra. Havei de mim misericórdia, e salvai-me por amor de vossa bondade.
Pai: pequei
contra o Céu, e em Vossa presença; não sou digno de me chamar Vosso filho;
fazei-me como qualquer de vossos mercenários.
Lavai-me, meu
Senhor Jesus Cristo, nas correntes de Vosso precioso Sangue; e limpai a minha
alma das manchas de todo o pecado.
Desgarrei-me
como ovelha perdida. Que fora de mim, ó bom Pastor, se me não buscásseis, e
tomásseis sobre os Vossos ombros?
Eis aqui está à
Vossa porta o pobre: eis aqui o leproso e cego, e tolhido, e coberto de
inumeráveis chagas. Não necessitam de médico os sãos, mas os enfermos; vinde, e
curai-me com a Vossa palavra, para glória do Vosso nome.
Que era eu,
Senhor, no meio dos meus vícios, e fora da Vossa graça, senão um cão morto,
coberto das moscas dos demónios, que em minha podridão se cevavam. Vistes minha
miséria, e Vos apiedastes. Destes-me vida e misericórdia. Oh, bendito seja tal
amor!
Inclinai,
Senhor, para mim os Vossos amorosos olhos, e apagai os meus pecados.
Concedei-me a graça da renovação do meu espírito, com uma vida totalmente
conforme à Vossa lei.
Deus meu:
proponho firmemente, com o auxílio da Vossa graça, não admitir jamais ofensa Vossa.
Oh! não mais pecar, não mais desprezar os Vossos preceitos; guardá-los, sim,
mais que às meninas dos meus olhos.
Senhor: alcance
eu de Vós esta mercê; que, no ponto em que certamente hei de cair da Vossa
graça, antes caia morto de repente; porque viver com injúria Vossa pior morte é
do que a mesma morte, e maior desgraça do que o Inferno.
Jesus
amorosíssimo, Jesus minha Redenção e remédio: de tantas lágrimas que andando
neste mundo chorastes, dai-me uma para que amoleça este coração, e o derreta
pelos olhos.
Manuel Bernardes (1644-1710) foi um presbítero da
Congregação do Oratório de S. Felipe Neri, em cuja tranquilidade claustral se
recolheu até o fim de seus dias.
Escreveu numerosas obras de espiritualidade cristã,
dentre as quais Luz e Calor (1696), Nova Floresta (5 Volumes, 1710, 1708, 1711,
1726, e 1728), Pão Partido em Pequeninos (1694), Exercícios Espirituais (1707),
Os Últimos Fins do Homem (1726), Armas da Castidade (1737), Sermões e Práticas
(2 Volumes, 1711), e Estímulo Prático para bem seguir o bem e fugir o mal
(1730).[1] Seus escritos caracterizam-se pela pureza da linguagem e pelo
profundo misticismo. É um dos maiores clássicos da prosa portuguesa

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