… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Por que é que Deus é um estranho na Terra (Jr 14:8-9)



R. M. McCheyne

Por que é que Deus é um estranho na Terra (Jr 14:8-9)

Sermão 9




 “Oh! Esperança de Israel, Redentor seu no tempo da angústia! Por que serias como um estrangeiro na terra e como o viandante que se retira a passar a noite? Por que serias como homem cansado, como valoroso que não pode livrar? Mas tu estás no meio de nós, ó SENHOR, e nós somos chamados pelo teu nome; não nos desampares.” (Jr 14:8-9 ARC, Pt)


Em muitos lugares de Escócia há boas razões para crer que Deus não é um peregrino no país, já que o Senhor Jesus Cristo tem sido proclamado e conhecido e o Espírito Santo tem realizado, conforme ao Seu beneplácito a Sua obra vivificadora em muitíssimos. Sem embargo, é de temer que em muitos outros lugares do nosso país Deus é como um peregrino e como um estrangeiro na terra e como o viandante que se retira a passar a noite.

1. Quão poucas conversões há no meio de nós! Quando Deus está presente com a Sua omnipotência em algum país, então há muitos que despertam para um sentimento de convicção de pecado e se juntam ao redil de Cristo. Um ministro piedoso, falando de tal tempo, quando teve lugar um grande avivamento, dizia: "Indícios e sinais da presença de Deus se manifestavam em quase todos os lares. Era um tempo de gozo no círculo de toda família pela salvação que se havia levado aos seus membros. Os pais regozijavam-se pelos seus filhinhos, porque estes haviam nascido de novo; os maridos por causa da conversão real das suas esposas e as esposas pela conversão real dos seus maridos. A cidade –continua ele dizendo- parecia estar cheia da presença de Deus. Nunca antes se haviam visto dias de tanta plenitude de amor e de gozo, ainda que houvesse numerosos conflitos e quebrantos, como em realidade os havia". Nada resta de tudo isso, agora, entre nós. Ai, que contraste tão desgraçado e triste nos oferece a maioria das nossas famílias agora! Quantas famílias nos rodeiam nas quais não há nenhum membro convertido, nenhuma alma salva!

2. Quanta morte há até entre os próprios verdadeiros cristãos! Em tempos de avivamento, quando Deus está presente com todo o Seu poder em algum país, não só são despertadas as pessoas não convertidas de forma que em tropel vão a Cristo, mas também, aqueles que eles mesmos já são convertidos, recebem sem medida o dom do Espírito Santo; quase se diria que experimentam um segundo novo nascimento; são, diríamos, levados ao Palácio do Rei e dizem acerca de Cristo: “Beije-me Ele com os beijos da Sua boca; porque melhor é o Seu amor do que o vinho.” (Ct 1:2, ARC, Pt) Um querido crente dizia em tal época: "A minha iniquidade, aquela que eu realmente vejo em mim mesmo, mostra-se-me enormemente grande, indizivelmente terrível, como se fosse um dilúvio ou uma inundação infinita, como se fosse uma imensa cordilheira de montanhas que ameaçam cair sobre a minha cabeça. Não sei como expressar da melhor maneira e da maneira mais gráfica como vejo os meus pecados, que não seja dizendo que são como montões infinitos sobre montões infinitos e multiplicados imensamente pelo infinito. Muito a miúdo pululam pela minha mente estas expressões, como também pela minha boca, infinito sobre o infinito, infinito pelo infinito." Que pouco deste sentir há entre nós! Que pouco parecemos sentir que o pecado seja uma maldade infinita! Oh, quão evidente é que Deus é um peregrino, um estranho na Terra!

