por John Owen
Tradução da obra "Meditations on the Glory of
Crist" de John Owen, numa versão abreviada intitulada "The Glory of Crist".
CAPÍTULO 10
O Apóstolo Paulo descreve Cristo como dando-Se a Si mesmo à Igreja e à
união entre eles como um grande mistério (veja-se Ef 5:32). Não obstante,
embora seja um mistério, podemos pensar desta relação, acerca da qual, cada
crente pode dizer: “O meu amado é meu, e eu sou dEle” (Ct 2:16). Devemos
entender que Cristo não Se entregou a Si mesmo a nós, por estar obrigado.
Tampouco Ele chega a pertencer-nos por algum sonho ou experiência mística.
Tampouco Ele chega a ser nosso por meio de comermos o pão da Ceia do Senhor,
como o imaginam os Católicos. Cristo dá-Se a Si mesmo aos crentes duma forma
especial como a seguir explicarei. Precisamos aprender a maneira como Ele Se
comunica (isto é, Se dá) a Si mesmo a nós; como é que Ele chega a ser nosso,
para morar em nós e nos repartir todas as bênçãos da Sua obra salvadora.
Primeiro, vamos comparar como Deus Se deu a Si mesmo à raça humana na antiga
criação, e, depois, como Cristo Se dá a Si mesmo na nova criação.
1. Toda a vida, poder, bondade e sabedoria
existiam originalmente em Deus num grau infinito. Nestas e noutras perfeições
da Sua natureza, consistia a essência da Sua Glória (os Seus atributos).
2. Na antiga criação Deus comunicou a Glória da
Sua bondade, poder e sabedoria numa forma notável (veja-se Sl 19:1 e Rm 1:20)
causando uma dependência mútua entre todas as coisas da criação. As criaturas
vivas dependem da Terra; a Terra depende do Sol e da chuva; há uma ordem de
muitas coisas que subsistem em harmonia.
3. Ao mesmo tempo, todas as coisas dependem de
Deus pela contínua comunicação da Sua bondade e poder para com elas (veja-se At
14:15-17 e 17:24-29).
4. A raça humana, por meio da razão pode ver a
Glória de Deus nesta obra de criação e pode, também, aprender do Seu eterno
poder e deidade (veja-se Rm 1:20).
5. A Glória de Deus vista na criação é a Glória
do Deus trino. Pelo Seu poder e bondade, o Pai como a fonte da trindade fez o
mundo; o Filho levou a cabo o plano da criação; e o Espírito de Deus continua
preservando todas as espécies de vida sobre a Terra (Veja-se Jo 1:1-3; Cl 1:16;
Hb 1:2 e Gn 1:2). “Todos esperam de Ti que lhes dês o seu sustento em tempo
oportuno. Dando-lho Tu, eles o recolhem; abres a Tua mão, e enchem-se de bens.
Escondes o Teu rosto, e ficam perturbados; se lhes tiras a respiração, morrem e
voltam ao próprio pó. Envias o Teu Espírito, e são criados, e assim renovas a
face da Terra.” (Sl 104:27-30)
A menos que Deus tivesse manifestado a Sua Glória visível na criação
natural, ninguém teria sabido que Deus teria tal Glória. Agora, olharemos à
nova criação, a Igreja, a qual é de uma ordem mais alta do que a criação física
(embora, as evidências externas desta Glória de Deus não possam ser vistas
agora tão claramente).
1. A bondade, graça, vida, luz, misericórdia e
poder nos quais está a origem da nova criação são todos em Deus. (Quer dizer, a
nova criação tem a sua origem nos atributos de Deus, alguns dos quais não foram
abertamente manifestados na criação antiga). O propósito completo da nova
criação (quer dizer, a Igreja) é para mostrar a Glória de Deus nas maneiras em
que Ele Se manifesta à Igreja e mediante a Igreja a outros. Pela Igreja, o
verdadeiro e glorioso caráter de Deus seria visto e conhecido.
2. Em primeiro lugar, agradou a Deus que a
plenitude da natureza divina estivesse em Cristo como cabeça da Igreja (veja-se
Cl 1:17-19). A bondade, graça, vida, luz, poder e misericórdia, as quais foram
necessárias para a criação e preservação da Igreja estariam em Cristo; então,
seriam comunicadas de Cristo à Igreja. Por meio do Seu ofício de mediador e
como profeta, sacerdote e rei, estas coisas seriam comunicadas à Igreja.
3. Se bem que a natureza humana foi assumida
numa união pessoal com o Filho de Deus, toda a plenitude de Deus estava ainda
nEle (veja-se Cl 2:9). Ele recebeu o Espírito Santo em toda a plenitude e todos
os tesouros da sabedoria e do conhecimento foram escondidos nEle (Cl 2:3).
