… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

quarta-feira, 3 de maio de 2017

A Santidade




J. N. Darby

A Santidade

“Como é santo aquele que vos chamou, sede vós, também, santos, em toda a vossa maneira de viver; Porquanto está escrito: Sede santos, porque eu sou santo.” (1Pd 1:15-16, ARC, Pt)

“PORTANTO nós, também, pois que estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas, deixemos todo o embaraço, e o pecado, que tão de perto nos rodeia, e corramos, com paciência, a carreira que nos está proposta, Olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual, pelo gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz, desprezando a afronta, e assentou-se à dextra do trono de Deus. Considerai, pois, aquele que suportou tais contradições dos pecadores contra si mesmo, para que não enfraqueçais, desfalecendo em vossos ânimos. Ainda não resististes até ao sangue, combatendo contra o pecado, E já vos esquecestes da exortação que argumenta convosco como filhos: Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, e não desmaies quando, por ele, fores repreendido; Porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe por filho. Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois então bastardos, e não filhos. Além do que tivemos os nossos pais, segundo a carne, para nos corrigirem, e nós os reverenciámos; não nos sujeitaremos, muito mais, ao Pai dos espíritos, para vivermos? Porque aqueles, na verdade, por um pouco de tempo, nos corrigiam, como bem lhes parecia; mas este, para nosso proveito, para sermos participantes da sua santidade. E, na verdade, toda a correção, ao presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas, depois, produz um fruto pacífico de justiça, nos exercitados por ela. Portanto, tornai a levantar as mãos cansadas, e os joelhos desconjuntados. E fazei veredas direitas para os vossos pés, para que o que manqueja se não desvie inteiramente, antes seja sarado. Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor, Tendo cuidado de que ninguém se prive da graça de Deus, e de que nenhuma raiz de amargura, brotando, vos perturbe, e por ela muitos se contaminem. (Hb 12:1-15, ARC, Pt)

No começo deste capítulo achamos duas exortações: não menosprezar a disciplina do Senhor e não desmaiar quando se é repreendido por Ele (v. 5). Duas coisas convergem para constituir a disciplina: a inimizade de Satanás e a bondade de Deus que nos castiga, tal como o vemos no caso do Job. A prova de que a disciplina produziu o seu fruto é que em vez de pensar em nós mesmos, vemos nela a Deus que atua para quebrantar a nossa vontade e alcançar o mal nos nossos corações, com o fim de nos submeter a Ele. Quando a disciplina nos desanima é porque há em nós uma vontade que não quer ser quebrantada; há algo em nós que tem de ser repreendido, e Deus castiga-nos para nosso proveito, porque nos ama e para que participemos da sua santidade.

Deus tem sempre por objeto a nossa comunhão eterna com Ele, enquanto que o objeto da nossa vontade está sempre fixo nas circunstâncias pressentes. Pois bem, se a nossa vontade tem um objeto e a vontade de Deus tem outro, necessariamente haverá uma luta e circunstâncias penosas destinadas aquebrantar-nos.

Amiúde as ideias dos cristãos a respeito da santificação estão muito equivocadas. Quereriam ser mais Santos com o fim de ser mais agradáveis a Deus, quer dizer, referem a si mesmos as suas relações com Deus, enquanto que Deus refere tudo a Si mesmo. A Sua graça atua tanto para nos santificar como para nos justificar.

Na Palavra de Deus, a santificação é atribuída a cada pessoa da Trindade, ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. É atribuída à vontade de Deus (Hb 10:10), e de um modo especial ao Pai (Jo 17:17). Deus tem-Se proposto pôr-nos à parte para Si mesmo. Também somos santificados, apartados para Deus, pelo sangue de Cristo, e neste sentido fala-se da santificação na epístola aos Hebreus (10:10, 29; 13:12). Frequentemente a santificação é-nos apresentada pelo Espírito (2Ts 2:13; 1Pd 1:2; etc.), pois Deus faz tudo por meio do Espírito, quer seja que Se ocupe do caos na terra (Gn 1:2), ou do caos em nossos corações. Deus quer-nos apegar a Cristo pelo Espírito Santo, depois de nos resgatar pelo Seu sangue. Assim, a santificação é fruto da Trindade.

Uma vez separados assim para Deus, o Espírito Santo, que nos dá uma posição de santidade, também nos comunica uma vida. Os afetos do cristão, uma vez purificado pela fé, vêem-se fortemente atraídos para o Senhor Jesus e purificam o coração. Também Hebreus 12:14 nos exorta a seguir a santidade. A vida santa manifesta-se através de toda a espécie de dificuldades; é um exercício de fé, e, quanto ao aspecto prático, o progresso na santificação é levado a cabo, pela fé, contemplando a Jesus, contemplação que purifica o coração ao encher o dEle. Sem a santidade prática ninguém verá o Senhor.

Quer se trate da sã doutrina, quer do amor fraterno, quer da sabedoria do alto, ou de ver o Senhor, estas coisas não se acham a não ser num coração limpo, o único que pode gostar da comunhão atual e prática com Deus.

A santidade é ter parte em algo que está em Deus; a carne não tem parte alguma nisso. A santidade do cristão é nada menos que a santidade de Deus mesmo, e se estamos separados da comunhão com Deus, estamo-lo da fonte da santidade. Este poder acha-se em Deus, e não em nós. Todo aquele que tem a esperança de ser semelhante a Jesus na glória “se purifique a si mesmo, assim como ele é puro” (1Jo 3:3). Todo aquilo que não corresponde a essa pureza não satisfaz a vida de Jesus em nós. Temos essa vida e Jesus está na glória. Nada em nós nos pode fazer felizes salvo o que satisfaz a Jesus no Céu. A carne não pode ter parte nisto.

Precisamos de estar vigilantes, pois tudo o que há no mundo é utilizado por Satanás para nos fazer perder a comunhão com Deus e estorvar a oração que nos põe em contacto direto com Ele. Também precisamos meditar na Palavra pensando no que Jesus é, assim como na Sua glória atual e futura. Só se pode desfrutar disso por meio da meditação. Se estas coisas se acham nas nossas mentes de forma vaga, não é de estranhar que façamos pouco caso delas, e se fazemos pouco caso delas, isso prova que o nosso coração tem pouca capacidade para agarrar o que Deus nos dá. Não é de estranhar, pois, que sejamos débeis.

O caráter e a medida de nossa santidade é a santidade de Deus mesmo. Se, para levá-la a cabo, procuramos algo mais próximo a nós, que é Cristo na glória, e, ao contemplá-Lo, purificamo-nos assim como Ele é puro. Por isso o cristão deve evitar cuidadosamente tudo aquilo que o impede de seguir a santidade, até mesmo coisas que se consideram inocentes, pois nada que desvie da comunhão com Deus é inocente. Quanto ao mais, aplicado às coisas, esse termo não figura na Palavra.

John Nelson Darby (1800-1882)

Tradução de Carlos António da Rocha

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