… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

quarta-feira, 17 de maio de 2017

A ENFERMIDADE (Sermão)



 Enfermidade
 (Sickness)

Um sermão de J. C. Ryle

“Senhor, eis que está enfermo aquele que Tu amas.” (Jo 11:3 ARC, Pt)


Estas palavras são extraordinariamente comovedoras e instrutivas. Registam a mensagem que Marta e Maria enviaram a Jesus quando o seu irmão Lázaro estava doente: “Senhor, eis que está enfermo aquele que Tu amas.” (Jo 11:3 ARC1995) Essa mensagem era curta e simples. Sem embargo, quase cada uma das palavras empregadas é profundamente sugestiva.

Observai a fé destas mulheres, semelhante à fé de uma criança. Elas voltaram-se para o Senhor Jesus na hora da sua necessidade, como o assustado infante se volta para a sua mãe, ou a agulha da bússola se volteia para o Pólo. Elas voltaram-se para Ele como seu Pastor, seu Amigo Todo-Poderoso, seu Irmão disponível na adversidade. Diferentes, como eram em temperamento natural, as duas irmãs estavam totalmente de acordo neste assunto. O primeiro pensamento que tiveram no dia da adversidade foi pedir a ajuda de Cristo. Cristo foi o refúgio, no Qual procuraram refúgio, correndo na hora de necessidade.

Observai a simples humildade da sua linguagem acerca de Lázaro. Elas chamam-lhe, "Aquele que amas." Não dizem, "Aquele que Te ama, ou aquele que crê em Ti, aquele que Te serve," mas "Aquele que amas." Marta e Maria tinham sido ensinadas profundamente por Deus. Elas tinham aprendido que o amor de Cristo por nós, e não o nosso amor por Cristo, é que é a verdadeira base da expectativa, e o verdadeiro alicerce da esperança. Olhar para o nosso íntimo, para vermos o nosso amor por Cristo é dolorosamente insatisfatório: porém, olhar para fora ao amor de Cristo por nós, é paz.

Observai, por fim, a comovedora circunstância que a mensagem de Marta e de Maria nos revela: "Aquele que amas está doente." Lázaro era um bom homem, convertido, crente, regenerado, santificado, um amigo de Cristo, e um herdeiro da glória. E, sem embargo Lázaro estava doente! Então, a enfermidade não é um sinal de que Deus está aborrecido. A enfermidade tem por intenção ser uma bênção para nós e não uma maldição. “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados por seu decreto.” (Rm 8:28 ARC1995) "Seja o Mundo, seja a vida, seja a morte, seja o presente, seja o futuro, tudo é vosso, e vós de Cristo, e Cristo de Deus." (Romanos 8: 28; 1 Coríntios 3: 22, 23.) Ditosos aqueles que podem dizer quando estão doentes: "Isto é obra de meu Pai. Deve ser algo bom."

Peço a atenção dos meus leitores para o tema da enfermidade. É um tema que, com frequência, devemos olhar de frente. Não podemos evitá-lo. Não se necessita de olho de profeta para ver que a enfermidade nos visitará algum dia. "No meio da vida estamos na morte." Durante alguns instantes vamos considerar a enfermidade a partir da nossa perspectiva de cristãos. Esta consideração terá um desenvolvimento paulatino, e pedimos a bênção de Deus, para que nos ensine sabedoria.

Ao considerar o tema da enfermidade, parece-me que há três pontos que demandam a nossa atenção. Direi algumas poucas palavras acerca de cada um deles.

I. A preponderância universal da enfermidade

II. Benefícios gerais que a enfermidade confere

III. Deveres especiais que a enfermidade suporta


I. A PREPONDERÂNCIA UNIVERSAL DA ENFERMIDADE

Não preciso deter-me muito neste ponto. Elaborar a prova disto equivaleria unicamente a redundar num facto que salta à vista. A enfermidade está em todas as partes. Na Europa, na Ásia, na África, na América; nos países quentes e nos países frios, nas nações civilizadas e nas tribos selvagens; homens, mulheres e meninos adoecem e morrem.

A enfermidade está em todas as classes. A graça não coloca o crente fora do seu alcance. As riquezas não podem comprar a isenção da enfermidade. A posição social não pode acautelar os seus assaltos. Os reis e os seus súbditos, os senhores e seus servos, os ricos e os pobres, os cultos e os incultos, os professores e os estudiosos, os médicos e os pacientes, os ministros e quem os escuta, todos por igual se inclinam ante este grande inimigo. A casa de habitação de um inglês é chamada «o seu castelo» ; mas não tem, nem portas nem barras, que possam protegê-lo da enfermidade e da morte.

A enfermidade pode ser de qualquer tipo e descrição. Do cocuruto até a planta do pé estamos expostos à enfermidade. A nossa capacidade de sofrimento é algo espantoso de ser contemplado. Quem pode contar as doenças que assaltarão a nossa estrutura corporal? Não é surpreendente, parece-me, que os homens morram tão depressa, mas antes, é surpreendente que vivam tanto tempo.

A enfermidade é frequentemente uma das provas mais humilhantes e penosas que podem vir a um homem. Pode tornar o mais forte num menino pequeno, e fazê-lo sentir que "o gafanhoto será um peso." (Eclesiastes 12: 5) Pode acovardar o mais valente, e fazê-lo tremer com a queda de um alfinete. A conexão entre corpo e mente é curiosamente próxima. A influência que algumas enfermidades podem exercer sobre o carácter e o ânimo, é imensamente grande. Há doenças do cérebro, e do fígado, e dos nervos, que podem reduzir alguém, com uma mente como a de Salomão, a um estado apenas melhor do que o de um bebé. Quem quer saber a que profundidades de humilhação pode cair um pobre homem, só tem de estar presente durante um curto período de tempo junto ao leito de um doente.

