… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

sábado, 6 de maio de 2017

Uma hora com George Müller


Uma Hora Com George Müller
Charles R. Parsons

Num dia tórrido do verão encontrava-me passeando pelos bosques dos Montes Ashley, em Bristol. De lá cima contemplei os imensos edifícios que davam cabida a 2 000 órfãos, construídos por um homem que deu ao mundo a lição de fé mais surpreendente e efetiva que alguma vez se viu. O primeiro edifício encontrava-se à direita, e ali, no meio da sua gente, nos seus nada pretensiosos aposentos, vivia santamente o patriarca, George Müller. Depois de passar a porta de entrada, parei e demorei-me um instante para contemplar a Casa N.º 3, uma das cinco, cuja edificação chegou a custar 600 000 dólares. Fui recebido à porta por um órfão, que me guiou, subindo por uma escada de pedra e me introduziu numa das salas privadas do venerável fundador desta grande instituição. O senhor Müller encontrava-se, nem mais nem menos, com 91 anos de idade. Enquanto estive na sua presença, a veneração foi algo que inundou a minha mente. “Diante das cãs te levantarás, e honrará o rosto do ancião”. (Levítico 19:32).

Recebeu-me com um cordial apertão de mãos e deu-me as boas-vindas. É um privilégio poder contemplar um homem por meio de quem Deus desenvolveu uma obra tão grande, para lá de ter ouvido o tom da sua voz, melhor do que isso é o privilégio de me haver sentido imediatamente em conexão com o seu espírito e de haver sentido a cálida respiração de sua alma como a minha própria. A comunhão que tive com ele naquela hora, ficou gravada no meu coração para sempre. Este servo do Deus Altíssimo abriu-me o seu coração, confortou-me, orou comigo, e deu-me a sua bênção. No transcurso de toda essa hora se fez manifesta a fonte de toda a força espiritual que habita em George Müller. Este ancião santo, em pleno uso de todas as suas faculdades, sempre manteve eloquência neste diálogo: o louvor dignifica o SENHOR, o grande Auditor e Concessor das orações do Seu povo. As minhas palavras foram muito poucas.

“Você encontrou sempre o Senhor fiel às Suas promessas, não é verdade, senhor Müller?”

“Sempre! Ele nunca me decepcionou ou defraudou! Em todos estes perto de setenta anos, sempre supriu cada uma das necessidades desta obra, em cada dia. Desde que começou até hoje, passaram por aqui, nove mil e quinhentos órfãos, e a nenhum deles nunca faltou uma comida saudável. Em centenas de vezes, começamos o dia sem um centavo, mas nosso Pai Celestial sempre os engenhava para nos suprir todo o necessário, a cada momento. Nunca nos faltou o sustento. Nunca houve um momento em que faltasse alimento no prato de cada um. Durante todos estes anos, apenas o que tenho feito tem sido confiar somente no Deus Vivo. Em resposta às minhas orações foram-me enviados 7,5 milhões de dólares. Precisamos de mais de 200 000 dólares por ano e temo-los recebido conforme os íamos necessitando. Não há nem um só homem que possa dizer que eu lhe tenha pedido um cêntimo. Não temos comités, nem recebimentos, nem devotos, nem patrocinadores. Tudo tem chegado como resposta às orações de fé. Deus tem muitas maneiras de tocar o coração de todos os homens do mundo para nos socorrer. Sem ir mais longe, ontem pela tarde, enquanto estava pregando, um cavalheiro estendeu-me a mão com um cheque com uma grande quantidade de dinheiro, depois de acabar o serviço.”

“Tenho lido a sua vida, senhor Müller, e observei que algumas vezes, a sua fé suportou duras provas. Acontece-lhe o mesmo, hoje em dia?

