“Sair com lágrimas e voltar com regozijo” [1]
Sermão
de
Nikolaus Ludwig von Zinzendorf und Pottendorf,
Conde de Zinzendorf [2]
“Aquele que leva a preciosa semente,
andando e chorando, voltará, sem dúvida, com alegria, trazendo consigo
os seus molhos.” (Sl 126:6 , ARC, Pt)
Destas palavras me lembrei hoje ao ler a
"ordem" do dia: ‘O Senhor deu a palavra; grande era o exército
dos que anunciavam as boas-novas.’ (Sl 68:11, ARC, Pt)
‘Adiante, Mahanaim
Não deixeis nenhuma alma.
Adiante, por Jesus, Nosso Deus, nosso
Senhor,
Adiante com ardor, Oh, levai-lhes a luz.’
Não há dúvida de que estas palavras são verdade,
mas teremos que dar alguma explicação sobre o método.
Estamos acostumados a
ver as pessoas boas, honestas, aos entusiastas servos do Senhor saírem com
alegria e voltar com lágrimas, ou sair com ânimo e voltar com dores, irem com o
entusiasmo da fé e voltarem desiludidos.
Não é mau que de vez em quando nos escarmentemos,
para que reconheçamos a nossa pequenez e nos demos conta de que o nosso testemunho
é de maior importância do que aquela que nos afigurávamos. Contudo, é melhor,
se for possível, acostumarmo-nos a partir com lágrimas e a voltar com risos.
Depois de uma experiência semelhante até a nossa
alegria e o nosso sorriso, assim como ainda o aspecto da ferida lateral de
Jesus que se abriu pelo homem que pode provocá-la, serão acompanhadas do
sentido de humilhação pela baixeza e pela pequenez do pecador.
Mas o que mais importa é que vamos à passagem do
citado salmo 126: "Irá andando e chorando o que leva a preciosa semente;
mas voltará a vir com regozijo".
Sem embargo, não importa tanto o
regozijo como a boa fama; o certificado, o atestado que trarão para casa têm
importância; e serão bem-aventurados os que sejam reconhecidos como filhos de
Deus, em cujas frontes se lerá que são servos da Igreja; e bem-aventurados os
que, depois de terem feito o seu caminho cantando os louvores de Deus, voltem
com as provas de ter completado a sua missão na vinha do Senhor e todo mundo
reconhecerá que Deus esteve com eles.
Esta é a bem-aventurança que descreve o salmo, a de
voltar com regozijo, a de ter uma carreira digna de elogio, cheia de bênções,
de maneira que a gente, onde o crente esteve, deva dizer que um dignitário de
Deus morou entre ela.
Sei muito bem, que já que o louvor próprio não é
louvável, que geralmente a comunidade se inteira pouco das proezas e da glória
dos seus irmãos, porque eles mesmos não as querem apregoar por toda a parte.
Mas basta que se saiba algo delas, basta que estejam legitimadas nos corações
da gente aqui na pátria e lá no campo de missão.
Não queria recomendar aos irmãos o "ir
chorando" como método para serem felizes, apesar de que este ser um método
e o Salmo o declare como tal: porque pela graça do nosso Salvador nascemos não
completamente metódicos, nem o empreendemos com ambição, mas pela própria
causa.
Quando vamos chorando, não pensamos em voltar a
regressar, senão unicamente em ir, e choramos porque estamos realmente
perplexos, porque levamos a preciosa semente e temos medo de perdê-la e de
semeá-la em vão, e não sobre o terreno bom, ou de não obter o fim para o qual o
semeador saiu. Hoje em dia, num mundo mais e mais confuso e duro, muitas almas
se encontram num verdadeiro apuro, de maneira que há tanta necessidade de nós,
que poucos nos podem achar de menos. Entretanto, nunca houve semelhante
confusão, iniquidade e instabilidade no nosso ministério como a há agora.
Portanto, temos um motivo bem fundado para sairmos com lágrimas e chorando,
para dirigirmos os nossos olhos ao Salvador, para que cada um pense, ainda que
caminhe com tanta bênção e unção: Quem sou eu? O que tenho de fazer? Qual é o
meu ofício? Qual é o meu fim? Que campo encontrarei e que almas? Que ocasiões e
que dificuldades? Como poderei magoar o meu Senhor? O que farei para acertar,
para não percorrer vertiginosamente toda a criação, à maneira perversa de
Satanás, mas andar como um humilde peregrino?
Dá-me conselho, Tu, Jesus, Filho de Deus, segundo o
Teu coração!