A enfermidade não pode prevenir-se mediante algo que o homem possa fazer. A duração média de vida pode, sem dúvida, alargar-se um pouco. A habilidade dos médicos pode descobrir continuamente novos remédios, e obter curas surpreendentes. A aplicação de sábias regulações sanitárias pode reduzir grandemente a taxa de mortalidade numa comunidade. Mas, depois de tudo, quer seja em comunidades saudáveis ou em lugares insalubres, quer seja em climas quentes ou frios, ou seja com tratamentos homeopáticos ou alopáticos, os homens adoecem e morrem. “A duração da nossa vida é de setenta anos, e se alguns, pela sua robustez, chegam a oitenta anos, o melhor deles é canseira e enfado, pois passa rapidamente, e nós voamos.”(Sl 90:10 ARC1995) Esse testemunho é certamente verdadeiro. Era-o quando foi escrito há 3 300 anos, e ainda o é no dia de hoje.

Agora, como devemos interpretar este grande feito: a preponderância universal da enfermidade? Como podemos explicá-lo? Que explicação podemos dar a esse respeito? Que resposta daremos aos nossos filhos quando nos perguntarem: "Papá, por que se adoece e as pessoas morrem?" Estas perguntas são muito sérias. Algumas palavras acerca delas não vêm a despropósito.

Podemos supor por um instante que Deus criou a enfermidade e a doença ao princípio? Podemos imaginar que Aquele que formou o nosso Mundo com tão perfeita ordem foi por Sua vez o Formador do sofrimento desnecessário e da dor? Podemos pensar que Quem fez todas as coisas e tudo era "muito bom," fez com que a raça de Adão adoecesse desnecessariamente e morresse? Para mim, a ideia é repugnante. Introduz uma grande imperfeição no meio das obras perfeitas de Deus. Devo encontrar outra solução para poder satisfazer a minha mente.

A única explicação que me satisfaz é a que a Bíblia proporciona. Algo veio ao Mundo que destronou o homem da sua posição original, e o despojou dos seus privilégios originais. Algo que se colocou, como um punhado de areia introduzido numa maquinaria, danificou a ordem perfeita da criação de Deus. E o que é esse algo?  respondo, numa palavra, que é o pecado. "O pecado entrou no Mundo por um homem, e pelo pecado a morte." (Romanos 5: 12) O pecado é a causa original de toda a doença e enfermidade, e da dor e do sofrimento que preponderam na Terra. Todos eles são parte da maldição que caiu sobre o Mundo quando Adão e Eva comeram o fruto proibido e caíram. Não teria havido enfermidade, se não tivesse havido queda. Não teria havido enfermidade, se não tivesse havido pecado.

Faço uma pausa por um instante neste ponto, e sem embargo, ao fazê-la, não me estou apartando do meu tema. Faço a pausa para recordar aos meus leitores que não há um terreno mais insustentável que esse que é ocupado pelo ateu, pelo deísta, ou pelo incrédulo na Bíblia.  aconselho a cada leitor jovem que esteja desconcertado pelos argumentos audazes e enganosos do infiel, que estude bem esse tema tão importante: as dificuldades da infidelidade. Digo sem reparos que ser infiel requer muita mais credulidade, que ser cristão. Digo sem reparos que há grandes factos patentes e claros na condição da humanidade, que unicamente a Bíblia pode explicar, e que um dos factos mais surpreendentes é o predomínio universal da dor, da enfermidade, e das doenças. Em resumo, uma das piores dificuldades no caminho dos ateus e dos deístas, é o corpo humano.

Sem dúvida ouvistes falar dos ateus. Um ateu é alguém que professa crer que não há Deus, que não há Criador, que não há Primeira Causa, e que todas as coisas apareceram neste Mundo por pura casualidade. Pois bem, vamos dar atenção a uma doutrina como esta? Ide, e levai um ateu a alguma das excelentes escolas de cirurgia do nosso país, e pedi-lhe que estude a estrutura maravilhosa do corpo humano. Mostrai-lhe a habilidade sem par com que foi formada cada articulação, e cada veia, e cada válvula, e cada músculo e tendão e nervo, e cada osso e cada membro. Fazei-o ver a perfeita adaptação de cada parte do corpo humano para o propósito para o qual foi feito. Mostrai-lhe os milhares de delicados mecanismos que servem para suportar o uso e o desgaste e para suprir a diária debilitação do vigor. E logo, perguntai a este homem que nega a existência de um Deus e de uma grandiosa Primeira Causa, se todo este maravilhoso mecanismo foi o resultado da casualidade. Perguntai-lhe se tudo isto apareceu inicialmente por puro acaso e acidente. Perguntai-lhe se pensa o mesmo em relação ao relógio que está olhando, ao pão que come, ou ao casaco que usa. Oh, não! O plano é uma dificuldade insuperável no caminho do ateu. Há um Deus.

