… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

quarta-feira, 17 de maio de 2017

"SAIR COM LÁGRIMAS E VOLTAR COM REGOZIJO" Sermão (inédito em português) de Nikolaus Ludwig von Zinzendorf und Pottendorf, Conde de Zinzendorf



“Sair com lágrimas e voltar com regozijo” [1]
Sermão

de
Nikolaus Ludwig von Zinzendorf und Pottendorf, 
Conde de Zinzendorf [2]



“Aquele que leva a preciosa semente, andando e chorando, voltará, sem dúvida, com alegria, trazendo consigo os seus molhos.” (Sl 126:6 , ARC, Pt)

Destas palavras me lembrei hoje ao ler a "ordem" do dia: ‘O Senhor deu a palavra; grande era o exército dos que anunciavam as boas-novas.’ (Sl 68:11, ARC, Pt)

‘Adiante, Mahanaim
Não deixeis nenhuma alma.
Adiante, por Jesus, Nosso Deus, nosso Senhor,
Adiante com ardor, Oh, levai-lhes a luz.’

Não há dúvida de que estas palavras são verdade, mas teremos que dar alguma explicação sobre o método.

Estamos acostumados a ver as pessoas boas, honestas, aos entusiastas servos do Senhor saírem com alegria e voltar com lágrimas, ou sair com ânimo e voltar com dores, irem com o entusiasmo da fé e voltarem desiludidos.

Não é mau que de vez em quando nos escarmentemos, para que reconheçamos a nossa pequenez e nos demos conta de que o nosso testemunho é de maior importância do que aquela que nos afigurávamos. Contudo, é melhor, se for possível, acostumarmo-nos a partir com lágrimas e a voltar com risos.

Depois de uma experiência semelhante até a nossa alegria e o nosso sorriso, assim como ainda o aspecto da ferida lateral de Jesus que se abriu pelo homem que pode provocá-la, serão acompanhadas do sentido de humilhação pela baixeza e pela pequenez do pecador.

Mas o que mais importa é que vamos à passagem do citado salmo 126: "Irá andando e chorando o que leva a preciosa semente; mas voltará a vir com regozijo".

Sem embargo, não importa tanto o regozijo como a boa fama; o certificado, o atestado que trarão para casa têm importância; e serão bem-aventurados os que sejam reconhecidos como filhos de Deus, em cujas frontes se lerá que são servos da Igreja; e bem-aventurados os que, depois de terem feito o seu caminho cantando os louvores de Deus, voltem com as provas de ter completado a sua missão na vinha do Senhor e todo mundo reconhecerá que Deus esteve com eles.

Esta é a bem-aventurança que descreve o salmo, a de voltar com regozijo, a de ter uma carreira digna de elogio, cheia de bênções, de maneira que a gente, onde o crente esteve, deva dizer que um dignitário de Deus morou entre ela.

Sei muito bem, que já que o louvor próprio não é louvável, que geralmente a comunidade se inteira pouco das proezas e da glória dos seus irmãos, porque eles mesmos não as querem apregoar por toda a parte. Mas basta que se saiba algo delas, basta que estejam legitimadas nos corações da gente aqui na pátria e lá no campo de missão.

Não queria recomendar aos irmãos o "ir chorando" como método para serem felizes, apesar de que este ser um método e o Salmo o declare como tal: porque pela graça do nosso Salvador nascemos não completamente metódicos, nem o empreendemos com ambição, mas pela própria causa.

Quando vamos chorando, não pensamos em voltar a regressar, senão unicamente em ir, e choramos porque estamos realmente perplexos, porque levamos a preciosa semente e temos medo de perdê-la e de semeá-la em vão, e não sobre o terreno bom, ou de não obter o fim para o qual o semeador saiu. Hoje em dia, num mundo mais e mais confuso e duro, muitas almas se encontram num verdadeiro apuro, de maneira que há tanta necessidade de nós, que poucos nos podem achar de menos. Entretanto, nunca houve semelhante confusão, iniquidade e instabilidade no nosso ministério como a há agora. Portanto, temos um motivo bem fundado para sairmos com lágrimas e chorando, para dirigirmos os nossos olhos ao Salvador, para que cada um pense, ainda que caminhe com tanta bênção e unção: Quem sou eu? O que tenho de fazer? Qual é o meu ofício? Qual é o meu fim? Que campo encontrarei e que almas? Que ocasiões e que dificuldades? Como poderei magoar o meu Senhor? O que farei para acertar, para não percorrer vertiginosamente toda a criação, à maneira perversa de Satanás, mas andar como um humilde peregrino?

