… Mas o melhor de tudo é crer em Cristo! Luís Vaz de Camões (c. 1524 — 1580)

sábado, 17 de março de 2012

A glória de Cristo,

por John Owen
Tradução da obra "Meditations on the Glory of Crist" de John Owen, numa versão abreviada 
 intitulada "The Glory of Crist". 


CAPÍTULO 15


Um chamamento urgente a todos aqueles que ainda não são crentes verdadeiros em Cristo

Amiúde nos evangelhos, quando há uma descrição da excelência de Cristo como Salvador, há também um convite aos pecadores para que vão a Ele. Então, é correto que nestes últimos capítulos de nosso estudo sobre a Glória de Cristo, relacionemos esta verdade com nossa necessidade como pecadores. Cristo diz: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei.” (Mt 11:28) E “Se alguém tem sede, venha a Mim e beba” (Jo 7:37). Há várias razões pelas quais deveríamos fazer caso deste convite:

1. Muitos escutam a palavra pregada mas poucos são salvos. “Porque muitos são chamados, mas poucos, escolhidos.” A tolice maior do mundo consiste em deixar a consideração do nosso estado eterno para algum ponto futuro e incerto, ao qual possivelmente nunca pudéssemos chegar.

2. Não pense você que devido a que professa ser crente e está desfrutando das bênçãos externas do evangelho, você pertence necessariamente a Cristo. Você pode comparar-se a si mesmo com outros e pensar que é melhor do que eles. Mas se você descansa para a sua salvação em algum mérito pessoal ou justiça própria, então você está correndo o risco de ser enganado eternamente (Mt 3:9).

3. A menos que estejamos completamente convencidos de que sem Cristo estamos sob a maldição de Deus e que somos como os Seus piores inimigos, nunca iremos a Ele como nosso refúgio. Cristo não veio “chamar os justos, mas os pecadores ao arrependimento” (Mt 9:13). Então, se ainda não somos salvos, a nossa principal preocupação deveria ser a de ter um profundo sentido da condição miserável e perdida das nossas almas.

4. Agora, considere o amor infinito de Cristo em o chamar a si para que tenha vida, misericórdia, graça, paz e salvação eterna. Há muitas coisas nas Escrituras que são dadas para animar aos pecadores que estão sob a convicção para que vão a Cristo. Através da pregação dos ministros cristãos Cristo diz: “Porque morrerá? Porque não tem piedade da sua própria alma? Venha a Mim e Eu tirarei todos os seus pecados, as suas tristezas, os seus temores e as suas cargas. E dar-lhe-ei descanso para a sua alma”. Considere a grandeza da Sua misericórdia, graça e amor em o chamar tão sincera e urgentemente. Não permita que o veneno da incredulidade a qual conduz indevidamente à ruína eterna lhe faça menosprezar este convite para vir a Cristo.

5. Possivelmente você tenha começado a ir a Ele mas teme não ser recebido devido a que você tem sido tão pecador. Mas, o convite do evangelho diz que Cristo está disposto a receber a cada pecador que vai a Ele. O Pai, o Filho e o Espírito Santo concordam em que Cristo, o Senhor, está disposto a receber a todos os pecadores vão a Ele. É somente a incredulidade obstinada, a qual faz aparecer a Deus como mentiroso, a que sugere que Cristo não está disposto a receber os pecadores.

6. Considere o fato de que Cristo é tão capaz de nos salvar como também disposto para nos receber. Não salvará os pecadores que não se arrependam de seus pecados. Isto seria negar-Se a Si mesmo e atuar de forma contrária à Sua Palavra. Mas nada pode deter o Seu poder soberano, irresistível e omnipotente, para salvar aqueles que se arrependem. “É-Me dado todo o poder no Céu e na Terra.” (Mat 28:18) Cristo usará este poder para conceder a salvação eterna a todos os que vão a Ele. Eke disse: “Tudo o que o Pai me dá virá a Mim; e o que vem a Mim de maneira nenhuma o lançarei fora.” (Jo 6:37)

7. Pense profundamente sobre o Deus imensamente sábio e piedoso cujo propósito é que a Sua misericórdia, amor, graça, bondade, justiça, sabedoria e poder sejam manifestados em Cristo para a salvação de todos aqueles que crêem. Portanto, quem quer que vá a Cristo através da fé está por meio deste ato honrando a Deus. Quando os pecadores vão a Cristo, Deus recebe mais glória que a que receberia se estes pecadores tivessem guardado toda a lei. Não se engane a si mesmo pensando que é de pouca importância que vá a Cristo ou não. Se você recusa fazê-lo, este seria o maior ato de odeio contra Deus que você poderia realizar.

