… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

quarta-feira, 3 de maio de 2017

PORQUE CREIO EM DEUS



Cornelio Van Til

Porque creio em Deus


Você tem notado, estou certo, que os cientistas e os filósofos nos dias atuais têm falado muito sobre religião e sobre Deus. Cientistas como o Dr. Santiago Jeans e o senhor Arturo Eddington admitiram que pode haver algum conteúdo nas asseverações de homens que dizem ter tido uma experiência de Deus. O filósofo, doutor C. E. M. Joad, escreve que o "imponente do mal" compeliu-o a reconsiderar o argumento sobre a existência de Deus.

Em algumas ocasiões, também você já se interrogou a si mesmo, perguntado se a morte termina tudo? Você recorda, possivelmente, como Sócrates, o grande filósofo grego, que lutou com esse problema no dia antes de beber a taça de cicuta? Interroga-se se haverá algo no absoluto, na ideia de um juízo depois da morte? Eu estou absolutamente certo de que você se interroga, não há Deus? Como sei eu que não há Deus?

Para abreviar, como pessoa inteligente e com sentido de responsabilidade, de vez em quando você tem questionado o motivo do seu pensamento e das suas ações. Tem considerado, ou pelo menos, esteve interessado sobre o que os filósofos chamam a sua “teoria da realidade.” Você está bastante interessado, por conseguinte, em ouvir as razões para a minha crença em Deus.

Comecemos comparando notas do nosso passado. O debate a respeito da nossa herança e do ambiente é proeminente nos nossos dias. Possivelmente você pensa que a única razão real que tenho para crer em Deus é o facto de que fui instruído assim nos meus dias de infância. É obvio, mas eu não penso que é assim. Não nego que eu tenha sido instruído para crer em Deus quando era menino, mas afirmo que desde que sou adulto tenho ouvido uma exposição bastante completa dos argumentos contra a crença em Deus. E é depois de ter ouvido tais argumentos que estou mais inclinado a crer em Deus. De facto, sinto que o todo da história e da civilização me seria ininteligível se não fosse por causa da minha crença em Deus. Tão verdadeiro é isto, o que me proponho defender, que a menos que não tenha a Deus como respaldo ou base de todo o existente, você não poderia encontrar significado em nada. Nem sequer posso defender a crença nEle, sem já havê-Lo dado por certo. E, similarmente, disputo que você não pode argumentar contra a crença nEle antes de que você O dê também por certo. Argumentar sobre a existência de Deus, sustento, é como argumentar contra o ar. Você pode afirmar que o ar existe, e eu, que ele não existe.

Mas, enquanto debatemos o assunto, os dois estamos respirando ar durante todo o tempo. Para usar outra ilustração, Deus é como o lugar em que devem estabelecer-se as mesmas armas que se supõe que O desfaçam de Sua existência. Entretanto, se depois de ouvir brevemente a minha história você ainda pensa que isto é um assunto de herança e de ambiente, não discreparei de maneira violenta.

O meu ponto na sua totalidade será que há harmonia perfeita entre a minha crença de menino e a minha crença de adulto, simplesmente porque Deus é o ambiente pelo qual a minha vida de criança foi dirigida e aquele em que a minha vida de adulto me fez inteligível.

Frequentemente é-nos dito que muito na nossa vida depende do "acidente do nascimento". Eu nasci na Holanda—numa pequena casa de telhado de palha, com um pequeno celeiro para as vacas, contíguo. Você pôde ter nascido numa cabana ou na mansão de um governador. Permita-me assumir que você nasceu na sala de partos de um hospital moderno nos subúrbios de Washington, D. C.

É isto realmente importante para o nosso propósito? Sim, por quanto os dois nascemos no meio de uma "civilização cristã." Nós podemos limitar a nossa discussão, por conseguinte, ao "Deus do Cristianismo." Eu creio nesse Deus. Você não crê, ou pelo menos você não está seguro de que crê. Este limite servirá de ponto de partida para a nossa discussão.

Não faz nenhum sentido falar sobre a existência de Deus, sem se saber que classe de Deus é, que pode ou não pode existir.

Tanto, então, nós temos ganho. Sabemos, pelo menosm em general, que classe de Deus é Aquele sobre O qual nós vamos fazer o tema da nossa conversação. Se agora chegarmos a um acordo preliminar similar sobre o estandarte ou teste que temos de utilizar para provar ou refutar a existência de Deus, podemos proceder. Você, é obvio, não espera que eu traga Deus para aqui, ao salão, para que você possa vê-Lo. Se eu pudesse fazer isso, Ele não seria o Deus do Cristianismo.

Tudo o que você espera que eu faça é fazer razoável o você crer nEle. Queria responder rapidamente, dizendo que é justo o que intento fazer. Mas ao pensá-lo, duvido por um momento.

Se você realmente não crê em Deus, então, naturalmente, você não crê que é Sua criatura. Por outro lado, eu, que creio em Deus, naturalmente  creio que independentemente do que você pense, você realmente é Sua criatura. E, certamente, é razoável para a criatura de Deus, o crer em Deus.

Assim que eu só posso tentar mostrar que mesmo que a si não lhe pareça razoável, é razoável para você crer em Deus.