Dá-me conselho, Tu, Jesus, Filho de Deus, segundo o Teu coração!

É de proveito quando a comunidade, Kyrie eleis!, ajuda, também, aos mensageiros que vão e choram, o pensar que saíram de uma comunidade, que uma comunidade os enviou. Kyrie eleis! O Cordeiro tenha piedade de ti, pela tua comunidade, pela tua mulher, pelo teu ser inteiro! Pai, tem piedade! Pai, abre Tu o caminho! Ajuda Tu a perseverar! Tira Tu os obstáculos do nosso caminho e protege com o exército dos Teus anjos o que é de Teu Filho!

E isto também ajuda: Não penses no nosso afã, mas pensa nas cicatrizes de Jesus, o qual já não pode ser privado da recompensa do Seu suor de sangue.

Confesso, pois, por uma lado, meus irmãos, que é importante que vamos; que as nossas saídas e as nossas diversas excursões são de grande importância; que não é o mesmo ir ou não ir, e que empregamos melhor o nosso tempo se de vez em quando deitamos um olhar sobre o que acontece no mundo, nas almas que foram humilhadas e tocadas. Confesso que isto nos traz mais felicidade do que o estarmos alegremente juntos; temos de aprender a demonstrar que comemos para poder jejuar, que descansamos para poder levar cargas e que aprendemos para conhecermos as nossas lições, e logo que se tenha aceso um fogo de cima, onde o nosso Príncipe esteve sedento, por isso, no tempo das Suas provas.

Repito que confesso a necessidade, porque a metade do mundo está ainda em completa escuridão e grande parte das almas realmente estão agarradas e verdadeiramente impulsionadas em grande dúvida, sob muita pressão e cargas pesadas e têm de ser regadas, molhadas de vez em quando, se não devem sofrer de uma secura de morte, de secura de cultivo, de uma secura nociva, de uma infertilidade; se não devem perecer ou morrer de frio, têm de ser aquecidas e molhadas de vez em quando.

Isto confesso, isto sinto e comigo o sentem todos os nossos colaboradores, e o nosso coração muitas vezes nos leva a dizer: Ai, se tivéssemos um irmão aqui, um irmão acolá! Se pudéssemos dar um relato a este! Se pudéssemos instruir mais profundamente àqueles nos caminhos de Deus, ensiná-los mais! Faltam pessoas em todas as partes: a messe é sempre maior do que o número dos operários.

Mas tal é o mundo atualmente. Que em quase nenhuma igreja estabelecida se sabe no que se crê, que as pessoas se unem só para obrar em comum contra o Salvador e Seus fiéis; e por isso não tem havido tempo mais duro para viver do que o presente e não há caminho mais ditoso do que o caminho da pobreza. O poder que obra na miséria é incomensurável, também na peregrinação. Ser pobre e crer nEle e olhar para Ele será o nosso ganho, se persistirmos e obedecemos continuamente.

E agora, quando sois escoltados por mil anjos, vós que partis, quando fizerdes o vosso caminho connosco na presença imediata do Pai: lembrai-vos que o cuidado mínimo que deveis ter é que Satã e o mundo vos ponham nos seus caminhos, e que o vosso cuidado maior deve ser o de velar sobre o vosso próprio coração. Deveis estar seguros com que corações ides no caminho, para que não erreis e saibais o que dizeis e fazeis. O que então investis, depositai-o sobre terra boa.

Porque nós não somos a gente que deve servir de juízo aos outros, que deve endurecer os corações dos outros; a este ministério nós não somos chamados, graças a Deus. Esse ministério o deixamos aos pastores das Igrejas estabelecidas, aos ministros dedicados. Eles, talvez, terão o dever: Endurecer o coração deste povo. Mas se o Salvador é benigno para connosco, não nos imporá esse ministério. Vamos com gozo quando somos chamados, mas não temos vontade de ir onde não há corações. Dai-nos corações!

A Jesus quero pintar
Morrendo Ele, para pagar
Por nós na cruz.
Levarei o que Ele ganhou
Ao mundo que Ele venceu,
Acendendo-lhe a luz.

Dai-nos corações! Trazei-nos gente que necessite de um Salvador, que precise de salvação, a quem lhe doa o pecado, a incredulidade, que anele algo em que crer, a quem poder ater-se, que logo se lançaria nos braços do Pastor se só soubesse quem é o seu Pastor. Nós sabemos como Ele Se chama, sabemos instrui-los, temos lugar para eles, e se eles forem frios como o gelo, aquecer-se-ão, e se forem pedras, far-se-ão vivos e serão postos nos braços do Pastor.