Sem dúvida, já tendes ouvido falar dos deístas. Um deísta é alguém que professa crer que há um Deus que fez o Mundo e todas as coisas contidas nele. Mas ele não acredita na Bíblia. "Um Deus, mas não a Bíblia! Um Criador, mas não o cristianismo!" Este é o credo do deísta. Agora, vamos dar atenção a esta doutrina? Ide de novo, peço-vos, que leveis o deísta a um hospital, e mostrai-lhe algo da terrível obra da enfermidade. Levai-o junto ao leito onde jaz um terno menino, que escassamente sabe distinguir entre o bem e o mal, sofrendo de cancro incurável. Enviai-o à sala onde se encontra uma amorosa mãe de uma vasta família, nas últimas etapas de uma atroz enfermidade. Mostrai-lhe algunas das insuportáveis dores e agonias que sofre a carne, e pedi-lhe que as vos explique. Perguntai a este homem, que crê que há um Deus grandioso e sábio que fez o Mundo, mas que não acredita na Bíblia; perguntai-lhe que explicação pode dar acerca destas amostras de desordem e imperfeição na criação do seu Deus. Pedi a este homem (que desdenha da teologia cristã e é muito sábio para crer na Queda de Adão), pedi-lhe que com a sua teoria explique o predomínio universal da dor e da enfermidade no Mundo. A vossa petição será em vão! Não recebereis uma resposta satisfatória. A enfermidade e o sofrimento são dificuldades insuperáveis no caminho do deísta. O homem tem pecado, e portanto o homem sofre. Adão caiu do seu primeiro estado, e portanto os filhos do Adão enfermam e morrem.

O predomínio universal da enfermidade é uma das evidências indirectas de que a Bíblia é verdadeira. A Bíblia explica-o. A Bíblia responde às perguntas acerca desse predomínio, que possam surgir em qualquer mente inquisitiva. Nenhum outro sistema religioso pode fazer isto. Todos fracassam aqui. Estão calados. Estão confundidos. Unicamente a Bíblia enfrenta o tema. Valorosamente proclama o facto de que o homem é uma criatura caída, e com igual valor proclama um vasto sistema de reabilitação para suprir as suas necessidades. Sinto-me levado à conclusão de que a Bíblia é de Deus. O cristianismo é uma revelação do Céu. "A Tua palavra é a verdade." (Jo 17: 17)

II. BENEFÍCIOS GERAIS QUE A ENFERMIDADE CONFERE

 uso a palavra "benefícios" deliberadamente. Sinto que é de profunda importância ver com claridade esta parte do nosso tema.  sei muito bem que a enfermidade é um dos supostos pontos débeis do governo de Deus no Mundo, sobre o qual, encanta, às mentes cépticas reflectir. "Deus, pode ser um Deus de amor, quando Ele permite as dores? Deus, pode ser um Deus de misericórdia, quando Ele permite a enfermidade? Ele poderia prevenir a dor e a enfermidade, mas não o faz. Como podem existir tais coisas?" É este o raciocínio que frequentemente aparece no coração do homem.

Pergunto, a todos aqueles a quem parece difícil reconciliar a preponderância da enfermidade e da dor com o amor de Deus, que observem até que ponto os homens se submetem constantemente a uma perda presente para obter lucros futuros; à dor presente por causa de um gozo futuro; ao sofrimento presente por causa de uma saúde futura. A semente é lançada ao chão e apodrece: porém, nós semeamos com a esperança de uma colheita futura. O pai de uma família é submetido a uma terrível operação cirúrgica: porém, ele suporta-a com a esperança de uma saúde futura. Peço às pessoas que apliquem este grande princípio ao governo de Deus no Mundo! Peço-vos para que creias que Deus permite a dor, a enfermidade, e as doenças, não porque queira vexar o homem, mas porque Ele deseja beneficiar o coração, a mente, a consciência, e a alma do homem, por toda a eternidade.

Repito uma vez mais que  falo dos "benefícios" da enfermidade com todo o propósito e deliberação. Conheço o sofrimento e a dor que a enfermidade provoca. Admito a miséria e desdita que ela traz consigo quando nos visita. Não obstante, não posso considerá-la um mal puro, sem mescla. Vejo nela uma sábia permissão de Deus. Vejo nela uma provisão útil para frear os estragos do pecado e do Diabo nas almas dos homens. Se o homem nunca tivesse pecado,  teria muitos problemas para discernir dos benefícios da enfermidade. Mas posto que o pecado ronda no Mundo, posso ver que a enfermidade é boa. É uma bênção da mesma maneira como é uma maldição. É um tutor rude, aceito-o. Mas é um amigo para a alma do homem.

(a) A enfermidade ajuda a recordar aos homens a morte. A maioria vive como se nunca tivesse de morrer. Fazem os seus negócios, ou buscam o prazer, ou dedicam-se à política ou à ciência, como se a Terra fosse o seu lar eterno. Planeiam e desenham os seus esquemas para o futuro, como o rico insensato da parábola, como se tivessem um longo contrato de vida, e aqui fossem locatários à sua vontade. Uma grave enfermidade é de grande ajuda para dissipar estes enganos. Faz despertar os homens dos seus sonhos, e recorda-lhes que têm de morrer, assim como têm de viver. Isto, afirmo-o  enfaticamente, é um bem poderoso.

(b) A enfermidade ajuda para fazer com que os homens pensem seriamente em Deus, e nas suas almas e no Mundo Vindouro. A maioria das pessoas, quando goza de saúde, não tem tempo para tais pensamentos. Desgosta-as. Afastam-nos de si. Consideram-nos molestos e desagradáveis. Porém, uma severa enfermidade tem, às vezes, um maravilhoso poder de convocar e reunir estes pensamentos, e de expô-los, à vista da alma do homem. Até o perverso rei Ben-hadad, quando adoeceu, pôde pensar em Elias. (2 Reis 8: 7) Até os marinheiros pagãos, quando a morte estava à vista, tiveram medo e "cada um clamava ao seu Deus." (Jonas 1: 5.) Certamente que tudo o que sirva de ajuda para fazer com que os homens pensem é bom.