Mas permita-me voltar para o tema da criação. Posso recordar que quando era menino brincava numa caixa de areia construída num canto do celeiro do feno. Do celeiro do feno eu passava para casa, pelo celeiro das vacas. Também construído no celeiro do feno, mas com portas que abriam para o celeiro das vacas, havia um quarto para o jornaleiro. Muito desejava eu que me dessem permissão para dormir nessa cama, por uma noite! A permissão foi-me dada finalmente por uma noite. Freud ainda era absolutamente desconhecido para mim, mas eu tinha ouvido falar dos fantasmas e "dos arautos da morte." Nessa noite ouvia que as vacas tilintavam as suas cadeias. Eu sabia que havia vacas e que elas tilintavam muito com as suas cadeias, mas, depois de um momento, comecei a duvidar se eram somente as vacas que faziam todos os ruídos que eu ouvia. Não havia alguém caminhando lá atrás, no corredor das vacas, aproximando-se da minha cama? Já tinha sido ensinado a elevar as minhas preces nocturnas. Algumas das palavras dessa oração eram, "Senhor, converte-me, para que eu possa converter-me." Ignorante do paradoxo, eu orei aquela oração nessa noite, como eu nunca a tinha orado antes.

Eu não me recordo de ter falado com meus pais sobre a minha aflição. Eles eram incapazes de proporcionar o remédio moderno. A Psicologia nem sequer se encontrava na sua mesa-biblioteca, nem tampouco “The Ladies Home Journal”. Embora saiba o que eles haveriam dito. Não havia nenhum fantasma é obvio, e certamente não devo ter medo, posto que com corpo e alma eu pertencia ao meu Salvador que morreu por mim na cruz e ressuscitou para que o Seu povo possa ser salvo do Inferno e possa ir para o Céu! Eu devo orar seriamente e frequentemente para que o Espírito Santo possa dar-me um coração novo, a fim de que eu possa amar a Deus seriamente em lugar do pecado e a mim mesmo.

Como sei eu que classe de coisa me teriam dito eles? Posso, porque era a classe de coisa sobre a qual eles de vez em quando falavam. Ou melhor, essa era a classe de coisa que constituiu a atmosfera da nossa vida diária. A nossa família não era, em nenhum sentido, uma família pietista. Não houve uma grande comoção emocional em nenhuma ocasião que eu recorde. Havia muita dificuldade sobre fazer feno no verão e sobre o cuidado das vacas e das ovelhas no inverno, mas em todo esse contexto havia uma atmosfera profundamente acondicionadora.

Ainda que não havia nenhum chuvisco tropical de reavivamento, entretanto, a humidade relativa sempre era muito alta. Em cada refeição a família inteira estava presente. Havia uma oração no começo e outra no final, e um capítulo da Bíblia lia-se de cada vez, a cada refeição. A Bíblia lia-se desde Génesis até Apocalipse. Tomando o café da manhã ou jantando, conforme o caso, nós ouviríamos falar do Novo Testamento, ou d’ "os filhos de Deus, segundo as suas gerações, de Zefon e Agi, de Suni e Ozni, de Eri e Areli." Não digo que entendia o significado de tudo. Entretanto, não pode haver nenhuma dúvida do efeito total. A Bíblia tornou-se para mim, em todas as suas partes, em cada sílaba, a própria Palavra de Deus. Eu aprendi que devo crer a história da Escritura, e que a "fé" era um presente de Deus. O que tinha acontecido no passado, e, particularmente, o que tinha acontecido no passado na Palestina, era de capital importância para mim. Para abreviar, eu fui criado naquilo que o Dr. Joad chamaria "paroquialismo topográfico e temporário." Eu era "acondicionado" da maneira mais completa. Eu não podia evitar crer em Deus —no Deus dos Cristãos— no Deus da Bíblia inteira!

Possivelmente a sua infância não teve as mesmas limitações que a minha. Os seus pais, suponho eu, eram em grande parte ilustrados em matéria religiosa. Eles liam para si alguma Bíblia do Mundo em lugar da Bíblia da Palestina. Não, diz você, eles não fizeram tal coisa. Eles não quiseram preocupá-lo com o religioso nos dias da sua infância. Eles procuraram cultivar uma mente aberta nos seus filhos.

Diremos nós, então, que na minha vida de criança eu fui acondicionado para crer em Deus, enquanto que você tinha liberdade para desenvolver o seu próprio juízo quando assim lhe agradasse fazê-lo? Mas é difícil que assim seja. Você sabe, assim como eu, que cada menino é acondicionado pelo seu ambiente. Aparentemente você foi tão profusamente acondicionado para não crer em Deus como eu fui para crer em Deus. Evitemos, assim, pôr nomes depreciativos. Se você quer dizer que a minha crença foi forçada pela minha garganta, de igual maneira, posso eu responder que essa sua incredulidade foi forçada pela sua garganta.

Não tinha ainda cinco anos quando alguém —felizmente não recordo quem— me levou à escola. No primeiro dia vacinaram-me e isso doeu-me. Ainda o sinto. Mas muito antes de ir à escola, já eu tinha ido à igreja. Lembro isso de maneira definitiva porque, às vezes, levava os meus sapatos de couro muito bem lustrados. De facto, fui à igreja antes de que fosse a qualquer outra parte, pois ainda era um infante quando me levaram à igreja para ser batizado. Uma fórmula doutrinal foi lida no meu batismo que solenemente afirmava que tinha sido concebido e nascido em pecado; a ideia é que os meus pais, como todos os homens, tinham herdado o pecado de Adão, o primeiro homem e representante da raça humana. A fórmula doutrinal afirmava, além disso, que, embora eu tivesse sido acondicionado por ineludível pecado, como filho do pacto, era redimido em Cristo. E na cerimónia, meus pais prometeram que solenemente me instruiriam nestes assuntos com todos os meios ao seu dispor logo que eu pudesse entendê-los.