“A minha fé está sendo posta à prova como nunca antes, e as minhas dificuldades são maiores do que nunca. Além das responsabilidades financeiras que temos, há ajudas pontuais que têm de aparecer constantemente, e lugares adequados para acolher centenas de órfãos que saem das nossas instalações. É muito comum que as nossas contas estejam tocando no fundo. Na última semana, por exemplo, estivemos com as despensas quase vazias. Reuni os meus amados colaboradores e disse-lhes, “!Orai, irmãos, orai!” E, imediatamente, recebemos quinhentos dólares que nos tinham sido enviados, depois mais mil, e poucos dias mais tarde recebemos outros 7 500. Mas sempre temos de orar, e sempre com crença. Oh! Que bom é confiar no Deus Vivo, pois Ele há dito, “Nunca te deixarei, nunca te desampararei” (Hebreus 13:5). Mantem a tua expectativa na grandeza de Deus muito viva, e receberás grandes coisas. A capacidade de Deus não tem limites. Louvado para sempre seja o Seu glorioso Nome! Louvado seja em todas as coisas! Louvei-o muitas vezes quando Ele me envia dez centavos, e tenho-O louvado quando Ele me tem enviado 60 000 dólares.”

“Suponho que alguma vez terá pensado em economizar algum dinheiro?”

“Se o tivesse feito, teria sido um ato bastante néscio. Como poderia orar eu, se tivesse disponível dinheiro economizado? Se o fizesse, Deus dir-me-ia, “Dispõe dessas economias, George Müller.” Oh não, nunca me passaria pela cabeça fazer uma coisa dessas. As nossas economias encontram-se nos Lugares Celestiais. O Deus Vivo é a nossa suficiência. Tenho confiado nEle por um dólar, e tenho confiado nEle por milhares de dólares, e Ele nunca defraudou a minha confiança. “Bendito seja o homem que nEle confia” (Salmos 34:8).

“E, está claro que alguma vez pensou em seu próprio benefício, não é assim?”

Não me esquecerei facilmente da forma tão digna como foram respondidas as minhas perguntas por este homem de fé. Estava confortavelmente sentado em frente a mim, com os seus joelhos muito próximos dos meus, as suas mãos juntas, os seus olhos refletiam uma paz, uma quietude, e um espírito meditativo. Na maior parte do tempo tinha estado dirigindo os seus olhos para o chão. Mas, agora que se encontrava erguido, observou o meu rosto por breves momentos, com tal intensidade, que senti traspassar até o mais íntimo de minha alma. Havia muito de grandeza e de majestade naquele olhar tão cristalino e puro, tão acostumado como estava às visões espirituais e a olhar para os assuntos mais profundos de Deus. Eu não sei se as minhas perguntas lhe soaram mal, ou se deixaram ver um toque do “velho homem” ao qual se referiu no seu discurso. Em todo caso, nunca houve a menor sombra de dúvida que alterasse todo o seu ser.

Depois de uma breve pausa, durante a qual o seu rosto parecia um sermão e a profundidade de seus claros olhos brilhavam iluminados, desabotoou o seu casaco e tirou de seu bolso uma antiga bolsinha com uns aros para separar as moedas pelo seu valor. E, pondo-a sobre a minha mão, disse, tranquilamente, “Tudo o que possuo se encontra nessa bolsinha – cada centavo! Guardo-o em benefício próprio? Jamais! Quando me enviam dinheiro para meu uso pessoal, reencaminho-o para Deus. Mais de cinco mil dólares me foram enviados de uma só vez; mas jamais pensei que esses donativos me pertencessem; pertencem a Ele, de Quem sou e a Quem sirvo. Em benefício próprio? Nunca procurei nada; isso seria desonrar o meu amoroso, nobre, e todo bondoso Pai.” Devolvi a bolsinha ao senhor Müller. Disse-me a quantidade que continha, e contou-me como ele mesmo tinha entregue tudo ao Orfanato e ao Instituto do Conhecimento das Escrituras. Sobre este assunto, entretanto, juntamente com alguns assuntos mais, não estou autorizado a expô-los.

Havia um rasgo de entusiasmo santo no rosto deste ancião e homem fiel, enquanto relatava alguns dos incidentes que lhe aconteceram nas suas viagens pregando em quarenta e dois países diferentes, e como enquanto viajava de um lugar para o outro – algumas vezes os sítios distavam entre si milhares de milhas – as suas necessidades íam sendo supridas. Centenas de milhares de homens e mulheres de quase todas as nações se acercaram para o ouvir, e o seu grande tema foi a simples mensagem da salvação e a exortação aos crentes para confiarem no Deus Vivo. Contou-me que ora mais por seus sermões do que por qualquer outra coisa, e que, muitas vezes, não sabe qual vai ser o versículo até que não acaba de subir as escadas do púlpito, embora tenha estado orando por ele durante toda uma semana.