3. Que grande é o atrevimento e a falta de vergonha dos pecadores no seu pecado! Como era nos dias de Isaías, assim é nos nossos, nos quais parece que muitos têm "cerviz, um nervo de ferro, e a sua testa, de bronze.” (Is 48:4, ARC, Pt) Quando Deus está presente num país com poder, os pecadores, ainda que continuem permanecendo nos seus pecados, sem se converterem, andam de outra maneira, não têm uma ousadia tão descarada como a que ostentam agora. Um certo temor e reverência pesa sobre as suas cabeças. Ai, que não é assim entre nós! As comportas do pecado estão totalmente abertas de par em par. “Publicam os seus pecados como Sodoma; não os dissimulam.” (Isa 3:9, ARC, Pt) Não é, pois, tempo de clamarmos "Oh! Esperança de Israel, Redentor seu?"

Não deveríamos interrogarmo-nos solenemente sobre quais são as causas pelas quais Deus é um peregrino na Terra?

I. NOS MINISTROS.

Comecemos por aqueles que levam os vasos do santuário.

1. É de temer que abunde demasiada pregação não fiel à Palavra apresentada aos não convertidos. Jeremias lamentava-se por este facto nos seus dias. “Curam a ferida da filha do meu povo levianamente, dizendo: Paz, paz; quando não há paz.” (Jr 6:14 ARC1995) Não é esta a mesma razão que devia levar-nos a nos lamentarmos como Jeremias nos nossos dias? A maioria das nossas congregações estão fora de Cristo e acham-se expostas noite e dia à ira do Senhor Deus todo-poderoso: e isso devemos atribui-lo ao facto de que grande parte das ânsias e preocupações dos pastores não é o preocupar-se com a verdadeira salvação deles, e os seus sermões não se ocupam principalmente do seu caso tão desesperado. Todas as palavras dos homens e dos anjos não podem descrever a horrenda situação dos que estão sem Cristo e ainda sendo isto assim, é de temer que não falamos com os perdidos com aquela claridade, frequência e urgência que era de desejar. Ai, que poucos ministros são como os anjos de Sodoma, misericordiosamente ousados, de tal forma que tomando os pecadores pela mão os empurravam, e os arrastavam para fora do perigo! (Génesis 19:16), Pois os pecadores são lentos, são tardos para fugir por si mesmos. Quão poucos obedecem àquela palavra de Judas: "Salvai alguns, arrebatando-os do fogo; tende deles misericórdia com temor"!

Muitos daqueles que cumprem tudo isto fielmente, não o fazem, sem embargo, tenra e docemente. Temos mais da amargura do homem do que da ternura amorosa de Deus. Não os homens se compadecem nas entranhas de Jesus Cristo. Paulo escrevia acerca d’ "os inimigos da cruz de Cristo" com lágrimas nos seus olhos! Há agora muito pouco deste pranto e deste sentir entre os ministros de Deus. "Sabendo o temor que se deve ao Senhor" -citando literalmente o texto grego de II Coríntios 5:11-, Paulo persuadia nos seus dias os homens à fé. Hoje em dia não é fácil ver o rasto deste espírito nos pastores atuais. Como podemos entranhar-mo-nos de que os ossos sejam muito secos, muito secos e que Deus seja um peregrino na Terra?

2. É de temer-se que haja muita infidelidade ao manifestar-se a Cristo como o refúgio dos pecadores. - Quando um pecador tem sido convertido recentemente, afana-se a persuadir a outro para que ele vá a Cristo; o caminho é tão plano, tão fácil -pensa-, tão precioso. Oh se eu fosse-se um ministro –diz ele-, como persuadiria os homens! Este é um sentimento verdadeiro e um sentimento reto. Mas Oh! Quão pouco há dele entre os ministros. David disse: "Cri; por isso, falei". Poucos são como David nisto. Paulo disse que ele "não se propôs saber outra coisa entre os homens, a não ser a Cristo, e a este crucificado". Poucos são como Paulo nisto. Muitos não têm como objetivo e fim do seu ministério testificar de Jesus como o refúgio dos pecadores. É de temer que muitos são como os escribas e os fariseus : "Pois que fechais aos homens o Reino dos céus; e nem vós entrais, nem deixais entrar aos que estão entrando". Alguns expõem a Cristo clara e fielmente, mas onde está aquela maneira de rogar, de constranger de Paulo, aos homens para que se reconciliassem com Deus? Não convidamos os pecadores com ternura, não rogamos encarecidamente aos homens para que vão a Cristo, não lhes pedimos com autoridade para que vão às bodas do Cordeiro, não os compelimos a entrar, não "estamos de parto até que Cristo seja formado" neles "a esperança de glória." Oh! Como podemos maravilhar-nos que Deus seja um peregrino na Terra?

II. NOS CRISTÃOS


1. Com relação à Palavra de Deus. - Parece que há pouca sede de ouvir a Palavra de Deus entre os cristãos de hoje em dia. Do mesmo modo que um estômago delicado obriga a comer escassamente, assim parece que muitos cristãos estão agora submetidos a uma verdadeira dieta espiritual. Muitos cristãos parece que ouvem a Palavra de Deus mesclando orgulho em vez de fé. Acodem mais como juízes do que como meninos. Poucos se comportam como meninos de peito. A maioria prefere a cadeira do Moisés à cadeira de Maria, aos pés de Jesus. Muitos vêm ouvir a palavra de um homem que há-de que morrer, em vez da palavra do Deus vivo. Oh! Não se deve ensinar aos cristãos esta oração: "Oh! Esperança do Israel”?

2. Com respeito à oração. –Abunda o trabalho de arar e de semear, mas não, por outro lado, o de revolver o terreno com oração. Deus e a vossa consciência são testemunhas de quão pouco orais. Sabeis que seríeis homens de poder se fosseis homens de oração e, sem embargo, não quereis orar. Instáveis, inconstantes como as águas, não vos orgulheis. Lutero dedicava as suas três melhores horas do dia à oração. Quão poucos Luteros temos agora! John Welch passava sete horas diárias em oração. Quão poucos John Welch há agora!

É de temer que haja pouquíssima oração agora entre os cristãos. O sumo-sacerdote levava os nomes dos filhos do Israel sobre as suas costas e diante do seu peito quando entrava diante da presença de Deus no lugar santíssimo, um quadro do que agora faz Cristo e do que os cristãos deveriam fazer. Deus e as vossas consciências são testemunhas de quão pouco intercedeis a favor dos vossos filhos e dos vossos servos, dos vossos vizinhos, da igreja, dos vossos pais, e dos ímpios que vos rodeiam nos ambientes em que vos envolveis. Quão pouco orais pelos ministros, pelo dom do Espírito Santo, pela conversão do mundo.


É de temer que haja pouca união na oração. Os cristãos envergonham-se de se juntarem para orar em comum. Cristo prometeu: “Se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus.” (Mt 18:19, ARC, Pt). Muitos cristãos são negligentes deitando no esquecimento esta promessa. E nos Atos encontramos que quando os apóstolos e os discípulos oraram juntos, "De repente, veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados.” (As 2:2, ARC, Pt) Oh, quão amiúde e por quanto tempo temos andado pouco este caminho de obter a unção do Espírito Santo! Não falam com desprezo algumas pessoas da oração unida? Eis aqui uma razão pela qual Deus manda que as nuvens, cuja função normal é produzir a chuva, não chovam sobre nós. Ele aguarda até que O busquemos juntos e então abrirá as janelas do Céu e derramará a Sua bênção. Oh, que todos os cristãos olhando ao Céu clamassem: "Oh! Esperança de Israel"!

III. NOS NÃO CONVERTIDOS


Há muito que envergonha os ministros e muito que envergonha os crentes, mas muito mais é o que envergonha aos não convertidos.

1. Os pecadores hoje em dia têm uma grande insensibilidade pela sua própria condição de perdidos. –Muitos sabem que nunca se aproximaram nem acreditaram no Filho de Deus e, não obstante, vivem satisfeitos e felizes. Muitos sabem que não nasceram de novo e que a Bíblia diz que não verão o reino de Deus, e ainda que andem por caminhos de perdição alegram-se como se fossem herdeiros do reino de Deus em vez de herdeiros do Inferno. Isto é o que faz que Deus esteja longe e seja um peregrino na Terra.

2. Os pecadores hoje em dia têm uma grande insensibilidade pela sua própria necessidade de Jesus Cristo. - A Bíblia declara ser Ele o amigo dos pecadores e, sem embargo, quantos que lêem isto estão contentes vivendo sem conhecê-Lo! Ainda que os cristãos estejam sempre falando das excelências de Cristo, que é "o primeiro entre dez mil e todo Ele cobiçável", eles, sem embargo, não descobrem nEle "parecer nem formosura", não vêem nEle "atrativo para O desejar". Preferem ouvir falar do Céu ou do Inferno mais do que de Cristo. Ah! Este é o pecado supremo da Escócia, o desprezo de Cristo, a rejeição do livre oferecimento do Salvador. Oh!, vós, víboras surdas, que não quereis ouvir a voz do Encantado, sois vós quem faz que Deus seja um peregrino na Terra e "como o viandante que se retira a passar a noite"!

3. Tem havido muita resistência ao Espírito Santo em nossos dias. - Em algumas partes da Escócia isto tem sido muito real. Muitos foram feridos no seu coração e as suas conviccões hão sido muito removidas. Alguns foram levados a sentir profunda inquietação pela sua alma, mas olharam atrás como a mulher do Lot, e como ela, converteram-se em estátuas de sal. Oh, isto mantém a Deus fora!

Queridos pecadores, não convertidos, vós sabeis bem pouco o quão interessados deveríeis estar de que este fosse um tempo de avivamento. Não está no nosso ânimo dizer que venham juízos sobre vós, ou fogo do Céu e fogo do Inferno; mas sim que vos temos de dizer muito claramente que, a menos que o Espírito Santo de Deus desca sobre as nossas paróquias ou capelas como chuva sobre a erva, muitas almas que estão  agora num país de paz logo estarão num mundo de angústia e ranger de dentes. Possivelmente não haverá juízos repentinos; não voltará a cair do Céu um inferno como caiu sobre Sodoma, possivelmente a Terra não voltará a abrir-se para engolir a sua presa, como aconteceu com o "campo do Israel"; mas os quebrantadores do dia do Senhor, os mentirosos, os perjuros, os bêbados, os impuros e os obscenos, os formalistas religiosos, os mundanos e as hipócritas, quer dizer, todos os que estais sem Cristo, um a um silenciosa, mas certamente, sereis levados para a eternidade escura e fatal! Vinde, portanto, e permiti que cada cristão e, sobretudo, cada ministro derrame em pranto sobre vós o seu coração e clame a Deus: “Oh! Esperança de Israel, Redentor seu no tempo da angústia! Por que serias como um estrangeiro na terra e como o viandante que se retira a passar a noite?

Tem sido a prática de muitos ministros na Inglaterra e Escócia levar a cabo em cada domingo das sete às oito horas da manhã uma reunião de oração. Muitos ministros da nossa própria igreja se encontraram ante o trono da graça a essa hora. Muitas congregações, em diferentes partes da Escócia, acordaram orar em secreto e em família das oito às nove horas todos os domingos pela manhã.

Não poderiam os ministros cristãos e os crentes da Escócia manter a sua união em oração para que a nuvem de bênção, agora do tamanho de uma mão humana, se engrandecesse para cobrir totalmente o firmamento e para trazer-nos tempos do refrigério da presença do Senhor?

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Tradução de Carlos António da Rocha

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Esta tradução é de livre utilização, desde que a sua ortografia seja respeitada na íntegra porque já está traduzida no Português do Novo Acordo Ortográfico e que não seja nunca publicada nem utilizada para fins comerciais; seja utilizada exclusivamente para uso e desfruto pessoal.

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