Foi na prossecução deste voto que eles me inscreveram numa escola primária cristã. Nela aprendi que a minha salvação do pecado e o pertencer a Deus fazia a diferença no que eu sabia e no que eu fazia. Eu vi o poder de Deus na natureza e a Sua providência no curso da história. Isso proporcionou o contexto apropriado para a minha salvação, a qual possuía em Cristo. Para abreviar, o mundo que em toda a sua largura gradualmente se me abriu através da minha instrução escolar era considerado como operando em todos seus aspectos sob a direção do Deus omnipotente e omnisciente cujo filho era eu, por mediação de Cristo. Eu haveria de aprender a pensar e a ver as coisas segundo Deus, em todas as áreas do desenvolvimento humano.

Naturalmente, havia pleitos no pátio da escola e eu participava de alguns. Os sapatos de madeira eram armas bélicas maravilhosas. Mas proibiram-nos estritamente de usá-los, nem sequer para propósitos defensivos. Havia sempre instrução, por parte de nossos pais e professores, sobre o pecado e a maldade em relação às nossas práticas marciais. Este foi o caso quando um dos nossos regimentos saiu para batalhar contra os alunos da escola pública. Os estudantes da escola pública detestavam-nos. Eles tinham um vocabulário obsceno muito extenso. Entretanto, quem pensávamos nós que éramos? Nós éramos o melhor do melhor—demasiado bons para irmos para a escola pública! Ai! Toma, e que o desfrutes! Nós respondíamos de igual maneira. Entretanto o nosso sentido de distinção crescia como que aos saltos. À noite em casa, diziam-nos que devíamos aprender a levar com paciência o ridículo do "mundo." Não odiava o mundo a igreja desde os tempos de Caim?

Quanto a si, suponho que a sua instrução desde a mais tenra idade foi bastante diferente da minha. Você frequentou uma escola "neutra". Assim como seus pais faziam em sua casa, assim faziam os seus professores na escola. Eles ensinaram-no a ter uma "mente aberta". Não relacionaram Deus com o seus estudo da natureza ou da história. Você foi educado sem preconceito algum, durante todo o tempo.

É obvio, agora, compreende melhor. Você compreende que tudo isso foi completamente imaginário. Ser "sem preconceito " é só ter um tipo particular de preconceito. A ideia de "neutralidade" é simplesmente um traje descolorido que cobre uma atitude negativa para com Deus. Pelo menos, tem de estar claro que aquele que não está a favor do Deus dos Cristãos está contra Ele. Tome conta, o Deus do Cristianismo faz afirmações prodigiosas. Ele diz que o mundo inteiro Lhe pertence; e que você é Sua criatura; e, como tal, deve reconhecer esse facto honrando-O quer coma ou beba ou faça qualquer outra coisa. Deus diz que você vive, como se assim fosse, na Sua propriedade. E essa propriedade tem grandes letreiros por toda parte, para que aquele que passe até a setenta milhas por hora não possa senão lê-los. O Deus da Bíblia acerta que cada acto neste mundo tem a Sua imagem indelevelmente gravada. Como poderia ser você neutro com respeito a semelhante Deus? Poderia você, como cidadão dos Estados Unidos da América que se passeia entre a multidão em Washington D. C., no dia 4 de julho, perguntar-se se o Memorial a Lincoln pertence a alguém? Contempla você a "Glória Antiga" (a bandeira dos Estados Unidos da América, a “Old Glory”) que no alto ondeia e interroga-se se a bandeira do país representa alguma coisa. Você mereceria sofrer o destino do "homem sem pátria" se como norte-americano fosse neutral em relação aos Estados Unidos da América. Bem, num sentido muito mais profundo você merece viver para sempre sem Deus se você não O honra e O glorifica como seu Criador. Não se atreva a manipular o mundo de Deus, e muito menos a si mesmo como criatura à Sua imagem, para os  seus próprios propósitos.

Quando Eva, no jardim de Éden, actuou como neutra entre Deus e o Diabo, examinando os prós e os contras das afirmações de ambos como se fossem de igual valor, ela já estava do lado do Diabo!

Vejo que você não quer que a nossa conversação tome este rumo. Ainda você tem a mente aberta e neutral, não é assim? Você aprendeu a pensar que qualquer hipótese tem, como uma teoria da vida, igual direito a ser ouvida como qualquer outra? Não é assim? Depois de tudo, eu só lhe estou pedindo que veja o que compreende a concepção cristã de Deus. Se o Deus do Cristianismo existe, a evidência para a Sua existência é tão abundante e claro para que seja anticientífico e pecado o não crer nEle. Por exemplo, quando o Dr. Joad diz: "A evidência da existência de Deus está longe de ser simples," supondo que ela fosse simples, todos creríamos nEle, ele está supondo o que tenta afirmar. Se o Deus do Cristianismo existe, a evidência a seu favor deve ser clara. E a razão, por conseguinte, pela qual "todos" não cremos nEle deve ser que "todos" estamos cegos pelo pecado. Todos levamos lentes coloridos.

Você ouviu a história do vale dos cegos. Um homem jovem que estava caçando caiu de um precipício no vale dos cegos. Não havia nenhum escapamento. Os homens cegos não entenderam quando ele lhes falou acerca de ter visto o sol e as cores do arco-íris, mas uma mulher elegante e jovem entendeu-o quando ele lhe falou o idioma do amor. O pai da jovem não consentia o matrimónio da sua filha com um louco que falava tão frequentemente de coisas que não existiam. Mas os grandes psicólogos da universidade dos homens cegos ofereceram-se para o curar da sua loucura cosendo-lhe as suas pálpebras. Então, eles asseguraram-lhe, que ele seria normal como "todos" os outros.

Mas o simples vidente continuou protestando que ele tinha visto o sol.