Perguntei-lhe se passava muito tempo de joelhos.

“Durante horas todos os dias. Eu vivo no espírito da oração; oro quando caminho, quando caio, e quando me levanto. E a resposta sempre vem no caminho. Dezenas de milhares de vezes foram respondidas as minhas orações. Quando estou persuadido de que algo é correto, ponho-me a orar por isso até ao fim. Nunca desisto!”.

O senhor Müller começou as suas viagens quando tinha 70 anos e continuou realizando-as até aos 87 (desde o ano de 1875 a 1892). Estas palavras foram pronunciadas com um tom bastante alto. Havia um rasgo de triunfo nelas, e o homem que as pronunciava transbordava um gozo santo. Levantou-se do seu assento enquanto as proferia e passeava ao redor da mesa.

“Em resposta às minhas orações, milhares de almas foram salvas,” continuou dizendo. “Hei-de me encontrar com milhares deles no Céu.” Fez-se outra pausa. Eu não disse nada, e ele continuou: “O mais importante é não desistir até que chegue a resposta”. Eu orei durante cinquenta e dois anos todos os dias por dois homens, filhos de um amigo da minha juventude. Ainda não foram convertidos, mas o serão algum dia! Como poderia ser de outra maneira? Está uma promessa do SENHOR imutável a meio, e nela me recosto e descanso. O grande erro que se comete entre os filhos de Deus é que não perseveram na oração; não se mantêm orando; não são persistentes. Se desejam dar a Deus a glória em todas as coisas, devem orar até que as consigam. “Oh, quão bom, amável, nobre, e condescendente é Aquele com quem temos de tratar! Ele me ofereceu, sem eu o merecer, muitíssimo mais do que eu pedia ou entendia! Eu não sou mais do que um pobre ser, fracassado e pecador, entretanto Ele ouviu as minhas orações dezenas de milhares de vezes e fui Seu instrumento para trazer dezenas de milhares de almas ao caminho da verdade neste e em outros países. Estes miseráveis lábios proclamaram a salvação a grandes multidões, e muitíssimas pessoas creram na vida eterna.

Perguntei ao senhor Müller se alguma vez, quando começou esta obra, imaginou a dimensão e o crescimento que ela alcançaria.

Depois de relatar o seu começo em Wilson Street, respondeu, “Eu somente sabia que Deus estava envolvido nesta obra e que estava guiando o Seu filho por um caminho que não tinha sido pisado nem explorado anteriormente. Estar seguro de que Ele Se encontrava presente foi o que me manteve firme.”

“Não posso deixar de notar a forma como fala de si mesmo” disse eu, consciente de que abordava um tema perante um homem amável, sagrado e próximo colaborador de Deus, com um entendimento espiritual profundo e com uma relação muito íntima e pessoal com Deus, logo que terminei de falar, arrependi-me das minhas palavras.

Mas ele afastou de mim aqueles temores, exclamando, “Há somente uma coisa que mereço, e é o Inferno! Digo-te, irmão meu, que é a única coisa que mereço. Eu sou um homem perdido por natureza, mas também sou um pecador salvo pela graça de Deus. Ainda que por natureza seja pecador, não vivo em pecado. Detesto o pecado; detesto-o cada vez mais e mais, e cada vez amo mais e mais a santidade.”

“Suponho que, através de todos estes anos trabalhando para Deus, tem-se encontrado com muitas circunstâncias adversas que o têm desmotivado, não é assim?,” perguntei.

“Achei muitas circunstâncias desalentadoras, mas sempre mantive e pôs a minha confiança em Deus,” foi a resposta. “Nas palavras da promessa do SENHOR descansa a minha alma! Oh, que bom é confiar nEle; A Sua Palavra nunca volta vazia!” “Ele dá forças ao cansado, e multiplica as forças ao que não tem nenhuma” (Isaías 40:29). Este princípio também se aplica ao meu ministério público. Há sessenta anos preguei um pobre, seco e estéril sermão que não me deixou satisfeito, e, como imaginei, tampouco confortou a outros. Mas muito tempo depois escutei dezanove casos distintos a respeito das bênçãos resultantes daquele sermão.”

