… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

quarta-feira, 17 de maio de 2017

NÃO QUERO PERDOAR



Não Quero Perdoar

J. C. Ryle

Em Mateus 18:21-35, o Senhor Jesus abordou um assunto de máxima importância — COMO DEVEMOS PERDOAR AS OFENSAS. Vivemos num mundo maligno, e é inútil esperar que consigamos escapar aos maus tratos, por mais cuidadosamente que nos comportemos. Saber como nos devemos comportar, quando somos maltratados, é algo importantíssimo para as nossas almas.


Em primeiro lugar, o Senhor Jesus estabeleceu uma regra geral, de que devemos perdoar às outras pessoas o máximo. Foi Pedro quem apresentou a indagação: "Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes?" E, como resposta, Jesus disse-lhe: "Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete".

A regra aqui estabelecida, naturalmente, precisa ser interpretada com sobriedade. O nosso Senhor não quis dar a entender que as transgressões contra as leis da Terra e contra a boa ordem social devam ser desconsideradas e passadas em claro. Ele também não quis dizer que devamos permitir que as pessoas cometam furtos e assaltos com a impunidade. Tudo quanto Ele quis dizer é que devemos manter uma atitude geral de misericórdia, dispostos a perdoar aos nossos irmãos e semelhantes. Precisamos tolerar muita coisa e suportar muitas injustiças, ao invés de logo entrarmos em conflito com os nossos ofensores. Também devemos abrandar sobre muitas coisas, submetendo-nos a muitas imposições, antes de entrarmos em choque com outras pessoas. E, da mesma maneira, devemos repelir tudo quanto tenha aparência de malícia, de contenda, de vingança ou de retaliação. Sentimentos dessa ordem servem apenas para os incrédulos, pois são totalmente indignos de qualquer discípulo de Cristo.

Quão mais abençoada seria a vida neste mundo, se essa norma ditada por nosso Senhor fosse mais largamente reconhecida e melhor obedecida! Quantas das desgraças que sobrevêm à humanidade são ocasionadas por disputas, querelas, acções judiciais e uma obstinada tenacidade quanto àquilo que os homens costumam intitular de "meus direitos"! Quantos conflitos entre os homens poderiam ser evitados, se ao menos os homens se dispusessem mais ao perdão, e desejassem mais que a paz imperasse! Nunca nos deveríamos esquecer que nenhuma fogueira pode continuar queimando sem lenha. Da mesma maneira, são necessárias duas pessoas para que comece uma briga. Portanto, que cada uma das duas pessoas resolva, pela graça de Deus, que não contribuirá para que a briga tenha início e prossiga. Antes, devemos resolver pagar o mal com o bem, e a maldição com a bênção, dissipando assim toda inimizade e transformando os nossos adversários em amigos (Rm 12.20). Era uma excelente qualidade de carácter do arcebispo Cranmer que, se alguém chegasse a ofendê-lo, certamente acabaria tornando-se amigo dele.

Em segundo lugar, nosso Senhor supriu-nos dois poderosos motivos para exercitarmos um espírito perdoador. Jesus contou a história de um homem que devia uma enorme quantia ao seu senhor; mas, como não tinha "com que pagar", chegado o momento da prestação de contas, o seu senhor compadeceu-se dele "e perdoou-lhe a dívida". E Jesus continuou dizendo que esse mesmo homem, após haver sido perdoado, encontrando-se com um seu companheiro que lhe devia uma importância insignificante, recusou-se a perdoar-lhe.

Além disso, aquele servo exigiu que o seu conservo fosse lançado no cárcere, não querendo perdoar-lhe a mínima parcela da dívida. Finalmente, conforme o Senhor Jesus ajuntou, o castigo sobreveio àquele servo cruel, que não se dispunha a perdoar. Porquanto, após ter-lhe sido mostrada misericórdia, ele também deveria ter-se mostrado misericordioso para com o seu semelhante. E o Senhor Jesus conclui a sua parábola com estas impressionantes palavras: “Assim vos fará também meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas.” (Mt 18:35 ARC, Pt)