Isto podemo-lo esperar certamente, se nos dirigirmos às pessoas adequadas, se podermos deixar descansar o nosso afã inoportuno. Com todo o ardor da nossa misericórdia temos de esperar até que se juntem as pessoas, o tempo e os lugares propícios. E tenhamos em conta que o que fazemos não importa, porque tudo o que fazemos, Ele no-lo dá. O que importa é que vamos fiel e pontualmente segundo a ordem que nos foi dada em geral ou em particular.

Temos uma função necessária: Levamos o Cordeiro aos corações das pessoas; ao Cordeiro cordial, ao Cordeiro ensanguentado, pintamo-Lo ante os seus olhos até que Se pegue, até que a vista O capte, até que um coração depois de outro esteja cativo, que não possa nem queira sair dos vínculos do Salvador. Este é o nosso ministério.

Porque informar às pessoas das Igrejas estabelecidas, repartir-lhes conhecimentos, corrigi-las nos seus princípios, não é, propriamente, a nossa tarefa. Antes o que queremos é levar de novo às pessoas e refrescá-las com a semelhança conhecida de Jesus, a imagem mártir de Deus, reconhecida por todas as Igrejas cristãs como digna de adoração, como se tivéssemos visto a Sua crucificação com os nossos olhos; como se O tivéssemos absorvido e quase retratado na hora em que Ele deu o Seu último suspiro moribundo. Escutando o Seu último suspiro de agonia deveríamos tê-Lo tão presente, para que O pudéssemos apresentar tão vivamente, para que se dissesse na vida comum: Tenho uma impressão tal desta Pessoa, que se soubesse fundir, pintar ou esculpir, A representaria segundo a vida.

Quem anda entre a gente sem uma impressão semelhante, assim viva e presente da parte do corpo que será o sinal do Filho, não é mandado por nós, este enganou-se a si mesmo e a nós. Se disser que é dos nossos, mente, pelo menos nisto. Não pode ser nosso mensageiro, porque nenhum dos nossos mensageiros tem mais que a compreensão da Cruz, e esta deve tê-la, em todo caso. O suor da hora do arrependimento deve ter banhado o irmão no corpo e na alma, deve ter enchido e tomado tão verdadeiramente todo o seu coração que o possamos perder entre outras pessoas, sejam mortas ou preguiçosas, complacentes, inteligentes ou cultos confessores do Salvador. Ele deve ser um daqueles que meditam tão intimamente, que hão sido levados pela mão pelo Espírito Santo às Feridas de tal modo, que tenham mamado, comido e bebido muito de verdade. Devem ter sido de tal maneira mesclados com o corpo e o sangue de Jesus que se apresentem salpicados, parecendo-se com o corpo do Cordeiro mártir à vista dos homens. O nosso rosto deve resplandecer de feridas e das gretas dos espinhos, e as nossas mãos devem parecer ensanguentadas, devem ter sinais das chagas dos cravos.

Isto, todavia, não deve consistir somente na imaginação ou num modelo de escultura, numa figura exterior e humana. Mas que a gente que se relaciona connosco deveria ter a impressão de ver semelhanças entre o corpo martirizado de Jesus e nós, de ter diante de si representações do Senhor Jesus, para glorificar a morte do Senhor Jesus nas nossas pessoas. Então se diria: Levam no seu corpo a toda hora a morte do Senhor Jesus; em qualquer lugar em que estejam nota-se-lhes que são homens mortos; são homens mortos; são membros de Jesus; são membros do Cordeiro, gente degolada vê-se nos seus olhos que têm o olhar quebrado.

Em tal espírito e em tal mente caminhamos com poder e jorrando sangue: O que se aproxima de nós, toma o aspecto das Feridas, e o que não se transforma desta maneira, foge diante de nós em todo mundo e não correremos atrás dele, mas deixá-lo-emos de lado. Mas, não obstante, toda a força, a graça e a semelhança das Feridas e à figura do Deus crucificado, devemos conservar uma mente pobre, humilde, que dúvida de si mesmo, da sua inteligência e da importância do seu posto, humilhada e apurada, que se interroga: Obterei algo? Acertarei no alvo? Serei exato? Ou ter-me-ei equivocado em algo?