Contei-lhe uns poucos de casos que me tinham desalentado, e expressei-lhe a esperança de chegar a ser mais útil que nunca para Deus. “Serás útil para Deus, meu irmão,” exclamou ele. “O mesmíssimo Deus te abençoará! Esforça-te! Persevera!”.

Permite-me pedir-lhe um conselho a respeito do meu próprio trabalho com Deus? Perguntei: Como posso contribuir com o meu esforço no grandioso trabalho cristão de colher almas?

“Procura depender inteiramente de Deus em todas as coisas” respondeu. Deposita a tua vida e o teu trabalho nas Suas mãos. Quando te surgirem novas tarefas, pergunta, isto concorda com os propósitos de Deus? É para Sua Glória? Se não é para Sua Glória, não é bom para ti, e não tens nada que fazer a esse respeito. Recorda isto! Tendo presente que tudo seja para O glorificar, começa-o em Seu Nome e leva-o até o fim em oração e fé, e nunca desistas! Não permitas iniquidade no teu coração. Se a tiveres, Deus não te escutará. Crê na Sua fidelidade. Depende só dEle. Espera nEle. Crê em Deus. Espera grandes coisas dEle. Não desmaies se as bênçãos demorarem a chegar. E sobre tudo, descansa nos méritos conquistados por nosso maravilhoso Senhor e Salvador, para que de acordo com os Seus méritos, e não aos teus próprios, sejam aceitáveis as orações que ofereces e o trabalho que realizes para Deus. Não tive palavras para responder. O que podia dizer? Os meus olhos encheram-se de lágrimas e meu coração estava transbordante de bênçãos. Impactou-me tanto o que escutava que fiquei sem palavras, paralisado, reinava o silêncio do amor do Céu.

O Sr. Müller foi procurar noutra sala uma cópia da sua biografia, na qual inscreveu o meu nome. A sua ausência deu-me a oportunidade de deitar uma olhadela ao apartamento. O mobiliário era do mais singelo, prático e em harmonia com o homem de Deus que tinha estado falando comigo. Este é um grande princípio com o qual vivia George Mueller, que os filhos de Deus não deveriam ser ostentosos no seu estilo de vida, cargos ou posição, forma de vestir, ou modo de viver. Ele cria que a ostentação e o luxo não concordam com aqueles que se declaram discípulos daquele manso e humilde Ser que não teve onde reclinar a Sua cabeça. Sobre a mesa havia uma Bíblia aberta de boa tipografia, sem notas ou referências. Esta, pensei, é a morada de um homem considerado poderoso espiritualmente nos tempos atuais, um homem levantado especialmente para mostrar a um mundo frio, calculista, e egoísta, a realidade dos assuntos de Deus e para ensinar à igreja quão vitoriosa pode ela ser, se tão só, ela é suficientemente sábia para aferrar-se ao braço omnipotente de Deus.

Estive com este príncipe da oração uma hora completa, e, somente, chamaram uma vez à sua porta. Quando o Sr. Müller a abriu, apresentou-se um dos seus órfãos, um de tantos sobre a terra, uma menina de cabelo loiro. “Minha querida,” disse ele, “não posso atender-te neste momento. Espera um pouco e irei ver-te.” Assim tive o privilégio de permanecer sem interrupções com este homem de fé, este vitorioso de Deus, este viajante na peregrinação do caminho da vida de noventa e um anos de idade, um homem que, como Moisés, fala com Deus da mesma maneira como um homem fala com o seu amigo. Foi para mim, como se uma hora celestial tivesse descido à terra.

A sua oração foi curta e simples. Ficando de joelhos disse, “Oh Senhor, abençoa este amado servo que agora está diante de Ti mais e mais, mais e mais, mais e mais! E conceda-lhe na graça, a Tua guia na sua pluma para que saiba o que deve escrever a respeito da Tua obra e da nossa conversação de hoje. Peço-o através dos méritos do Teu amado Filho, nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Ámen!”

Tradução de Carlos António da Rocha

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