4. Na criação do mundo, primeiro Deus criou a
matéria da qual a Terra foi feita e então pelo poder do Espírito Santo deu
diferentes formas de vida às distintas partes da criação inteira. Assim, na
obra da nova criação, ainda antes do começo do mundo, Deus escolheu apartar
para Si aquela parte da raça humana com a qual formaria a Sua Igreja. Então, a
obra do Espírito Santo foi fazer crentes e formá-los no corpo glorioso da
Igreja de Cristo. O que foi dito sobre o corpo natural é a verdade acerca do
verdadeiro corpo de Cristo, a Igreja: “Os Meus ossos não te foram encobertos,
quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra. Os
Teus olhos viram o Meu corpo ainda informe (embrião, substância), e no Teu
livro todas estas coisas foram escritas, as quais iam sendo dia a dia formadas,
quando nem ainda uma delas havia.” (Sl 139:15-16). A substância da Igreja estava
sob o olhar de Deus quando Ele escolheu os seus membros. Mas, eles não foram,
contudo, formados individualmente nessa ocasião, nem tampouco foram
incorporados no corpo ainda que os seus nomes foram escritos no livro da vida.
A seu tempo, o Espírito Santo moldou-os conforme ao desenho do corpo proposto
por Deus desde o começo.
5. A gloriosa existência de Deus como uma
Trindade é manifestada na ordem divina pela qual a vida é dada à Igreja. O
decreto da eleição surgiu da infinita e eterna fonte de sabedoria, graça,
bondade e amor no Pai. Aqueles que Deus escolheu de entre a raça humana caída
para formar a nova criação foram encomendados a Cristo. Ele foi designado como
seu Salvador para os resgatar da antiga criação que foi maldita, e levá-los
para a nova. Pelo poder do Espírito Santo, Deus planeou aplicar todas as
bênçãos da salvação realizada por Cristo e assim comunicar vida, luz, poder,
graça e misericórdia a todos os escolhidos. Ao fazer isto, Deus glorifica tanto
as propriedades essenciais da Sua natureza (Os Seus atributos tais como a Sua
sabedoria, poder, bondade, graça e soberania) e, como também, a Sua gloriosa
existência em três Pessoas. Assim, a gloriosa verdade da trindade chega a ser
preciosa para os crentes e é o fundamento da sua fé e esperança.
Segundo esta ordem divina, pelo poder do
Espírito Santo os escolhidos são levados à vida espiritual. Não são chamados
pela casualidade, mas a seu tempo o Espírito Santo comunica a vida e desta
maneira glorifica a Deus.
Da mesma maneira, toda a nova criação, a Igreja,
é preservada em cada dia. A cada momento é comunicado a todos os crentes no
mundo, poder, força, misericórdia e graça de Deus, o Pai, do Filho e do
Espírito Santo. O Apóstolo Paulo declara que toda a Igreja está organizada para
promover estas comunicações divinas a todos os seus membros (veja-se Ef
4:13-15). Esta comunicação invisível está para lá do entendimento dos
incrédulos e a maioria deles não podem ver a Glória desta comunicação. Não
obstante, nós devemos rogar como o Apóstolo Paulo: “Para que o Deus de nosso
Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em seu conhecimento o espírito de
sabedoria e de revelação, tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para
que saibais qual seja a esperança da sua vocação e quais as riquezas da glória
da sua herança nos santos e qual a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre
nós, os que cremos, segundo a operação da força do seu poder, que manifestou em
Cristo, ressuscitando-o dos mortos e pondo-o à sua direita nos céus, acima de
todo principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo nome que se nomeia,
não só neste século, mas também no vindouro. (Ef 1:17-21 ARC1995)
Agora, considerarei de forma mais pormenorizada
a maneira como Cristo Se comunica a Si mesmo e às Suas bênçãos a todos os que
crêem. Nós recebemo-Lo por meio da fé. “Mas a todos quantos O receberam
deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus: aos que crêem no Seu nome.”
(Jo 1:12) Para que O possamos receber é necessário primeiro que Ele nos seja
dado. O Pai no-Lo deu livremente. Este foi o Seu propósito eterno. Também o Pai
deu todos os escolhidos a Cristo como Ele disse: “Manifestei o Teu nome aos
homens que do mundo Me deste; eram Teus, e Tu Mos deste...” (Jo 17:6). No
Evangelho, o Pai prometeu a todos os crentes o dom de Cristo. Pelo Seu poder
omnipotente, cria fé nas almas dos escolhidos capacitando-os para receberem a
Cristo (veja-se Ef 1:19-20; 2:5-8).
