J. N. Darby
Um Deus Justo e Salvador
Todas as pessoas têm um
certo conhecimento do bem e do mal; tal coisa, dizem elas, é boa, e, tal coisa,
é má. Mas, talvez não existam duas pessoas que possuam exactamente o mesmo
padrão do que seja o bem e do que seja o mal. O que as pessoas fazem é
estabelecer um padrão do bem que as possa incluir a elas próprias, e um padrão
de mal que as exclua, e inclua outras. Por exemplo, o alcoólatra acha que não
há muito mal em beber bebidas alcoólicas em excesso, mas poderia considerar um
grande pecado roubar. O ambicioso, que talvez pratique todos os dias alguma
fraude ou algum desfalque "no mundo dos negócios", procura
justificar-se com o pensamento de que é necessário e normal agir assim nos
negócios, "e, para todos os efeitos, não me embebedo, praguejo ou blasfemo
como os outros fazem", diz ele.
“Anunciai, e chegai-vos, e
tomai conselho todos juntos; quem fez ouvir isso desde a antiguidade? Quem,
desde então, o anunciou? Porventura, não sou eu, o SENHOR? E não há outro Deus
senão eu; Deus justo e Salvador, não há fora de mim.” (Is 45:21 ARC1995)
Aquele que é imoral
orgulha-se de ser generoso e de ter um bom coração para com os outros, ou, como
se costuma dizer, "não faz nenhum mal aos outros, excepto a si
mesmo." O homem honesto, moral, amável e cuidadoso para com a sua família,
satisfaz-se a si próprio, fazendo o que ele chama de seu dever, e olha ao seu
redor e compadece-se dos pecadores declarados que vê; mas ele nunca considera
quantos pensamentos maus, quantos desejos pecaminosos já produziu o seu
coração, mesmo que desconhecidos dos outros. Porém Deus julga o coração, apesar
do homem enxergar apenas a conduta exterior. Assim, cada um compraz-se por não
estar a fazer algum tipo de mal, e compara-se sempre a alguém que tenha
cometido algum pecado que ele acha haver conseguido evitar.
Isso tudo prova que os
homens não se julgam a si próprios segundo um padrão único do que seja "o bem"
e do que seja "o mal", mas, tão-somente, tomam como sendo "o bem"
aquilo que mais lhes agrada e condenam os outros. Mas há um padrão, com o qual
tudo será comparado, e de acordo com o qual tudo será julgado - um padrão de
justiça; e tudo o que não corresponder a ele será condenado eternamente. Este
padrão não é nada menos do que a justiça de Deus.
Quando alguém começa a
descobrir que não é comparando-se a si próprio com os outros que será julgado,
mas pela comparação feita pelo próprio Deus, então, a sua consciência começa a
ser despertada para pensar a respeito do pecado como quem está diante de Deus.
Aí sim ele reconhecer-se-á culpado e arruinado; e não tentará justificar-se a
si mesmo apontando para alguém que seja pior do que ele, mas ficará ansioso por
saber se é possível que Deus, diante de quem ele sabe estar condenado, poderá
desculpá-lo ou perdoá-lo.
Os escribas e fariseus,
mencionados no capítulo oito do Evangelho de João, eram pessoas muito
moralistas e religiosas, e ficaram imensamente chocados quando encontraram uma
mulher abertamente em pecado, indignando-se muito contra ela. A Justiça e a Lei
de Moisés, pensaram eles, mandava que dela fosse feito um exemplo - não seria
conveniente que uma tal pecadora continuasse a viver. É um conforto e um alívio
para o depravado coração do homem, quando ele pode encontrar alguém que ele julgue
ser pior do que ele mesmo. Ele pensa que o pecado maior de outro desculpa o seu
próprio pecado, e enquanto acusa e censura veementemente o outro, mas ele
esquece-se do seu próprio mal. Ele regozija-se assim da iniquidade.