É de proveito quando a comunidade, Kyrie eleis!,
ajuda, também, aos mensageiros que vão e choram, o pensar que saíram de uma
comunidade, que uma comunidade os enviou. Kyrie eleis! O Cordeiro tenha piedade
de ti, pela tua comunidade, pela tua mulher, pelo teu ser inteiro! Pai, tem piedade!
Pai, abre Tu o caminho! Ajuda Tu a perseverar! Tira Tu os obstáculos do nosso
caminho e protege com o exército dos Teus anjos o que é de Teu Filho!
E isto também ajuda: Não penses no nosso afã, mas pensa nas cicatrizes
de Jesus, o qual já não pode ser privado da recompensa do Seu suor de sangue.
Confesso, pois, por uma lado, meus irmãos, que é
importante que vamos; que as nossas saídas e as nossas diversas excursões são
de grande importância; que não é o mesmo ir ou não ir, e que empregamos melhor
o nosso tempo se de vez em quando deitamos um olhar sobre o que acontece no
mundo, nas almas que foram humilhadas e tocadas. Confesso que isto nos traz
mais felicidade do que o estarmos alegremente juntos; temos de aprender a
demonstrar que comemos para poder jejuar, que descansamos para poder levar
cargas e que aprendemos para conhecermos as nossas lições, e logo que se tenha
aceso um fogo de cima, onde o nosso Príncipe esteve sedento, por isso, no tempo
das Suas provas.
Repito que confesso a necessidade, porque a metade
do mundo está ainda em completa escuridão e grande parte das almas realmente estão
agarradas e verdadeiramente impulsionadas em grande dúvida, sob muita pressão e
cargas pesadas e têm de ser regadas, molhadas de vez em quando, se não devem sofrer
de uma secura de morte, de secura de cultivo, de uma secura nociva, de uma
infertilidade; se não devem perecer ou morrer de frio, têm de ser aquecidas e
molhadas de vez em quando.
Isto confesso, isto sinto e comigo o sentem todos
os nossos colaboradores, e o nosso coração muitas vezes nos leva a dizer: Ai,
se tivéssemos um irmão aqui, um irmão acolá! Se pudéssemos dar um relato a
este! Se pudéssemos instruir mais profundamente àqueles nos caminhos de Deus,
ensiná-los mais! Faltam pessoas em todas as partes: a messe é sempre maior do
que o número dos operários.
Mas tal é o mundo atualmente. Que em quase nenhuma
igreja estabelecida se sabe no que se crê, que as pessoas se unem só para obrar
em comum contra o Salvador e Seus fiéis; e por isso não tem havido tempo mais
duro para viver do que o presente e não há caminho mais ditoso do que o caminho
da pobreza. O poder que obra na miséria é incomensurável, também na
peregrinação. Ser pobre e crer nEle e olhar para Ele será o nosso ganho, se
persistirmos e obedecemos continuamente.
E agora, quando sois escoltados por mil anjos, vós
que partis, quando fizerdes o vosso caminho connosco na presença imediata do
Pai: lembrai-vos que o cuidado mínimo que deveis ter é que Satã e o mundo vos
ponham nos seus caminhos, e que o vosso cuidado maior deve ser o de velar sobre
o vosso próprio coração. Deveis estar seguros com que corações ides no caminho,
para que não erreis e saibais o que dizeis e fazeis. O que então investis,
depositai-o sobre terra boa.
Porque nós não somos a gente que deve servir de
juízo aos outros, que deve endurecer os corações dos outros; a este ministério
nós não somos chamados, graças a Deus. Esse ministério o deixamos aos pastores
das Igrejas estabelecidas, aos ministros dedicados. Eles, talvez, terão o
dever: Endurecer o coração deste povo. Mas se o Salvador é benigno para
connosco, não nos imporá esse ministério. Vamos com gozo quando somos chamados,
mas não temos vontade de ir onde não há corações. Dai-nos corações!
A Jesus quero pintar
Morrendo Ele, para pagar
Por nós na cruz.
Levarei o que Ele ganhou
Ao mundo que Ele venceu,
Acendendo-lhe a luz.
Dai-nos corações! Trazei-nos gente que necessite de
um Salvador, que precise de salvação, a quem lhe doa o pecado, a incredulidade,
que anele algo em que crer, a quem poder ater-se, que logo se lançaria nos
braços do Pastor se só soubesse quem é o seu Pastor. Nós sabemos como Ele Se
chama, sabemos instrui-los, temos lugar para eles, e se eles forem frios como o
gelo, aquecer-se-ão, e se forem pedras, far-se-ão vivos e serão postos nos
braços do Pastor.
