Frei Tomé de Jesus
Ó Médico De Minhas Misérias Diviníssimo
"Ó Médico de minhas misérias
diviníssimo, esforçai minha fraqueza, para quebrantar estas más inclinações; Oh
conhecedor de minhas imperfeições, que em mim vedes quanto pelo interior d'esta
alma estas más raízes entram, e o dano que me fazem, arrancai-as; o que vós
quereis, e sois servido, que faça, ensinai-me, e dai-me vontade para o fazer,
forças para o executar, e fortaleza para não temer dano, nem perda, nem mal,
que este corpo imagina que lhe virá, se vos servir. Dai-me, Senhor, que ame
toda a criatura, que me der algum trabalho, pois é instrumento de ser minha
culpa castigada. Dai-me que toda a tribulação me seja saborosa, e por ela vos
satisfazer por meus pecados. Dai-me que tanto me aborreçam meus pecados, quanto
gostei de os cometer. Dai-me que tanto ame a penitência, e a busque, como amei
a culpa. E porque vós sabeis o que me cumpre, a vossos pés piedosos me lanço.
Perdoai quanto quiserdes, castigai quanto quiserdes, e dai-me que eu outra cousa
não queira; aqui queimai, aqui cortai, aqui açoutai, aqui não perdoeis nada, mas
que para sempre me perdoeis."
In TRABALHOS DE JESUS, COMPOSTOS PELO VENERÁVEL PADRE FR. THOME DE
JESUS. TOMO PRIMEIRO
Lisboa, Em casa do editor A. J.
Fernandes Lopes, Rua Áurea, 152-154.
MDCCCLXV.
Frei Tomé de Jesus nasceu em
Lisboa, em 1529. De origem nobre, foi educado por Frei Luís de Montoia, no
Colégio de "N.ª Sr.ª" da Graça, em Coimbra. Em 1544 professou na Congregação dos
Eremitas de Santo Agostinho, no Colégio de "N.ª Sr.ª" da Graça, em Lisboa.
Em 1578, tendo acompanhado D.
Sebastião a África, foi capturado em Alcácer Quibir e morreu na prisão, entre
finais de 1582 e inícios de 1583.
Das suas obras, Trabalhos de Jesus, dividida em duas
partes (a primeira editada em 1601 e a segunda em 1609) e escrita enquanto
estava preso, é, sem dúvida, a mais importante. Escritos às escondidas, sem
livros de consulta, embora acusem leituras anteriores da escola de místicos
flamengos e alemães dos séculos XIV e XV, os Trabalhos de Jesus são
constituídos pela reconstituição imaginária de 50 dos padecimentos (ou
trabalhos) de Cristo, e ainda de outros passos da sua vida, seguidos de
exercícios ou preces de resignação e humilhação. Com o objetivo de consolar os
companheiros de cativeiro, elabora uma mística da dor, exaltando, em longas
enumerações, os sofrimentos padecidos por Cristo.
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