Mas isso não é tudo. Os homens
não apenas procuram gloriar-se e exultar na queda e ruína de outro, como não
podem aguentar ouvir ou pensar a respeito de Deus exibindo graça. GRAÇA, que
significa total e gratuito perdão de todo o pecado, de todo o mal, sem que Deus
exija ou espere algo daquele que é assim perdoado - é um princípio tão oposto a
todos os pensamentos e caminhos humanos, tão acima do homem, que ele tem
aversão a isso. O seu coração chama com frequência a isto de injustiça. Ele
próprio não age desta maneira, e não gosta de pensar que Deus o faça. É muito
humilhante sermos obrigados a aceitar que somos dependentes inteiramente da
graça para a salvação; e que nada que tenhamos feito, ou que possamos fazer no
futuro, nos fará indivíduos justos e aptos para a graça, mas que a nossa
miséria, pecado e ruína são as únicas reivindicações que temos para a graça.
Os escribas e fariseus não
podiam entender isso, e, não querendo reconhecer que eles próprios eram
pecadores, desejaram embaraçar Jesus. Assim, se Ele absolvesse a mulher, diriam
que Ele era injusto; se a condenasse, iriam dizer que Ele não era
misericordioso. "Tais mulheres devem ser apedrejadas", diziam eles,
"tu, pois, que dizes? "Na verdade, a sentença era justa, a prova da
culpa da mulher era inquestionável, e a Lei estava clara; mas, quem iria
executar a sentença? O homem pode facilmente condenar, mas quem tem o direito
de executar? "Aquele que dentre vós está sem pecado seja o primeiro que
atire pedra contra ela." Quem poderia dizer de si mesmo "sem
pecado"? E, se nenhum deles podia dizer, "Eu estou sem pecado",
não havia um deles que não estivesse sob a mesma sentença da mulher, que é a
morte, pois "o salário do pecado é a morte" (Rm 6:23).
Que estranha situação! A
acusada e os seus acusadores da mesma forma envolvidos na mesma ruína - todos
culpados! Não mais "a tal seja apedrejada", mas todos deveriam ser
apedrejados. Do mais velho ao mais jovem, todos pecadores convictos!
Já pensou nisso - que o
leitor e todo o mundo são culpados perante Deus? Não interessa a quantidade de
pecado que possui no padrão de medida dos homens; pode dizer que está sem
pecado diante de Deus? Se não pode, então a MORTE é a sua sentença! "A
alma que pecar, essa morrerá" (Ez 18:20). E nessa triste condição, o que
tem feito? Talvez o mesmo que os escribas e fariseus fizeram, quando foram
convencidos por suas próprias consciências - saíram da presença do Único que
pode pronunciar o perdão. Adão, no jardim do Éden, havia feito o mesmo antes;
ele escondeu-se de Deus quando reconheceu que era culpado e afastou-se do seu
único Amigo justamente quando mais precisava da Sua ajuda (Gn 3:8). E ainda é
assim. O homem tem medo do Único que está pronto para perdoar.
O leitor pode ser capaz de
se persuadir a si próprio de que não é tão mau assim; pode encontrar outros
abertamente piores; mas é, apesar de tudo, um pecador? Qual é a opinião de Deus
a seu respeito? A sua própria consciência não lhe diz que não pode
considerar-se completamente sem pecado? Bem, então a MORTE é a sentença. Deus
não pode mentir. É a sentença que Ele lhe dá. E se tivéssemos ouvido apenas que
Deus é JUSTO, não haveria esperança. Mas Ele é "um Deus Justo e
SALVADOR." Ele condenou, e Ele tem também o poder para executar. A única
questão que permanece é: Ele pode perdoar?
"... ficou só Jesus e
a mulher que estava no meio." Ela estava em pé diante dAquele que podia
dizer de Si próprio, "sem pecado" e que poderia, portanto, atirar a
pedra. Ela estava só com Aquele que ela reconhecia como Senhor; e qual seria a
sentença que Ele lhe daria? Que momento de intensa ansiedade deve ter sido este
para ela! Como as coisas que a cercavam devem ter-se tornado em nada à sua
vista! Ela estava a sós com Aquele que tinha o poder da vida e da morte. Tudo
se apoiava na Sua palavra. O que iria Ele dizer? Os homens não ousaram atirar a
pedra; agora o que iria Deus fazer? "Nem Eu também te condeno: vai-te, e
não peques mais."