Isto podemo-lo esperar certamente, se nos
dirigirmos às pessoas adequadas, se podermos deixar descansar o nosso afã
inoportuno. Com todo o ardor da nossa misericórdia temos de esperar até que se
juntem as pessoas, o tempo e os lugares propícios. E tenhamos em conta que o
que fazemos não importa, porque tudo o que fazemos, Ele no-lo dá. O que importa
é que vamos fiel e pontualmente segundo a ordem que nos foi dada em geral ou em
particular.
Temos uma função
necessária: Levamos o Cordeiro aos corações das pessoas; ao Cordeiro cordial,
ao Cordeiro ensanguentado, pintamo-Lo ante os seus olhos até que Se pegue, até
que a vista O capte, até que um coração depois de outro esteja cativo, que não
possa nem queira sair dos vínculos do Salvador. Este é o nosso ministério.
Porque informar às pessoas das Igrejas
estabelecidas, repartir-lhes conhecimentos, corrigi-las nos seus princípios,
não é, propriamente, a nossa tarefa. Antes o que queremos é levar de novo às
pessoas e refrescá-las com a semelhança conhecida de Jesus, a imagem mártir de
Deus, reconhecida por todas as Igrejas cristãs como digna de adoração, como se
tivéssemos visto a Sua crucificação com os nossos olhos; como se O tivéssemos
absorvido e quase retratado na hora em que Ele deu o Seu último suspiro
moribundo. Escutando o Seu último suspiro de agonia deveríamos tê-Lo tão
presente, para que O pudéssemos apresentar tão vivamente, para que se dissesse
na vida comum: Tenho uma impressão tal desta Pessoa, que se soubesse fundir,
pintar ou esculpir, A representaria segundo a vida.
Quem anda entre a gente sem uma impressão
semelhante, assim viva e presente da parte do corpo que será o sinal do Filho,
não é mandado por nós, este enganou-se a si mesmo e a nós. Se disser que é dos
nossos, mente, pelo menos nisto. Não pode ser nosso mensageiro, porque nenhum
dos nossos mensageiros tem mais que a compreensão da Cruz, e esta deve tê-la,
em todo caso. O suor da hora do arrependimento deve ter banhado o irmão no
corpo e na alma, deve ter enchido e tomado tão verdadeiramente todo o seu
coração que o possamos perder entre outras pessoas, sejam mortas ou
preguiçosas, complacentes, inteligentes ou cultos confessores do Salvador. Ele
deve ser um daqueles que meditam tão intimamente, que hão sido levados pela mão
pelo Espírito Santo às Feridas de tal modo, que tenham mamado, comido e bebido
muito de verdade. Devem ter sido de tal maneira mesclados com o corpo e o
sangue de Jesus que se apresentem salpicados, parecendo-se com o corpo do
Cordeiro mártir à vista dos homens. O nosso rosto deve resplandecer de feridas
e das gretas dos espinhos, e as nossas mãos devem parecer ensanguentadas, devem
ter sinais das chagas dos cravos.
Isto, todavia, não deve consistir somente na
imaginação ou num modelo de escultura, numa figura exterior e humana. Mas que a
gente que se relaciona connosco deveria ter a impressão de ver semelhanças
entre o corpo martirizado de Jesus e nós, de ter diante de si representações do
Senhor Jesus, para glorificar a morte do Senhor Jesus nas nossas pessoas. Então
se diria: Levam no seu corpo a toda hora a morte do Senhor Jesus; em qualquer
lugar em que estejam nota-se-lhes que são homens mortos; são homens mortos; são
membros de Jesus; são membros do Cordeiro, gente degolada vê-se nos seus olhos
que têm o olhar quebrado.
Em tal espírito e em tal mente caminhamos com poder
e jorrando sangue: O que se aproxima de nós, toma o aspecto das Feridas, e o
que não se transforma desta maneira, foge diante de nós em todo mundo e não
correremos atrás dele, mas deixá-lo-emos de lado. Mas, não obstante, toda a
força, a graça e a semelhança das Feridas e à figura do Deus crucificado,
devemos conservar uma mente pobre, humilde, que dúvida de si mesmo, da sua
inteligência e da importância do seu posto, humilhada e apurada, que se
interroga: Obterei algo? Acertarei no alvo? Serei exato? Ou ter-me-ei equivocado
em algo?