Eu proponho não só operar o seu coração para mudar a sua vontade, mas também os seus olhos para alterar a sua maneira de ver as coisas. Mas espere um momento. Não, eu nãome  proponho operar, em absoluto. Eu não posso fazer tal coisa. Eu só posso sugerir que você possivelmente está morto, e possivelmente cego, deixando-o ponderar no assunto por si mesmo. Se tiver de fazer-se alguma operação, ela deve ser realizada pelo próprio Deus.

Entretanto, terminemos a nossa história. Aos dez anos de idade eu vim para este país (os Estados Unidos da América) e depois de alguns anos decidi estudar para o ministério. Isto envolvia treinamento preliminar numa escola preparatória e num colégio cristão. Todos os meus professores se comprometeram a ensinar partindo do ponto de vista cristão. Imagine, não só ensinando religião, mas, também, álgebra do ponto de vista cristão! Mas eles fizeram-no. Diziam-nos que todos os factos, em todas as suas relações, quer os numéricos assim como aqueles que não o são, são o que são devido ao plano todo pormenorizado de Deus, a respeito deles. Assim, as próprias definições das coisas não estariam meramente incompletas mas basicamente erróneas se Deus é omitido no contexto. Não nos foi ensinado o que os outros crêem? Não ouvimos nós falar da evolução e sobre Emmanuel Kant, o grande filósofo moderno que mostrou conclusivamente que todos os argumentos a favor da existência de Deus eram inválidos? Oh sim, nós ouvimos falar de todas estas coisas, mas eram-nos oferecidas-se refutações, e estas refutações pareciam adequadas para cada caso.

Nos seminários que frequentei, ou seja Calvin e Princeton -antes da sua reorganização em direção ao semi-modernismo, em 1929-, a situação era similar. Assim, por exemplo, o Dr. Roberto Dick Wilson dizia-nos, e até onde podíamos entender os idiomas, mostrava-nos pelos documentos, que os "altos críticos" não tinham obtido nada que pudesse danificar a nossa fé infantil no AntiguoTestamento como a Palavra de Deus. Similarmente, o Dr. J. Gresham Machen e outros demonstraram que o Cristianismo do Novo Testamento era intelectualmente defensável e que a Bíblia estava correta nas suas afirmações. Você pode julgar os seus argumentos lendo-os por si mesmo. Para abreviar, escutei os temas do Cristianismo histórico e a doutrina de Deus sobre a qual edificaram muitas vezes aqueles que nela creram e que melhor puderam interpretar o seu significado.

Espero que o relato desta breve biografia tenha ajudado a tornar simples e clara a pergunta principal. Já sabe claramente de que classe de Deus lhe estou falando. Se o meu Deus existe, foi Ele quem guiou os meus pais e professores. Foi Ele que acondicionou a todos os que me acondicionaram na minha vida de criança. Mas além disso, foi Ele quem acondicionou tudo o que o acondicionou a si durante a sua vida de criança. Deus, o Deus do Cristianismo, é Aquele que nos acondiciona a todos!

Como o Acondicionador de todos, Deus é o todo-consciente. Um Deus que controla todas as coisas deve controlar "pelo conselho da Sua vontade". Se não fosse assim, Ele também seria produto de acondicionamento. Então, eu sustento que a minha crença nEle e sua incredulidade não têm sentido se não fosse por Ele.

Por esta altura você provavelmente estar-se-á interrogando se eu ouvi as objeções que se têm levantado contra a crença em semelhante Deus. Bom, penso que as ouvi. Eu ouvi-as dos meus professores que, além disso, tentaram dar-lhes respostas. Também as ouvi de professores que criam que não se lhes podiam responder. Enquanto estudava no Seminário de Princeton, assisti aos cursos de verão na Escola de Divindade de Chicago. Naturalmente, ouvi uma completa exposição do ponto de vista moderno-liberal a respeito da Escritura. Depois de me haver graduado no Seminário (Chicago) passei dois anos na Universidade Princeton estudando filosofia numa pós graduação. Ali, as teorias de filosofia moderna eram expostas e defendidas por homens muito capazes. Para abreviar, foi-me apresentado um repertório completo, de razões tanto para não crer, como de razões para crer. Ouvi ambos os lados da boca daqueles que tinham convicção do que ensinavam.

Possivelmente você não pode entender como alguém inteiramente familiarizado com os fatos e argumentos apresentados pela ciência e pela filosofia moderna pode crer num Deus que realmente criou o mundo, que realmente dirige todas as coisas no mundo com um plano que inclui os fins que Ele estabeleceu para elas. Bem, eu sou somente um dos muitos que sustentam a antiga fé em vista do exposto pela ciência, pela filosofia e pela crítica bíblica moderna.

Obviamente que posso não entrar numa discussão sobre todos os factos e todas as razões apresentadas contra a crença em Deus. Há aqueles que têm feito do Antigo Testamento, como outros do Novo Testamento, o estudo de toda a sua vida. São os seus trabalhos aqueles que você deve consultar para a refutação pormenorizada da crítica bíblica. Outros se especializaram em física e biologia. A eles devo referi-los para uma discussão dos muitos pontos relacionados com outros temas como a teoria da evolução. Mas há algo que serve de base a todas estas discussões.