(c) A enfermidade ajuda a suavizar os corações dos homens, e ensina-lhes sabedoria. O coração natural é tão duro como uma pedra. Não pode ver nenhum bem em nada que não seja deste Mundo, e nenhuma felicidade excepto neste Mundo. Uma longa enfermidade algumas vezes é de muita ajuda para corrigir estas ideias. Expõe o vazio e a falsidade do que o Mundo chama coisas "boas," e ensina-nos a evitá-las com uma mão firme. O homem de negócios descobre que o dinheiro em si não é tudo o que o coração requer. A mulher mundana descobre que os vestidos custosos, e a literatura, e as crónicas das festas e das óperas, são consoladores miseráveis no aposento de um doente. Certamente, tudo o que nos obrigue a alterar os nossos pesos e medidas das coisas terrestres é um bem real.

(d) A enfermidade ajuda a inclinar-nos e a humilhar-nos. Todos nós somos por natureza orgulhosos e altivos. Poucos, incluindo os mais pobres, estão livres desta infecção. Haverá muito poucos que não vejam com desprezo os outros, e que não se adulem a si mesmos em segredo porque não são "como os outros homens." Uma cama de doente é uma domadora poderosa de pensamentos como estes. Força em nós a clara verdade de que todos nós somos pobres vermes, que "habitamos em casas de barro," e que somos "esmagados pela traça" (Job 4:19), e que reis e súbditos, senhores e servos, ricos e pobres, todos são criaturas que morrem, e que logo estarão lado a lado no tribunal de Deus. Não é fácil ser orgulhoso ante o féretro e a tumba. Certamente, tudo o que nos ensine essa lição, é bom.

(e) Finalmente, a enfermidade ajuda a provar a religião dos homens, de que tipo é. Não há muitas pessoas na Terra que não tenham alguma religião. Sem embargo, poucas pessoas têm uma religião que pode passar uma inspecção. A maioria está contente com tradições recebidas de seus pais, e não pode proporcionar nenhuma razão para a esperança que possuem. Agora, a enfermidade é às vezes mais útil para o homem ao expor-lhe a total falta de valor do alicerce da sua alma. Frequentemente mostra-lhe que não tem nada de sólido sob os seus pés, e nada de firme sob a sua mão. Fá-lo descobrir que, ainda que possa ter tido uma forma de religião, esteve durante toda a sua vida adorando a "um Deus desconhecido." Muitos credos luzem bem sobre as águas tranquilas da saúde, porém, tornam-se totalmente falsos e inúteis sobre as águas agitadas do leito do enfermo. As tormentas invernais trazem à luz frequentemente os defeitos de uma casa, e assim também, a enfermidade expõe frequentemente a falta de graça da alma de um homem. Certamente, tudo o que nos faça descobrir o carácter real de nossa fé, é bom.

Não afirmo que a enfermidade confira estes benefícios a todos aqueles a quem visita. Ai, não posso dizer nada parecido a isso! Miríades de pessoas são tombadas anualmente pela enfermidade, e sua saúde é logo restaurada, os quais, evidentemente, não aprendem qualquer lição no seu leito de doentes, e retornam novamente ao Mundo. Miríades passam anualmente à tumba através de uma enfermidade, e sem embargo, não recebem dela uma impressão mais espiritual do que as bestas que perecem. Enquanto vivem, e quando morrem, não tem qualquer sentimento. Dizer isto é terrível. Mas é verdade. O grau de dureza a que pode alcançar o coração e a consciência do homem, é duma profundidade tal, que não  posso pretender medi-la.

Mas, a enfermidade confere os benefícios acerca dos quais estive falando apenas a uns quantos? Não vou aceitar isso. Creio que em abundantes casos a enfermidade produz impressões mais ou menos afins a essas como as que acabo de mencionar. Creio que em muitas mentes, a enfermidade é o "dia de visitação" de Deus, e que os sentimentos são continuamente estimulados sobre o leito da enfermidade, pelo que, se aperfeiçoados, poderiam, pela graça de Deus, resultar na salvação.  creio que em Terras pagãs a enfermidade frequentemente pavimenta o caminho para o missionário, e faz com que o pobre idólatra preste um ouvido atento às boas novas do Evangelho. Creio que no nosso próprio país, a enfermidade é uma das grandes ajudas para o ministro do Evangelho, e que os sermões e os conselhos frequentemente são efectivos no dia da enfermidade, mas que foram negligenciados quando se goza de saúde. Creio que a enfermidade é um dos instrumentos subordinados mais importantes na salvação dos homens, e que ainda que os sentimentos que provoca são muitas vezes temporárias, é muitas vezes um meio pelo qual o Espírito obra eficazmente no coração. Resumindo, creio firmemente que a enfermidade corporal dos homens conduziu amiúde, na maravilhosa providência de Deus, para a salvação das almas dos homens.

Lamentaria deixar o tema da enfermidade sem uma observação. Se a enfermidade pode fazer as coisas das quais estive falando (e, quem pode negá-lo?), se a enfermidade num Mundo perverso pode ajudar a fazer com que os homens pensem em Deus e nas suas almas, então confere benefícios à humanidade.

Não temos nenhum direito de murmurar da enfermidade, nem de nos queixarmos da sua presença no Mundo. Antes pelo contrário, devemos dar graças a Deus por ela. É uma testemunha de Deus. É conselheira da alma. Certamente tenho o direito de vos dizer que a enfermidade é uma bênção e não uma maldição, uma ajuda e não uma lesão, um ganho e não uma perda, um amigo e não um inimigo para a humanidade. Enquanto tenhamos um Mundo no qual há pecado, é uma misericórdia que seja um Mundo no qual há enfermidade.