E isto temos de pensar com tanta cordialidade, com
tanta elasticidade, e com tanta intensidade mental até que os nossos olhos
estejam cheios de verdadeiras lágrimas. Que de cada uma de nossas ações
transcenda esse aspecto colorido e mísero que transforma em ancião ou sacerdote
a todo o mensageiro da comunidade. Então as pessoas pensarão: Este, pois, é um
homem que vai porque deve ir, é um homem com vocação, um que não se pôs a si
mesmo, mas que tem sido ordenado para o ministério.
Se formos com semelhante mentalidade, para nós
muito natural, produzida pelas circunstâncias da nossa vida numa igreja e num
mundo corrompido e embrulhado, não podemos voltar de outra maneira senão com
honra, com a glória da Cruz, segundo as máximas e o plano principal e a lei
fundamental que foi feita na eternidade para as testemunhas. Nossos irmãos nos
receberão como a pessoas que caminharam na graça do Senhor, cujo andar derramou
bênções, e de quem o mundo foi indigno. E estas são as bênções, são a graça e o
testemunho que nos dão crédito na comunidade.
E isto é o que queria dizer aos irmãos, tanto a mim
como a eles, em ocasião da sua saída iminente. Queira o Salvador, na Sua
fidelidade, demonstrar de novo, que os irmãos vêm de um lugar bom, que
estiveram perto da Sua ferida lateral, numa meditação profunda e bendita das
Suas Feridas, que vos foi doce o sangue coagulado dos Seus pés transpassados.
Ele vos conceda que vades com corações fiéis e compartilhai de graça o que de
graça recebestes.
Cheio do Teu Deus
Vai-te após Ele.
Ora, pensa, chora.
Na Sua cruz demora-te,
Onde, pela Sua morte,
Ele mudou a tua sorte.
Cristo, meu Senhor,
Faz por Teu suor
E por Tuas feridas,
Por mim sofridas.
Faz-me companhia
Nesta
vilania.
Fonte: http://www.escriturayverdad.cl/EXHORTACION/Lagrimas%20Y%20Regocijo.pdf
[1]
Sermão pregado pelo Conde de Zinzendorf, em Marienborn, em 31 de janeiro
de 1745, na ocasião da despedida a um grupo de missionários aos pagãos e a outros
mensageiros. Publicação obtida da revista “El Predicador
Evangélico”, Volumen XIII, Nº 50, 1955.
[2] Nikolaus
Ludwig von Zinzendorf und Pottendorf, Conde de Zinzendorf, nasceu em
Dresden, em 26 de maio de 1700. Foi criado sob influências pietistas, e já na
sua adolescência a sua religiosidade se caracterizava por dois traços
principais: apaixonada devoção a Cristo e a convicção de que só se conhece Deus
como Cristo, pelo menos no cristianismo. Em 1722 deu albergue nas suas terras
de Berthelsdorf a uma comunidade de moravos de fala alemã, que fugiam da
perseguição na Boémia. A nova comunidade chamou-se Herrnhut e sob a supervisão
do Conde de Zinzendorf, chegou a organizar-se segundo regras muito estritas,
sujeitando toda a vida comunal ao interesse eclesiástico, como um grupo
afastado do mundo, mas disposto a ir a qualquer parte no serviço de Cristo. Ali
nasceu o movimento que assinala o começo das missões cristãs modernas.
"Não é coisa fácil, achar entre a enorme quantidade de discursos e sermões
do Conde de Zinzendorf, —diz o arquivista da comunidade morava de Herrnhut, em
resposta ao pedido que lhe formulou o nosso colaborador, o pastor R.
Obermüller— um exemplo clássico de sermão missionário. Os sermões (que na sua
maior parte não foram impressos) têm um texto, mas muitas vezes só têm um
epígrafe ou um tema. Além disso, o sermão missionário, tal como hoje o
entendemos, é um produto do século XIX. Nos tempos de Zinzendorf não era
conhecido nessa forma. Às vezes, será difícil para um leitor moderno entender o
pensamento e o vocabulário de Zinzendorf, que são muito particulares. Ele usa
de uma maneira abundante latinismos e galicismos, e expressões holandesas.
O sermão que devemos à gentileza do
mencionado arquivista, e cuja tradução agradecemos à senhora Aia V. de Soggin
(para o castelhano), está reproduzido na impressão original editada pelo
próprio Conde de Zinzendorf, sob o Nº 10, nas "Trinta e duas conversas homiléticas
ou para a comunidade nos anos de 1744-46".
Tradução de Carlos
António da Rocha
****
Esta tradução é de
livre utilização, desde que a sua ortografia seja respeitada na íntegra porque
já está traduzida no Português do Novo Acordo Ortográfico e que não seja nunca
publicada nem utilizada para fins comerciais; seja utilizada exclusivamente
para uso e desfruto pessoal.
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