É com isso que desejo tratar agora. Você pode pensar que eu me tenho exposto terrivelmente. Em lugar de falar sobre Deus como algo vago e indefinido, à maneira do modernista, dos seguidores de Barth e do místico - um deus tão vazio e remoto da experiência que não demanda nada dos homens- eu vim com a ideia de Deus com ciência "obsoleta" e lógica contraditória. Afigura-se como se eu houvesse juntado insulto a dano apresentando a classe mais inaceitável de Deus que eu pudesse encontrar. Há-de ser muito fácil para você rebentar a minha bolha. Possivelmente está preparado para amontoar sobre a minha cabeça uma quantidade de factos tirados dos livros de física, de biologia, de antropologia, e da psicologia, ou vai esmagar-me com tanques de sessenta toneladas tirados do famoso livro de Kant, “A Crítica da Razão Pura.” Mas já muitas vezes estive sob tais duches quentes. Antes de que você se incomode em abrir a chave de novo, há um ponto preliminar que eu quero trazer para a colação. Já me referi a ele quando discutimos o assunto do método de exame ou da norma de avaliação. O ponto é o seguinte. Já que não crê em Deus, você não crê que é criatura de Deus. Pela mesma razão, você não pensa que o universo foi criado por Deus.

Isto é, você pensa que você e o mundo existem simplesmente. Agora, se você realmente é criatura de Deus, então a sua presente atitude é muito injusta para com Ele. Nesse caso é, inclusive, um insulto para Ele. E posto que insultou a Deus, a Sua irritação está sobre você. Deus e você "não se falam." E você tem muito boas razões para tentar demonstrar que Ele não existe. Se Ele existe, Ele o castigará pelo seu descuido acerca dEle. Por conseguinte, é como se você tivesse lentes coloridos. E isto determina tudo o que você diz sobre os factos e as razões para não crer nEle. É como se você tivesse entrado sem permissão na propriedade de Deus para fazer um piquenique campestre e casar-se. Você tomou as uvas da vinha de Deus sem Lhe pagar e insultou os Seus representantes e cobradores.

Devo desculpar-me de você neste momento. Muitos dos que crêem em Deus, nem sempre esclarecemos este ponto. Muito frequentemente falamos com você a respeito dos factos e de bons raciocínios como se estivéssemos de acordo com você no que realmente são estas entidades. Em nossos argumentos a favor da existência de Deus, frequentemente damos por provado que você e nós temos uma área de conhecimento em comum. Mas na verdade nós não concedemos que você veja nenhum facto, em qualquer dimensão da vida que seja, de maneira correta. Nós realmente pensamos que você tem lentes coloridos no seu nariz tanto quando fala sobre os frangos e as vacas, como quando fala sobre a vida vindoura. Devemos dizer-lhe isto mais claramente do que já o havemos dito.

Mas nós realmente estávamos um pouco envergonhados de que esta nossa crença lhe parecesse extrema ou retorcida. Nós estávamos tão ansiosos para não o ofender, por outro lado, ofendemos o nosso próprio Deus. Mas já não nos atrevemos a apresentar-lhe o nosso Deus mais pequeno ou menos exigente do que Ele realmente é. Ele quer ser apresentado como o Todo-acondicionador, como a base na qual até aqueles que O negam devem estar apoiados.

Agora, ao apresentar-me todas as suas razões, você assumiu que semelhante Deus não existe. Você deu por provado de que não necessita de base alguma fora de si mesmo. Assumiu a autonomia da sua própria experiência. Por conseguinte, você não é capaz, isto é, não deseja aceitar como possível, nenhum facto que desafie a sua auto-suficiência. Está obrigado a ter como contraditório tudo aquilo que não se conforme com o seu discernimento intelectual. Você recorda o que Procrusto antigamente fez, usando a sua cama como medida. Se os seus visitantes eram muito compridos, ele cortava-lhes umas fatias de cada extremo; se eles eram muito curtos, ele usava o pau esticador da cortina com eles- para esticá-los. É essa classe de coisa que eu sinto que você tem feito com cada facto da experiência humana. E peço-lhe que seja crítico da sua mais básica pressuposição. Não iria você ao porão de sua própria experiência para ver o que esteve recolhendo ali enquanto estava ocupado aqui e acolá com a inspeção superficial da vida?

Poderia surpreender-se muito com o que encontre.

Para esclarecer o que quero dizer, ilustrarei o que hei dito, assinalando como os filósofos e os cientistas modernos manejam os factos e doutrinas do Cristianismo.

Básica com todos os factos e doutrinas do Cristianismo, e por conseguinte relacionado com a crença em Deus, é a doutrina da criação. Agora, os filósofos e cientistas modernos, em conjunto, dizem que sustentar semelhante doutrina ou crer em semelhante facto é negar a nossa própria experiência. Eles não dizem meramente isto no sentido de que ninguém estava no momento da criação para vê-la ser feita, mas no sentido mais básico, que é logicamente impossível. Eles afirmam que violaria as leis fundamentais da lógica.

O argumento atual contra a doutrina da criação deriva de Kant. Pode expressar-se adequadamente nas palavras de um filósofo mais recente, Jaime Ward: "Se tentamos conceber a Deus além do mundo, não há nada que O relacione com a criação." Isto quer dizer, se Deus há-de ser conectado com o universo de algum modo, Ele deve estar sujeito às condições e leis do universo. A doutrina mais tradicional da criação diz que Deus causou a existência do mundo.

Mas o que queremos dizer nós com a palavra "causa"? Na nossa experiência, esta é a palavra mais logicamente correlativa à palavra "efeito". Se existir um dado efeito deve haver uma causa [correspondente], e se houver uma causa deve haver um efeito. Se Deus causou [criou] o mundo, deve ter sido, por conseguinte, porque Deus não podia senão produzir [necessariamente] um efeito. E assim, o efeito, pode dizer-se, é realmente a causa da Causa.

A nossa experiência, então, não permite a existência de um Deus que não dependa do mundo tanto como o mundo depende dEle.

O Deus do Cristianismo não reúne os requisitos que o homem autónomo demanda dEle. Deus afirma ser todo-suficiente. Ele afirma ter criado o mundo, não da necessidade, mas sim do Seu livre-arbítrio. Ele afirma não ter mudado em nada quando Ele criou o mundo. Deve dizer-se, por conseguinte, que a Sua existência é impossível e deve dizer-se que a doutrina da criação é um absurdo.

Também se diz que a doutrina da providência entra em conflito com a experiência. Isto não é senão natural. Aquele que rejeita a criação deve também logicamente rejeitar a providência. Se todas as coisas são controladas pela providência de Deus, dizem-nos, não pode haver nada novo, e a história não é senão um baile de títeres.

Você vê então que eu poderia apresentar-lhe um grande número de factos para demonstrar a existência de Deus. Poderia dizer que cada efeito necessita de uma causa. Eu poderia aludir à estrutura maravilhosa do olho como evidência do propósito de Deus na natureza. Eu poderia trazer para a memória a história da humanidade e mostrar que foi dirigida e controlada por Deus.

Mas nenhuma destas evidências o afetaria. Você simplesmente diria que não importa de que maneira nós expliquemos [interpretemos] a realidade, nós não podemos introduzir a Deus nela. Causa e propósito, diz você, são palavras que nós, os seres humanos, usamos a respeito das coisas ao nosso redor porque elas parecem atuar como nós atuamos, mas não podemos ir mais longe.

E, quando as evidências a favor do próprio Cristianismo são apresentadas, o procedimento é o mesmo. Se eu lhe assinalar que se cumpriram as profecias da Escritura, você responde que é bastante natural que se apresente dessa maneira para mim e para outros, mas que na verdade é impossível que alguma mente possa predizer o futuro. Se fosse possível, tudo estaria fixado já, e a história não teria nem novidade nem liberdade.

Então se eu enfocar os muitos milagres, uma vez mais, a história é a mesma. Para ilustrar este ponto cito do finado Dr. Guillermo Adams Brown, excelente teólogo modernista.

"Tome qualquer dos milagres do passado," diz Brown, "o nascimento virginal, a ressurreição de Lázaro, a ressurreição de Jesus Cristo. Suponha que pode demonstrar que estes eventos passaram assim como eles se afirmam ter passado. O que obteve você? Você mostrou que a nossa concepção dos limites do possível precisa ser ampliada; que as nossas generalizações anteriores eram muito limitadas e necessitam de revisão; que os problemas se acumulam em torno da origem da vida e do seu sustento, dos quais não nos tínhamos precavido. Mas há uma coisa que você não mostrou, que de facto você não pode mostrar -que um milagre aconteceu; mas isso é confessar que estes problemas são inerentemente insolúveis, que não podem determinar-se até que todos os estudos pertinentes e necessários se tenham realizado." Você vê com que resolução Brown usa as armas da impossibilidade lógica contra a ideia do milagroso. Muitos dos passados críticos da Escritura desafiaram a evidência a favor dos milagres neste ou noutros pontos similares. Eles fizeram, como se fora, uma lenta e gradual invasão do "país dos Cristãos." Brown, por outro lado, resolve o assunto em seguida com uma miríade de Stukas no céu. Qualquer fortim que ele não pudesse destruir imediatamente, varrê-lo-ia depois. Primeiro ele procura conseguir mando rápido de todo o terreno. Ele obtém isto aplicando diretamente a lei da não-contradição. Só é possível, diz Brown, aquilo que eu posso mostrar ser relacionado logicamente segundo as minhas leis de lógica. Então, se os milagres querem ter amparo científico, isto é, ser reconhecidos como factos genuínos, devem solicitar admissão no porto de entrada do continente científico.

E a admissão lhes outorgará logo que eles se submetam ao estreito processo de generalização que os priva da sua singularidade ou aspeto extraordinário. Os milagres devem apresentar documentos de “naturalização” [de naturalismo, perder o extraordinário] se eles desejam votar na república da ciência.

Tome os quatro pontos que eu recentemente tenho mencionado —criação, providência, profecia e milagres. Juntos, eles representam o todo do teísmo cristão. Juntos, eles incluem o que está explícito na ideia de Deus e o que Ele tem feito em torno e a favor de nós. Muitas vezes e de distintas maneiras, a evidência para tudo isto foi apresentada. Mas você tem sempre a resposta disponível e eficaz à mão. É impossível! É impossível! Básico a todas as objeções que o filósofo e cientista médio levantam contra a evidência a favor da existência de Deus, é a asserção ou o encargo de que aceitar tal evidência seria violar as regras da lógica.

Agora, antes que eu broque no nervo do assunto, eu devo desculpar-me de novo. O facto de que se tenham exposto tantas pessoas a uma exposição plena da evidência a favor da existência de Deus, e que ainda não crêem nEle, tem descorçoado muitíssimo aqueles que crêem. Por conseguinte adotamos medidas de desesperação. Ansiosos de ganhar a boa vontade, nós comprometemos o nosso Deus de novo. Notando o facto de que os homens não vêem, nós temos concedido que o que eles têm de ver é difícil de ver. Na nossa grande preocupação para ganhar os homens, nós permitimos que a evidência para a existência de Deus só seja muito provável. E dessa confissão fatal nós fomos um passo mais longe, ao ponto de admitir ou de praticamente admitir que realmente essa evidência não é concludente, em absoluto. Assim nos retiramos para o testemunho em lugar do argumento.

Depois de tudo, nós dizemos, Deus não se encontra no final de um argumento. Ele encontra-Se em nossos corações. É assim que nós simplesmente testificamos aos homens que uma vez estávamos mortos, e agora vivemos, que fomos cegos, e que agora vemos, e rendemos todo o argumento intelectual.

Supõe você que o nosso Deus aprova esta atitude de Seus seguidores? Não creio. O Deus que exige haver feito todos os factos e ter posto a Sua imagem neles não concederá que haja realmente alguma desculpa para aqueles que se negam a ver. Além disso, tal procedimento é suicida.

Vejamos o que o moderno psicólogo de religião, baseado na mesma base do filósofo, fará ao nosso testemunho. Ele faz uma distinção entre o dado bruto e a causa do tal dado, dando-me a mim o dado bruto e guardando para ele, a explicação da causa do dado. O professor Jaime H. Leuba, grande psicólogo de Bryn Mawr, tem um procedimento muito típico. Ele diz, "A realidade de qualquer dado — de uma experiência imediata no sentido em que o termo se usa aqui, não pode impugnar-se: quando eu me sinto com frio ou calor, triste ou alegre, desanimado ou seguro, eu tenho frio, estou triste, descorçoado, etc., e qualquer argumento que possa ser avançado para demonstrar que eu não tenho frio é, pela natureza do caso, invertido; uma experiência imediata não pode controverter-se; não se pode equivocar." Tudo isto, na superfície, parece ser muito animador. O imigrante tem esperança de uma admissão rápida. Entretanto, a Ilha Ellis ainda deve ser passada de longe. "Mas se os dados crus da experiência não estão sujeitos à crítica, as causas atribuídas a eles, sim, estão-no. Se eu digo que a minha sensação de frio é devido a uma janela aberta, ou o meu estado de exultação é causado por uma droga, ou que a minha coragem renovada é induzido por Deus, a minha afirmação vai além de minha experiência imediata; eu tenho-lhe atribuído uma causa, e essa causa pode ser correta ou não." E assim o imigrante deve esperar na Ilha Ellis um milhão de anos. Quer dizer, como crente em Deus por meio de Cristo, afirmo que nasci de novo pela ação do Espírito Santo. O psicólogo diz que esse é um dado cru da experiência e como tal, incontrovertível. Nós não o negamos, diz ele. Mas não significa nada para nós. Se você quiser que signifique algo para nós deve atribuir uma causa à sua experiência. Depois nós examinaremos a causa que você assinale. A sua experiência pôde ter sido causada pelo ópio ou por Deus. Você diz que por Deus. Mas isto, dizem estes psicólogos, é impossível, posto que a filosofia demonstrou que é logicamente contraditório crer em Deus. Você pode regressar, tão depressa mude de opinião sobre a causa da sua regeneração. Nós nos alegraremos de o ter e lhe dar as boas-vindas como cidadão do nosso reino, se somente você apresentar os seus documentos de naturalização!

Se eu o tenho ofendido há sido porque não me atrevo, inclusive no interesse de ganhá-lo, a ofender o meu Deus. E se eu não o ofendi então não falei do meu Deus. Posto que o que você realmente tem feito no seu manejo da evidência a favor da crença em Deus é ficar você como Deus. Você tem feito do limite do seu intelecto a norma do que é possível ou impossível. Dessa maneira, há praticamente determinado que nunca encontrará um facto que aponte para Deus. Os factos, para ter amparo científico e filosófico—praticamente devem ter o seu selo de criador em vez do de Deus.

É óbvio que compreendo muito bem que você não pretende ser o criador das sequóias e dos elefantes. Mas você praticamente afirma que essas sequóias e esses elefantes não podem ser criação de Deus. Você ouviu falar do homem que nunca quis ver ou converter-se numa vaca purpúrea. Da mesma maneira, você tem praticamente determinado que nunca verá ou que você mesmo não é um ato de criação divina. Com o senhor Arturo Eddington você diz, com efeito, que "o que a minha rede não pode apanhar não é peixe". Eu não pretendo, certamente, uma vez que tenha sido confrontado com a sua verdadeira situação, que você mude de atitude. Da mesma maneira que o etíope não pode mudar a sua pele ou o leopardo as suas manchas, você não pode mudar a sua própria atitude. Você tem cimentado as suas lentes coloridos tão firmemente na sua cara que não pode tirá-las, nem sequer quando dorme. Freud não teve nem indícios de como a maldade do pecado controla o coração humano. Só o grande Médico mediante a expiação com o Seu sangue na cruz e pela dádiva do Seu Espírito pode tirar-lhe esses lentes coloridos e fazê-lo ver os fatos como eles são - como evidência inexorável da existência de Deus.

Deve ficar bastante claro para você em que classe de Deus eu creio. Ele é Deus, o Todo-acondicionador. É o Deus que criou todas as coisas, que por Sua providência acondicionou a minha adolescência, fazendo-me crer nEle; e quem na minha vida posterior me seguiu fazendo-me querer crer nEle. É o Deus que também controlou a sua juventude e que até agora não lhe deu, ao parecer, a Sua graça para que você possa crer nEle.

Você pode responder a isto: “Então que tem de útil o argumentar e raciocinar comigo?” Bem, há muita utilidade nisso. Como verá, se você realmente é uma criatura de Deus, você sempre está acessível a Ele. Quando Lázaro estava no sepulcro, ele ainda estava acessível a Cristo que o voltou a chamar à vida. É disto que os verdadeiros pregadores dependem. O filho pródigo pensava que ele tinha escapado totalmente da influência do pai.

Na verdade, o pai controlava o "país longínquo" para onde o pródigo tinha partido. O mesmo é no raciocinar. O verdadeiro raciocínio sobre Deus está fundamentado em Deus mesmo como a base que de maneira exclusiva dá significado a qualquer classe de argumento humano. E tal raciocínio, temos o direito a esperar, será usado por Deus para desfazer a carruagem de um cavalo da autonomia humana. No profundo do seu coração, você sabe que o que eu tenho dito é verdade. Você sabe que não há unidade na sua vida. Você não quer nenhum Deus que por Seu conselho proveja a unidade que você necessita. Semelhante Deus, você diz, não permitiria nada de novo. Assim que você mesmo proporciona a sua própria unidade. Mas esta unidade, por sua própria definição, tem de preservar aquilo que é totalmente novo. O que realmente significa é que deve estar por cima do novo sem nunca o tocar, em absoluto.