III. DEVERES ESPECIAIS QUE A ENFERMIDADE SUPORTA

Lamentaria deixar o tema da enfermidade sem dizer algo sobre este ponto. Sustento que é de importância cardeal não nos contentarmos com generalidades ao pregarmos a mensagem de Deus, às almas. Estou ansioso por inculcar em cada pessoa, em cujas mãos possa cair este sermão, a sua própria responsabilidade pessoal em conexão com o tema. Não queria que ninguém fechasse este livrinho, sem ter sido capaz de responder as perguntas, "Que lição prática aprendi? Num Mundo de enfermidade e de morte, o que devo fazer?"

(a) Um dever supremo que a preponderância da enfermidade conduz ao homem, é o de viver habitualmente preparado para encontrar-se com Deus. A enfermidade é um aviso da morte. A morte é a porta que todos devemos atravessar para chegar ao juízo. Este é o tempo quando devemos, finalmente, ver Deus face a face. Certamente a primeira lição que o habitante de um Mundo doente e agonizante deve aprender, é que deve estar preparado, para seu o encontro com Deus.

Quando estás preparado para te encontrares com Deus? Nunca, enquanto as tuas iniquidades não tiverem sido perdoadas e o teu pecado tenha sido coberto! Nunca, enquanto o teu coração não tiver sido renovado, e a tua vontade não tiver sido ensinada a deleitar-se na vontade de Deus! Tens muitos pecados. Se fores à Igreja, a tua própria boca é ensinada a confessar isto em cada domingo. Unicamente o sangue de Jesus Cristo pode lavar esses pecados. A justiça de Cristo apenas pode fazer-te aceitável aos olhos de Deus. Apenas a fé, a simples fé como a de um menino, pode fazer com que tenhas interesse em Cristo e nos Seus benefícios. Queria saber se estás preparado para o teu encontro com Deus? Então, onde está a tua fé? O teu coração é naturalmente impróprio para a companhia de Deus. Tu não sentes um prazer real em fazeres a Sua vontade. O Espírito Santo deve transformar-te à imagem de Cristo. As velhas coisas devem passar. Todas as coisas devem tornar-se novas. Gostarias de saber se estás preparado para te encontrares com Deus? Então, onde está a tua Graça? Onde estão as evidências de tua conversão e santificação?

Creio que isto, e nada que não seja isto, é estar preparado para o encontro com Deus. O perdão do pecado e a preparação para a presença de Deus: justificação por fé e santificação do coração, o sangue de Cristo rociado sobre nós, e o Espírito de Cristo habitando em nós, esta é a grandiosa essência da religião cristã. Estas não são meras palavras e nomes que provêem argumentos para a discussão dos teólogos polémicos. Estas são realidades sóbrias, sólidas, substanciais. Viver na posse real destas coisas, num Mundo cheio de enfermidade e morte, é o primeiro dever que queria gravar nas vossas almas.

(b) Outro dever supremo que a preponderância da enfermidade implica para vós, é o de viver habitualmente preparados para suportá-la pacientemente. Sem dúvida, a enfermidade é uma prova para a carne e o sangue. Sentir os nossos nervos transtornados e a nossa força natural abatida, ter a obrigação de estar sentados quietos e estar separados de todas as nossas actividades usuais, ver os nossos planos desbaratados e os nossos propósitos frustrados, suportar largas horas e dias e noites de debilidade e dor; tudo isto é uma severa pressão sobre a pobre pecadora natureza humana. Não deveria surpreender-nos que a impaciência e a irritabilidade nos cheguem por meio da enfermidade! Certamente num Mundo tão moribundo como este, deveríamos estudar a paciência.

Como aprenderemos a suportar com paciência a enfermidade, quando chegar a nossa vez? Devemos acumular abundante graça quando gozamos de saúde. Devemos procurar a influência santificante do Espírito Santo sobre os nossos temperamentos e disposições ingovernáveis. Devemos entregar-nos, na verdade, às nossas orações, e pedir com regularidade fortaleza para aceitar a vontade de Deus e poder para fazê-la. Devemos receber essa fortaleza quando a pedimos: “Se pedirdes alguma coisa em meu nome, EU o farei.” (Jo 14:14 ARC1995)

Não creio que seja desnecessário que fiquemos neste ponto. Creio que as graças passivas do cristianismo recebem menos atenção do que merecem. A mansidão, a benignidade, a paciência, a fé, todas são mencionadas na Palavra de Deus como frutos do Espírito. São graças passivas que dão especialmente glória a Deus. Fazem pensar frequentemente os homens que desprezam o lado activo do carácter cristão. Estas graças jamais brilham com tanto brilho como o fazem na habitação de um doente. Permitem a muitos doentes pregar um sermão silente, que quem o rodeia jamais esquece. Querias adornar a doutrina, que professas? Querias que o teu cristianismo fosse formoso aos olhos dos outros? Então toma a sugestão que hoje te dou. Acumula muita paciência para o tempo da enfermidade. Então, ainda que a tua enfermidade não seja mortal, será para "a glória de Deus." (João 11: 4.)

(c) Outro dever supremo que a preponderância da enfermidade implica para vós, é o da disponibilidade habitual para compartilhar o sentimento e ajudar os vossos companheiros. A enfermidade não está nunca muito longe de nós. São poucas as famílias que não têm algum parente doente. Poucas são as paróquias onde não encontrareis algum doente. Mas onde houver enfermidade, há uma chamada ao dever. Uma pequena ajuda oportuna em alguns casos, uma amável visita em outros, uma pergunta amigável, uma simples expressão de simpatia, pode fazer muito bem. Estes são os tipos de coisas que suavizam as asperezas, e unem os homens, e promovem bons sentimentos. Estas são formas, mediante as quais, podem, no fim, conduzir os homens a Cristo e salvar as suas almas. Estas são boas obras para as quais cada cristão que professa deve estar preparado. Num Mundo cheio de enfermidade e doenças devemos "levar as cargas uns dos outros," e "ser benignos uns para com os outros." (Gálatas 6: 2; Efésios 4: 32.)