E isto temos de pensar com tanta cordialidade, com tanta elasticidade, e com tanta intensidade mental até que os nossos olhos estejam cheios de verdadeiras lágrimas. Que de cada uma de nossas ações transcenda esse aspecto colorido e mísero que transforma em ancião ou sacerdote a todo o mensageiro da comunidade. Então as pessoas pensarão: Este, pois, é um homem que vai porque deve ir, é um homem com vocação, um que não se pôs a si mesmo, mas que tem sido ordenado para o ministério.

Se formos com semelhante mentalidade, para nós muito natural, produzida pelas circunstâncias da nossa vida numa igreja e num mundo corrompido e embrulhado, não podemos voltar de outra maneira senão com honra, com a glória da Cruz, segundo as máximas e o plano principal e a lei fundamental que foi feita na eternidade para as testemunhas. Nossos irmãos nos receberão como a pessoas que caminharam na graça do Senhor, cujo andar derramou bênções, e de quem o mundo foi indigno. E estas são as bênções, são a graça e o testemunho que nos dão crédito na comunidade.

E isto é o que queria dizer aos irmãos, tanto a mim como a eles, em ocasião da sua saída iminente. Queira o Salvador, na Sua fidelidade, demonstrar de novo, que os irmãos vêm de um lugar bom, que estiveram perto da Sua ferida lateral, numa meditação profunda e bendita das Suas Feridas, que vos foi doce o sangue coagulado dos Seus pés transpassados. Ele vos conceda que vades com corações fiéis e compartilhai de graça o que de graça recebestes.

Cheio do Teu Deus
Vai-te após Ele.
Ora, pensa, chora.
Na Sua cruz demora-te,
Onde, pela Sua morte,
Ele mudou a tua sorte.
Cristo, meu Senhor,
Faz por Teu suor
E por Tuas feridas,
Por mim sofridas.
Faz-me companhia
Nesta vilania.

Fonte: http://www.escriturayverdad.cl/EXHORTACION/Lagrimas%20Y%20Regocijo.pdf



[1] Sermão pregado pelo Conde de Zinzendorf, em Marienborn, em 31 de janeiro de 1745, na ocasião da despedida a um grupo de missionários aos pagãos e a outros mensageiros. Publicação obtida da revista “El Predicador Evangélico”, Volumen XIII, Nº 50, 1955.

[2] Nikolaus Ludwig von Zinzendorf und Pottendorf, Conde de Zinzendorf, nasceu em Dresden, em 26 de maio de 1700. Foi criado sob influências pietistas, e já na sua adolescência a sua religiosidade se caracterizava por dois traços principais: apaixonada devoção a Cristo e a convicção de que só se conhece Deus como Cristo, pelo menos no cristianismo. Em 1722 deu albergue nas suas terras de Berthelsdorf a uma comunidade de moravos de fala alemã, que fugiam da perseguição na Boémia. A nova comunidade chamou-se Herrnhut e sob a supervisão do Conde de Zinzendorf, chegou a organizar-se segundo regras muito estritas, sujeitando toda a vida comunal ao interesse eclesiástico, como um grupo afastado do mundo, mas disposto a ir a qualquer parte no serviço de Cristo. Ali nasceu o movimento que assinala o começo das missões cristãs modernas. "Não é coisa fácil, achar entre a enorme quantidade de discursos e sermões do Conde de Zinzendorf, —diz o arquivista da comunidade morava de Herrnhut, em resposta ao pedido que lhe formulou o nosso colaborador, o pastor R. Obermüller— um exemplo clássico de sermão missionário. Os sermões (que na sua maior parte não foram impressos) têm um texto, mas muitas vezes só têm um epígrafe ou um tema. Além disso, o sermão missionário, tal como hoje o entendemos, é um produto do século XIX. Nos tempos de Zinzendorf não era conhecido nessa forma. Às vezes, será difícil para um leitor moderno entender o pensamento e o vocabulário de Zinzendorf, que são muito particulares. Ele usa de uma maneira abundante latinismos e galicismos, e expressões holandesas.
O sermão que devemos à gentileza do mencionado arquivista, e cuja tradução agradecemos à senhora Aia V. de Soggin (para o castelhano), está reproduzido na impressão original editada pelo próprio Conde de Zinzendorf, sob o Nº 10, nas "Trinta e duas conversas homiléticas ou para a comunidade nos anos de 1744-46".

Tradução de Carlos António da Rocha

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Esta tradução é de livre utilização, desde que a sua ortografia seja respeitada na íntegra porque já está traduzida no Português do Novo Acordo Ortográfico e que não seja nunca publicada nem utilizada para fins comerciais; seja utilizada exclusivamente para uso e desfruto pessoal.

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