Esta continua a ser a
mensagem graciosa para o pecador arruinado, pronunciada pelo próprio Juiz. Mas ela
é apenas para o pecador arruinado, que permanece conscientemente convicto
perante o Juiz, que ela é pronunciada. Os "justos" fariseus não a
ouviram. Eles estavam convencidos, mas não quiseram confessar o seu pecado, e
procuraram livrar-se da sua condenação, ocultando a sua culpa com algumas boas
obras da sua autoria. Além do mais, não iriam querer colocar-se na mesma
posição de condenação com a miserável mulher, que acabou por receber esta
bendita palavra de paz.
E ainda é assim. Se o
leitor deseja ter o completo e gratuito perdão de Deus, deve ocupar
primeiramente o seu lugar como pecador culpado. Estar a sós com Jesus,
conscientemente auto-condenado. Não ter mais ninguém em quem confiar, ninguém
para se comparar consigo mesmo. Não tomar resoluções de correção, não tentar,
primeiro, ficar melhor, antes de vir a Ele; mas ser trazido a Ele pelos seus
próprios pecados, permanecendo exactamente no lugar de condenação, diante da
Pessoa que tem o poder para condenar. Fazer da sua culpa a razão de estar a sós
com Ele.
O Senhor, a ela, não lhe
deu um perdão condicional. Ele não lhe disse, "Nem tão-pouco te
condenarei, SE não pecares mais." Não, Ele deu-lhe a ela, primeiramente, o
Seu completo e total perdão, pois Ele sabia que este perdão iria torná-la capaz
de evitar o pecado no futuro. Se o leitor deseja ter poder sobre os seus
pecados, deve saber, antes, que todos eles estão perdoados por Deus, por meio
de Cristo. Mas, se ele tentar dominar o seu mal antes de conhecer o perdão de
Deus, não obterá nem uma coisa nem outra. Por meio da fé no Senhor Jesus é-se
justificado gratuitamente de tudo antes de se ser absolvido diante da presença
de Deus.
Porém, alguns daqueles que
realmente crêem no Senhor Jesus não vêem isto claramente, e procuram ter paz
por meio de santidade de vida ou dos frutos do Espírito, em vez de se
reconhecerem a si próprios como pecadores arruinados, completa e gratuitamente
perdoados, para, então, deixar que as suas vidas e conduta sejam guiadas pelo
conhecimento deste perdão e pelo amor de Deus que o conhecimento da Sua
misericórdia deve necessariamente criar. Tudo começa com o "Nem Eu também
te condeno".
Deixe que a paz venha da fé
no sangue da Sua cruz, pelo qual Ele fez a paz. O conhecimento e a estimativa
de Deus quanto ao seu pecado são muito mais profundos do que os seus, mas Ele
providenciou o sangue do Seu Filho. Ele afirma que aquele sangue limpa todo o
pecado. Quanto mais vejo e conheço o meu próprio pecado, mais darei valor
àquele sangue precioso que o limpou. E mais ansioso estarei por não afligir o
coração dAquele, que no Seu próprio amor, providenciou tão maravilhoso
sacrifício por causa dos meus pecados. Portanto, quanto mais profundamente eu
conheço a minha própria culpa, mais segura irá ser a minha paz; pois maior será
o valor que darei ao sangue, por meio do qual foi feita a paz.
Que o leitor possa conhecer
a paz e o gozo de ter todos os seus pecados perdoados por meio da fé no sangue
do Senhor Jesus, e a consequente vitória sobre o poder de todos aqueles pecados
que o têm prendido.
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John
Nelson Darby (18 de novembro de 1800 - 29 de abril de 1882), mas mais conhecido
como J. N. Darby, foi um teólogo e pregador anglo-irlandês e figura de grande
influência entre os “Irmãos de Plymouth”. Desenvolveu a doutrina do
Dispensacionalismo. Realizou uma tradução da Bíblia baseada nos textos
hebraicos e gregos, chamada em inglês “The Holy Scriptures: A New Translation
from the Original Languages by J. N. Darby”, também traduzida para o alemão e
francês.
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