Estas coisas, atrevo-me a dizer, podem parecer coisas sem importância, para alguns. Devem estar fazendo algo importante, e grandioso e surpreendente e heróico! Permitam-me dizer-vos que a atenção consciente a estes pequenos actos de amabilidade fraternal é uma das evidências mais claras de ter "a mente de Cristo." São actos nos quais o nosso próprio Bendito Senhor foi abundante. Ele sempre "andou fazendo bens" aos doentes e oprimidos. (Actos 10: 38.) São actos aos quais Ele atribui grande importância nessa muito solene passagem da Escritura, a descrição do Juízo Final. Ali Ele diz: “adoeci, e visitastes-me.” (Mt 25:36 ARC1995)

Tens algum desejo de demonstrar a realidade da tua caridade: essa graça bendita da qual tanto se fala, mas que muito poucos praticam? Se o tens, tem cuidado do egoísmo insensível e do descuido dos teus irmãos enfermos. Busca-os. Ajuda-os, se necessitarem de apoio. Mostra-lhes simpatia. Procura aliviar as suas cargas. Sobre tudo, esforça-te por fazer bem às suas almas. Far-te-á bem, ainda que não lhes faça bem a eles. Acautelará o teu coração da murmuração. Pode ser uma bênção para a tua própria alma. Creio, com firmeza, que Deus nos está provando e examinando, por meio, de cada caso de enfermidade ao nosso alcance. Ao permitir o sofrimento, Ele comprova se os cristãos têm algum sentimento. Tomai cuidado, não seja que ao serdes pesados na balança, sejais achados em falta. Se vós podeis viver num Mundo doente e moribundo sem sentir nada pelos outros, tendes ainda muito para aprender.

Deixo esta seção do meu tema aqui, entrego os pontos que tenho mencionado como sugestões, e rogo a Deus para que possam obrar em muitas mentes. Repito, essa preparação habitual para nos encontrarmos com Deus, preparação habitual para sofrer pacientemente e essa disposição habitual para simpatizar de todo coração, são claros deveres que a enfermidade impõe a todos. Há deveres ao alcance de cada pessoa. Ao mencioná-los, não peço nada extravagante ou irracional. Não peço a ninguém que se retire para um mosteiro ou que ignore os deveres da sua posição. Só quero que os homens se dêem conta de que vivem num Mundo doente e moribundo, e que vivam de acordo com isso. E digo sem temor que o homem que vive a vida da fé, da santidade, da paciência e do amor, é, não apenas o mais verdadeiro cristão, mas é também o homem mais sábio e razoável.

E agora concluo com quatro palavras de aplicação prática. Quero que o tema deste sermão tenha algum uso espiritual. O desejo do meu coração e a minha oração a Deus ao escrevê-lo, é que faça bem às almas.

(1) Em primeiro lugar, faço uma pergunta, a qual, como embaixador de Deus, peço a vossa séria atenção. É uma pergunta que surge naturalmente do tema sobre o qual tenho estado escrevendo. É uma pergunta que concerne a todos, de cada posição, classe, e condição. Pergunto-vos, o que fareis quando estiverdes doentes?

Chegará o tempo quando vós, assim tanto como outros, deveis descer ao escuro vale da sombra da morte. Chegará a hora quando vós, da mesma maneira, como os que vos antecederam, deveis adoecer e morrer. Esse momento pode estar próximo ou distante. Só Deus sabe. Porém, quando chegar o momento, pergunto de novo, o que ides vós fazer? Aonde buscareis consolo? Sobre o que pretendeis que descanse a vossa alma? Sobre o que pretendeis construir a vossa esperança? Onde encontrareis o vosso consolo?

Suplico-vos que não punhais de lado estas perguntas. Permiti que elas obrem na vossa consciência, e não descanseis até que possais dar-lhes uma resposta satisfatória. Não brinqueis com esse precioso dom, uma alma imortal. Não adieis a consideração do assunto para um momento mais conveniente. Não deis por certo um arrependimento no vosso leito de morte. O mais grandioso assunto não deve ser posposto até ao final. Um ladrão moribundo foi salvo para que os homens não possam desesperar, mas apenas um, para que os outros não presumam disso. Repito a pergunta. Estou certo que merece uma resposta. "O que farás quando estiveres doente?"

Se vós fosseis viver para sempre neste Mundo, não vos falaria, como o faço. Mas isso não pode ser. Não há forma de escapar da sorte comum de toda a humanidade. Ninguém pode morrer em nosso lugar. O dia virá quando cada um de nós deverá ir para o nosso lar permanente. Quero que vós estejais preparados para esse dia. O corpo que agora é o centro da vossa atenção, (o corpo que agora vestis, e alimentais, e aqueceis com tanto cuidado), esse corpo deve retornar novamente ao pó. Oh, pensai que tão terrível coisa seria no fim haveres provido para tudo, excepto para a única coisa necessária: haverdes provido para o corpo, mas terdes descuidado a alma; havereis de morrer, e não poderes, de facto, dar um sinal de serdes salvo! Uma vez mais apresento a minha pergunta à vossa consciência: "O que fareis quando estiveres doentes?"

(2) De seguida, ofereço um conselho a todos aqueles que sentis que o necessitais e quereis recebê-lo, a todos aqueles que ainda não estejam preparados para o vosso encontro com Deus. Esse conselho é breve e simples. Conhece o Senhor Jesus Cristo sem demora. Arrepende-te, Converter-te, voa para Cristo, e sê salvo.