Aqui, estamos pensando, principalmente, acerca
da maneira como Cristo Se comunica a Si mesmo a nós de forma pessoal:
1. Dá-nos o Seu Espírito Santo (veja-se Rm 8:9; 1Co 6:17). Quando Cristo
veio ao mundo, tomou a nossa natureza em união com a Sua. Quando nascemos de
novo, Ele introduz-nos numa união espiritual Consigo mesmo. Ele deve ser nosso
e nós dEle. Isto é algo inexpressivamente glorioso. Não há nada como isto em
toda a criação. O próprio Espírito está em Cristo, (a cabeça) e na Igreja,
dando vida e direção a todo o corpo. Veja a glória, a honra e a segurança da
Igreja! O privilégio de entender como a Igreja manifesta a glória de Deus, é
maior do que possuir toda a sabedoria do mundo ímpio.
2. Cristo comunica-Se a nós, criando em nós uma natureza nova, a qual é a
própria natureza de Cristo formada em nós. Somos participantes da natureza
divina em medidas diferentes, mediante as promessas preciosas do Evangelho.
Esta natureza divina nos crentes é chamada: “O novo homem”, “uma criatura
nova”, “o nascido do Espírito”, “sendo transformado na imagem de Cristo”,
“feitura sua”, etc. (Veja-se Jo 3:6; Rm 6:3-8; 2Co 3:18 e 5:17; Ef 2:10 e
4:20-24; 2Pe 1:4). Ao dar-Se desta maneira a Si mesmo a nós, Cristo é-nos feito
sabedoria e santificação. Cristo diz respeito à Sua Igreja: “Ela é agora osso
dos Meus ossos e carne da Minha carne. Vejo-me a Mim mesmo e à Minha própria
natureza nela, e resulta-Me atrativa e desejável. Assim, por fim, Ele a
apresentará “a Si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante,
mas santa e irrepreensível ...” (Ef 5:27).
3. Dois efeitos resultam do facto de sermos unidos
com Cristo pela fé. O primeiro é um fornecimento contínuo de vida espiritual,
graça e fortaleza. Os membros da Sua Igreja vivem, porém já não vivem eles,
antes Cristo vive neles, e a vida que agora vivem na carne, vivem-na na fé do
Filho de Deus (veja Gl 2:20). O segundo efeito da união com Cristo é que a Sua
justiça nos é imputada como se fosse nossa, e recebemos todos os benefícios que
procedem dEle como nosso mediador (veja-se Rm 4:5). Poderíamos pensar também
noutras maneiras nas quais Cristo nos é comunicado a nós. Por exemplo, o Seu
amor é derramado em nossos corações pelo Espírito Santo e o nosso amor regressa
para Ele pelo poder omnipotente do mesmo Espírito. Não obstante, espero que já
tenhamos pensado o suficiente acerca da Glória da maneira como Cristo Se dá a
Si mesmo à Igreja para que os nossos corações estejam cheios de admiração e de
agradecimento maravilhoso.
"Meditations on the Glory of Crist" de John
Owen numa versão abreviada intitulada "The Glory of Crist"
Tradução de Carlos António da Rocha
John
Owen (Stadhampton, 1616 - Ealing, 24 de agosto de 1683) é, por
consenso, o mais bem conceituado teólogo puritano, e muitos o
classificariam, ao lado de João Calvino e de Jonathan Edwards, como um
dos três maiores teólogos reformados de todos os tempos.
Nascido em 1616, entrou para o Queen's College, em Oxford, aos 12 anos de idade e completou seu mestrado em 1635 aos 19 anos de idade. Em 1637 tornou-se pastor.
Na década de 1640 foi capelão de Oliver Cromwell e, em 1651, veio a ser deão da Christ Church, a maior faculdade de Oxford. Em 1652, recebeu o cargo adicional de vice-reitor da universidade, a qual passou a reorganizar com sucesso notável.
Depois de 1660, foi líder dos Independentes (mais tarde chamados de congregacionais, até sua morte em 1683.
Nascido em 1616, entrou para o Queen's College, em Oxford, aos 12 anos de idade e completou seu mestrado em 1635 aos 19 anos de idade. Em 1637 tornou-se pastor.
Na década de 1640 foi capelão de Oliver Cromwell e, em 1651, veio a ser deão da Christ Church, a maior faculdade de Oxford. Em 1652, recebeu o cargo adicional de vice-reitor da universidade, a qual passou a reorganizar com sucesso notável.
Depois de 1660, foi líder dos Independentes (mais tarde chamados de congregacionais, até sua morte em 1683.
Sem comentários:
Enviar um comentário