Pela sua lógica você fala sobre o possível e o impossível, mas tudo este bate-papo fica no ar. Nunca pode ter nada que ver com a realidade. A sua lógica pretende tratar com matérias eternas e imutáveis; e os seus factos ou dados são de tudo cambiantes; e "nunca hão-de encontrar-se ambos." Assim você tem feito da sua própria experiência uma coisa sem sentido. Por outro lado, pela minha crença em Deus eu tenho unidade na minha experiência. Não, é obvio, a classe de unidade que você quer. Não uma unidade que é o resultado da minha própria determinação autónoma do que é possível. Mas uma unidade que é mais alta do que a minha e que antecede a minha. Sobre a base do conselho de Deus eu posso procurar factos ou dados e posso encontrá-los sem os destruir de antemão. Sobre a base do conselho de Deus eu posso ser um bom físico, biólogo, psicólogo ou filósofo. Em todos estes campos eu uso a minha capacidade de acerto lógico para ver tanta ordem no universo de Deus como pode outorgar-se a uma criatura para que ela veja. As unidades ou sistemas que eu construo são verdadeiros porque eles são indicadores genuínos da unidade básica ou original que se encontra no conselho de Deus. Olhando ao meu redor, vejo os dois: a ordem e a desordem, em cada dimensão de vida.

Mas eu vejo ambos à luz do Grande Ordenador que está por detrás e como respaldo deles. Eu não preciso negar nenhum deles em favor do otimismo ou em favor do pessimismo. Eu vejo os grandes homens da biologia que investigam diligentemente colinas e vales para demonstrar que a doutrina da criação não é verdade acerca do corpo humano, só para se voltar e admitir que o elo perdido ainda continua perdido. Eu vejo os grandes da psicologia procurar profundamente e longinquamente no subconsciente, a consciência do menino e do animal, para demonstrar que a criação e a doutrina da providência não são verdade acerca da alma humana, só para se voltar e admitir que o golfo entre o humano e a inteligência animal é tão grande como nunca. Eu vejo os grandes da lógica e da metodologia científica procurar profundamente no transcendental por uma validez que não seja varrida pela maré perpetuamente cambiante do totalmente novo, só para se voltar e dizer que eles não podem encontrar nenhuma ponte que cruze da lógica à realidade, ou da realidade à lógica. E até encontro todos estes, parados de cabeça, reportando muito que é verdade. Eu só preciso de voltear os seus informes de cabeça para cima, fazendo de Deus, em vez do homem, o centro de tudo, e imediatamente tenho diante de mim um maravilhoso desdobramento dos factos como Deus tem intencionado que eu os veja.

A minha unidade é bastante pormenorizada para incluir os esforços daqueles que a rejeitam, suficientemente extensa para incluir aquilo que até aqueles que foram postos de cabeça para cima pela regeneração não podem ver. A minha unidade é a do menino que atravessa o bosque com seu pai. O menino não tem medo porque seu pai conhece tudo e é capaz de dominar qualquer situação que se presente. Não obstante, concedo que há algumas "dificuldades" acerca da crença em Deus e da Sua revelação na natureza e na Escritura que eu não posso resolver. De facto, há mistério em todas as relações de todos os factos que me rodeiam, posto que todos os factos têm a sua explicação final em Deus cujos pensamentos são mais altos do que meus pensamentos, e cujos caminhos são mais altos do que meus caminhos. E é exatamente essa classe de Deus que eu necessito. Sem semelhante Deus, sem o Deus da Bíblia, o Deus de autoridade, o Deus que só Ele é exaustivamente auto consciente de Si mesmo, e por conseguinte incompreensível para os homens, não haveria razão de ser para o que existe. Nenhum ser humano pode explicar de maneira absolutamente transparente todas as coisas, mas somente aquele que crê em Deus tem direito a sustentar que as coisas existentes têm alguma explicação.

Dá-se conta então que quando eu era jovem fui acondicionado por todos lados; eu não podia evitar crer em Deus. Agora que sou mais velho, ainda não posso evitar crer em Deus. Agora creio em Deus porque a menos que eu o pressuponha como o Todo-Acondicionador, a vida seria um caos.

Eu sei que não está no meu poder convertê-lo ao terminar a minha argumentação. Embora pense que o meu argumento é poderoso. Sustento que a crença em Deus não é meramente tão razoável como outras crenças; não é um pouco mais provável, ou imensamente mais provável, que a incredulidade. Sustento antes que a menos que você creia em Deus você não pode crer logicamente em nada, em absoluto. Sei que você pode, para satisfação própria e com a ajuda dos biólogos, dos psicólogos, dos lógicos, e dos críticos da Bíblia, reduzir tudo o que hei dito ao desvario circular de um autoritário desesperado. Bem, os meus desvarios foram, de facto, circulares; eles têm feito que tudo circule sobre Deus. Agora deixá-lo-ei com Ele e com a Sua misericórdia.

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Cornelius Van Til (3 de maio de 1895 – 17 de abril de 1987), nascido em Grootegast, na Holanda, foi um filósofo cristão, apologista pressuposicional e teólogo reformado.

 fonte: http://www.iglesiareformada.com/Van_Til_Porque_Creo.html



Tradução de Carlos António da Rocha

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