… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

segunda-feira, 12 de março de 2012

A glória de Cristo,

por John Owen
Tradução da obra "Meditations on the Glory of Crist" de John Owen, numa versão abreviada 
 intitulada "The Glory of Crist". 


CAPÍTULO 12


A diferença entre a contemplação presente pela fé da Glória de Cristo e o que veremos no Céu.

“Andamos por fé, não por vista.” (2Co 5:7) Nesta vida, caminhamos pela fé; na vida vindoura andaremos pela vista.

A visão que temos da Glória de Cristo pela fé neste mundo é escura e imprecisa. Como o Apóstolo Paulo diz na primeira Epistola aos Coríntios, “agora vemos por espelho, obscuramente” (1Co 13:12). Num espelho não vemos a pessoa mesmo, mas só uma imagem imperfeita dela. O nosso conhecimento não é direto mas é como um reflexo imperfeito da realidade. O Evangelho, sem o qual não poderíamos descobrir nada acerca de Cristo, está ainda muito longe de manifestar plenamente a grandeza da Sua Glória. O Evangelho mesmo não é obscuro, nem impreciso. O Evangelho é claro e direto, e manifesta abertamente a Cristo crucificado, exaltado e glorificado. O Evangelho é obscuro para nós porque não o entendemos perfeitamente. A fé é o instrumento pelo qual entendemos o Evangelho, mas a nossa fé é débil e imperfeita. Não há nenhuma parte da sua Glória que possamos entender plenamente. No nosso presente estado terrestre há algo como uma parede entre nós e Cristo. Mas às vezes vemo-Lo através das “janelas”, “O meu amado é semelhante ao gamo ou ao filho do corço; eis que está detrás da nossa parede, olhando pelas janelas, reluzindo pelas grades” (Ct 2:9). Estas “janelas” são as oportunidades que temos de escutar e receber as promessas do Evangelho através dos meios da graça e do ministério da Palavra. Tais oportunidades refrescam as almas daqueles que crêem. Mas esta visão da Sua beleza e Glória não é permanente. Então clamamos, “Como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por Ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus? (Sl 42: 1-2).

Quando voltarei a vê-Lo outra vez, ainda que seja somente através da “janela”?

Às vezes, como Job, não O podemos ver porque esconde o Seu rosto detrás de uma nuvem (veja-se Job 23:8-9). Em outras ocasiões manifesta-Se a Si mesmo como o Sol em toda a Sua força e não podemos suportar o Seu esplendor.

Agora, vamos comparar como veremos a própria Glória de Cristo quando estivermos no Céu. A nossa vista será segura, direta e imediata.

1. Cristo mesmo, em toda a Sua Glória estará contínua e realmente connosco. Já não teremos de nos contentarmos simplesmente com uma descrição dEle, como a que temos nos Evangelhos. Vê-Lo-emos cara a cara (1Co 13:12) e tal como Ele é (1Jo 3:2). Vê-Lo-emos com os nossos olhos físicos porque Job diz: “E depois de consumida a minha pele, ainda em minha carne verei a Deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, e os meus olhos, e não outros, O verão...” (Job 19:25-27). Os nossos sentidos corporais serão restaurados e glorificados duma maneira que não podemos compreender agora, a fim de que sejamos capazes de contemplar a Cristo e à Sua Glória, para sempre. Não veremos só a Sua natureza humana, mas, também contemplaremos a Sua divindade na Sua infinita sabedoria, amor e poder. Esta Glória será mil vezes maior do que algo que podemos imaginar. Esta visão de Cristo é a que todos os santos de Deus desejamos. Este é o nosso desejo “de partir e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor; deixar este corpo, para habitar com o Senhor” (Fl 1:23; 2Co 5:8). Aqueles que não têm com frequência este desejo são gente mundana e não espiritual.

2. Ninguém nesta vida tem o poder, nem espiritual nem corporalmente para ver a Glória de Cristo como realmente ela é. Quando alguns reflexos desta Glória divina foram vistos no monte da transfiguração, os discípulos foram confundidos e atemorizados. Se o Senhor Jesus viesse a nós agora em toda a Sua majestade e Glória, seríamos incapazes de receber algum benefício ou consolo desta aparição. Até o Apóstolo João, que foi muito amado, caiu aos Seus pés como morto, quando Cristo lhe apareceu na Sua Glória (Ap 1:17). Paulo e todos aqueles que o acompanhavam caíram em terra quando a brilhantez da Sua Glória resplandeceu sobre eles no caminho para Damasco (At 26:13-14). Quanto insulta a Deus quando a gente néscia faz quadros ou imagens do Senhor Cristo Jesus na Sua Glória! A única maneira na qual O podemos conhecer agora é por meio da fé. Ainda quando Cristo Ele estava na Terra, a Sua verdadeira Glória estava oculta pela Sua humanidade. Não podemos conhecê-Lo agora tal como Ele é verdadeiramente, cheio de Glória indescritível. Por natureza devido à nossa pecaminosidade, as nossas mentes estavam completamente cheias de maldade e de escuridão e éramos incapazes de ver as coisas espirituais corretamente. Agora, os crentes têm sido restaurados em parte e chegamos a “ser luz no Senhor” (Ef 5:8). Mas, as nossas mentes ainda estão limitadas pelos nossos corpos e por muitas debilidades e imperfeições que permanecem em nós. Estes obstáculos serão tirados para sempre no Céu (veja-se Ef 5:27). Depois da ressurreição, as nossas mentes e corpos serão livradas de tudo aquilo que agora nos impede de desfrutarmos de uma plena visão da Glória de Cristo. Então, um só ato de olhar claramente para a Glória de Cristo com o nosso entendimento glorificado nos dará mais satisfação e felicidade do que jamais poderíamos ter aqui por meio das nossas atividades religiosas. Temos um poder natural para entender e julgar as coisas desta presente vida terrestre. Mas esta capacidade natural não nos pode ajudar a ver e a entender as coisas espirituais. Isto é o que o Apóstolo Paulo nos ensina em 1Co 2:11-14: “Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus... Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.”

Então, Deus dá-nos a capacidade sobrenatural da fé e da graça. Ainda temos o nosso entendimento natural, mas é só pela capacidade espiritual que podemos ver as coisas espirituais. No Céu, teremos uma capacidade nova para ver a Glória de Cristo.

1. Como a regeneração não destrói antes incrementa a nossa capacidade natural; assim a luz que desfrutaremos na Glória não destruirá, nem anulará o poder da fé e da graça, mas antes as aperfeiçoará absolutamente.

2. Por natureza não podemos compreender completamente a essência da graça. Tampouco por meio da graça podemos compreender inteiramente a natureza da Glória. Não entenderemos perfeitamente a Glória até que sejamos transformados e nos encontremos no Céu.

3. A melhor ideia que podemos ter agora da natureza da Glória consiste em considerar que no momento da nossa transformação, seremos mudados na semelhança perfeita de Cristo.

Há uma progressão da natureza para Glória. A graça renova a nossa natureza; a Glória aperfeiçoa a graça, e assim a alma é completamente transformada e levada ao seu descanso em Deus. Temos uma ilustração disto na cura que Cristo realizou num homem cego (veja-se Mc 8:22-25). Este homem era completamente cego. Então os seus olhos foram abertos, mas não podia ver claramente. Via os homens como árvores que caminhavam. Mas logo, Cristo lhe tocou novamente e imediatamente ele pôde ver tudo claramente. Assim são as nossas mentes por natureza. A graça dá-nos uma visão parcial das coisas espirituais, mas a luz da Glória dar-nos-á uma visão perfeita e completo entendimento. Esta é a diferença entre a visão que temos agora e a visão que teremos na Glória.

Mas, havendo considerado a mudança realizada na nossa mente, pensemos agora nos nossos corpos glorificados. Quando o nosso corpo for ressuscitado do sepulcro, veremos o nosso Redentor. Estêvão realmente viu “a Glória de Deus, e a Jesus que estava à mão direita de Deus” (At 7:55). Quem não desejaria ter tido o privilégio dos discípulos, os quais viram fisicamente a Cristo quando Ele estava na Terra? Cristo disse-lhes que: “Muitos profetas e justos desejaram ver o que vós vedes, e não o viram” (Mt 13:17). Se isto foi um privilégio tão grande, quão glorioso será, quando com os nossos olhos purificados e fortalecidos, vejamos Cristo na plenitude da Sua Glória! Não podemos imaginar como será, mas sabemos que Cristo orava ao Pai para que estivéssemos com Ele e que víssemos a grandeza e a beleza da Sua Glória (veja-se Jo 17:24).

Enquanto estamos neste mundo “gememos dentro de nós mesmos, esperando a adoção, a redenção do nosso corpo” (Rm 8:23). Como Paulo, clamamos “Miserável de mim! Quem me liberará deste corpo de morte?” (Rm 7:24). Quanto mais perto alguém está do Céu, mais fervorosamente aí deseja estar, porquanto Cristo está aí. Os nossos pensamentos sobre Cristo são tão confusos e imperfeitos que conduzem a um desejo profundo de O conhecer melhor. Mas este é o melhor estado de ânimo em que podemos encontrar-nos. Peço a Deus para que não me seja tirado este desejo e para que o Senhor incremente estes anelos cada vez mais em todos os crentes.

O coração de um crente afetado pela Glória de Cristo é como uma agulha atraída por um ímã. Já não pode estar em paz nem satisfeito longe de Cristo, apesar de que se acerque com movimentos débeis e trementes. Empurra-se continuamente para Cristo e não pode encontrar descanso neste mundo. Mas lá no Céu com Cristo continuamente diante de nós, poderemos olhar sem cessar a Sua Glória. Esta visão constante trará um refrigério eterno e gozo às nossas almas. Se bem que não podemos entender agora como será esta visão final de Deus, sabemos que os puros de coração verão a Deus (Mt 5:8). Ainda na eternidade, Cristo será o único meio de comunicação entre Deus e a Sua Igreja.

Consideremos por um momento os crentes do Antigo Testamento. Eles viram algo da Glória de Cristo, mas só na forma de símbolos velados. Eles anelavam o tempo quando o véu seria tirado e os símbolos dessem lugar à realidade. Olhavam para o cumprimento das promessas divinas e para a vinda do Filho de Deus ao mundo. Em muitos casos existia mais do poder da verdadeira fé e amor nos seus corações do que podemos ver na maioria dos crentes de hoje. Quando Jesus veio, o ancião Simeão tomou o menino Jesus em seus braços e disse: “Agora, Senhor, podes despedir em paz o Teu servo, segundo a Tua palavra, pois os meus olhos viram a Tua salvação” (Lc 2:28-29).

Nós temos uma revelação mais clara da natureza única do Senhor e da Sua obra que aqueles crentes veterotestamentários. E a visão que teremos da glória de Cristo no Céu será muito mais clara e brilhante do que a revelação que temos agora. Se aqueles crentes oravam para que o véu e os símbolos fossem tirados, e desejavam muito fervorosamente ver a Glória de Cristo, quanto mais fervorosamente deveríamos nós orar para vermos a Sua Glória?

Já pensámos acerca da Glória de Cristo como manifestada em três graus. Primeiro, os crentes do Antigo Testamento viram-na através da Lei e dos símbolos. Segundo, no Evangelho temos uma semelhança perfeita desta Glória. Mas temos de esperar até que cheguemos à Glória onde Cristo está para podermos desfrutar da sua realidade.

Examinemo-nos a nós mesmos para ver se nos estamos apressando continuamente para uma visão perfeita da Glória de Cristo no Céu. Se não é assim, é uma evidência de que a nossa fé não é real. Se Cristo está em nós, Ele é “a esperança de Glória” (Cl 1:27). Muitos estão muito apaixonados pelo mundo para desejarem sair dele e irem para o lugar onde podem ver a Glória de Cristo. Estão interessados nas suas possessões, nos seus negócios ou nas suas famílias. Tais pessoas vêem a beleza deste mundo no espelho do amor próprio e as suas mentes são mudados na sua própria imagem egoísta. Por outro lado, os crentes verdadeiros deleitam-se ao verem a Glória de Cristo nos Evangelhos e também são transformados nessa mesma imagem.

O nosso Senhor Jesus Cristo é o único que entende perfeitamente a bem-aventurança eterna, a qual será desfrutada por aqueles que crêem nEle. Cristo ora para que “onde Eu estou, também eles estejam Comigo, para que vejam a Minha Glória” (Jo 17:24). Se presentemente podemos entender somente um pouco do que esta Glória significa, pelo menos devemos confiar na sabedoria e no amor de Cristo de que esta Glória será imensamente melhor do que algo que possamos desfrutar agora. Não deveríamos desejar continuamente ser incluídos na Sua oração?

Meditations on the Glory of Crist" de John Owen numa versão abreviada intitulada "The Glory of Crist"

Tradução de Carlos António da Rocha


John Owen (Stadhampton, 1616 - Ealing, 24 de agosto de 1683) é, por consenso, o mais bem conceituado teólogo puritano, e muitos o classificariam, ao lado de João Calvino e de Jonathan Edwards, como um dos três maiores teólogos reformados de todos os tempos.
Nascido em 1616, entrou para o Queen's College, em Oxford, aos 12 anos de idade e completou seu mestrado em 1635 aos 19 anos de idade. Em 1637 tornou-se pastor.
Na década de 1640 foi capelão de Oliver Cromwell e, em 1651, veio a ser deão da Christ Church, a maior faculdade de Oxford. Em 1652, recebeu o cargo adicional de vice-reitor da universidade, a qual passou a reorganizar com sucesso notável.
Depois de 1660, foi líder dos Independentes (mais tarde chamados de congregacionais, até sua morte em 1683.

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