Ou possuis uma alma ou não a possuis. Certamente nunca negarás que a tens. Então, se tens uma alma, busca a salvação dessa alma. De todos os riscos do Mundo, não há outro mais terrível que o do homem que vive sem estar preparado para seu encontro com Deus, e sem embargo, pospõe o arrependimento. Ou tens pecados ou não os tens. Se os tens, e quem se atreverá a negá-lo?, aparta-te desses pecados, termina com as tuas transgressões e afasta-te delas sem demora. Ou necessitas dum Salvador ou não necessitas dEle. Se O necessitas, voa para o teu único Salvador hoje mesmo, e clama-Lhe com força para que salve a tua alma. Pede-o imediatamente a Cristo. Busca-O mediante a fé. Entrega a tua alma para que Ele a guarde. Clama fortemente, implorando perdão e paz com Deus. Pede-Lhe que derrame o Espírito Santo sobre ti, e que te faça um cristão completo. Ele ouvir-te-á. Não importa o que tenhas sido, Ele não rejeitará a tua oração. Ele há dito: “e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora.” (Jo 6:37 ARC1995)

Tende cuidado por causa um cristianismo vago e indefinido. Não vos contenteis com uma esperança geral de que tudo está bem, porque vós pertenceis à igreja e, que tudo estará bem no fim, porque Deus é misericordioso. Não descanseis sem uma união pessoal com o próprio Cristo; não descanseis até que tenhais o testemunho do Espírito no vosso coração, de que fostes lavados, e santificados, e justificados, e que sois um com Cristo, e que Cristo está em vós. Não descanseis até que possais dizer com o Apóstolo: “Sei em quem tenho crido e estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito até àquele dia.” (2Tm 1:12 ARC1995)

A religião vaga e indefinida e indistinta pode funcionar muito bem em tempos nos quais se goza de saúde. Mas não funcionará no dia da enfermidade. Os membros de igreja, meramente formais, e superficiais, podem levar um homem através do Sol brilhante da juventude e da prosperidade. Mas deixará de funcionar inteiramente quando a morte esteja à vista. Nada servirá então, excepto uma união real de coração com Cristo. Cristo intercedendo por nós à mão direita do Pai; Cristo conhecido e crido como nosso Sacerdote, nosso Médico, nosso Amigo; unicamente Cristo pode tirar à morte o seu aguilhão e capacitar-nos para que enfrentemos a enfermidade sem nenhum temor. Unicamente Ele pode libertar os que por meio do temor estão em servidão. Digo a todos aqueles que necessitais de um conselho: Conhece a Cristo. Se alguma vez queres ter esperança e consolo no leito de doente, conhece a Cristo. Procura Cristo. Pede a Cristo.

Leva-Lhe cada preocupação e cada problema quando dele tiveres conhecimento. Ele guardar-te-á e conduzir-te-á através de tudo isso. Derrama o teu coração ante Ele, quando a tua consciência estiver carregada. Ele é o teu verdadeiro Confessor. Unicamente Ele pode absolver-te e tirar as tuas cargas. Volta-te primeiro para Ele no dia da enfermidade, como Marta e Maria. Permanece olhando para Ele até ao último fôlego da tua vida. Vale a pena conhecer Cristo. Quanto mais O conheças, mais O amarás. Então, conhece a Jesus Cristo.

(3) Em terceiro lugar, exorto a todos os verdadeiros cristãos que ledes este sermão para que recordeis quanto podeis glorificar a Deus nos tempos da enfermidade, e ficardes quietos na mão de Deus quando estiverdes doentes.

Sinto que é muito importante tocar este ponto. Sei quão disposto a desmaiar é o coração de um crente, e quão ocupado está Satanás sugerindo duvidas e questionamentos, quando o corpo de um cristão está débil. Vi algo da depressão e da melancolia que às vezes vêm sobre os filhos de Deus quando são subitamente postos fora de combate pela enfermidade, e obrigados a estar quietos. Tenho observado quão inclinadas são algumas pessoas boas a atormentar-se com pensamentos mórbidos em tais situações, e a dizer em seus corações: "Deus abandonou-me: fui lançado da Sua vista."

Suplico de todo coração a todos os crentes doentes que recordeis que podeis honrar a Deus tanto pelo sofrimento paciente como pelo trabalho activo. Às vezes, manifestamos maior graça ficando quietos que andar dum lado para o outro, e fazendo grandes façanhas. Suplico-vos que recordeis que Cristo preocupa-Se tanto convosco, da mesma forma, como quando estais doentes ou como quando estais bem, e que o próprio castigo que senteis tão agudamente é enviado em amor, e não em ira. Sobre tudo, suplico-vos que recordeis a simpatia de Jesus por todos os Seus membros débeis. Eles são sempre cuidados com muita ternura por Ele, porém, nunca como quando se encontram no seu tempo de necessidade. Cristo teve grande experiência na enfermidade. Ele conhece o coração de um homem enfermo. Ele acostumava ver "toda enfermidade e toda doença no povo" quando estava na Terra. Ele sentiu algo especial pelos doentes nos dias da Sua encarnação. Ele ainda sente especialmente por eles. O sofrimento e a enfermidade, penso frequentemente, fazem os crentes mais semelhantes ao Seu Senhor em experiência, que a saúde. "Certamente levou Ele as nossas enfermidades, e sofreu nossas dores." (Isaías 53: 4; Mateus 8: 17). O Senhor Jesus foi um "varão de dores, experimentado em aflição." Ninguém tem tanta oportunidade de aprender da mente de um Salvador sofredor como os discípulos que sofrem.

(4) Concluo com uma palavra de exortação para todos os crentes, pedindo a Deus de todo coração que a grave nas vossas almas. Exorto-vos a manterdes um hábito de comunhão próxima com Cristo, e nunca tenhais medo de "ir muito longe" na vossa religião. Recordai isto, se desejais ter "grande paz" nos vossos tempos de enfermidade.

Observo e lamento, uma tendência em alguns sectores, de rebaixarem o padrão do cristianismo prático, e de denunciarem os que são chamados "pontos de vista extremos" sobre o caminhar diário de um cristão na vida. Inclusive a gente religiosa olha algumas vezes com frieza a quem se separa da sociedade mundana, e censuram-nos como "exclusivos, de mente estreita, não liberais, pouco caridosos, de espírito amargurado," e demais coisas similares. Advirto a cada crente em Cristo que leia este sermão que tome cuidado de não se deixar influenciar por tais censuras. Suplico-lhe, se necessitar de luz no vale da morte, que "guarde-se sem mancha do Mundo," que "decida ir atrás do Senhor," e que caminhe muito perto de Deus. (Santiago 1: 27; Números 14: 24).

Creio que a falta de "integridade" acerca do cristianismo de muitas pessoas é um segredo do seu pouco contentamento, tanto na saúde como na enfermidade. Creio que a religião do tipo "metade e metade," e "boas relações com todo o Mundo," que satisfaz a muitos no dia presente, é ofensiva a Deus e semeia espinhos nos travesseiros dos moribundos, que centenas não descobrem isso até que é muito tarde. Creio que a debilidade e languidez de uma religião assim, nunca é tão visível como num leito de enfermo.

Se tu e eu necessitamos um "forte consolo" no nosso tempo de necessidade, não devemos contentar-nos com uma união vazia com Cristo. (Hb 6:18.) Devemos buscar algo da comunhão com Ele que seja experimental, de coração. Nunca, nunca devemos esquecer, que "união" é uma coisa, e "comunhão" é outra. Milhares, temo-me, que sabem o que é a "união" com Cristo, desconhecem totalmente o que é a "comunhão."

Pode chegar o dia quando, depois de uma larga luta com a enfermidade, sintamos que a medicina não pode fazer nada mais, que não resta nada, a não ser morrer. Os amigos estarão ao nosso redor, incapazes de nos ajudar. O ouvido, a vista, inclusive o poder de orar, falharão com rapidez. O Mundo e as suas sombras estarão derretendo-se sob os nossos pés. A eternidade, com as suas realidades, elevar-se-á a muita altura diante das nossas mentes. O que será que nos apoiará nessa hora de prova? O que nos permitirá sentir, "não temerei mal algum"? (Salmo 23: 4). Nada, nada pode fazê-lo, a não ser uma comunhão próxima com Cristo. Cristo habitando nos nossos corações pela fé, Cristo pondo a Sua mão direita sob as nossas cabeças, o sentimento de que Cristo está sentado junto a nós, unicamente Cristo pode dar-nos a completa vitória na última luta.

Apeguemo-nos fortemente a Cristo, amemo-Lo de todo coração, vivamos mais inteiramente para Ele, copiemo-Lo com maior exactidão, confessemo-Lo com denodo, sigamo-lo mais plenamente. Uma religião como esta trará sempre a sua própria recompensa. Os irmãos débeis considerá-la-ão extrema. Mas será muito útil. Na enfermidade, trazer-nos-á paz. No Mundo vindouro, dar-nos-á uma coroa de glória que jamais perderá o seu brilho.

O tempo está curto. A moda deste Mundo passa, dissipa-se. Umas quantas enfermidades mais e tudo terá acabado. Uns quantos funerais mais e terá lugar o nosso próprio funeral. Umas quantas tormentas mais, umas sacudidas mais, e estaremos em porto seguro. Viajamos para um Mundo onde não há mais enfermidade, onde a separação, a dor, o pranto, e o luto terão desaparecido para sempre. O Céu está-se enchendo mais a cada ano, e a Terra está esvaziando-se. No Céu os amigos que nos antecederam são cada vez mais numerosos que os amigos que ficam para trás. "Porque ainda um poucochinho de tempo, e o que há-de vir virá, e não tardará." (Hebreus 10: 37) Na Sua presença haverá plenitude de gozo. Cristo enxugará toda a lágrima dos olhos do Seu povo. O último inimigo que será destruído é a morte. Mas será destruído. A morte, ela mesma, um dia morrerá. (Apocalipse 20: 14)

Enquanto isso, vivamos a vida da fé, no Filho de Deus. Apoiemos todo o nosso peso em Cristo, e regozijemo-nos com o pensamento de que Ele vive para sempre.

Sim: bendito seja Deus! Cristo vive, ainda que nós morramos. Cristo vive, ainda que amigos e familiares sejam levados para a tumba. O que aboliu a morte, vive, e trouxe vida e imortalidade à luz pelo Evangelho. Vive o que disse: "Onde estão, ó morte, as tuas pragas? Onde está, ó inferno, a tua perdição? “(Os 13:14, ARC, Pt) Vive O que um dia mudará o nosso corpo vil, e fá-lo-á semelhante ao Seu corpo glorioso. Na enfermidade e na saúde, na vida e na morte, apoiemo-nos confidencialmente nEle. Certamente devemos repetir diariamente com alguém de antanho, "Bendito seja Deus por Jesus Cristo!"

 

Fontes:
http://www.spurgeon.com.mx/enfermedad.html
http://www.middletownbiblechurch.org/christia/sickness.htm


Tradução de Carlos António da Rocha

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Esta tradução é de livre utilização, desde que a sua ortografia seja respeitada na íntegra porque já está traduzida no Português do Novo Acordo Ortográfico e que não seja nunca publicada nem utilizada para fins comerciais; seja utilizado exclusivamente para uso e desfruto pessoal.

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