Nesta parábola de Jesus fica patenteada a verdade que um dos motivos para perdoarmos aos nossos semelhantes deveria ser a lembrança de que todos precisamos ser perdoados diante de Deus. Dia após dia, caímos em muitas transgressões e ficamos muito aquém do que deveríamos ser, e "deixamos de fazer, e fazemos aquilo que não deveríamos fazer". Dia após dia, solicitamos de Deus misericórdia e perdão. As ofensas que outras pessoas têm praticado contra nós são coisas desprezíveis, em confronto com as nossas gravíssimas ofensas contra o Senhor. Sem dúvida alguma, não condiz com a nossa condição de pobres criaturas pecaminosas, como somos, mostrar-nos excessivamente severos, fazendo cobrança por causa de pequenas falhas que os nossos irmãos na fé cometem contra nós, ou mostrando-nos inclinados a não perdoá-los prontamente.

Uma outra razão para que nos mostremos dispostos a perdoar às outras pessoas deveria ser a lembrança acerca do Dia do Juízo Final, por causa do padrão que será utilizado naquele dia, acerca de todos os que forem julgados. Naquele dia, não será dado perdão aos indivíduos que não se dispuseram a perdoar os seus semelhantes. Esses indivíduos, na verdade, não estão aptos para viver no Céu. Pois não seriam capazes de dar o devido valor a um lugar de habitação onde a "misericórdia" é o único título de posse, onde a "misericórdia"é o tema do cântico perene. Sem dúvida, se estamos planeando sermos um daqueles que estarão em pé, à direita de Jesus, quando Ele se sentar no Seu trono de Glória, então teremos de aprender a ser perdoadores, enquanto ainda estamos neste mundo.

Que essas verdades lancem raízes profundas nos nossos corações. É um triste facto que tão poucos mandamentos cristãos estejam sendo postos em prática com tanta parcimónia e má vontade como o dever de perdoarmos ao próximo. E é entristecedor verificarmos quanto amargor de espírito, quanto falta de compaixão, quanto despeito, quanta dureza e quanta falta de gentileza se manifestam entre os homens. No entanto, poucos mandamentos são tantas vezes ressaltados, nas Escrituras do Novo Testamento, como esse. Mas, poucas outras falhas de carácter são capazes de fechar tão definitivamente a um homem as portas do Reino de Deus, como essa.

Queremos dar provas de que realmente fomos reconciliados com Deus, lavados no sangue de Cristo, nascidos do alto pelo poder do Espírito Santo, e feitos filhos de Deus por adopção, em resultado da graça divina? Então não nos esqueçamos desse passo bíblico. Seguindo o exemplo dado por nosso Pai celestial, disponhamo-nos a perdoar os nossos ofensores. Porventura, fomos ofendidos por alguém? Que perdoemos o tal, agora mesmo. É conforme comentou Leighton: "Deveríamos perdoar pouco a nós mesmos, e muito aos outros".

Pretendemos ser elementos benéficos à humanidade? Queremos exercer uma influência positiva sobre os nossos semelhantes, para que percebam quão excelente é a Religião Cristã? Então não nos esqueçamos dessa passagem. Indivíduos que não se importam com as doutrinas cristãs, podem compreender perfeitamente bem o temperamento perdoador de um crente.

Queremos desenvolver-nos pessoalmente na graça, tornando-nos mais santos, em toda a nossa formação, e em todas as nossas palavras e obras? Então não nos esqueçamos dessa passagem. Coisa alguma entristece tanto o Espírito Santo e obscurece tanto a alma como deixar-se o indivíduo levar por um espírito rixoso e pelo temperamento que não se dispõe a perdoar (Ef 4:30-32).


Fonte: http://www.apriscoonline.com/profiles/blogs/nao-quero-perdoar-por-j-c


John Charles Ryle conhecido como J. C. Ryle (1816 – 1900) foi o primeiro bispo anglicano da cidade de Liverpool, Inglaterra. Ryle foi um firme defensor da escola evangélica e um crítico do ritualismo. Foi um escritor prolífico, um pregador vigoroso e um pastor fiel.

Tradução de Carlos António da Rocha

*** 
Esta tradução é de livre utilização, desde que a sua ortografia seja respeitada na íntegra porque já está traduzida no Português do Novo Acordo Ortográfico e que não seja nunca publicada nem utilizada para fins comerciais; seja utilizado exclusivamente para uso e desfruto pessoal.

Sem comentários: