… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

quarta-feira, 7 de março de 2012

A glória de Cristo,


por John Owen
Tradução da obra "Meditations on the Glory of Crist" de John Owen, numa versão abreviada 
 intitulada "The Glory of Crist". 


CAPÍTULO 9



A Glória de Cristo na Sua união com a Igreja

A nossa união com Cristo é tão real que perante os olhos de Deus é como se nós tivéssemos feito e sofrido o que Cristo fez e sofreu para redimir a Igreja. Cristo atuou gloriosamente quando “levou os nossos pecados no Seu corpo sobre o madeiro” e quando “padeceu uma só vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para nos levar a Deus” (1Pe 2:24; 3:18). O propósito do nosso santo e justo Deus foi salvar a Sua Igreja, mas não poderia passar por cima do seu pecado sem o castigar. Portanto, foi necessário que o castigo desse pecado fosse transferido daqueles que o mereciam mas não podiam suportá-lo, para Outro que não o merecia, mas que era capaz de o suportar. Este é o fundamento da fé cristã e de toda a revelação divina contida na Escritura. Consideremos um pouco mais de perto esta verdade e fixemo-nos de quão cheia é da Glória de Cristo.

1. Não está contra a justiça divina que alguém sofra o castigo pelos pecados de outros. Por agora confirmarei esta declaração dizendo que Deus que não pode ser injusto porquanto atuou assim muitas vezes. Por exemplo, quando David pecou, setenta mil homens foram destruídos pelo anjo de Jeová. “E David disse a Jeová quando viu o anjo que destruía o povo: Eu pequei, eu fiz a maldade; que fizeram estas ovelhas?” (2Sm 24:15-17). Quando os filhos de Judá foram levados cativos (Cativeiro Babilónico), Deus castigou-os pelos pecados dos seus antepassados, especialmente aqueles pecados cometidos nos dias de Manassés (veja-se 2Rs 23:26-27). Os sete filhos de Saúl foram mortos por causa dos pecados de seu pai (2Sm.21:9-14). Assim foi também com os filhos e os infantes que pereceram na destruição de Sodoma e de Gomorra. Na destruição final da nação judaica, Deus castigou-os por terem derramado o sangue de todos os profetas desde o começo do mundo (Lc 11: 50-51). Não há injustiça em Deus ao transferir os pecados de uns para outros e castigá-los. A justiça divina não castiga arbitrariamente a alguns pelos pecados de outros.

2. Existe sempre uma relação especial entre os que pecam e aqueles que são castigados. Por exemplo, há uma relação entre o pai e os seus filhos, entre o rei e os seus súbditos. Há também um sentido em que compartilham o castigo. Aos filhos de Israel foi dito: “E vossos filhos pastorearão neste deserto quarenta anos e levarão sobre si as vossas infidelidades, até que o vosso cadáver se consuma neste deserto.” (Nm 14:33). O castigo devido aos seus pecados foi transferido em parte para os seus filhos. Mas uma parte do seu próprio castigo foi também o conhecimento do que ocorreria aos seus filhos.

3. Existe uma união maior e uma relação mais próxima entre Cristo e a Igreja do que a que existe em qualquer outra união no mundo. Isto pode ser visto de três maneiras:

I. Há um vínculo natural entre Cristo e a Sua Igreja. Deus tem feito todas as nações de um mesmo sangue (veja-se At 17:26). Cada homem é irmão e próximo de cada outro homem (veja Lc 10:36). Esta mesma relação existe entre Cristo e a Igreja. “E, visto como os filhos participam da carne e do sangue, também Ele participou das mesmas coisas... Porque, assim O que santifica como os que são santificados, são todos de um...” (Hb 2: 11, 14). Sem embargo, em dois aspetos há uma diferença entre a união de Cristo com a Sua Igreja, e a irmandade comum de toda a raça humana. Primeiro, Ele tomou a nossa natureza por um ato livre da Sua própria vontade, mas nós não tivemos nenhuma opção de escolher o relacionar-nos uns com os outros pelo nascimento. Segundo, Ele veio a unir-Se connosco com um só propósito, a saber, que na nossa natureza redimisse a Igreja: “Para que, pela morte, aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo, e livrasse todos os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão.” (Hb 2:14-15).

II. Há uma união moral e espiritual entre Cristo e a Igreja. Isto é como a relação entre a cabeça e os membros do corpo, ou entre a videira e os ramos (Veja Ef 1:22-23 e Jo 15: 5). Também é parecido à união que existe entre o marido e a esposa. “Maridos amai as vossas mulheres, assim como Cristo amou a Igreja e Se entregou a Si mesmo por ela” (Ef 5:25). Assim como Ele foi a cabeça e o esposo da Igreja (a qual só poderia ser salva e santificada pelo Seu sangue e pelos Seus sofrimentos), então foi apropriado que Ele sofresse, e que os benefícios do Seu sofrimento pertencessem àqueles por quem Ele sofreu. Poderia surgir a objeção de que “Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5:8) e que não havia nenhuma união entre Ele e a Igreja nesse momento. Somos unidos com Cristo por meio da fé. Portanto, antes da nossa regeneração, não estávamos unidos com Ele. Mas, então, como poderia sofrer justamente em nosso favor? Respondo que foi o propósito de Deus, antes de que Cristo sofresse, que a Igreja dos escolhidos fosse Sua esposa a fim de que Ele a amasse e sofresse por ela. Jacob amou Raquel antes de que ela tivesse sido sua esposa. “Israel serviu por uma mulher e por uma mulher guardou o gado” (Os 12:12). Raquel é chamada a esposa de Jacob devido ao amor dele por ela e porque ela estava destinada a ser sua esposa antes de que ele se casasse com ela. Assim Deus, o Pai, deu todos os escolhidos a Cristo, encomendando-os a Ele, para serem salvos e santificados. Cristo mesmo diz ao Pai: “Manifestei o Teu nome aos homens que do mundo me deste; eram Teus, e Tu mos deste... Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que Me deste, porque são Teus” (Jo 17:6,9)

III. A terceira maneira como Cristo está unido com a Igreja é por meio do novo pacto do qual Ele mesmo é o fiador e a fiança. “De tanto melhor concerto Jesus foi feito fiador” (Hb 7:22). Aqui temos o coração do mistério da maneira sábia como Deus salva a Igreja. A transferência dos pecados dos pecadores para Cristo (Aquele que é em todo o sentido inocente, puro e justo em Si mesmo) é a vida e a alma de todo o ensino bíblico. O que Cristo tem feito por nós é o que O faz glorioso para nós. Consideremos a justiça de Deus em perdoar os nossos pecados. Todos os escolhidos de Deus são pecadores. Como pode Deus permanecer como justo Se permitir que os Seus escolhidos não sejam castigados posto que não perdoou aos anjos que pecaram e tampouco a Adão quando pecou no princípio? A resposta está na união entre Cristo e a Igreja. Porque Cristo representa a Igreja perante os olhos de Deus, Deus castiga-O justamente a Ele pelos pecados dela, e assim eles são livres e gratuitamente perdoados (veja-se Rm 3:24-26). Na cruz, a santidade e a justiça divinas encontram-se com a Sua graça e a Sua misericórdia. Esta é a Glória com a qual se deleitam e se satisfazem as almas de todos aqueles que crêem. Quão maravilhoso é para eles ver Deus regozijando-Se na Sua justiça e ao mesmo tempo, mostrando misericórdia ao dar-lhes a salvação eterna! No desfrute desta gloriosa verdade quero viver e quero morrer.

Também Cristo é glorioso na Sua obediência à Lei, a qual Ele cumpriu perfeitamente. Foi absolutamente necessário que a Lei fosse cumprida, mas nós nunca teríamos podido fazê-lo. Não obstante, mediante a união de Cristo e da Igreja, a Lei foi cumprida por Ele a nosso favor. “Porquanto, o que era impossível à Lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o Seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne, para que a justiça da Lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Rm 8:3-4). Um entendimento pela fé desta Glória de Cristo acabará com todos os temores e tirará todas as dúvidas das pobres almas tentadas. Tal conhecimento será uma âncora para mantê-las firmes em todas as tormentas e provas desta vida e na hora da morte.

"Meditations on the Glory of Crist" de John Owen numa versão abreviada intitulada "The Glory of Crist"

Tradução de Carlos António da Rocha


John Owen (Stadhampton, 1616 - Ealing, 24 de agosto de 1683) é, por consenso, o mais bem conceituado teólogo puritano, e muitos o classificariam, ao lado de João Calvino e de Jonathan Edwards, como um dos três maiores teólogos reformados de todos os tempos.
Nascido em 1616, entrou para o Queen's College, em Oxford, aos 12 anos de idade e completou seu mestrado em 1635 aos 19 anos de idade. Em 1637 tornou-se pastor.
Na década de 1640 foi capelão de Oliver Cromwell e, em 1651, veio a ser deão da Christ Church, a maior faculdade de Oxford. Em 1652, recebeu o cargo adicional de vice-reitor da universidade, a qual passou a reorganizar com sucesso notável.
Depois de 1660, foi líder dos Independentes (mais tarde chamados de congregacionais, até sua morte em 1683.

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