8. Considere que ao ir a Cristo, Ele chegará a pertencer-Lhe a si numa relação mais próxima que a que tem com a sua esposa, o seu marido ou com os seus filhos. Cristo está mais próximo dos crentes qualquer relação natural. Isto significa que quando você vai a Cristo, a Glória de Cristo lhe pertence. Parece-lhe pouca coisa, perante os seus olhos que Cristo lhe pertença? Parece-lhe como nada que a Sua Glória e a Sua bênção eterna pudessem ser suas?

9. “Como escaparemos nós, se não atentarmos para uma tão grande salvação?” (Hb 2:3) De todas as criaturas de Deus, os incrédulos que não se arrependem sob a pregação do evangelho são os mais maus e os mais ingratos. Os próprios demónios, ímpios como são, não são culpados deste pecado porque nunca tiveram a oportunidade de receber a salvação. Alguém poderia perguntar: “Então o que faremos?” Tome a advertência do apóstolo: “Se ouvirdes hoje a sua voz, não endureçais o vosso coração” (Hb 3:7-8). “Eis aqui agora o tempo aceitável, eis aqui agora o dia da salvação.” (2Co 6:2) Este é o melhor tempo (provavelmente será o melhor que você terá neste mundo) para assegurar-se da sua salvação. Cristo esperou muito tempo por si, e quem sabe se muito em breve pode tomar a decisão de o deixar a si mesmo, e então você jamais O encontrará.

A incredulidade muitas vezes disfarça-se com outras atitudes como as seguintes:

I. Alguns dizem: “Cremos na palavra pregada até ao ponto em que podemos. Obedecemos voluntariamente em muitas coisas e tratamos de não pecar. Que mais se requer de nós?” Pensando que cumpriram com o seu dever, perguntam igualmente como aqueles que perguntaram a Jesus em Jo 6:28: “O que faremos para que obremos as obras de Deus?” Simão, o mago, escutou a Palavra e creu tanto como pôde. Herodes escutava a pregação de João, o batista, mas nenhum dos dois foi um crente verdadeiro. Reações como estas podem ser imitadas por aqueles que de facto permanecem como incrédulos. Muitos hipócritas levam a cabo muitas atividades religiosas mas não possuem a fé verdadeira. A sua incredulidade é disfarçada por toda a sua “atividade”.

Há um acto especial de fé pelo qual alguém se rende completa e voluntariamente a Deus. Este ato especial é acompanhado por uma mudança que afeta a nossa completa natureza. “Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo.” (2Co 5:17) Sem este ato básico de fé, nenhum outro ato religioso é evidência de que uma pessoa é um crente verdadeiro.

II. Alguns dizem que tentaram ir a Cristo e a crer nEle, mas parece que não fazem nenhum progresso. No profundo do seu coração desesperam-se de não poder receber a Cristo como lhes é apresentado pelo evangelho. Eu pediria a estas pessoas que se recordassem dos discípulos que pescaram durante toda a noite sem pescar nada (veja-se Lc 5:3-6). Cristo aproximou-Se deles e lhes disse que lançassem novamente as redes. Pedro recordou ao Senhor de como tinha trabalhado em vão durante toda a noite e não obstante, perante a ordem de Cristo deitou novamente a rede, e esta se rompia por causa da grande quantidade de peixes. Acaso se cansou e desiludiu pelos seus intentos de ir a Cristo? Tente-o uma vez mais, e o Senhor lhe poderá conceder êxito.

Não são os seus fracassos, mas o dar-se por vencido o que poderia ser a sua ruína. Pense da mulher cananeia de Mateus 15:22-28. Ao princípio Cristo nem sequer lhe respondeu. Mais ainda, os discípulos pediram a Cristo que a despedisse. E se, por acaso, isto fosse pouco, Jesus disse-lhe que era enviado somente às ovelhas perdidas da casa de Israel. Mas ela não se deu por vencida, mas pelo contrário, adorou-O e disse-Lhe: “Senhor socorre-me!” Então Cristo respondeu-lhe: “Não está bem tomar o pão dos filhos, e deitá-lo aos cachorrinhos.” Se ela se houvesse dado por vencida então, ela nunca teria obtido misericórdia. Mas ela não tomou este “Não” como uma resposta, mas perseverou até que recebeu a sua petição. Poderá ser que você pense que tem orado muitas vezes sem êxito. Mas não se dê por vencido. “Bem-aventurado o homem que me dá ouvidos, velando às minhas portas cada dia, esperando às ombreiras da minha entrada. Porque o que me achar achará a vida e alcançará favor do SENHOR.” (Pv 8:34-35)

III. Alguns dizem que entendem que devem ir a Cristo e crêem nEle ou ficarão perdidos, mas agora estão muito ocupados, e consideram que no futuro terão tempo para pensar seriamente nisso. Poderá haver algo mais parvo do que pensar que as coisas corriqueiras do presente sejam mais importantes do que a miséria ou a felicidade de um estado eterno? Alguns assistem à pregação da Palavra, mas a linguagem do seu coração é: “Um pouco de sono, um pouco tosquenejando, um pouco encruzando as mãos, para estar deitado.” (Prov.6:10) Enganados desta maneira, milhares perecem cada dia. O maior êxito de Satanás é obter que as pessoas pensem que possuem muito tempo antes de morrer para considerarem o seu estado eterno. Recorde que a Escritura limita a sua oportunidade ao dia presente, e não lhe dá nenhuma certeza de que haverá outro dia para receber graça e misericórdia (veja-se 2Co 6:2 e Hb 3:7-13).

IV. Alguns encontram tanta satisfação em seus prazeres pecaminosos que não podem deixá-los. Se você for um deles, devo falar-lhe claramente a fim de que não tenha nenhuma dúvida de que você não pode ter esperança de misericórdia se o seu coração seguir obstinado a algum pecado. É obvio, que ao chegar a ser um crente verdadeiro, você não será livrado completamente da pecaminosidade da sua velha natureza. Mas você tem de amar a Deus ou ao mundo, a Cristo ou a Satanás, a santidade ou ao pecado. Não há nenhuma outra opção (veja 2Co 6:15-18). A respeito dos seus supostos prazeres, digo-lhe que a menos que você esteja em Cristo, ou você nunca teve realmente algum prazer. Uns quantos momentos para desfrutar dos gozos que se encontram nEle são melhores do que um largo período de tempo gasto nos prazeres deste mundo, sobre os quais está a maldição de Deus (veja-se Pv.3:13-18).

V. Há alguns que dizem que conhecem crentes que não são melhores do que eles, e portanto, eles deveriam considerar-se também como crentes. Eu lhes digo que há aqueles que se chamam crentes e que são falsos, fingindo ser o que não são. Mas eles terão de carregar o seu próprio julgamento. É também um facto triste que alguns crentes verdadeiros são descuidados na sua maneira de viver e deste modo desagradam a Deus e desonram a Cristo e ao evangelho. Mas estas não são as pessoas a quem você deve imitar.

O mundo não pode julgar os crentes com justiça. Somente uma pessoa espiritual pode discernir as coisas de Deus (veja 1Co 2:14). As debilidades e defeitos dos piedosos são vistos por todos, mas frequentemente as suas graças não se vêem. Quando você for capaz de julgar com justiça os crentes verdadeiros, então você estimará como a melhor coisa estar na companhia deles (Sl l6:3).

Meditations on the Glory of Crist" de John Owen numa versão abreviada intitulada "The Glory of Crist"


Tradução de Carlos António da Rocha


John Owen (Stadhampton, 1616 - Ealing, 24 de agosto de 1683) é, por consenso, o mais bem conceituado teólogo puritano, e muitos o classificariam, ao lado de João Calvino e de Jonathan Edwards, como um dos três maiores teólogos reformados de todos os tempos.
Nascido em 1616, entrou para o Queen's College, em Oxford, aos 12 anos de idade e completou seu mestrado em 1635 aos 19 anos de idade. Em 1637 tornou-se pastor.
Na década de 1640 foi capelão de Oliver Cromwell e, em 1651, veio a ser deão da Christ Church, a maior faculdade de Oxford. Em 1652, recebeu o cargo adicional de vice-reitor da universidade, a qual passou a reorganizar com sucesso notável.
Depois de 1660, foi líder dos Independentes (mais tarde chamados de congregacionais, até sua morte em 1683.

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